Adailtom Alves Teixeira[1]
A liberdade é imprescindível para o desenvolvimento das artes.
É possível garantir esse desenvolvimento quando à sociedade dá uma guinada
conservadora, se pautando por valores morais? Atos recentes ocorridos em museus
brasileiros e promovidos por certo “movimento” de olhos nas eleições que se
aproximam, lançam o alerta fundamental: mais do que o desenvolvimento da arte,
o que está em jogo é o tipo de sociedade que estamos construindo; que direção
essa sociedade está tomando. Mas a arte passa a ser importante como sinal,
justamente porque ela sempre foi desimportante, principalmente se tomarmos como
parâmetros programas públicos de cultura construídos no tempo de nossa jovem
democracia, isto é, nos últimos 30 anos.
A arte que acredito deve ter a possibilidade de disputar o
imaginário e apontar novos rumos da sociedade, muito embora não seja a arte em
si que mudará o país, o mundo. Para que essa arte possa disputar esse
imaginário se faz necessário a liberdade, em sentido amplo, pois em uma
sociedade de mercado, a censura, na maior parte das vezes, vem pela via
econômica, por isso a discussão aqui ficou atrelada, minimamente, à questão das
políticas públicas de cultura, ou seja, de como essa mesma sociedade é capaz de
entender sua arte e disputar mecanismos de fomento dentro do Estado para que
ela cresça e floresça. E aí a cobra morde o próprio rabo, pois em três décadas
de nossa jovem democracia temos experiências pontuais de políticas públicas
democráticas na área da cultura, mas a grande orientação é mercadológica e não
de processos de fomento que permitam a experimentação político-estética. Basta
dizer que, no âmbito federal o nosso modelo ainda é a Lei Rouanet. Ou se
pegarmos qualquer uma das sete artes, todas que tem grande expressão social são
ligadas à indústria cultural. E aqui não cabe e não farei a discussão entre
cultura popular, de massa e erudita, isso porque essa separação é histórica e,
talvez um dia, sejamos capazes de superá-la, embora saibamos que existem muitas
diferenças, mas foge ao escopo da discussão.
Como apontamento em relação à construção de políticas
públicas de cultura, cabe deixar claro que, nem mesmo no chamado melhor período
de nossa jovem democracia, os anos de governo democrático popular, fomos
capazes de construir algo duradouro e os retrocessos vêm em avalanche: desmonte
do Minc, ausência de programas públicos de cultura em lei, desmonte do que há
nas principais metrópoles – o que demonstra que os artistas não foram capazes
de construírem grande lastro social, a ponto dos demais seguimentos sociais lutarem
com os artistas pelas conquistas – e, mais recentemente, a censura pública por
parte de pequenos grupos conservadores, mas com uma forte capacidade de intervenção
midiática e com apelo popular, devido à disseminação do medo. Esse aspecto, o
desmonte e o retrocesso social, deixa claro um ponto fundamental, ao menos em
relação ao campo aqui em discussão: a esquerda em nosso país nunca deu a devida
atenção à força e ao papel da arte na sociedade, somos vistos como penduricalhos
à direita e à esquerda.
Quando não somos reconhecidos como importante nem mesmo pelos
elementos progressistas, padecemos do abandono do Estado – que, apesar de ser
instrumento de dominação de uma classe sobre a outra, deve ser disputado, pois é
onde, ainda, estão os instrumentos de regulação social. Abandonada pelo Estado,
a arte passa a contar apenas com instrumentos de regulação econômica, isto é,
deve ser vendável para sobreviver. Ora, em uma sociedade pautada pela moral,
fica claro que arte se destacará: o rebotalho midiático, a indústria cultural.
Isso significa que não haverá outra forma de arte? Claro que não, onde há
opressão há resistência. Mas não se pode esquecer que os meios materiais também
determinam a estética, logo uma arte de resistência talvez fique mais frágil, por
mais que se deseje ou se espere o contrário.
Devemos lutar pela liberdade da arte, mas não apenas nós, os
artistas, mas sim como sociedade. Sabemos que a liberdade é uma construção
social; como construir a liberdade em uma sociedade conservadora? Retomo aqui o
texto de Raymond Williams de 1978, Arte:
liberdade como dever. O autor discute a liberdade e o dever na arte,
entende que “[...] o primeiro dever do artista, em um sentido importante, é ser
livre, e o primeiro dever do provimento social das artes é assegurar a
liberdade” (2015, p. 131). Claro, o lugar de fala do autor é diferente do
nosso, mas nos serve. O autor sabe dos limites da liberdade em uma sociedade de
mercado, ainda assim, entende que a liberdade nas artes é “[...] uma
necessidade social” (2015, p. 132). Logo, temos uma tarefa: engajar a maior
parte da sociedade na discussão.
Essa
necessidade de muitas vozes é uma condição de saúde cultural de qualquer
sociedade complexa e, assim, a criação de condições para a liberdade do artista,
nesse sentido, é dever da sociedade, não para o bem de qualquer artista
individual, nem em termos de discussões abstratas sobre direitos, mas
simplesmente porque a sociedade precisa de toda experiência articulada e de
todas as criações específicas que puder obter (2015, p. 133).
Nascemos no seio de uma família, de uma sociedade e em
determinado tempo histórico, logo, a arte que se produz não está dissociada
disso tudo. Então cabe perguntar: se não formos capazes de mobilizar, de
avançarmos em um debate público sobre a liberdade da arte, o que as próximas
gerações estarão produzindo artisticamente daqui a trinta anos? Talvez nossa
capacidade de criação, de inventividade seja maior que isso, haja vista, a
produção que a periferia das grandes cidades tem dado como resposta artística, inclusive
sem apoio do Estado; mas, ainda que seja alentador esse olhar, é preciso lutar
agora para que não tenhamos nossa capacidade de resiliência ainda mais diminuído
nas próximas décadas. A nossa liberdade é sempre relativa, todo artista é filho
de seu tempo histórico, logo sua criação não foge totalmente a isso. O artista
do futuro dependerá da sociedade que formos capazes de construir no atual
momento histórico.
Bibliografia
WILLIAMS, Raymond. Arte: liberdade como dever. In: WILLIAMS, R. Recursos da esperança: cultura, democracia, socialismo. Trad.: Nair
Fonseca e João Alexandre Peschanski. São Paulo: EdUnesp, 2015.
[1]
Professor do Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia;
Mestre em Artes pela Unesp; articulador da Rede Brasileira de Teatro de Rua;
ator e diretor teatral.