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quinta-feira, 27 de junho de 2019

Carta ao Presidente da República - RBTR


Brasil, 27 de junho de 2019. 

Dia Nacional da Tomada do Brasil Pelas Artes Públicas
em memória a Luana Barbosa, assassinada pela polícia militar.


Carta ao Excelentíssimo Sr. Presidente da República,

A RBTR - Rede Brasileira de Teatro de Rua, agregadora de artistas, ativistas e coletivos nesta esfera do teatro brasileiro, bem como pesquisadoras(es) das artes cênicas, educadoras(es) populares e professoras(es) de escolas e universidades públicas, além de profissionais dos mais diversos campos da Cultura, nos 26 estados do Brasil e Distrito Federal, vem, por meio desta, parabenizar o Excelentíssimo Presidente da República, Sr. Jair Messias Bolsonaro, pela escolha do Sr. Roberto Alvim para a condução do Centro de Artes Cênicas da FUNARTE. Ninguém, na ampla área cultural deste país, teria maior capacidade de se integrar a um governo desta natureza, somando-se a um quadro tão distinto de "profissionais" do atual governo federal, nomeados por Vossa Excelência.
O Teatro é uma arte difícil, de elaboração complexa e plural, poética. Teatro este, que não nasceu na Grécia, mas nas ruas e nos ritos visceralmente populares, nos corpos de uma gente que sempre foi morta pelos "vencedores" que contam a história oficial: a classe dominante. Sabemos da importância de nossa poética e prática e das formas plurais e complexas, por meio das quais ela se manifesta, em sua capacidade de dialogar com a população que ainda caminha nas ruas insalubres desse Brasil, em especial nas periferias.
Nenhuma(um) artista desta Rede aceitaria fazer parte de um governo fascista, misógino, homofóbico e militarizado, que em tão pouco tempo, levou às alturas os índices de violência, feminicídio, fome e desemprego, sem apresentar à sociedade brasileira como um todo (e não apenas ao seu próprio contingente eleitoral) alguma proposta efetiva, que não esteja embuída de mais cortes nos investimentos sociais e de privatizações ao gosto do Grande Capital, especialmente do setor financeiro, de parcela considerável das igrejas evangélicas e do agronegócio.
Um governo que se declara inimigo da Educação não poderia ter alguém mais adequado do que o Sr. Alvim, fruto de uma geração teatral de grupo da cidade de São Paulo, a mesma que, agora, ele próprio condena, tendo convertido-se de maneira fanática à fé católica, em sua vertente mais reacionária, o que paradoxalmente dista-se até mesmo do que prega o atual Sumo Pontífice. Alvim perverte a história do Teatro com o discurso ideológico alinhado à lógica ilógica do projeto Escola sem Partido. O Sr Alvim, baseado em crenças individuais, visões milagrosas e passagens bíblicas mal interpretadas, além de repetidos plágios, divide a arte em dois lados e os coloca em uma "guerra", na qual, segundo ele, apenas o time "da esquerda" é ideológico e mal elaborado. Ao outro lado, o "conservador", para o qual ele conclama seguidores, cabe, a seu ver, a "verdadeira poesia" e a neutralidade.
A Rede Brasileira de Teatro de Rua, por sua vez, é uma realidade consolidada e conectada em todo o território nacional. Em suas ações, ela vem, há muito tempo, realizando inúmeras publicações, festivais, espetáculos e encontros municipais, estaduais e nacionais, agregando atualmente mais de 500 grupos teatrais e milhares de artistas em atividade. Somos a história viva de uma cultura que EXISTE E RESISTE, com ou sem o apoio do poder público; que lutou e conquistou leis, programas e editais públicos, com comissões democraticamente eleitas pela sociedade civil, para uma equilibrada divisão das verbas e investimentos publicos na Cultura, que considere sempre a diversidade e a liberdade na produção multidiversificada desse país tão distinto.
Nota-se, portanto, que estamos na contramão das expectativas do Sr. Alvim, o qual, logo em sua primeira ação, já busca impor à realidade apenas um tipo de arte como merecedora de investimentos. Isto tem nome antigo, Sr Presidente da República: "política de balcão". Ou, simplesmente: CORRUPÇÃO. Não nos resta a menor sombra de dúvida de que sua escolha significa um enorme retrocesso no setor das políticas públicas, tão arduamente conquistadas em conferências, encontros e debates nacionais. Não compactuamos com esse governo que é, SIM, ideológico e tem, SIM, um projeto de desmonte e de doutrinação cultural planejado, agora, aparelhado em instituições que eram para ser públicas e democráticas e que passam a se tornar máquina de propaganda aberta e declarada do próprio governo.
Na História, os grandes equívocos não se repetem duas vezes da mesma forma, Sr Presidente da República, a não ser da seguinte maneira: na primeira, como tragédia; na segunda, farsa. E nada nos parece mais farsesco do que essa ascensão patética do Sr. Alvim ao referido cargo na Fundação Nacional das Artes, completando, assim, o seu quadro ilustre dos ditos “representantes de Deus”, ainda cheios de dólares nas cuecas e clamando por justiça com armas nas mãos.
Estamos na platéia, não sentados pacificamente, mas como bons espectadores, com tomates à postos e merda nos sapatos, atentos ao desenrolar dessa história triste, resultado de sucessivos golpes, que nos impedem de calar. O tempo há de provar as injustiças e as máscaras já começaram a cair. E não são poucas.
O Sr. Presidente da República tem, sabemos, o direito de escolher seus colaboradores, mas saiba: o Sr Roberto Alvim jamais terá a legitimidade selada pelos seus pares da categoria cultural. Essa divisão medíocre e simplória que, em seu primeiro ato este colega elabora, com flagrante ignorância, tenda reduzir a apenas dois lados um front cultural de enorme Pluralidade, Liberdade de Expressão Artística e Diversidade Cultural que temos  produzido nos últimos anos, mesmo sem os investimentos necessários e políticas adequadas.
Considerando isto tudo, folgamos em saber que o colega Alvim sabe de que lado está, pois nós também sabemos (e muito bem!) o nosso lugar no carro alegre da História. E é somente porque o nosso teatro representa um perigo, ao despertar corpos e mentes para as tamanhas contradições que tem ocorrido, que este governo rapidamente se propõe a eliminá-lo. Proibindo a arte nos meios públicos de trânsito de trabalhadores, como já fez no Rio de Janeiro, ou elevando a cargos públicos da cultura, profissionais que agem em nome de único deus, num Estado que deveria, pela constituição, ser laico. Mas, Sr. Presidente da República, lembre-se que “a História será implacável com os que hoje se julgam vencedores”. Traidores não passarão.
Desde que este país foi invadido e que a matança de nossos povos originários teve início, nós resistimos. Os couros de nossos tambores se esticam no que resta de sol e seguimos fazendo barulho. Nosso teatro não é produzido em gabinetes ou palanques, mas nas ruas, nas vielas e favelas, florestas e assentamentos, quilombos e aldeias que, independente do governo em questão, permanecem vivas, por sua luta e história. Quanto mais nos encurralam, mais nós ficamos perto, juntos, em festa, estandartes de pé e olhos vivos, acendendo fogueiras e ensaiando novas peças, com ou sem o apoio de Vossa Senhoria.
Quando matam Marielle, multiplicam seu grito por todo planeta. Quando assassinam a Lua, nascem estrelas em cada pedaço de ceú. Não se enganem, apontando suas armas aos nossos coletivos e trabalhos. A força ancestral de todos os deuses e deusas desse teatro que pulsa, jamais se dobrará aos seus decretos. Esperamos, juntas(os), editais, comissões, prêmios e programas que sejam de fato PÚBLICOS e abrangendo tudo que nossa cultura já conquistou com muita luta.

“Se não nos deixam sonhar, não deixaremos vocês dormirem em paz”.