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quarta-feira, 17 de agosto de 2016
domingo, 7 de agosto de 2016
A rua e a comicidade popular
Adailtom Alves
Teixeira[1]
A rua, o popular e o cômico. Como esses três elementos se entrelaçam no teatro de rua
brasileiro atual? A rua é o espaço cênico, o popular é o universo inspirador e
estético e o cômico, presente na quase totalidade dos trabalhos, é o elemento
provocativo e reflexivo. Os três elementos unidos revelam posicionamentos
políticos, maneiras de ser e de fazer, portanto, demonstram a relação dos
coletivos com o mundo.
A rua
Se as cidades são grandes mercados, a rua, na sociedade
capitalista, é um escoadouro do capital, por onde circulam as mercadorias e a
mão de obra. Quando o teatro se coloca nesses ambientes rompe, mesmo que por
instantes, com essa lógica, pois dar novo significado e torna o transeunte um
espectador, um fruidor da arte teatral.
É possível definirmos o teatro de rua como uma manifestação
marginal que utiliza o corpo e o discurso no espaço aberto urbano a serviço do
estético, apropriando-se ou não da paisagem urbana como cenário, de maneira a
permitir a fruição a um público passante. Por isso mesmo se coloca em diálogo e
em disputa da concepção da cidade.
E por que o teatro de rua é marginal? Porque se contrapõe
as artes “oficiais” e, de certa forma, ao próprio modo de produção capitalista,
já que freia, ainda que por instantes, a circulação da mão de obra,
desordenando o espaço público, pois ao juntar as pessoas em torno de uma
apresentação, a rua perde o seu sentido originário de circulação e ganha um
novo, permitindo a relação estética. Além disso, não há cobrança de ingresso, o
espectador está preso apenas pelo interesse que o espetáculo possa despertar; assim
como não há hierarquias entre atores e público, ambos estão no mesmo nível e, a
rigor, não há limites para a interferência no espetáculo e ainda que pré-definido, se constrói em
relação com o público.
O popular
Embora muitas das vezes a cultura popular seja confundida e
vista apenas como folclore, nosso povo é criativo e sua cultura é dinâmica e
plural, merecendo saber sempre qual o contexto, o tempo, o lugar e qual o grupo
social ao qual estamos nos referindo. Por ser tema complexo, cabe perguntar:
cultura popular vem sempre do povo e a que povo se refere? Povo é um termo
complexo que mistura grupos sociais distintos.
Mas sem abandonar o termo "povo" e "popular", é importante
frisar que não é porque algo está no povo que vem dele, já que a cultura
dominante é sempre a da classe dominante. Logo, ter um olhar crítico acerca das
manifestações populares é fundamental, justamente para saber distinguir sua
expressão, seus valores daquelas impostas pelos valores dominantes.
Claro que essa atenção aos contextos está presente na maior
parte dos praticantes, já que existe uma relação dos grupos teatrais com suas
localidades, sem, no entanto, ficarem presos apenas a elas. Dessa forma, temos,
por exemplo, os gaúchos do Oigalê
mais empenhados em entender o universo sulista, sem esquecer sua inserção no
Brasil e no mundo, bem como grupos nordestinos, como o Quem Tem Boca É Pra Gritar, da Paraíba, que cria trabalhos a partir
de suas manifestações populares. Os coletivos citados, apesar de partir de sua
cultura local, seja como tema, técnica ou estética, não são reprodutores, mas sim
críticos de suas tradições. Assim, o pertencimento determina para que lado cada
coletivo caminha. Por outro lado, hoje, cada vez mais, todos estão ligados e
conectados com o mundo.
No fundo cada coletivo é fortemente influenciado pela
região que habita, pelas manifestações locais, ao mesmo tempo, a
possibilidade de trocas que vem ocorrendo entre os coletivos, modifica um
pouco essa perspectiva, prova disso são grupos do interior paulista começarem a
desenvolver pesquisas e espetáculos com mamulengo, uma manifestação popular
nordestina.
O cômico
Para Bergson o riso destina-se “à inteligência pura” (1983,
p. 12), por isso é crítico. Exige de quem ri distanciamento da situação da qual
se ri, não há envolvimento emocional. Em sua crueldade crítica, o riso precisa
de eco, isto é, o efeito cômico parece ter mais força em grupo. O cômico
necessita da ligação com a vida, com o real, pois se o riso é crítico, nós só
rimos do que conhecemos, jamais rimos do desconhecido. Ou seja, a criação
teatral precisa ter vínculos com a realidade.
Dentre as modalidades teatrais, há quantidade imensa de farsas,
porque oferecem inúmeras possibilidades de utilização do cômico. Para Georges
Minois, no seu livro História do Riso e
do Escárnio, o riso farsesco é a maneira que os indivíduos encontram para
extravasarem seus medos e angústias, “é o único meio de o indivíduo ter uma
desforra sobre as coletividades nas quais ele é integrado à força e que o
oprimem e protegem, ao mesmo tempo: paróquia, religião, família, senhoria,
corporação, bairro...” (2003, p. 204).
Com a farsa, vem também os elementos grotescos, muito
presente nas manifestações populares. O teórico russo Mikhail Bakhtin estudou o
popular da Idade Média e do Renascimento partindo da obra de Rabelais, para ele
o mundo rabelaisiano ou da cultura popular, é um mundo carnavalizado, uma
espécie de segunda vida do povo. “É a sua vida festiva.” Não se assiste ao
carnaval, mas se vive e essa vida se constrói “como paródia da vida ordinária,
como um ‘mundo ao revés’.” Por isso “o riso carnavalesco é em primeiro lugar
patrimônio do povo.” É também universal, já que atinge todos e, por fim, é
“ambivalente: alegre e cheio de alvoroço, mas ao mesmo tempo burlador e
sarcástico, nega e afirma, amortalha e ressuscita simultaneamente” (1987, p.
10).
O riso político, que tem raiz no teatro épico brechtiano,
também está presente em grande parte dos espetáculos de rua no Brasil. Para
Brecht a diversão no teatro era fundamental. Assim como Bergson, para o dramaturgo
alemão, o riso pode estranhar, não cria identificação, logo o espectador
analisa racionalmente o que lhe é apresentado.
Quando se juntam esses elementos – a farsa e o grotesco –,
aliados ao real que os rodeia (elemento político), o público se identifica (vê-se
representado), se reconhece, mas mantém-se distante, levando-os a um riso
crítico, sem envolvimento emocional. Por sua vez, a categoria estética do
grotesco é um elemento rebaixador de tudo aquilo que é elevado ou que se julga
elevado, provocando um riso derrisório e ambivalente, isto é, destrói o antigo
para que nasça o novo.
E por que ocorre a identificação no sentido de
pertencimento? Porque o público das ruas tem sido e continua sendo, na quase
totalidade, aqueles que, assim como o teatro de rua, estão à margem, à margem
dos bens culturais, à margem das políticas públicas. Assim, o teatro de rua,
quando antenados à realidade, lhes fala do mesmo lugar e com as mesmas
ferramentas que expressam os seus no dia a dia.
Bibliografia
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
François Rabelais. Trad.: Yara Frateschi Vieira. São Paulo: HUCITEC; Brasília:
Editora da Universidade de Brasília, 1987.
BERGSON, Henri. O
Riso: ensaio sobre a significação do cômico. Trad.: Nathanael C. Caixeiro.
2ª ed. Rio de Janeiro: ZAHAR, 1983.
MINOIS, Georges. História
do Riso e do Escárnio. Trad.: Maria Elena O. Ortiz Assumpção. São Paulo:
UNESP, 2003. SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 5ª ed. São Paulo: Nobel,
2000.
[1]
Professor do Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia;
Mestre em Artes pela Unesp; Ator e diretor teatral do Teatro Ruante;
Articulador da Rede Brasileira de Teatro de Rua.
quarta-feira, 3 de agosto de 2016
MANIFESTO DA REDE BRASILEIRA DE TEATRO DE RUA - Campo Grande/MS
Não nos peçam respostas pros nós que vocês criaram. Estamos aqui, em assembleia, com
perguntas, com questões. Estamos em assembleia. O que está aí não serve. O que estava não
servia. O que está pra vir é assustador. Não temos medo. Estamos em assembleia. Temos
nossa luta e nossos trabalhos em resistência. Temos trabalho de base. Temos formação de
quadro. Temos criação de linguagem. Organizamos nossas comunidades. Organizamos
mostras, festivais, encontros. Fazemos cortejos, atos, ações, manifestações, ocupações.
Estamos em assembleia. Sabemos qual é nosso lado e ele é o da classe trabalhadora que já
nem se reconhece mais. Mas estamos na história e a história é cruel, é crua, ela não tem
vácuo. A classe existe e é explorada. Golpe. Golpe. Golpe. Golpe. Golpe. Como falar de UM
golpe para os que são golpeados há séculos, todos os dias. Lutaremos contra cada um deles.
Teatro de rua. Presente. Cultura popular. Presente. Indígenas. Presente. Movimentos sociais.
Presente. Trabalhadores. Presente. Mulheres. Presente. Negros. Presente. Somos tantas.
Somos enormes. E já criamos nosso formigueiro. Pode parecer invisível mas nós já medimos
as forças e somos mais fortes porque as nossas(os) não lutam por dinheiro. Porque nós
somos golpeados juntos e resistimos juntos. Que bom ouvir berros, ouvir brados, ouvir
nãos! Ouvir não mais. Não mais em nosso nome. Se não pode se vestir com nossos sonhos,
não fale em nosso nome. Não mais fazer casas pra que os ricos morem. Não mais fazer o pão
que o explorador come. Não mais em nosso nome. É hora de dar nome aos bois. Levantar a
cabeça acima da boiada. Porque são tempos de tudo ou nada. ESTUDAR. REFLETIR.
CRÍTICA. CRÍTICA DIALÉTICA. PRÁTICA. Silêncios. Pausas. Engasgos. Choros. Ressaca.
Enjoo. Lama. Sangue. Assassinatos. Prisões. Repressão. Cortes. Mortes. Estamos tão
pessimistas que ficamos otimistas. Tempos diferentes se erguem. E queremos estar do lado
dos nossos. Perdendo, errando, tentando, existindo na alegria de ainda de querer-ser-humano.
Voltamos pras nossas aldeias, cheios. Preenchidas de nós! Salve quebrada nossa.
Salve periferia. Salve marginais. Salve Rede Brasileira de Teatro de Rua. Assembleia. Reunir.
Ouvir todas. Assembleia reunir. Ouvir todos. Senhoras e Senhores. Prestem bem atenção!
Enquanto não nos deixarem sonhar, não deixaremos vocês dormirem em paz.
CAMPO GRANDE. MATO GROSSO DO SUL. JUNHO DE 2016.
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