Pesquisar este blog

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Política Cultural do Futuro



Política Cultural do futuro!

No festival Trupe Olho da Rua, ocorrido em Santos do dia 11 a 13 de fevereiro, teve como frase instigante: "O teatro privado é privado de quê?" deixando perguntas importantes além dessa!
A pergunta é se estamos realmente agindo em sentido a uma política cultura que nos aqueça e progrida para melhor?!?

Defendo então que nossos esforços mais ordinários nos levam para a vala comum do inútil.

O que pode ser verdadeiro em parte, mas não resolve a pergunta.

Se nosso esforço é incauto e colaboracionista temos nós uma artimanha para reduzir nossa ingenuidade e auto exploração pueril?

De forma pragmática é muito difícil delinear uma saída que não sejam as oferecidas, cito, Conselhos de Cultura, participação em comissões de elaborações de editais e prêmios e embates políticos com responsáveis oficiais desgastando e desmascarado suas intenções pobres para o orçamento público.

Política cultural funciona em três eixos pragmáticos: grana, ação e efetividade.

A grana sabemos dos modelos e elas são latifúndios e como todos - rompíveis
A açao exige priorização e elas são muitas (diversidade, continuidade, formação, extensão)
A efetividade é como valer o que se põe de esforço econômico e humano na ação com a grana da cultura.

Então fodeu!
Todas essas pragmaticidades só funcionam com incorporação de melhoria no trato com a famigerada democracia, que quando não é a burguesa é a narcisista e esquizofrênica.
Não há uma política cultural que escorra dessas objetividades. Ainda que filososficamente se escreva muita coisa interessante, o gás da política cultural está na grana, ação e efetividade.

E todas essas são nulas se não há o artistas, cultureir@s e quem se meta em cultura.

Nossa política cultural é pueril, ardilosa, legalista e auto-expropriadora da mais valia dos artistas.

Tudo isso que falo, deverá virar discurso fundamentado, virar lei e dotação e funcionar com os mecanismos particularidades de irrigação de todos os seguimentos.

Há como fazer isso sem ser em fóruns que primem pelo ato e correspondência democrática?
O teatro Privado é privado das privações! Desconhece que a população brasileira paga mais impostos e por isso, merece ter a percolação cultural que favoreça outras referências que não sejam as oferecidas pelo mercado!
_._,_.___

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Identidade, território e o teatro de rua

Identidade e Território Como Norte do Processo de Criação Teatral de Rua: Buraco d`Oráculo e Pombas Urbanas nos limites da zona leste de São Paulo[1]

Adailtom Alves Teixeira – adailton_alves@terra.com.br
Programa de Pós-Graduação em Artes – Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – UNESP
Mestrando – Artes Cênicas: Teoria, Prática, História e Ensino
Orientador: Prof. Dr. Alexandre Luiz Mate
Atuação Profissional: Diretor e ator do Buraco d`Oráculo

Resumo: A pesquisa tem por objetivo identificar nas criações feitas para a rua por dois coletivos paulistanos, Buraco d`Oráculo e Pombas Urbanas, como a identidade (sentimento de pertencimento a um grupo ou lugar) e o território (o espaço transformado em lugar) influenciam ou adentram seus espetáculos. Ambos os grupos estão sediados na parte leste da cidade de São Paulo, local habitado, sobretudo, por trabalhadores migrantes ou descendentes destes. Uma característica comum a ambos os grupos é criarem seus espetáculos partindo da observação da realidade na qual estão inseridos. Trataremos de dois espetáculos, Mingau de Concreto (Pombas Urbanas) e O Cuscuz Fedegoso (Buraco d`Oráculo), de forma a tornar claro a relação já aludida.

Palavras chave: Identidade e território; teatro de rua; Buraco d`Oráculo e Pombas Urbanas

Território e identidade

A constituição da identidade ocorre historicamente e dentro de limites territoriais e culturais. Se essa construção é cultural e histórica, o que seria a identidade hoje? Para Stuart Hall, não há mais identidade, e sim identificações. A contemporaneidade nos leva a assumirmos ou sermos ora uma coisa, ora outra. Michel Maffesoli também entende que passamos da identidade para a identificação, existindo uma preocupação apenas por "estar-junto" (1999, p. 301-2). Mas se a identidade modificou-se, o sentimento de pertencimento que forma o indivíduo identitariamente nunca foi tão fundamental como na contemporaneidade.
Quanto ao território, seu conceito se modificou ao longo da história, mas sempre esteve ligado a limites e ao terror (HAESBAERT, 2006), isto é, diz respeito aos limites de um Estado e a coarção imposta pelo mesmo para manter seu território. Com o tempo pode-se falar de território de maneira mais simbólica. Assim uma dada região, um lugar, um bairro, uma comunidade, são também territórios.
O território que nos interessa nesse trabalho está situado dentro da cidade de São Paulo, trata-se da zona leste, segunda maior região em extensão e maior em população, mais de quatro milhões de habitantes. É lá que são desenvolvidos os trabalhos artísticos dos grupos Buraco d`Oráculo e Pombas Urbanas. Ambos escolheram a rua como palco, tomando o homem comum como protagonista de seus espetáculos, optando por apresentar-se aos moradores da região, tomando como referência de criação o território que habitam e as situações que vivenciam ou presenciam, daí entendermos que seu pertencimento identitário diz respeito a classe trabalhadora, seu principal público.

O Mingau de Concreto elaborado por Pombas Urbanas[2]

            O Pombas Urbanas surgiu em 1989, em São Miguel Paulista, dentro do projeto Semear Asas, na Oficina Cultural Luiz Gonzaga, coordenado por Lino Rojas. O projeto foi cancelado, mas Lino Rojas ficou com os jovens, dando sequência ao trabalho e permanecendo com os mesmos por quinze anos. Em 2010 o Grupo fez vinte e um anos de existência.
            O Grupo, desde o inicio, realizou experimentações no espaço aberto, revisitando suas origens nordestinas, Os pássaros chorões que chegaram da Bahia, por exemplo, abordava a chegada dos migrantes a São Paulo, realidade de seus pais.
Em 1994 decidiram levar situações do cotidiano às ruas de São Miguel Paulista e denominaram esse projeto de Cagadas Urbanas, depois levaram a experiência para outros lugares da cidade. Cagadas Urbanas consistia em pequenas cenas, algumas já apresentadas anteriormente, outras, como "Buchudas", foram criadas para esse experimento. Muitas das cenas foram reelaboradas e levadas para o espetáculo Mingau de Concreto, dois anos depois.
Nesse período, o Grupo passou a residir no centro de São Paulo, observaram as situações e as "personagens" daquele lugar e foi daí que surgiu Perfume Francês, Kelly Cratera, Lady Dá, Ciclete de Onça, Evita Peido-Fino, Quitéria das Dores, Efigência, Lucinha Pureza e Chin Chon, vivido por Lino Rojas, uma espécie de mestre de cerimônia que apresentava as personagens, ao mesmo tempo em que cuidava do ambiente, protegendo os atores. As personagens pertencem a um mundo negado. Assim, via-se em cena: putas, travestis, negociantes de crianças, machões, entre outros. Apesar de independentes, as cenas compunham um todo harmônico desse universo popular urbano.
Uma das características da rua é a não hierarquia entre atores e público, assim não era novidade que a prostituta da cena fosse assistida por prostitutas reais, que lhes ensinava como realizar a cena. Essas personagens eram um grito daqueles cidadãos que acompanhavam na roda, cidadãos negados pelas políticas institucionais e pelo preconceito. Mas na cena carnavalizada pelo Grupo, o humano aparecia no riso festivo, impondo um rebaixamento do mundo "superior", que rejeitava aquelas pessoas e situações, mostrando que não há seres acabados, superiores. Dessa forma, remetiam ao utópico, a "um mundo em plena evolução no qual estão incluídos os que riem" (BAKHTIN, 1987, p. 11). Não há negação na cultura popular, ela é sempre inclusiva e foi o que ocorreu nas centenas de vezes que a peça foi apresentada.

O Cuscuz Fedegoso feito pelo Buraco d`Oráculo

O Buraco d`Oráculo surgiu dentro de um projeto coordenado por João Carlos Andreazza em 1998, na Oficina Cultural Amácio Mazzaropi. Os atores tiveram aulas de interpretação, preparação corporal, canto, percussão e técnicas circenses, todos voltados para rua. Foi produzido o espetáculo A Guerra Santa, que discutia a fé no fim do milênio. No espetáculo havia trinta e um atores, mas ao findar o projeto, ficaram apenas alguns que resolveram tocar adiante.[3]
Em 2010 o Buraco d´Oráculo fez doze anos de existência e desde  o inicio do Grupo três elementos nortearam suas criações: a rua, o popular e o cômico. A rua como espaço cênico, o popular como universo de inspiração e o cômico como elemento provocativo e reflexivo. O grotesco tornou-se fundamental nesses três elementos, já que na rua não há hierarquia entre atores e público, todos estão no mesmo patamar, apontando para uma carnavalização durante o espetáculo; o popular aponta para o não acabado em nós; e o cômico é inerente ao próprio grotesco.
O público para o qual se apresentam são fundamentalmente moradores da periferia leste de São Paulo, desde 2002 desenvolvem seus projetos nessa região, sobretudo em São Miguel Paulista. Os integrantes do Grupo entendem que é esse seu público, pois eles também são moradores dessa mesma região, daí seu universo de inspiração, daí a rua, local democratizante por definição.
Tomando a realidade que presenciavam, o Grupo criou o espetáculo O Cuscuz Fedegoso, escrita por Edson Paulo, ator do coletivo. Em cena, quatro personagens, dois deles com claros vínculos nordestinos: uma quituteira e uma raizeira (vendedora de ervas). Os demais personagens são um policial e um mendigo, representavam, respectivamente, o poder e aqueles que estão na parte inferior da pirâmide social. Ao mendigo restava apenas a astúcia para sobreviver, os demais, na luta diária, "empurravam" suas mercadorias em todo possível cliente. A autoridade, além de manter a ordem com muita violência, era extremamente corrupta.
Essa luta travada diariamente pela sobrevivência, tendo que enfrentar as dificuldades e tendo que corromper para poder ter "direito" a ganhar o pão, era o retrato e ainda é de muitos cidadãos paulistanos. O espetáculo, por causa de sua longa permanência em repertório, atravessou dois escândalos que diz respeito ao universo tratado: em São Paulo, o desdobramento da máfia dos fiscais que cobravam propina dos camelôs para que estes pudessem trabalhar, que vinha desde 1998; no Brasil veio o escândalo do mensalão – compra de votos dos parlamentares (2005-2006). O espetáculo tornava claro como a corrupção está em todas as instâncias e como é difícil a sobrevivência frente a tudo isso, sobrando aos populares a astúcia para manterem-se vivos.
Por meio desse espetáculo o Grupo aproximou-se ainda mais de seu público, os moradores daquela região, que, festivamente, os recebia e continuam a recebê-los, pois como bem afirma Alexandre Mate:
"A manifestação teatral que se aproxima de seu público (sua comunidade), sem restrições de quarta parede e de fossos de orquestra; impedimentos econômicos como a cobrança de ingressos; sem subestimar ou superestimar o público; sem exigir e impor silêncio sepulcral e contrição absolutos com relação à obra e tantas outras exigências, efetivamente separatistas podem repropor o espetáculo como festa e como encontro" (2009, p. 30).

            O encontro com os seus, é o que propõe o Buraco d`Oráculo, por isso das oitentas apresentações do espetáculo, sessenta e sete foram realizadas na zona leste da cidade de São Paulo, região onde moram e atuam.

Conclusão

As semelhanças entre os grupos são grandes, seja pela origem popular, para quem começaram apresentando seus trabalhos e continuam a apresentar, seja pelos caminhos e lugares que percorreram. Ambos os grupos descobriram a força do teatro de rua como veículo de comunicação e de discussão dos problemas que os cercam, tendo como laços identitários a classe trabalhadora, populares que habitam a região leste da cidade de São Paulo.
Na última década os dois grupos têm fincado ainda mais suas raízes na zona leste da cidade de São Paulo, por meio de seus projetos de circulação e de suas sedes. A região vive uma realidade de muita exclusão, realidade que sempre adentra os espetáculos de ambos os grupos, daí a aceitação por parte de seu público, pois estes se veem em cena. A maior prova de aceitação de suas obras está na longevidade desses coletivos e em nunca terem encontrado dificuldades com público, sempre numeroso em suas apresentações.

Bibliografia
BAKHTIN, Mikhail M. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: HUCITEC; Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1987.
BOGO, Ademar. Identidade e Luta de Classes. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização: do "fim dos territórios" à multiterritorialidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
MAFFESOLI, Michel. No Fundo das Aparências.  Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
MATE, Alexandre. Buraco d`Oráculo: uma trupe paulistana de jogatores desfraldando espetáculos pelos espaços públicos da cidade. São Paulo: RWC, 2009.
TELLES, Narciso; CARNEIRO, Ana (Orgs.). Teatro de Rua: olhares e perspectivas. Rio de Janeiro: E-Papers, 2005.


[1]Texto escrito para VI Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (Abrace) 2010, publicado originalmente em HTTP://portalabrace.org/memoria.
[2]O grupo Pombas Urbanas tem hoje nove integrantes: Adriano Mauriz, Diego Rojas, José Solón, Juliana Flory, Marcelo Palmares, Marcos Khaju, Natali Conceição, Paulo Carvalho e Ricardo Big.
[3]Hoje faz parte do Grupo: Adailton Alves, Edson Paulo, Lu Coelho, Johnny John e Selma Pavanelli.


domingo, 6 de fevereiro de 2011

Ensaios na rua - Palhaços Trovadores

É no meio da praça, é no meio da rua: os ensaios abertos do espetáculo O mão de vaca do grupo teatral Palhaços Trovadores[1]

Suani Trindade Corrêa
Programa de Pós-Graduação em Letras - UFPA
Mestranda – Estudos Literários – Or. Prof.ª Dr.ª Lilia Silvestre Chaves
Bolsa CAPES
Atriz (Grupo Palhaços Trovadores)

Resumo: O presente trabalho apresentará um relato do período dos ensaios abertos do espetáculo O mão de vaca do grupo teatral Palhaços Trovadores, de Belém do Pará, que se incumbiu de montar uma adaptação de O avarento, peça escrita pelo dramaturgo francês Molière, durante o ano de 2009. A proposta de realização da montagem era de compartilhar todo o processo, dividir colaborativamente entre artistas criadores e público. Ou seja, a busca por uma criação coletiva. Lançando-se neste desafio de trazer o público para dentro do processo de montagem, o grupo, depois de alguns meses de trabalho em sala fechada, se propôs a fazer ensaios abertos, que aconteceram no anfiteatro da Praça da República, de setembro a dezembro, todas as terças e quintas-feiras, das 20h às 22h30. Com esse relato, pretende-se  apontar alguns questionamentos: Qual a atitude dos atores ao ensaiarem na rua? E o público foi colaborativo, realmente, na montagem do espetáculo? Como se estabeleceu tal colaboração?
Palavras-chave: O mão de vaca. Palhaços Trovadores. Criação coletiva. Ensaio aberto. Teatro de Rua

Palhaços Trovadores e o espetáculo O mão de vaca
                                                    
No ano de 2009, o grupo Palhaços Trovadores[2] decidiu montar a peça O avarento[3](1668) do dramaturgo francês Molière. A proposta desta nova montagem se fundamentou nos princípios do processo colaborativo, tipo de processo que "surge da necessidade de um novo contrato entre os criadores na busca da horizontalidade nas relações criativas" (PAVIS, 2007, p. 253). Assim, a montagem do grupo deveria seguir de uma forma aberta, em um processo amplo de colaboração de todos os envolvidos: diretor, atores e cenógrafo. Tal colaboração também deveria se estender ao público, configurando, portanto, uma criação pública, coletiva.

Os ensaios abertos
Depois de um alguns meses de trabalho em sala fechada, Marton Maués, diretor do grupo, propôs aos atores que os ensaios de O mão de vaca acontecessem em um espaço aberto. Tal proposta causou certo desconforto e algumas incertezas para alguns integrantes do grupo, pois aquela seria a primeira experiência de ensaio e de exposição de um processo de montagem do grupo na rua. Além do mais, segundo Carreira (2008, p.72), "a cidade não está disponível para as seqüências de ensaios que todo ator e diretor desejam. Assim, se coloca um desafio para o processo criador".
 Contudo, os atores aceitaram a proposta do diretor, percebendo a importância de tal ação, pois convidariam "os transeuntes-cidadãos a disponibilizarem sua mítica pessoal" (SCHAPIRA, 2010, p.43). Assim, os ensaios aconteceram, de setembro a dezembro, no anfiteatro da Praça da República, às terças e quintas-feiras, sempre a partir das 20h.
Uma das dificuldades que o grupo encontrou diz respeito à ocupação do espaço. Um grupo de torcedores de futebol se reunia na praça, no mesmo horário do ensaio. Na terceira noite, os palhaços decidiram "brigar" por aquele espaço, pois os ensaios começavam sempre atrasados. Eles chegavam à praça e iam dispondo o cenário pelo anfiteatro, que eram bancos velhos. Além dos bancos, espalhavam os instrumentos musicais e outros elementos de cena, o que fez com que o grupo de torcedores "entendesse" a apropriação espacial e começasse a se reunir em outro espaço da Praça da República.
É pertinente salientar que o grupo, de certa forma, cristalizou tal desenho dos bancos-cenários. Telles (2006, p.4) diz que "atuar com as inúmeras interferências que a cidade pode propiciar, significa acionar um campo técnico-expressivo e aproveitar as possibilidades oferecidas pelo espaço". Neste sentido, acredito que o grupo não se apropriou do espaço, da arquitetura que ele oferece. E se fez, foi de maneira bem tímida.
Ao longo dos ensaios abertos, outras interferências aconteceram. Em um ensaio ocorrido em dezembro, surgiu um morador de rua, que adentrou o anfiteatro com um tronco de mangueira e o baixou ruidosamente no chão. Susto e tensão se instauraram no elenco. "A rua é deles", disse Alessandra Nogueira[4], atriz do grupo.
Em outro ensaio, outro morador de rua adentrou o anfiteatro e resolveu sentar num banco, entre o elenco. Esta "invasão" foi bem interessante para o grupo, pois possibilitou um jogo entre eles e aquele morador de rua. Porém, a interferência dele foi um tanto agressiva, pois ele quase acertou, com as baquetas do bumbo, o nariz de Andréa Flores, atriz convidada. Ela havia tentado convencê-lo a devolvê-las, fazendo com que ele sentasse ao seu lado, em cena. Ela ficou com medo e acabou respondendo, de forma áspera: "Violência não!". O resto do grupo reagiu, pedindo que ele se retirasse. Logo em seguida, a Guarda Municipal, apareceu e o "louco" saiu correndo, gritando: "Deixa pra lá, deixa pra lá!".
O interessante de tudo isso é entender que a praça, que a rua é um espaço de negociações. Perceber que a todo instante estamos sofrendo múltiplas interferências e interferindo também no espaço. E o palhaço deve está sempre atento ao que acontece à sua volta.

As atitudes dos atores
No geral, o elenco se mostrou bem à vontade durante os ensaios abertos, apesar do receio inicial quando a proposta foi lançada. O fato de ter tido pessoas observando os ensaios, foi algo motivador, pois o grupo mediu as reações no momento exato da criação, principalmente com relação ao trabalho do palhaço. Outro fator salutar foi a possibilidade, ao estar em um lugar amplo, do trabalho com a voz, de sua projeção, além de um ganho na corporeidade, já que tudo deveria ser mais expandido.
                   O elenco, por vezes, teve a impressão que estava em dia de apresentação, logo o corpo não relaxava; os palhaços estavam inteiros e buscavam ter presença para incorporar o público, ali presente, ao universo da peça. Para Pavis (apud TELLES, 2006, p. 2), ter presença é "saber cativar a atenção do público e impor-se; é, também, ser dotado de um 'quê' que provoca imediatamente a identificação do espectador, dando-lhe a impressão de viver em outro lugar, num eterno presente".
                   Outro detalhe importante é sobre o fator erro e orgulho do ator. Isac Oliveira diz que durante os ensaios abertos, não teve medo de errar diante do público, pois "afinal errar é quase uma marca do Xuxo, meu palhaço", mas percebeu que, de modo geral, o elenco ficou tenso e preocupado em não errar, como no caso do ator Marcos Vinícius que não entendia muito bem o porquê de se ensaiar na praça: "Fiquei pensando, se conseguiria entender sobre as opiniões do público, e se isso de alguma maneira viria me ferir (orgulho)! se seria humilde e paciente a ponto de aceitar qualquer comentário".
                   Tal preocupação em errar, fez com que o trabalho com o texto fosse, durante certo período, um dos entraves existentes durante o processo de montagem. Alguns atores não se soltavam para brincar com o texto, mesmo que errassem. Alguns ensaios foram muito desgastantes, a ponto de fazer com que o jogo do palhaço sumisse e fizesse com que algumas cenas não se desenvolvessem, pois o problema com o texto persistia.                   Contudo, mesmo sabendo que "as características do teatro de rua, uma modalidade dramática essencialmente de encenação, utiliza mais o espaço que as regras de elaboração do texto dramático" (TELLES, 2006, p.1), houve uma preocupação do elenco em decorar o texto, dar sentido a ele, à peça, e isto graças aos ensaios na praça, talvez pela presença das pessoas que se faziam presentes durante os ensaios abertos. Isto foi apontado por Salette Darwich, irmã de uma das atrizes do elenco, que frequentou várias vezes os ensaios abertos:
Aí então os ensaios passaram a ser na praça e abertos ao público e quem quisesse, podia ir à praça assistir. Isso foi muito interessante, pois todos podiam opinar e sugerir, ao final de cada ensaio. Não tenho certeza, mas acho que isso deu uma forçada para que o grupo se esforçasse mais para encontrar sua personagem e decorar o texto pois, assim como eu, a platéia ficava meio decepcionada quando víamos alguém com o papel nas mãos.

                    E ato de errar, de mostrar as fraquezas ao público é tido como um ganho para o trabalho de palhaço, como aponta Andréa Flores: 
'O avarento' no papel e na sala de ensaio é bem diferente daquele diante dos olhos dos outros. Só então eu pude sentir a energia do espetáculo que estamos nos propondo a fazer, através de expressões de tédio, diversão, curiosidade, entre outras, que os olhares me emprestam. Eles são meu espelho e, assim me vendo de perto, eu me sinto mais a vontade para ajustar meu corpo, minha movimentação e ser, de fato, o personagem, sem reservas, já que estão expostas as minhas fraquezas.

Entretanto, tinha-se em mente que a rua era "o espaço inóspito que se opõe ao conforto e à segurança dos espaços íntimos" (CARREIRA, 2008, p. 74). Por isso, que alguns atores, como no caso do Marcos Vinícius, se sentiram mais à vontade em trabalhar na sala fechada, sem os olhares externos do público da praça, pois os erros que cometiam seriam somente deles, do elenco e do diretor.
Talvez isso deva ter feito com que o diretor e o grupo como um todo, tenha decidido suspender os ensaios abertos em meados de dezembro, pois, além das chuvas que começaram a se fazer presentes em algumas noites, os ensaios deveriam ficar mais concentrados, sem muitas interferências externas, para que avançassem mais o processo de montagem.

O público e as suas possíveis colaborações

O público da Praça da República foi cativo, risonho, e algumas pessoas se tornaram frequentadoras assíduas dos ensaios. Andréa Flores diz que cada vez que o palhaço dela encarava o público na rua, sentia uma pulsação mais imediata, misturada de asfalto, miséria e descompromisso, que a obrigava a estar presente para ele, sem distinção. Ou seja, "na rua não existe a quarta parede, como costumamos dizer em relação ao teatro fechado. Está tudo ali e é tudo muito cru, muito olho no olho, muito na cara. O espaço, os afetos, as reações..." (VEIGA apud VIANNA, 2010, p.53)
E por ser tudo muito imediato, a resposta do público imprimia o tom, a segurança de que o processo caminhava num rumo certo, ou melhor, justo. Ou não. Porém, a participação do público se deu de forma um tanto tímida; vez ou outra as pessoas davam suas sugestões ao final dos ensaios, principalmente quando o diretor as induzia a isso. Não sei se elas entenderam que poderiam intervir no ensaio, pará-lo e sugerir algo. Mas isto possa ter sido um descuido do grupo, por não explicitarem claramente tal possibilidade de intervenção.
Mas houve contribuições, como a de um rapaz, que estava de passagem por Belém. Ele havia notado que a cada cena os personagens mudavam a moeda (libra, franco, cruzado, real) quando se referiam a dinheiro. Perguntou se tal proposta era intencional. O diretor respondeu que sim, que cada personagem, a cada cena, usava uma moeda diferente. Ele sugeriu que radicalizassem isso: a cada fala, de qualquer personagem, que mudassem a moeda. Depois de experimentação, ocorreu a incorporação de tal sugestão ao espetáculo.
Outra sugestão foi de uma espectadora, que sugeriu uma movimentação dos bancos, na cena em que Cleanto, Elisa, Mariana e Frosina pensam em como resolver o conflito dos casamentos. Ela propôs que os atores andassem por entre os bancos, num zig-zag. Sugestão aceita.O ensaio contou ainda com a presença de Décio Gusmán, professor do departamento de História da UFPA. Ele foi bem participativo, fazendo comentários pertinentes. Destacou também o problema que ainda enfrentavam com o texto, mas que conseguiu ver ali, na montagem, a marca dos Palhaços Trovadores, o jeito de ser e de fazer teatro e palhaçaria.

Considerações finais
A experiência de fazer os ensaios abertos de um espetáculo foi muito instigante para o grupo, que interferiram na paisagem daquele anfiteatro. Mas tal interferência foi de via dupla, pois o espaço, a rua, os "espectadores-transeuntes" os interferiram também, transformando o olhar e o nariz vermelho. O palhaço sempre se joga em um abismo. E estar na rua, naquela praça, foi se lançar em um abismo. Para o grupo e pra todos que foram plateia nos ensaios, a sensação foi de compartilhamento, troca, comunhão tanto pela oportunidade de ver algo nascendo, crescendo e se criando. Como afirmou a espectadora Salette Darwich: "acho que isso nos envolveu de alguma forma que, muito mais do que platéia apenas, passamos a torcer muito pelo espetáculo, tanto que nunca havia me empenhado tanto em convidar pessoas para assistir a montagem".
Muitas vezes este público foi estimulado, instigado para que falassem, para que colaborassem e "soltassem a língua". E mesmo, em alguns ensaios, não havendo muitas contribuições, foi possível aferir que as pessoas estavam indo, vendo, gostando e voltando para assistir os ensaios abertos. E que o espetáculo, os ensaios, começaram a aguçar o interesse delas pelo teatro. Algumas disseram nunca ter visto antes o ensaio de uma peça, uma trupe de atores/palhaços trabalhando ali, na frente de todos.

Referências

CARREIRA, André. Teatro de invasão: redefinindo a ordem da cidade. In: LIMA, E.F.W. Espaço e Teatro: do edifício teatral à cidade como palco. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008. p. 67-78.

FLORES, Andréa. Bilazinha da mamãe. Disponível em: <http://bilazinhadamamae.arteblog.com.br>. Acesso em: set. 2010.

MAUÉS, Marton. Unha-de-fome. Disponível em: <http://unha-de-fome.spaceblog.com.br>. Acesso em: set. 2010.

PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Tradução de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. 3.ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.

SCHAPIRA, Claudia. Teatro de rua, teatro na rua, teatro da rua, teatro para a rua, teatro com a rua?. In: TRINDADE, Jussara; TURLE, Licko. Teatro de Rua no Brasil: a primeira década do terceiro milênio. Rio de Jneiro: E-papers, 2010. p.43-44.

TELLES, Narciso. Notas acerca da atuação em espetáculo teatral de rua. In: _ Revista ouvirOUver, Uberlândia: UFU, n. 2. 2006.

VIANNA, Valéria. A arte de levar arte às ruas. In: TRINDADE, Jussara; TURLE, Licko. Teatro de Rua no Brasil: a primeira década do terceiro milênio. Rio de Janeiro: E-papers, 2010. p. 53-54.


[1]Texto criado para ser apresentado no VI Congresso da Abrace.
[2] Criado em novembro de 1998, quando Marton Maués foi convidado a ministrar uma oficina nos meses de agosto e setembro, para um grupo de alunos e ex-alunos da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará - ETDUFPA. Como resultado da oficina, foi criado o espetáculo Sem peçonha eu não trepo neste açaizeiro, utilizando trovas e canções populares. Trata-se de um espetáculo sobre o universo de lendas e mitos da Amazônia (uirapuru, boiúna, boto, iara), cujas cenas são repletas de humor e lirismo.
[3]A peça apresenta a história de Harpagon, um velho avarento que deseja casar os seus filhos Elisa e Cleanto, com pessoas mais velhas e ricas, com o intuito de obter mais riqueza para si.
[4] Os relatos de alguns atores aqui expostos foram extraídos do blog do diretor Marton Maués, ou do blog da atriz convidada Andréa Flores. Outros fazem parte de minhas próprias lembranças do período dos ensaios abertos.


sábado, 5 de fevereiro de 2011

Manifesto

Coletivo de Vídeo Popular.

Carta Manifesto Nº: 01.

1.             Os coletivos e indivíduos que integram o Coletivo de Vídeo Popular de São Paulo são avessos ao modo de vida vigente, regido pelo capital e mediado pela exploração do homem pelo homem em busca do lucro, do poder, da hierarquia, do pragmatismo e utilitarismo de todos os sentidos e ações da vida. Portanto nossa posição é anticapitalista.
2.             Contrários a visão espetacular da arte, que estabelece uma divisão entre sociedade e artista, nos afirmamos trabalhadores da cultura. O artista nada mais é do que um trabalhador que emprega sua força de trabalho em processos artísticos. Somos necessários a outros trabalhadores da sociedade, assim como estes são necessários a nós.
3.             O Coletivo de Vídeo Popular de São Paulo entende como prioritário para a plena realização de suas ações estar junto a outros trabalhadores da cultura e integrantes de movimentos sociais que buscam a transformação da realidade, se opondo a visão fragmentária e gestionária dos campos da cultura, da arte e da política.
4.             Agimos e entendemos o audiovisual pela totalidade de seu processo de forma integrada e dialética: formação, produção, distribuição e exibição. A formação é a base de nossas ações, estando inserida em todas etapas. A cada processo nos formamos e assim contribuímos com a formação dos outros. Nosso objetivo é a formação como relação; buscamos o conflito.
5.             Na perspectiva da formação interna e busca da transformação social, estabelecemos relações de trabalho não hierárquicas e não alienantes, dentro de processos colaborativos de criação que não reproduzam a divisão social do trabalho. Acreditamos que a representação crítica passa antes pela superação da divisão entre trabalho espiritual e trabalho material entre sua equipe de trabalho.  
6.             Não é nosso objetivo estabelecer dogmas estéticos e temáticos. Reconhecemos que o fazer artístico e cultural é um ato político. Somos contrários a política do entretenimento e da indústria cultural, que solidifica esteriótipos, preconceitos e a visão mercadológica da vida. Somos contrários a "arte pela arte" que isenta seus realizadores da responsabilidade com o contexto social. Tendo isso claro, desejamos toda liberdade ao fazer artístico e cultural!
7.             Não queremos contribuir com o modo de vida vigente, queremos sua superação pela destruição. Entendemos esta luta como processual, coletiva e histórica.  

Carta elaborada na IV Semana do Vídeo Popular.
18 e 19 de dezembro de 2010.
Sacolão das Artes, zona sul de São Paulo.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

moção 35 - apoio aos artistas de rua

 

Moção de apoio aos artistas de rua que
vêm sendo vítimas de proibições e
restrições quanto a suas manifestações
artísticas.
O CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CULTURAL – CNPC, reunido em Sessão
Ordinária, nos dias 7 e 8 de dezembro de 2010, e no uso das competências que lhe são
conferidas pelo Decreto nº 5.520, de 24 de agosto de 2005, alterado pelo Decreto nº 6.973/2009,
tendo em vista o disposto em seu Regimento Interno, aprovado pela Portaria nº 28, de 19 de
março de 2010, e:
Considerando que a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º, inciso IX,
garante a livre expressão artística;
Considerando que, no entendimento do CNPC, a passagem do chapéu é uma manifestação
milenar que cria vínculo entre artistas e público e, portanto, não pode ser tratada como uma
relação de comércio ou similar; e
Considerando que alguns municípios estão tratando os artistas de rua como comerciantes ilegais
ou equiparando-os aos mega-espetáculos que são realizados em áreas públicas para multidões;
Aprova Moção de Apoio aos artistas de rua, segmento que vem sendo vítima de proibições e
restrições quanto à realização de manifestações artísticas em espaços públicos em diversas
cidades brasileiras.
O CNPC entende que as artes nas ruas e praças contribuem para que a relação dos cidadãos com
sua cidade sejam mais afetivas, emotivas e solidárias e, desta feita, manifesta seu apoio aos
artistas de rua, reconhecendo a importância dos herdeiros dos antigos saltimbancos, que enchem
de sons e alegria as ruas e praças de cidades por todo o mundo.
JOÃO LUIZ SILVA FERREIRA
Ministro de Estado da Cultura
Presidente do Conselho Nacional de Política Cultural
MARCELO VEIGA
Coordenador-Geral do Conselho Nacional de Política Cultural
Publicado no D.O.U. de 20/01/2011, SEÇÃO 1, P. 3

MINISTÉRIO DA CULTURA
Conselho Nacional de Política Cultural

MOÇÃO Nº 35, DE 08 DE DEZEMBRO DE 2010.