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quarta-feira, 14 de julho de 2010

O teatro de rua na academia

Por Adailton Alves

No dia 25 de maio de 2010 começou, no Instituto de Artes da UNESP, o curso de extensão universitária "Apontamentos conceituais sobre teatro de rua", ministrado pelo professor doutor Alexandre Mate. A proposta de fazer o teatro de rua "penetrar" na academia vem sendo levado adiante, desde que foi criado o Núcleo de Pesquisadores de Teatro de Rua na cidade de Angra dos Reis, em maio de 2009, dentro do XIV Encontro de Nacional de Teatro de Rua. Na ocasião estavam presentes quinze pesquisadores de diversos Estados, alguns ligados a universidades públicas.

No primeiro dia do curso, estavam presentes quarenta pessoas interessadas em aprofundar a discussão teórica sobre teatro de rua. Muitas, vindas de outras cidades para acompanhar o curso que se estende até novembro. Os encontros mensais, mesmo sem o amparo oficial da universidade, já vinham ocorrendo com o professor Alexandre Mate desde fevereiro, quando ocorreu o primeiro, no Espaço Eureka, sede dos grupos Miolo e Núcleo Pavanelli na época.

O curso é uma continuidade das ações do Núcleo de Pesquisadores de Teatro de Rua, que tem entre suas prioridades "fazer o mapeamento dos coletivos teatrais que têm a rua como referência espacial prioritária na construção de suas respectivas estéticas, a fim de construir um acervo documental" (Carta do Núcleo de Pesquisadores de Teatro de Rua).[1]

Fazedores, pesquisadores, estudantes, entre outros, todos interessados em estabelecer um diálogo entre prática e teoria, realizado no espaço que foi criado para desenvolver o conhecimento: a academia.

Publicado originalmente em A Gargalhada nº 16, Junho/Julho de 2010, p. 7.




[1]Este e outros documentos, bem como artigos e críticas sobre teatro de rua poderão ser encontrados no blog WWW.teatroderuaeacidade.blogspot.com.

sábado, 10 de julho de 2010

Hospital Psiquiátrico São Pedro Uma História de resistência artística



Há dez anos os pavilhões 5 e 6, do Hospital Psiquiátrico São Pedro, começaram a ser usados para produção e apresentação teatral com o grupo Falus e Stercos e para Bienal do Mercosul, bem como gravação e filmagens cinematográficas. No final de 2001, a Oigalê entra em contato com a Direção e Oficina de Criatividade do HPSP para uma ocupação continuada, com ensaios, oficinas teatrais, construção e confecção de materiais cênicos, depósito e apresentações periódicas. Em 2002, a Oigalê leva ao Movimento dos Grupos de Teatro de Rua a intenção de que mais grupos participassem de um projeto de ocupação de espaços públicos ociosos.

Desde então, cinco grupos de teatro (Falus  & Stercus, Laboratório de Investigação Cênica, Povo da Rua, Corpo Estranho e Oigalê) e dois de dança (Artéria Dança e Purê de Batatas) se instalaram neste espaço. Cada grupo, naquele momento, passava a ser responsável por uma sala ocupada e, para tanto, dadas as condições de abandono do local, realizariam diferentes benfeitorias: remover piso velho, caiar as paredes, arrancar inço do pátio, etc. Inúmeras foram as produções fruto desta ocupação: temporadas de espetáculos, a pesquisa realizada no contexto de cada grupo e as oficinas, que contemplaram desde a comunidade dos bairros ao redor e os próprios internos do Hospital, até a classe artística.

Em janeiro de 2003, a nova direção do Hospital troca o cadeado de acesso aos blocos, impedindo a entrada dos artistas ao seu local de trabalho. Após este fato, os grupos buscaram uma parceria junto ao Instituto Estadual de Artes Cênicas (IEACEN) - órgão responsável pelo teatro e dança da Secretaria de Estado da Cultura, a fim de que tomasse frente desta "empreitada" junto aos grupos. O IEACEN e os grupos de teatro e de dança lançam o "Primeiro Centro Cênico Estadual", amplamente divulgado na imprensa escrita de nossa cidade, local visto por muitos artistas, jornalistas e políticos como uma vitória para a cultura de nosso estado. A ideia era que mais Centros Cênicos se espalhassem pelo Rio Grande do Sul, ocupando outros prédios públicos ociosos. A ocupação estava sendo oficializada e para tanto bastava que o secretário Estadual de Cultura e o secretário Estadual de Saúde assinassem um convênio de seção de uso, legalizando a presença dos grupos no Hospital pelo período mínimo de quatro anos.



Morangos e champanhe

Junto à assinatura deste convênio, os grupos organizaram o evento "Porta Aberta", cujo objetivo foi, durante 15 dias, abrir as portas à comunidade de forma gratuita para assistir a espetáculos, realizar oficinas, trocar idéias sobre política cultural e o fazer teatral.

Os grupos se organizaram e reformaram um banheiro existente no bloco 6 e refizeram e ordenaram o quadro de luz de ambos os blocos. No dia de lançamento do "Primeiro Centro Cênico Estadual", contávamos com a presença de autoridades, diretores do hospital, membros da classe artística, jornalistas, morangos e champanhe.

Esperamos a presença dos secretários de Cultura e de Saúde, mas não apareceram e nada foi assinado. Este contrato de seção de uso foi protocolado e ficou andando pelas gavetas das secretarias. Em 2005, após pressão dos artistas da cidade organizados através do Movimento de Grupos de Investigação Cênica de Porto Alegre e grupos do HPSP, foi realizada uma manifestação pacífica na SEDAC, contando com a presença de mais de 80 artistas. O contrato enfim foi assinado. Paralelo a estas ações políticas, a ocupação aconteceu de forma racional e convicta, e os blocos se tornaram um centro de produção e apresentação teatral da cidade, transformando a imagem do próprio Hospital São Pedro.

Muitos dos espetáculos lá produzidos receberam premiações em Porto Alegre e em outros estados. A história desta ocupação vem sendo relatada como uma conquista em encontros e/ou festivais de teatro pelo Brasil afora.

Com a troca de governo, em janeiro de 2007, os grupos voltam a procurar a SEDAC, que reafirmou o apoio ao trabalho já efetuado pelos grupos. No entanto, o destino do espaço é seguidamente mudado, conforme demandas políticas. Consequentemente, forçando os grupos a desocuparem o local. Foi feito um levantamento de prédios pelos grupos de teatro e pela Secretaria da Cultura, mas infelizmente não encontramos um que possa ser utilizado.

Determinaram a permanência dos grupos, sendo que foi feita uma vistoria, apontando as condições do local e uma futura reforma. Para nossa surpresa, numa manhã de março de 2007, durante um ensaio, recebemos uma carta assinada pela atual secretária de Cultura, informando que deveríamos fazer uma desocupação imediata, pois o laudo resultante da vistoria aponta o local como insalubre. Coincidentemente o prazo de nosso contrato estava por terminar.



Ocupação de espaços ociosos

Foi decidido que os grupos podem se manter no espaço até encontrarem outro espaço público "ocioso" e ficam proibidas as apresentações ao público em geral no local, devido às condições do local. Fomos novamente a busca dos espaços públicos ociosos e mantemos nossa sede funcionando. Novas reuniões aconteceram e novos "despejos" foram encaminhados. Constatamos que a cada reunião que passava algo novo era dito: necessidade de acessibilidade aos pavilhões, depois teríamos que desenvolver projetos conjuntos com a UERGS, posteriormente teríamos que ter um trabalho na área da saúde mental, enfim... A mudança de pensamento era tamanha que ficava claro que existiam outras questões políticas que envolviam a manutenção dos grupos no hospital.

Não nos negamos a deixar o local, apenas queremos assegurar outro espaço que comporte as necessidades dos grupos. Até o momento não o encontramos, e o prédio solicitado vem seguidamente sendo negado.

Esperamos que o Governo do Estado, ao encaminhar esta situação, considere os bens culturais ali produzidos e delibere em favor dos grupos teatrais que tem no Hospital Psiquiátrico São Pedro o seu local de trabalho.

A Oigalê não só quer trazer a sociedade um pouco da história dos grupos de teatro do HPSP, mas quer também que se coloque na prática a ocupação de espaços públicos ociosos por grupos de teatro e dança, constituindo assim centros culturais numa parceria público-privada.

Hoje resistem no local os grupos teatrais: Oigalê,Falos e Stercus, Povo da Rua, Neelic e Caixa Preta. Se você quiser saber mais sobre a ocupação e expressar a sua opinião a respeito, entre no site: www.oigale.com.br/blog.



Nota: Semana passada (segunda semana de junho) tivemos uma reunião com o novo Secretário de Estado da Cultura que em primeiro momento garantiu a permanência dos grupos e a assinatura de um convênio, até o final do ano de 2010 por uma permanência dos grupos e a garantia do retorno dos grupos depois do restauro dos prédios do São Pedro.



Oigalê

Publicado originalmente em A Gargalhada nº 16, junho/julho de 2010, p. 3.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

A Nova Política Cultural no Brasil e um Caso em Presidente Prudente

Plano Nacional de Cultura

            A valorização da cultura nacional depende de um decisivo e continuado apoio governamental. Esta é também a regra no resto do mundo, ou, pelo menos, nos países em que a cultura é considerada como um valor a ser preservado e promovido.
            No Brasil o financiamento do Estado tem outra importante função de igualar o acesso e democratizar os benefícios dos produtos culturais, disseminando-os entre os segmentos excluídos da sociedade. Não se pode admitir que a cultura seja apenas um acessório. A cultura tem que ser entendida como espaço de realização da cidadania, da superação da exclusão social e como fato econômico capaz de atrair divisas para o país e, internamente, gerar emprego e renda.
A cultura se impõe, desde logo, no âmbito dos deveres estatais. É um espaço onde o Estado deve intervir. Mas não segundo a velha cartilha estatizante e sim como um formulador de políticas públicas que estimulem a produção cultural.
            A política nacional de cultura atual esta organizada a partir de um Plano Nacional de Cultura que regerá a utilização de recursos da União, Estados e Municípios. Em todos esses níveis é necessária a existência de Conselhos de Cultura compostos pela sociedade civil e pelo poder público.
Para se ter uma idéia da dimensão do Plano Nacional de Cultura - PNC este tem por finalidade o planejamento e implementação de políticas públicas de longo prazo para a proteção e promoção da diversidade cultural brasileira. Documento este que irá orientar as políticas culturais brasileiras no prazo de dez anos.
O processo de construção do PNC é realizado em parceria pelos poderes Executivo e Legislativo do Governo Federal e visa à aprovação do projeto de lei do PNC, que tramita no poder legislativo federal desde 2006.
São objetivos do PNC:
- fortalecimento institucional e definição de políticas públicas que assegurem o direito constitucional à cultura;
- proteção e promoção do patrimônio e da diversidade étnica, artística e cultural
            - ampliação do acesso à produção e fruição da cultura em todo o território;
- Inserção da cultura em modelos sustentáveis de desenvolvimento socioeconômico;
- estabelecimento de um sistema público e participativo de gestão, acompanhamento e avaliação das políticas culturais.

O Novo Papel dos Conselhos Municipais de Cultura: o poder deliberativo

            Até recentemente os Conselhos de Cultura tinham papel de normativos e fiscalizadores das verbas públicas destinadas à cultura. Nos últimos anos os debates sobre a política cultural no país se fortaleceram na tese que defende a importância dos Conselhos se tornarem deliberativos. Isso significa que a sociedade civil terá, junto com o poder público, um papel de gestor e propositor de utilização de recursos e dessa forma ter um peso na destinação das verbas e da sua correta utilização.
            A decisão de tornar os Conselhos deliberativos em breve se tornará uma obrigação legal através da aprovação da PEC 150, caso o município se proponha solicitar verbas federais destinadas a cultura. Na prática o que ocorre é que alguns municípios já estão tornando seus Conselhos Municipais de Cultura deliberativos porque estão antecipando a aprovação dessa lei.
A PEC 150/2003 vincula para a Cultura 2% do orçamento da União, 1,5% dos estados e 1% dos municípios. A aprovação da proposta é defendida por representantes dos segmentos artísticos e pelos dirigentes estaduais e municipais, pois isso garantirá à destinação dos investimentos na cultura dos municípios.

Histórico Recente do Conselho Municipal de Cultura de Presidente Prudente (COMUC)

            Nos últimos anos a sociedade civil tem sido desafiada pelo Governo Federal para assumir como protagonista na destinação, fiscalização e normatização da utilização de verbas públicas em várias áreas e não seria diferente que um dia isso aconteceria para a cultura.
            Entretanto a sociedade civil nem sempre consegue ocupar esse importante espaço permitido pela evolução democrática conquistada no país. O resultado disso é a resistência do poder público municipal em aceitar esse protagonismo que é ainda o caso em Presidente Prudente.
            O atual impasse enfrentado pelo Conselho Municipal de Cultura de Presidente Prudente é a Secretaria Municipal de Cultura e do Prefeito Milton Carlos de Mello Tupã não legitima e não legaliza este Conselho constituído em abril de 2009 a convite do próprio Sr. José Fábio de Sousa Nougueira, ambos afirmando estar este conselho desativado.
            Em decorrência disso foi encaminhada pela Prefeitura Municipal uma lei complementar de forma precipitada para a aprovação da Câmara Municipal de Presidente Prudente, em regime de urgência, desconsiderando o trabalho até então realizado pelo Conselho Municipal de Cultura. O equívoco dessa conduta reside em não considerar o trabalho acumulado pelo COMUC, e que já em dezembro de 2009 havia apresentado um esboço de lei complementar. A proposta de lei complementar elaborada pelo COMUC não era definitiva e nem poderia ter sido encaminhada dessa forma. Quem deve encaminhá-la é o poder executivo, ou seja, a própria Prefeitura Municipal.
O problema reside na legitimidade deste Conselho Municipal de Cultura – COMUC, que atua desde março de 2009, e vive pleno processo de construção do Fórum Municipal de Cultura que é uma das exigências do Governo Federal, justamente a pedido do Sr. José Fábio de Sousa Nougueira, que agora parece desconhecer os fatos. A importância desse fórum será nortear os caminhos para a construção de um Plano Municipal de Cultura, uma Lei Municipal de Cultura que deverá destinar até 1% do orçamento do município à produção cultural, um mapeamento dos artistas de Presidente Prudente, que completam as exigências mínimas para que nosso município receba as verbas federais.
Tudo isso para dizer que uma lei complementar não é suficiente nem definitiva para resolver a demanda apressada da Prefeitura para tocar em verbas públicas federais, pois faz parte de todo um processo de envolvimento democrático, que não será forjado sem uma consistência e transparência nos seus delineamentos.
Estranho seria se depois desta aprovação de lei complementar enviada pelo Prefeito Municipal que ocorresse uma nova eleição para outra diretoria do COMUC. Não existe uma forma de destituição deste COMUC em vigência desde março de 2009, e se relembra que esse foi constituído a pedido do atual Secretario de Cultura que insiste em não validar uma solicitação sua e ainda informar à Câmara dos vereadores que este Conselho está desativado e ilegal. Há que se lembrar que esse COMUC só poderá existir se o poder executivo encaminhar uma lei complementar que dê legitimidade e legalidade ao mesmo que foi criado por uma iniciativa da Secretaria de Cultura, que agora dá as costas para estes conselheiros por eles convocados.
Resulta deste descompasso o desgaste do poder legislativo que perde tempo nobre para discutir assuntos inconsistentes encaminhados pelo poder executivo, bem como o COMUC tem que enfrentar a indiferença, omissão e ausência de respostas em tempo hábil para as demandas urgentes do setor cultural de nossa cidade.
            A Câmara de vereadores de Presidente Prudente mostrou-se sábia e não encaminhou para votação a lei complementar elaborada pelo Poder Executivo e decidiu marcar um diálogo entre as partes envolvidas. Isso será necessário para que seja construída uma proposta condizente com a política nacional de forma a evitar que todo trabalho seja refeito quando se verificar que a proposta do Poder Executivo é desconectada da realidade nacional para o seguimento cultural e destinação de seus recursos para sua sustentação.
            O impasse central dessa lei é o item de tornar deliberativo o papel do COMUC. Os poderes executivos se equivocam ao achar que apressadamente aprovando leis vazias, será suficiente para manter as verbas que até então recebiam do Governo Federal. Infelizmente, parece ser esse o caso que impede uma comunicação clara, aberta, democrática e respeitável entre o poder público local e a sociedade civil representada pelo Conselho Municipal de Cultura.
            Um aspecto importante da lei complementar que altera o atual COMUC é a inserção de novos conselheiros. Segundo informações obtidas através da Câmara Municipal de Vereadores há uma demanda de acréscimo de conselheiros no COMUC, o que não representa um problema imediato. No entanto, um conselho com mais de 40 conselheiros não parece ser tecnicamente produtivo, mas se existe uma demanda verdadeira isso deve ser respeitado.
            A desinformação e o desconhecimento geral têm permitido que o Secretário de Cultura de nossa cidade profira informações incompletas, inconsistentes sobre todos esses aspectos acima informados. Ele tem com essa atitude atrasado um processo inexorável de mudança que independe de sua vontade ou do COMUC e até da nossa Câmara de Vereadores que se permanecer nesse nível, acabará por inviabilizar a vinda de recursos para a cidade, como já deve estar acontecendo. Talvez, esses fatos explicariam tanta pressa e urgência para aprovar a lei complementar enviada a Câmara de Vereadores.
            Uma dessas informações infundadas fornecidas pelo Sr. José Fábio de Sousa Nougueira é que o COMUC não fez o encaminhamento dos documentos necessários para efetivação da atual diretoria desse conselho. Tanto essa documentação foi enviada, como há todo o registro que prova ser responsabilidade desse secretário todo esse atraso e dificuldade no andamento dos processos que legitimam o COMUC.
            O Ministério da Cultura percebendo que a resistência dos poderes executivos municipais bem como a sua deficiência técnica para elaborar um Plano Municipal de Cultura é enorme, estará visitando a cidade de Presidente Prudente com um corpo técnico que terá função de realizar um curso de capacitação para 54 municípios de nossa região afim de suprir de informações e procedimentos para consolidar o pacto com o Governo Federal e os municípios. A previsão para a realização desse curso oferecido pelo MINC esta previsto para o mês de julho.

Fernando Silva de Ávila – Rosa dos Ventos
Antônio Garcia Elisio Sobreira – Rosa dos Ventos

quinta-feira, 1 de julho de 2010

As artes sob pressão

As artes sob pressão

O Tá na Rua  se solidariza totalmente com a luta pela permanência do CICAS. Não podemos fechá-los, mas aumentá-los.  Estamos vivendo o fim do mundo e centros como estes significam o inicio da construção do futuro novo.  Todos  nós vivemos em sobressalto.  Noticias como  estas nos chegam  a todo momento. A historia  segue seu  trajeto, inevitavelmente! Temos de sobreviver ao desastre para nos  reconstruirmos  depois.

Amir Haddad
Tá na Rua – RJ

Foto: projetocicas.blogspot.com

Este editorial é um protesto! Um protesto contra as perseguições abusivas por parte do aparelho estatal contra as artes populares. Aqui nos restringimos ao campo das artes, mas poderíamos estender para tudo que é popular. Chegamos a primeira década do século XXI e os artistas populares e a arte que produzem continuam relegadas ao esquecimento ou sofrendo constantes ameaças.
Perseguição aos artistas, fechamento ou ameaça de fechamento de espaços culturais geridos por coletivos, rígida fiscalização, atores apanhando da polícia, proibição de eventos em praças públicas, tudo isso ocorrendo em 2010 em diversos lugares do Brasil. O que está ocorrendo? Retornamos à ditadura? Vivemos sim uma ditadura do mercado. Assim, toda e qualquer arte que se coloca como contra hegemônica, vem sofrendo perseguições. A constatação é dura, mas a realidade pode ser ainda muito mais.

O Centro Independente de Cultura Alternativa e Social (CICAS), situado no Jardim Julieta, zona norte da cidade de São Paulo, fez três anos de excelente trabalho no dia 18 de março de 2010. Todo seu trabalho é desenvolvido em um espaço que ficou anos abandonado pelo poder público. Lá é (ou era) possível encontrar uma biblioteca, um estúdio de gravação, oficinas gratuitas de capoeira, teatro de rua, inglês, iniciação musical, desenho, além de um cine clube, tudo mantido graças a iniciativa de alguns jovens abnegados e as parcerias que construíram nesses três anos.

Entretanto, "na última sexta-feira, 11/06/2010, durante plena atividade, as pessoas que se encontravam no CICAS e todos os móveis e equipamentos do espaço foram removidos a força. Fomos despejados do CICAS através de uma ação indevida e violenta da subprefeitura de Vila Maria/Vila Guilherme, apoiados pela Polícia Militar e a Policia Civil Metropolitana, agindo sem mandado de despejo ou qualquer outro tipo de documento" (Retirado do blog: WWW.projetocicas.blogspot.com). Depois veio o aviso de que o espaço seria derrubado e foi evitado (ou adiado) porque diversos coletivos, movimentos, políticos e a imprensa apoiaram e se mobilizaram pela permanência do CICAS. O apoio veio de todo o Brasil, sintetizado na epígrafe que abre esse texto. Seria importante nominar os coletivos que apoiaram, entretanto foram muitos e poderíamos cometer alguma injustiça deixando algum de fora.
Esta não é uma ação isolada ou pontual. Ainda na cidade de São Paulo podemos citar outros exemplos de projetos voltados à atender a comunidade e a população em geral e que vem sofrendo com ações repressivas. A II Trupe de Choque, que ocupou a "Usina de Compostagem de Lixo de São Mateus, desativada há vários anos" (retirado de Carta divulgada pelo grupo), de 2005 a 2009, por meio de projeto do Fomento quis retornar a esse lugar, que continua abandonado, mas até o momento têm sido impedidos. Outro exemplo: Durante o I Encontro de Mamulengo em São Paulo, mesmo com autorizações da subprefeitura da Sé e da CET, durante a abertura a fiscalização foi três vezes a Praça do Patriarca, ameaçando 'baixar' com a polícia para levar material dos mestres mamulengueiros que vieram de diversas partes do país para esse encontro.

Mas isso não se restringe a São Paulo. Em Fortaleza atores apanharam da polícia em praça pública, além disso, incitaram o público a agredirem também. Em Porto Alegre, diversos grupos que ocupam uma ala de um hospital psiquiátrico abandonado, vem sofrendo ação de despejo. As artes estão sob pressão, sofrendo diversas agressões. Mas não todas as artes, afinal algumas megas produções ou mesmo jovens artistas que se enquadram na ditadura do mercado tem sido apoiado com muito dinheiro, como é o caso da jovem cantora Mallu Magalhães que está autorizada, por meio da Lei Rounet, a captar R$ 778 mil para a turnê de seu segundo disco, lançado por uma grande gravadora.[1]Enquanto isso as artes populares sofrem com despejos, falta de apoio e reprimendas policiais. E ainda há quem acredite que vivemos numa democracia!



Publicado originalmente em A Gargalhada nº 16, junho/julho de 2010, editorial p. 2.




[1]A notícia pode ser encontrada no site: http://www.abril.com.br/blog/blogfonico/tag/mallu-magalhaes/consultado em 15/06/10.