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domingo, 28 de setembro de 2014

MEMÓRIA PRESENTE III


A jornada antes do Evento Ocupa Nise 2014 ainda teve uma parada, Londrina, onde aconteceu o XIV Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua. Mas antes do Paraná, interlúdio no Rio de Janeiro.

Antes do encontro em Londrina, o Fórum de Arte Pública, junto com representantes da Universidade Popular de Arte e Ciência. Conversamos sobre a possibilidade de confirmar ou não o Encontro da RBTR na cidade do Rio de Janeiro. Quais as dificuldades, quando e onde. Seria interessante? Afinal era uma idéia que tinha nascido no encontro do Ocupa Nise 2013 e proposto por articuladores da RBTR que estavam no evento.  Avaliamos que seria muito bom que o Rio pudesse sediar o XV Encontro, principalmente sendo realizado dentro do Instituo Nise da Silveira, na Zona Norte da cidade, no espaço do Hotel da Loucura. Concordamos que sim, confirmaríamos o Rio no encontro em Londrina. E iríamos como delegação, com seis representantes, para sancionar o XV Encontro da RBTR, junto com o 4° Congresso da UPAC, em setembro, de 01 á 07, no 3° Ocupa Nise, ano de 2014.

Londrina – XIV Encontro
Paraná, cidade de Londrina. Segundo a história, Sir Simon Joseph Fraser, mais conhecido como Lord Lovat, quando veio ao Brasil e visitou o norte do Paraná, ficou encantado com a região. Com outros companheiros ingleses, fundou a Companhia de Terras do Paraná. Ao observarem a névoa característica da mata, viram semelhanças com a neblina da cidade de Londres. Para homenagear a capital da Inglaterra, batizaram o lugar de Londrina.

A cidade já foi a Capital do café e é a casa do famoso Tubarão, o Londrina esporte Clube, um dos mais tradicionais clubes brasileiros.

Ficamos alojados em um retiro afastado da cidade. Um local bem aconchegante e calmo. Muitos articuladores não puderam vir ao encontro e cancelaram a sua ida para Londrina, alguns em cima da hora. Apesar desse fator, o encontro no Paraná foi muito bom.

O começo não poderia ter sido melhor. A abertura se deu no Sesc poderia ter sido convencional, com as pessoas se deslocando para o auditório, sentando em suas cadeiras enfileiradas enquanto o palestrante ficaria em cima do palco, falando e atendendo pergunta. Não aconteceu nada disso, primeiro fizemos uma concentração em frente a porta da instituição. Roda formada, Humberto, mestre do cavalo marinho comandando a musicalidade regada a xote, forró e samba e com muita dança na ponta do pé. Foi com ritual e celebração, com dança, música (por que não falar: suco de cevada dos deuses do bar), que penetramos no prédio do Sesc, subindo as escadas em cortejo. Na frente, Daniel e Alexandre rodavam as suas saias, conduzindo a trupe até o local da palestra de abertura falando sobre Arte Pública. E foi dançando que entramos no auditório, onde sob desmontamos o convencional e formamos uma roda para dialogar com o Mestre Amir Haddad sobre o tema proposto.

No dia seguinte, no sitio onde o encontro estava sendo hospedado, iniciamos, antes dos relatos dos estados, com um pequeno vídeo, uma pílula, sobre o I Festival Carioca de Arte Pública, mas focado na Praça Tiradentes onde o Tá Na Rua era o grupo anfitrião. Muitos se emocionaram com o depoimento da Aquimi, nossa menina que coloca seu nome em um grão de arroz, falando que “ela não estava mais sozinha”. Foi bom, pois foi um bom dia onde o dialogo fluiu muito bem, com os relatos, com a poesia proferida pelo bom Daniel e pelos tambores de macumba que ecoaram dentro das paredes do sitio. A sala virou um terreiro, onde os pilintras deram pinta e as pombas giras rodaram suas saias. Foi nesta celebração, com a presença de Amir Hdaddad e de Vitor Pordeus, mentor do hotel da Loucura, que confirmamos o Rio como sede do próximo encontro da Rede, dentro do evento Ocupa Nise.

Fiquei pensando muito sobre isso, o fluir do movimento, sem determinar o movimento, o mesmo que acontece conosco quando estamos na rua nos apresentando, seguindo os acontecimentos. É uma questão que levantamos nas rodas, quando é que a rua entra no teatro de rua?

 E tivemos exemplos disso, quando assistimos as apresentações na Praça Floriano Peixoto, onde os moradores de rua entravam, falando e dançando. Era o fluxo da rua trocando e sendo organizado pelos espetáculos. Ignorar era uma influência negativa na apresentação. E como eles tem a aprender, como ensinar. Como não dá para ficar preso a determinadas regras, sem flexibilidade.

Essas questões ficaram na minha cabeça, inda mais quando tivemos uma vivência forte com o Sergio, paulista perdido nas esquinas de Londrina. Humilde em tudo e que participou com desenvoltura do espetáculo apresentado pelo grupo Rococoz, de São Paulo, depois tocando com o Pedro, músico local e finalizando com uma apresentação solo, tocando guitarra e cantando “Ouro de Tolo” do Raul Seixas, com desenvoltura e, o mais importante, com vida. Ao final, até os guardas da praça, que estavam implicando com sua caixa de sapatos e sua flauta de brinquedo, contribuíram com o chapéu que passamos para ele. O mendigo de inicio, encurvado, foi perdendo o fedor, o bafo, ficou perfumado, tirou o casaco escuro, ficou de camisa colorida, ficou ereto e fez a guarda municipal chorar com emoção. Isso tem um significado muito forte, pois se apresentar na rua não que dizer que esteja vendo o seu movimento. O chapéu do Sergio foi tão bom, que ele comprou comida com seus parceiros da praça e ainda teve um convite de trabalho, com o contratante se dispondo a resgatar toda a documentação que ele havia perdido. Este momento está melhor transcrito em outro artigo que breve estará degustado pela literatura. 

Mas como é bom isso, como é bom para a saúde de uma cidade ter uma arte pública em movimento, atuando nos espaços públicos. Como é bom é bom entrar na secretária municipal de cultura tocando os tambores e os funcionários dançarem com o nosso ritmo. Como é bom ver a secretária de cultura entrar na roda e dançar com os artistas. É protesto na sua melhor função, como proposta, sem ser um protesto.

Esses exemplos são a melhor maneira que pude encontrar para primeiro falar como foi importante o movimento que o encontro tomou em Londrina para dar uma melhor dimensão e harmonia entre celebração, apresentação e dialogo dentro de um encontro, com identidade e com sua forma de realizar uma plenária, sem o peso de ser uma plenária. Terminamos bem o encontro com um cortejo pelas ruas do centro da cidade, com a população nos parabenizando pelo colorido da tarde. Do alto Rogério declamava com destreza teatral a carta de Londrina.

Sabemos que não é fácil conduzir uma produção, mas o pessoal do MARL – Movimento de artistas de Rua de Londrina – fez um belo trabalho, onde fomos bem amparados, alojados e alimentados. Bato palmas para eles. Valeu Londrina.

Próxima parada, Rio de Janeiro.


NOSSA SENHORA DE LONDRINA

Destacada na parte oeste da Praça Floriano Peixoto, fica uma imagem de uma santa, mas não qualquer santa, é Nossa Senhora, extática, linda imponente com sua coroa dourada e seu manto branco e... vermelho. Estamos tão acostumados com a imagem de Maria com um manto azul que muitas vezes não ponderamos que ela pode se vestir com outras cores. Só a identifiquei pelo menino Jesus que tão carinhosamente segurava perto do coração. Coração de mãe. Coração bordado em vermelho e dourado, sem nenhuma faca atravessando o nobre músculo, símbolo da vida, de sangue e do amor. Curioso, me aproximei. Era uma estátua diferente. Do nada, ela se movimenta e como mágica, das mãos do menino Jesus brota um minúsculo papiro, do tamanho de um grão de bico, no formato de um rolo e fechado por uma fitinha fina vermelha. Desenrolo o pequenino pergaminho e leio o seu conteúdo: “Vivo nas Estrelas porque é lá que vive minha Alma – Manoel Bandeira.”

Encantado com a destreza e a beleza tanto da frase, como do gesto, dos movimentos em total sintonia e destreza, deslizei pelo pequeno altar montado em sua frente um pequeno donativo em oferenda ao presente recebido. A Santa encurva-se um pouco em agradecimento e modificando sua posição, coloca o menino em outra posição, mas a frente, do jeito como a mão eleva o filho para apresentá-lo ao mundo, voltando a sua inércia. A mais bela imagem que encontrei pelas ruas de Londrina, uma Santa Viva.


Herculano Dias

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