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terça-feira, 26 de maio de 2015

POR UMA ARTE REVOLUCIONARIA INDEPENDENTE

André Breton e Leon Trotski


1) Pode-se pretender sem exagero que nunca a civilização humana esteve ameaçada por tantos perigos quanto hoje. Os vândalos, com o auxílio de seus meios bárbaros, isto é, deveras precários, destruíram a civilização antiga num canto limitado da Europa. Atualmente, é toda a civilização mundial, na unidade de seu destino histórico, que vacila sob a ameaça das forças reacionárias armadas com toda a técnica moderna. Não temos somente em vista a guerra que se aproxima. Mesmo agora, em tempo de paz, a situação da ciência e da arte se tornou absolutamente intolerável.

2) Naquilo que ela conserva de individualidade em sua gênese, naquilo que aciona qualidades subjetivas para extrair um certo fato que leva a um enriquecimento objetivo, uma descoberta filosófica, sociológica, científica ou artística aparece como o fruto de um acaso precioso, quer dizer, como uma manifestação mais ou menos espontânea da necessidade. Não se poderia desprezar uma tal contribuição, tanto do ponto de vista do conhecimento geral (que tende a que a interpretação do mundo continue), quanto do ponto de vista revolucionário (que, para chegar à transformação do mundo, exige que tenhamos uma idéia exata das leis que regem seu movimento). Mais particularmente, não seria possível desinteressar-se das condições mentais nas quais essa contribuição continua a produzir-se e, para isso, zelar para que seja garantido o respeito às leis específicas a que está sujeita a criação intelectual.

3) Ora, o mundo atual nos obriga a constatar a violação cada vez mais geral dessas leis, violação à qual corresponde necessariamente um aviltamento cada vez mais patente, não somente da obra de arte, mas também da personalidade “artística”. O fascismo hitlerista, depois de ter eliminado da Alemanha todos os artistas que expressaram em alguma medida o amor pela liberdade, fosse ela apenas formal, obrigou aqueles que ainda podiam consentir em manejar uma pena ou um pincel a se tornarem os lacaios do regime e a celebrá-lo de encomenda, nos limites exteriores do pior convencionalismo. Exceto quanto à propaganda, a mesma coisa aconteceu na URSS durante o período de furiosa reação que agora atingiu seu apogeu.

4) É evidente que não nos solidarizamos por um instante sequer, seja qual for seu sucesso atual, com a palavra de ordem: “Nem fascismo nem comunismo”, que corresponde à natureza do filisteu conservador e atemorizado, que se aferra aos vestígios do passado “democrático”. A arte verdadeira, a que não se contenta com variações sobre modelos prontos, mas se esforça por dar uma expressão às necessidades interiores do homem e da humanidade de hoje, tem que ser revolucionária, tem que aspirar a uma reconstrução completa e radical da sociedade, mesmo que fosse apenas para libertar a criação intelectual das cadeias que a bloqueiam e permitir a toda a humanidade elevar-se a alturas que só os gênios isolados atingiram no passado. Ao mesmo tempo, reconhecemos que só a revolução social pode abrir a via para uma nova cultura. Se, no entanto, rejeitamos qualquer solidariedade com a casta atualmente dirigente na URSS, é precisamente porque no nosso entender ela não representa o comunismo, mas é o seu inimigo mais pérfido e mais perigoso.

5) Sob a influência do regime totalitário da URSS e por intermédio dos organismos ditos “culturais” que ela controla nos outros países, baixou no mundo todo um profundo crepúsculo hostil à emergência de qualquer espécie de valor espiritual. Crepúsculo de abjeção e de sangue no qual, disfarçados de intelectuais e de artistas, chafurdam homens que fizeram do servilismo um trampolim, da apostasia um jogo perverso, do falso testemunho venal um hábito e da apologia do crime um prazer. A arte oficial da época estalinista reflete com uma crueldade sem exemplo na história os esforços irrisórios desses homens para enganar e mascarar seu verdadeiro papel mercenário.

6) A surda reprovação suscitada no mundo artístico por essa negação desavergonhada dos princípios aos quais a arte sempre obedeceu, e que até Estados instituídos sobre a escravidão não tiveram a audácia de contestar tão totalmente, deve dar lugar a uma condenação implacável. A oposição artística é hoje uma das forças que podem com eficácia contribuir para o descrédito e ruína dos regimes que destroem, ao mesmo tempo, o direito da classe explorada de aspirar a um mundo melhor e todo sentimento da grandeza e mesmo da dignidade humana.

7) A revolução comunista não teme a arte. Ela sabe que ao cabo das pesquisas que se podem fazer sobre a formação da vocação artística na sociedade capitalista que desmorona, a determinação dessa vocação não pode ocorrer senão como o resultado de uma colisão entre o homem e um certo número de formas sociais que lhe são adversas. Essa única conjuntura, a não ser pelo grau de consciência que resta adquirir, converte o artista em seu aliado potencial. O mecanismo de sublimação, que intervém em tal caso, e que a psicanálise pôs em evidência, tem por objeto restabelecer o equilíbrio rompido entre o “ego” coerente e os elementos recalcados. Esse restabelecimento se opera em proveito do ”ideal do ego” que ergue contra a realidade presente, insuportável, os poderes do mundo interior, do “id”, comuns a todos os homens e constantemente em via de desenvolvimento no futuro. A necessidade de emancipação do espírito só tem que seguir seu curso natural para ser levada a fundir-se e a revigorar-se nessa necessidade primordial: a necessidade de emancipação do homem.

8) Segue-se que a arte não pode consentir sem degradação em curvar-se a qualquer diretiva estrangeira e a vir docilmente preencher as funções que alguns julgam poder atribuir-lhe, para fins pragmáticos, extremamente estreitos. Melhor será confiar no dom de prefiguração que é o apanágio de todo artista autêntico, que implica um começo de resolução (virtual) das contradições mais graves de sua época e orienta o pensamento de seus contemporâneos para a urgência do estabelecimento de uma nova ordem.

9) A idéia que o jovem Marx tinha do papel do escritor exige, em nossos dias, uma retomada vigorosa. É claro que essa idéia deve abranger também, no plano artístico e científico, as diversas categorias de produtores e pesquisadores. "O escritor, diz ele, deve naturalmente ganhar dinheiro para poder viver e escrever, mas não deve em nenhum caso viver e escrever para ganhar dinheiro... O escritor não considera de forma alguma seus trabalhos como um meio. Eles são objetivos em si, são tão pouco um meio para si mesmo e para os outros que sacrifica, se necessário, sua própria existência à existência de seus trabalhos... A primeira condição da liberdade de imprensa consiste em não ser um ofício. Mais que nunca é oportuno agora brandir essa declaração contra aqueles que pretendem sujeitar a atividade intelectual a fins exteriores a si mesma e, desprezando todas as determinações históricas que lhe são próprias, dirigir, em função de pretensas razões de Estado, os temas da arte. A livre escolha desses temas e a não-restrição absoluta no que se refere ao campo de sua exploração constituem para o artista um bem que ele tem o direito de reivindicar como inalienável. Em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a qualquer coação, não se deixe sob nenhum pretexto impor qualquer figurino. Àqueles que nos pressionarem, hoje ou amanhã, para consentir que a arte seja submetida a uma disciplina que consideramos radicalmente incompatível com seus meios, opomos uma recusa inapelável e nossa vontade deliberada de nos apegarmos à fórmula: toda licença em arte.

10) Reconhecemos, é claro, ao Estado revolucionário o direito de defender-se contra a reação burguesa agressiva, mesmo quando se cobre com a bandeira da ciência ou da arte. Mas entre essas medidas impostas e temporárias de autodefesa revolucionária e a pretensão de exercer um comando sobre a criação intelectual da sociedade, há um abismo. Se, para o desenvolvimento das forças produtivas materiais, cabe à revolução erigir um regime socialista de plano centralizado, para a criação intelectual ela deve, já desde o começo, estabelecer e assegurar um regime anarquista de liberdade individual. Nenhuma autoridade, nenhuma coação, nem o menor traço de comando! As diversas associações de cientistas e os grupos coletivos de artistas que trabalharão para resolver tarefas nunca antes tão grandiosas unicamente podem surgir e desenvolver um trabalho fecundo na base de uma livre amizade criadora, sem a menor coação externa.

11) Do que ficou dito decorre claramente que ao defender a liberdade de criação, não pretendemos absolutamente justificar o indiferentismo político e longe está de nosso pensamento querer ressuscitar uma arte dita “pura” que de ordinário serve aos objetivos mais do que impuros da reação. Não, nós temos um conceito muito elevado da função da arte para negar sua influência sobre o destino da sociedade. Consideramos que a tarefa suprema da arte em nossa época é participar consciente e ativamente da preparação da revolução. No entanto, o artista só pode servir à luta emancipadora quando está compenetrado subjetivamente de seu conteúdo social e individual, quando faz passar por seus nervos o sentido e o drama dessa luta e quando procura livremente dar uma encarnação artística a seu mundo interior.

12) Na época atual, caracterizada pela agonia do capitalismo, tanto democrático quanto fascista, o artista, sem ter sequer necessidade de dar a sua dissidência social uma forma manifesta, vê-se ameaçado da privação do direito de viver e de continuar sua obra pelo bloqueio de todos os seus meios de difusão. É natural que se volte então para as organizações estalinistas que lhe oferecem a possibilidade de escapar a seu isolamento. Mas sua renúncia a tudo que pode constituir sua mensagem própria e as complacências degradantes que essas organizações exigem dele em troca de certas possibilidades materiais lhe proíbem manter-se nelas, por menos que a desmoralização seja impotente para vencer seu caráter. É necessário, desde este instante, que ele compreenda que seu lugar está além, não entre aqueles que traem a causa da revolução e ao mesmo tempo, necessariamente, a causa do homem, mas entre aqueles que dão provas de sua fidelidade inabalável aos princípios dessa revolução, entre aqueles que, por isso, permanecem como os únicos qualificados para ajudá-Ia a realizar-se e para assegurar por ela a livre expressão ulterior de todas as manifestações do gênio humano.

13) O objetivo do presente apelo é encontrar um terreno para reunir todos os defensores revolucionários da arte, para servir a revolução pelos métodos da arte e defender a própria liberdade da arte contra os usurpadores da revolução. Estamos profundamente convencidos de que o encontro nesse terreno é possível para os representantes de tendências estéticas, filosóficas e políticas razoavelmente divergentes. Os marxistas podem caminhar aqui de mãos dadas com os anarquistas, com a condição que uns e outros rompam implacavelmente com o espírito policial reacionário, quer seja representado por Josef Stálin ou por seu vassalo Garcia Oliver.

14) Milhares e milhares de pensadores e de artistas isolados, cuja voz é coberta pelo tumulto odioso dos falsificadores arregimentados, estão atualmente dispersos no mundo. Numerosas pequenas revistas locais tentam agrupar a sua volta forças jovens, que procuram vias novas e não subvenções. Toda tendência progressiva na arte é difamada pelo fascismo como uma degenerescência. Toda criação livre é declarada fascista pelos estalinistas. A arte revolucionária independente deve unir-se para a luta contra as perseguições reacionárias e proclamar bem alto seu direito à existência. Uma tal união é o objetivo da Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente (FIARI) que julgamos necessário criar.

15) Não temos absolutamente a intenção de impor cada uma das idéias contidas neste apelo, que nós mesmos consideramos apenas um primeiro passo na nova via. A todos os representantes da arte, a todos seus amigos e defensores que não podem deixar de compreender a necessidade do presente apelo, pedimos que ergam a voz imediatamente. Endereçamos o mesmo apelo a todas as publicações independentes de esquerda que estão prontas a tomar parte na criação da Federação Internacional e no exame de suas tarefas e métodos de ação.

16) Quando um primeiro contato internacional tiver sido estabelecido pela imprensa e pela correspondência, procederemos à organização de modestos congressos locais e nacionais. Na etapa seguinte deverá reunir-se um congresso mundial que consagrará oficialmente a fundação da Federação Internacional.

O que queremos:
a independência da arte - para a revolução
a revolução - para a liberação definitiva da arte.

 


Cidade do México, 25 de julho de 1938

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Manifesto RBTR

SOMOS articuladores e articuladoras da Rede Brasileira de Teatro de Rua. Já há oito anos ouvimos, dialogamos, aguardamos, lutamos, rebatemos, sentamos, exigimos desse governo ações concretas e de fato efetivas pela arte pública e pela cultura do nosso país. Agora, o diálogo é única oferta já que o orçamento vergonhosamente vêm sumindo aos nossos olhos, ano a ano. Sentimos que o sim ao diálogo deixou de ser possibilidade de transformação para tornar-se um estado de legitimação de uma falsa democracia, de uma falsa participação, de um falso programa de cultura que nunca houve. 

Cansamos! Não da luta, cansamos desse tipo de política da migalha. Não vemos sentido em sentar e dialogar com um ministro ou secretário, se as conversas sempre esbarram na falta de verba. Por quais ralos escoam nosso dinheiro? No pagamento dos juros? No setor de marketing das empresas? Nos gastos com militarização? Nas poucas famílias que controlam a mídia? Nos megaeventos? Nas empreiteiras e sua especulação imobiliária? Nos bancos? Nesse discurso que se diz popular, democrático e participativo, nunca antes na história desse país, as instituições privadas lucraram tanto. 

“Não mexe comigo, que eu não ando só!” E por isso, fortalecemos a nossa luta, engrossando esse caldo com os professores, com os movimentos de moradia, com os movimentos pela saúde pública, com as pautas pela desmilitarização da polícia, com o movimento indígena, com as mães de maio, com o movimento contra o genocídio nas periferias, com as pautas de descriminalização da maconha, com os quilombolas, com os povos da floresta, com o movimento LGBT, com as culturas populares, com os movimentos feministas, com o movimento negro, com as periferias, com os trabalhadores e trabalhadoras de todo país. 

Não há como produzir pensamentos, pautas, programas e leis mais elaboradas para a cultura do que as já construídas nesses últimos anos. Sabemos o que queremos. Já fizemos inúmeras cartas, documentos, reuniões. O que é necessário para o fomento efetivo dos trabalhadores e trabalhadoras de cultura desse país, já está documentado há muito tempo. Resta pôr em prática. 

O dinheiro e energia das caravanas, das conferências e das reuniões, pra nós, torna-se agora um desperdício, um falso processo, uma falácia. Estamos reunidos, estamos conversando, continuamos nos organizando, mas agora seremos claros e diretos. 

Edital não é política pública. Exigimos: 

- os editais transformados em leis com dotação orçamentária própria, com comissões eleitas pela sociedade civil.
 - a criação da LEI PRÊMIO TEATRO BRASILEIRO, nessas condições. 
- a criação da LEI PRÊMIO PARA AS ARTES PÚBLICAS, nessas condições.
 - a mínima fatia do orçamento de 2% em nível federal, 1,5% em nível estadual e 1% em nível municipal (PEC 150) 
- o fim da renúncia fiscal, da Lei Rouanet e de seu simulacro, o Pro-cultura. 

No sentido de viabilizar essas pautas, estamos prontos. Unimo-nos a diferentes frentes de luta porque entendemos que o projeto maior é de uma sociedade que seja de fato pública e igualitária nas condições de sobrevivência de todos os seres-humanos. Não faremos figuração em eventos do governo, nem demonstraremos apoio a um governo que não cumpre suas promessas, tampouco aceitaremos nada menos que o mínimo produzido por nossa categoria em oito anos de muita militância e pensamento conjunto.

Sem mais. E com os nossos, cada vez mais... 

 Rede Brasileira de Teatro de Rua – Sorocaba/SP – 17 de Maio de 2015

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Lete ou dos esquecidos pelo progresso

Adailtom Alves Teixeira[1]

Lete em grego é esquecimento e também um rio que após a morte se atravessava para se esquecer da vida. O espetáculo Lete, da Cia. Beradeira de Teatro, é a tentativa de não esquecimento das mazelas do progresso. Criada em 2013 por Rodrigo Vrech, que assina a dramaturgia e a direção do espetáculo, a Beradeira é uma mostra viva de que a arte só é significativa quando não se aparta da realidade, mas sim busca entender e questionar seu tempo histórico. Aí cumpre sua função social.
O espetáculo Lete, apesar de ser uma ficção, passa em revista cem anos de história de Porto Velho/RO. Ainda assim, por tratar de problemas humanos e das mazelas do progresso na sociedade capitalista, poderia ser a história de qualquer cidade brasileira. Ao olhar mais atento, é como se o grupo de atores (Andressa Silva, Cláudio Zarco, Elizeu Braga e Rodrigo Vrech), jogassem perguntas ao público: o que nos traz o progresso? Na peça, entre outras coisas, uma disputa entre puteiros, uma guerra entre comunidades ribeirinhas e usinas. Quem ganha com o progresso? Apenas os mais fortes, que, por ironia do destino, nunca são aqueles que produzem. Tem sido assim a séculos. Progresso é desenvolvimento humano? Não. Mas homens se veem abandonando suas famílias na busca de melhores condições de vida; comunidades ribeirinhas, que tinham a subsistência da natureza, veem-se obrigados a se tornarem assalariados e deixar a fartura pela miséria. Lá no século XIX, Charles Baudelaire já alertava: “quando todos os indivíduos se aplicarem a progredir, então a humanidade estará em progresso”. Mas o progresso que vemos na peça, e todos os dias por aí, é o da exploração da natureza e de homens e mulheres.
Mas não pensem que esses temas trágicos e todos esses questionamentos fazem do espetáculo algo denso, complexo demais. Não. A comicidade está presente o tempo todo. Afinal, como alertava Brecht, a primeira função do teatro é divertir. E quando rimos, deixamos a emoção de lado, nos distanciamos, refletimos, usamos a razão. A comicidade é tanta que em alguns momentos os atores não se aguentam e riem de si, nesses poucos momentos, há perda, a cena se esvai, pois o humor de padrão televisivo ocupa a cena. Ainda que apenas por lapsos de tempo, merece um melhor cuidado.

A epicização do espetáculo chega a tal ponto que a própria obra passa a ser questionada. Em cena Andressa e Elizeu. Ela, levando à cena o discurso da empresa; ele, (n)a condição de ribeirinho, o outro lado; apresentam um choque de realidade. Realidade que é levada à cena em outros momentos, quando abrem para falar de recente ocupação de 540 famílias em Mutum-Paraná, em uma ação coordenada pelo Movimento dos Atingidos por Barragem. Como frisou o ator: “Isso é teatro. A luta das famílias é real”.
Tecnicamente, o grupo é bem equilibrado, bastante homogêneo. Os atores apresentam bom aterramento, fundamental na tratativa de assunto dessa natureza. A exceção de Rodrigo, os demais merecem um pouco mais de atenção com relação à voz. E, penso eu, que músicas, não apenas a capela, como as que foram executadas por Elizeu, poderiam dar um ganho maior ao espetáculo.
O teatro do Sesc, onde ocorreu a apresentação no dia 20 de maio,  estava lotado e ao término foram ovacionados. Um claro reconhecimento ao trabalho, mas, mais que isso, por parte do público é um se reconhecer em cena. Mais uma prova de que dialogam com seu tempo histórico, e isso mantém o teatro vivo, mesmo sendo uma arte tão antiga. Vida longa a Lete e a Cia Beradeira.




[1] Professor de Teatro na UNIR; ator, diretor e pesquisador de teatro.

terça-feira, 19 de maio de 2015

CARTA ABERTA DOS ARTISTAS DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO



No último dia 13 de maio, membros da sociedade rio-pretense, em especial artistas das mais diversas áreas, reuniram-se na Praça Cívica para organizar sua luta contra o descaso, o oportunismo e a falta de comprometimento da atual administração pública municipal em relação à Cultura desta cidade, não obstante os protestos e manifestações de indignação da classe artística ao longo dos últimos sete anos.
Aqui, a atual Secretaria de Cultura é moeda de troca, pagamento político para partidos apoiadores. Este apoio vem de "porteira fechada", trazendo em suas nomeações pessoas sem qualquer capacidade técnica ou conhecimento para a gestão pública na área da Cultura.  Não há um Programa de Cultura e a reflexão sobre o conceito de política pública cultural passa longe de nossos “gestores”. Enquanto isso, a Secretaria de Comunicação Social assume funções da pasta da Cultura, organizando eventos culturais, contratando artistas e realizando queda de braço com o atual Secretário de Cultura, que não tem força política e se mostra omisso diante desta situação.

Em nosso encontro foram enumeradas algumas das absurdidades que vêm sendo cometidas por esta administração na área da Cultura, quais sejam:

1) Golpes sucessivos na gestão orçamentária da pasta da Cultura:
Do orçamento de R$ 4.834.000,00 previsto para 2015, o prefeito Valdomiro Lopes retirou da pasta o valor de R$ 2.000.000,00 para atender demandas de outras secretarias, principalmente a Secretaria de Comunicação. O orçamento da Secretaria de Cultura, que era de apenas 0,3% do orçamento da Prefeitura, agora representa 0,1.5%! Nessa administração, se gasta R$ 300.000 com os Editais da Cultura e, ao mesmo tempo, se gasta R$ 750.000 com locação de banheiros químicos!

2) Disparate orçamentário:
Em 2014, a Secretaria de Cultura tinha um orçamento de R$4.829.000,00. Em 2015, o orçamento previsto foi de R$4.834.000,00, um aumento de 0,01%. A Secretaria de Comunicação tinha, em 2014, um orçamento de R$4.051.000,00. Em 2015, o orçamento previsto foi de R$7.398.000,00, um significativo aumento de 82%!

3) Desprezo ao Sistema Nacional de Cultura:
A Secretaria de Cultura insiste em não discutir o Sistema Nacional de Cultura, ignorando todas as reivindicações, argumentos e explicações sobre este sistema já apresentados pela classe artística em vários momentos desta gestão.

4) Desvalorização do trabalho de artistas e arte-educadores locais:
Os professores contratados para os Núcleos de Cultura restantes ganham R$ 15,00 por hora/aula e os artistas participantes do projeto A Hora do Conto recebiam apenas R$ 150,00, enquanto a Secretaria de Comunicação contrata artistas com cachês superiores a R$ 200.000,00. Um funcionário comissionado da Secretaria de Cultura pagou o cachê de R$ 30.000,00 para a banda do seu filho por apenas uma apresentação e, a despeito disto, continua no cargo.

5) Sucateamento dos equipamentos públicos:
O Teatro Municipal Humberto Sinibaldi Neto está sem equipamentos de luz e som e seus funcionários não podem realizar horas extras nos fins de semana, justamente nos dias de trabalho da classe artística.  A Casa de Cultura Dinorath do Valle está abandonada. Faltam estrutura e higiene no local. O palco do auditório tem buracos de mais de 1 metro de diâmetro. Os pisos das salas estão em péssima condição. O Teatro Municipal Nelson Castro tem 80% de sua pauta ocupada por eventos religiosos.  A Swift, complexo que já foi palco de grandes projetos culturais, foi tirada da Secretaria de Cultura e entregue à de Educação com a justificativa de que a primeira não possui verba para geri-la. Hoje está subutilizada. O Centro Cultural Daud Jorge Simão, que abriga a Biblioteca Municipal e a própria Secretaria de Cultura, está decadente e também insalubre. O Núcleo de Música Roberto Farath, no Jardim Soraya, está abandonado.

6) Esvaziamento dos eventos e projetos culturais públicos:
O FIT – Festival Internacional de Teatro vem sendo sistematicamente destruído, perdendo credibilidade em nível nacional e internacional em decorrência de fatores como: falta de pagamento de vários artistas e profissionais participantes; perda vários e importantes patrocinadores anteriormente conquistados, como Petrobras, Caixa Econômica Federal e Ministério da Cultura, dentre outros; perda da parceria com o SESC São Paulo; falta de transparência na prestação de contas. O FEM – Festival de Música – também sofre sucateamento. A Semana do Hip Hop não recebe qualquer apoio da SMC. O Janeiro Brasileiro da Comédia perdeu sua função formativa e crítica, por vezes apresentando uma programação de qualidade duvidosa. A Bienal do Livro afundou. O Carnaval não recebe repasse de verba com tempo hábil para as escolas se organizarem. Os Núcleos de Cultura foram dizimados por esta administração: dos 26 antes existentes restam apenas 4. A Hora do Conto, projeto que era realizado na Biblioteca Municipal e atendia 2.000 crianças, foi cancelado sob a alegação de falta de verba.  

7) Não cumprimento da Lei
O Programa Cultura Para Todos / Fomento Nelson Seixas é Lei. Aprovada na Câmara Municipal e sancionada.
No ano de 2014 apenas o Edital de Teatro foi lançado, o restante não saiu do papel. Isso é improbidade administrativa. A lei não foi cumprida. Para este ano, nenhum edital foi lançado e com o corte de R$ 2.000.000,00 na verba da Cultura, para ser repassada para outras Secretarias, os Editais das outras áreas corre o sério risco de não ser lançado por falta de verba. Mais improbidade administrativa.

Não podemos ficar de braços cruzados e coniventes com tanto descaso administrativo na gestão pública municipal.
Pedimos o apoio de todos os cidadãos brasileiros, artistas ou não, individualmente ou em coletivos, para que, por meio das ferramentas de que dispuserem, nos ajudem a tornar pública esta situação e nossa luta!
Contamos com vocês!

Câmara Setorial de Artes Cênicas
Câmara Setorial de Música
Câmara Setorial de Literatura
Câmara Setorial de Artes Plásticas
Câmara Setorial de Artes Visuais
Câmara Setorial de Cultura Popular

São José do Rio Preto 18 de maio de 2015.