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domingo, 24 de maio de 2009

Falta público para o teatro ou falta teatro para o público?


Com o boom populacional, as cidades têm crescido de forma desordenada e São Paulo é uma das campeãs nesse aspecto. Nos anos oitenta, do século passado, começou-se a construir conjuntos habitacionais que pudessem abrigar a população de baixa renda. Se não dá para crescer pros lados, cresce-se para cima, verticalmente. Temos aí dezenas de conjuntos habitacionais espalhados por nossa metrópole.
O projeto Circular Cohab`s, realizado em seis comunidades em 2005 e depois por dezoito comunidades entre 2006 e 2007 pelo grupo Buraco d`Oráculo, percorreu uma pequena parte do que há na zona leste. Em todos os locais visitados o grupo encontrou dezenas e dezenas de pessoas, adultos e crianças, que nunca haviam visto teatro em suas vidas. Muitos jamais saíram de suas comunidades. A cada mês o grupo ficava em um local e apenas uma pequena parcela dos moradores do bairro assistiam aos espetáculos, em sua maioria crianças.
Acreditamos que o nosso projeto está apresentando o teatro a estas pessoas, mas daí criar o hábito, para que esta arte venha fazer parte de suas vidas, é outra coisa, ainda está muito longe. Eles teriam que ver muito teatro, diferentes linguagens e recursos utilizados por diversos grupos. Justamente por isso, nessa nossa “apresentação do teatro” a estas pessoas, fazemos questão de levarmos outros grupos teatrais, para que possam conhecer, no mínimo, um trabalho diferente do nosso. Já passaram por nosso circuito treze grupos. Esta é uma maneira dos espectadores verem trabalhos diferenciados e possibilidades de ver a arte teatral por ângulos diversos, no mínimo, vêem espetáculos diferentes dos nossos.
Mas tudo isso é pouco diante da imensidão de pessoas que nunca tiveram acesso à arte de representar. Toda referência que esses espectadores têm do representar lhes chega pela TV, por artistas globais que se apresentam para eles todos os dias, de maneira pontual. Não atrasam e não lhes faltam. Não há distâncias, não há fronteiras, não há dificuldades e além de tudo é confortável, pois podem vê-los no sofá de suas casas.
Como dizia o poeta, é preciso ir onde o povo está. A luta primeira é pela universalização do teatro, sem esquecer da qualidade, só assim, quem sabe um dia, poderemos vir a ser “importantes para toda a sociedade.” Pois se nós sabemos de nossa importância para a sociedade, o inverso não é verdadeiro. E só seremos importantes se nossa arte for conhecida por todos, aí talvez eles percebam que o teatro pode ter significância para suas vidas.
Portanto, não falta público ao teatro e sim teatro para o público. E se uma das leis da dialética diz que “a quantidade leva a qualidade”, precisamos de muitos artistas fazendo teatro por toda parte, para daí apurar o senso crítico desses espectadores, que por sua vez exigirá maior qualidade nos trabalhos, levando o artista a uma maior elaboração de seus trabalhos, que irá apurar ainda mais a criticidade do espectador, fazendo com que o ciclo se reinicie.

  Adailtom Alves, ator do Buraco d`Oráculo
  Publicado em A Gargalhada nº 07, Março/Abril de 2007, p. 06, revista para esta publicação em 24/05/09.

sábado, 23 de maio de 2009

O presentismo transgressor da cultura popular

Prefiro os farrapos da fantasia à camisa de força da ideologia. 
Amir Haddad


Desde a Antigüidade que a cultura popular é sempre negada, pouco estudada e pouco compreendida, desse período só nos ficaram os clássicos. O argumento ou a desculpa é de que o povo é grosseiro e rústico, daí não interessar estudar essa cultura que é muito transgressora, diferente da erudita.

As diferenças são muitas. Mas tomemos aqui apenas um aspecto dessa diferença: enquanto a cultura erudita assenta-se no respeito à norma, à regra, a cultura popular vai contra todo tipo de regra e cânones estabelecidos, sem esquecer-se de representar seu mundo e suas contradições.

Diferente do erudito que prende-se a regras construídas no passado, a uma tradição, o homem popular está preso ao presente, a vida cotidiana, por isso mesmo o riso é tão presente em sua cultura, sendo a piada e a paródia a forma de expressão pelas quais revelam seu desprezo pelas normas.

Quem nunca ouviu ou leu uma paródia de uma oração sagrada: oração do pinguço, os dez mandamentos do pinguço e tantas outras.

Quando morre uma personalidade, enquanto velam seu corpo, já circulam piadas entre os populares sobre o mesmo. Lembro-me que quando os “Mamonas Assassinas”, grupo que fazia um pop rock escrachado, morreram em trágico acidente de avião na Serra da Cantareira, tendo seus corpos despedaçados, ouvi no dia seguinte a seguinte piada:

Diz que Dinho (vocalista da banda) quando chegou ao céu encontrou Tom Jobim e este falou:
- E aí Dinho, vamos compor uma música juntos?

E Dinho responde:
- Ah! Agora estou sem cabeça.

Essa crueldade do humor popular é um enfrentamento da morte, revela uma vontade de viver a vida em cada momento. Enquanto prega-se que devemos velar os mortos, respeitá-los, os populares tocam suas vidas para frente. Poderíamos argumentar que trata-se de um morto distante e não um parente. Mas sabe-se que ao velar também os seus mortos, enquanto as mulheres choram, os homens “bebem o morto” e contam piadas ou aventuras do falecido e, é claro, só as engraçadas.

Outro aspecto é que essas criações, piadas ou paródias populares, não têm autoria. Alguém criou, mas não se preocupou em dá seu nome a obra, ao contrário, faz circular e os demais vão acrescentando mais e mais coisas, dessa forma a criação passa a ser de todos e a obra fica mais forte, refletindo sempre as contradições desse mundo. Essas obras tem, portanto, um rigor coletivo.

A cultura popular é muito rica e hoje, muitos artistas bebem nessa fonte, mas nem sempre compreendem esse “mundo sem regras”, pois retiram algo daquele universo e o enquadram em uma forma erudita cheia de regras, ou seja, retiram de um ambiente livre e o enquadram numa camisa de força e acreditam estar fazendo algo extremamente popular.

Adailtom Alves – Ator e Historiador
Publicado em A Gargalhada, nº 06, Janeiro/Fevereio de 2007, p. 02. Revisado para esta publicação em 23/05/09.