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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O cenário de Dante: as cidades européias do século XIX. Da revolução industrial às grande reformas urbanísticas

Por Adailtom Alves Teixeira

“A cidade nova se estende para além da cidade velha (...); as ruas não estão calçadas nem têm canais de escoamento, mas hospedam um sem número de colônias de porcos, encerrados em pequenos pátios ou livres para passear pelo declive. Estas ruas são tão lamacentas que somente quando o tempo é muito seco se tem alguma possibilidade de atravessá-las sem afundar até aos tornozelos a cada passo.” 
(F. Engels – A Situação da Classe Operária na Inglaterra – 1845) 


“Por mim se vai à cidade das dores; por mim se vai à ininterrupta dor; por mim se vai à gente condenada. (...) Abandonai toda a esperança, ó vós que entrais!” 
(D. Alighieri – Inferno, canto III)  

Dante Alighieri (1265-1321) escreveu sua obra prima, A Divina Comédia, no inicio do século XIV como uma cosmovisão da Idade Média, dividido-a em três partes: inferno, purgatório e paraíso. De certa forma, as cidades que surgiram com a revolução industrial e as que surgiram pós-revolução, chamadas por muitos de cidades liberais, eram um perfeito cenário para a obra literária do poeta italiano. Essas cidades passaram por três fases: seu nascimento com a indústria, seu crescimento desordenado e suas reformas.

É a revolução industrial do século XVIII que faz nascer o sistema industrial do século XIX, criando possibilidades para o surgimento das cidades em tornos das grandes fábricas, por conseqüência, estas sobrepujam as cidades anteriores, advindas da Idade Média ou do Renascimento. Em termos organizacionais, as novas cidades nascem e são destruídas para darem lugar a uma nova maneira de viver. Sonhadores e arquitetos projetaram as cidades ideais procurando fazer com que os trabalhadores saíssem do inferno e passassem a residir, pelo menos, no purgatório, enquanto os ricos podiam desfrutar do paraíso.

Embora muitos coloquem a revolução industrial na década de 1760, Hobsbawm coloca a década de 1780 como fundamental nesse processo, afirmando que a revolução afirmou-se em 20 anos, até 1800, isso na Inglaterra. Seus ecos fora desse país, no entanto, foram percebidos depois, “não antes de 1840 ou por essa época” (1996, p. 43). Essa revolução – um modelo inglês – ditou as regras para uma nova economia mundial. Quanto a política e a ideologia dominante “foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa” (HOBSBAWM, 1996, p. 71). Essas duas revoluções, quase que contemporâneas, modificaram o mundo, uma fornecendo o sistema industrial e a outra a ideologia que lhe dará sustentação, no fundo, um mesmo projeto ideológico: o liberal, que foi aplicado na acumulação de riquezas e no controle social das classes subalternas, e do qual as cidades modernas foram seu resultado.

Durante esse período, na tentativa de viver dignamente ou buscando, ao menos, sobreviver, uma massa de trabalhadores saem dos campos em busca de trabalho nas indústrias nascentes. Essas indústrias, primeiro se instalam junto aos rios, depois, com a máquina a vapor, instalam-se em qualquer lugar. Suas altas torres jogam fumaça preta em direção ao céu. Ao seu redor surgem vilas, depois cidades, que crescem muito rapidamente e de maneira desorganizada. Estas cidades, com o tempo, passam a protagonizar a vida das nações.


“Entre 1820 e 1850 duplicou-se a população ocupada nas minas, fábricas e indústrias e, por isso, devido ao novo deslocamento dos estabelecimentos, cerca de metade da população vive agora nas cidades onde estão concentradas fábricas têxteis e metalúrgicas e onde se caracteriza cada vez mais a figura e o papel social do assalariado” (MARIANI, 1986, p. 3).

Como se pode perceber, tudo se deu de maneira muito rápida: novas cidades surgiam do dia para a noite, as máquinas tomam as fábricas e outras são inventadas, pipocam especialistas, tudo isso em poucos anos, de 1780 e 1848. Se tudo começou pela indústria do algodão, logo ganhou as minas e as metalurgias.

Duas cidades se destacaram: Londres e Paris. O crescimento populacional foi rápido. Em Londres, “duplicara entre 1821 e1851 e novamente dobrara nos cinqüenta anos seguintes” (BRESCIANI, 2004, p. 50). Paris cresceu de forma mais lenta, mas em maior rapidez do que qualquer cidade da França.

Paisagem 

“A trilha pela qual descíamos era tão rude, tão desprovida de encantos, que a todo olhar causaria assombro.” 
(D. Alighieri – Inferno, canto XII)

Em meio a tudo isso, dois elementos surgem: “o aspecto econômico e o conflito social entre a burguesia e o proletariado” (MARIANI, 1986, p. 5). Vilas operárias são criadas para que os trabalhadores não fiquem em constante mudança e para evitar o conflito, são criadas obras sociais. Mas a verdade é que não havia preocupação com os trabalhadores e muitos morriam. A ponto dos estudiosos ingleses, em suas teorias sobre os trabalhadores, irem da “degradação física e moral”, para a transmutação “da degeneração do homem pobre” (BRESCIANI, 2004, p. 30). Na França, a lembrança de 1789, fez com que o perigo fosse político. O fato é que, entre a classe trabalhadora e o projeto liberal dos industriários, o conflito estava dado: os trabalhadores queriam a intervenção do Estado e a burguesia industrial queria o alheamento do mesmo. Cedo ou tarde caberia uma intervenção ou uma revolução.

A cidade era um grande labirinto de vielas. E se as casas eram melhores que as cabanas do campo, lá, pelo menos, havia muito espaço para serem jogados os dejetos, já que na cidade eram jogados na rua, por onde “correm os esgotos descobertos, se acumulam as imundícies, e no mesmo espaço circulam as pessoas e os veículos, vagueiam os animais, brincam as crianças” (BENEVOLO, 2003, p. 556). E se no inferno de Dante, Caronte é quem fazia a travessia das almas, aqui a travessia é proporcionada pelas epidemias que inundam esses ambientes imundos.

Num primeiro momento as epidemias só atingiam aos pobres, já que os ricos podiam morar em regiões afastadas ou nas fazendas nos arredores da cidade, em sua periferia (no inicio era para quem podia). “Em certo sentido, o choque da industrialização residia precisamente no grande contraste entre as habitações escuras, monótonas, repletas de gente, e as fazendas coloridas circunvizinhas” (HOBSBAWM, 1996b, p. 294). No entanto, as vilas vão tornando-se cidades e depois grandes cidades, virando um lugar único. Como sempre, os pobres eram maioria, por isso, havia um supervoamento dessa classe e muitos cortiços.

A situação era grave. Se a distância podia-se avistar apenas as grandes chaminés, de perto era possível ver a miséria, a imundície da cidade e conhecer a especulação imobiliária, pois mesmo precários, os cortiços eram de propriedade de poucos, que cobravam exorbitantes aluguéis, tornando o assalariado duplamente dependente do capitalista, seja através do trabalho na fábrica e do pagamento do aluguel de suas casas, o que tornava a vida mais miserável.

Ricardo Mariani, em sua obra A cidade moderna entre a história e a cultura nos apresenta um relatório sobre a cidade de Merthyr Tydfil e suas condições sanitárias. O relatório deixa transparecer as condições dos trabalhadores e a desorganização da cidade, já que a mesma não têm limites, as casas são quase todas alugadas e estão nas mãos de seis proprietários, “em seis anos, de 1841 a 1847, morreram 7.779 pessoas, contra 11.454 nascimentos” 1986, p. 35). O pior da situação se dar quando analisamos a idade dos trabalhadores, em média 32 anos quando artesão e 17 anos operários homens, as “mulheres 29 e 18 respectivamente.” Os trabalhadores das minas ficam embaixo da terra por doze horas e todos esses trabalhadores retornam para suas casas de dois cômodos, sem esgotos ou fossa. É evidente que chegam muito sujos e merecem um banho, que é tomado na sala na presença de todos. As ruas são insalubres, intransitáveis no inverno, além de receber os dejetos retirados por utensílios do quarto de dormir. Já “as crianças são colocadas sobre cadeiras sem fundo, nas ruas, para as mesmas necessidades” (MARIANI, 1986, p. 35-6).

Essa situação deplorável é apresentada também em outras cidades, através de outros relatórios. Em Paris tem-se um verdadeiro batalhão de estudiosos da pobreza, além dos literatos, que também fizeram suas descrições. O ambiente torna-se a cada dia mais conflituoso, os trabalhadores querem melhorias de suas condições e os capitalistas não podem mais negar tal situação, pois o problema bate a sua porta. A cidade havia crescido demais, estava fora de controle, ou seja, não havia mais pontos de isolamento.

Populares e industriais 

“E assim rumei ao segundo Círculo, cujo espaço é mais estreito, mas onde o poder da dor é mais profundo.” 
(D. Alighieri – Inferno, canto V)

A cidade precisava ser repensada, pois tal situação poderia levar a um conflito maior. Cabe lembrar que a Revolução Francesa ainda estava viva na memória de muitos e a classe dominante não queria nova revolução. Nesse sentido os planejadores entendiam que “os pobres eram uma ameaça pública, suas concentrações potencialmente capazes de se desenvolver em distúrbios deveriam ser cortadas por avenidas e bulevares, que levariam os pobres dos bairros populosos a procurar habitações em lugares não especificados, mas presumidamente mais sanitarizados e certamente menos perigosos” (HOBSBAWM, 1996b, p. 295).

Mas esta mudança não deveria ser apenas urbanística. O trabalhador que já era oprimido e representava uma ameaça, passou a ser pensado, justamente para que essa ameaça não se confirmasse e os capitalistas/industriários continuassem a se distanciarem cada vez mais, vivendo em seus paraísos alimentados pelos pobres, que, no dizer de Hobsbawm, continuavam unidos apenas pela segregação e assim deveriam continuar, no entender da classe dominante. Assim foram criadas leis que proibiram greves, foram criados hinos para incentivar “virtudes militares” nos trabalhadores, além de mostrar que poderiam, através do trabalho, adentrar o mundo burguês, mas como diz Edgar de Decca: “foi através da porta da fábrica que o homem pobre (...) foi introduzido ao mundo burguês” (1998, p. 10).

Nesse período a ciência e os cientistas vão trabalhar para reforçar as diferenças entre pobres e ricos, reforçando a importância de arrancar o “tumor” da pobreza de dentro da sociedade liberal. Os miseráveis, os desempregados não fazem falta. “Nos textos ingleses do século XIX, a diferenciação entre os que têm direito à sobrevivência porque trabalham e os que são simplesmente mantidos vivos por condescendência da sociedade é muito nítido” (BRESCIANI, 2004, p. 81).

E mesmo sem trabalho para todos, só tem importância aquele que produz riqueza para a nação. Nesse ponto cabe ressaltar que desde o século XVI, através da burguesia, o trabalho vinha sendo enaltecido, ou seja, no final do século XVIII para o XIX, o trabalho já estava consolidado como algo nobre e ninguém mais lembrava-se que um dia já foi aviltante trabalhar, afinal diversas gerações já tinham sido criadas dentro dessa ideologia, reforçadas pelas teorias de John Locke e Adam Smith.

Por isso enfatizava-se o aproveitamento do tempo, já que tempo vale dinheiro. O importante é percebermos que esse discurso saiu de uma determinada classe, a burguesia, e foi parar em toda a sociedade, nos mostrando como as idéias da classe dominante chegam às classes subalternas. Assim, “o destinatário do discurso moralizante do tempo útil deixa de ser exclusivamente o mercador e a crítica a ociosidade procura atingir todas as esferas da sociedade” (DECCA, 1998, p. 16). O tempo, representado pelo relógio, passa a ser disciplinador.

É nesse sentido também que a fábrica é um grande aproveitador do tempo, já que no inicio sua organização é mais para controlar os trabalhadores do que por uma questão tecnológica.
“(...) embora pudessem ser encontradas máquinas nas primeiras fábricas, muito raramente essas máquinas chegaram a se constituir na razão do surgimento das fábricas. Enfim, o surgimento do sistema de fábrica parece ter sido ditado por uma necessidade muito mais organizativa do que técnica, e essa organização teve como resultado, para o trabalhador toda uma nova ordem de disciplina durante todo o transcorrer do processo de trabalho” (DECCA, 1998, p. 25).

E se no inicio houve resistência com os trabalhadores quebrando as máquinas, a geração seguinte aceitou muito bem o sistema de fábrica. Esse sistema, segundo Decca, diz respeito a todo um sistema social, relacionado “à hierarquia, disciplina e controle do processo de trabalho.” Por isso o sistema de fábrica apropriou-se de saberes especializados, para incutir noções de “eficácia, produtividade, progresso etc” (1998, p. 38-40).

Como os pobres foram vistos como uma ameaça ao projeto liberal, foi necessário pensar em outras coisas para eles, além de tavernas, procurando fazer com que saíssem daquela “distância mínima do miserável” (HOBSBAWM, 1996b, p.308), numa tentativa de passá-los para o próximo estágio: o purgatório. Diversos cientistas e pensadores pensaram em reformas para criarem as cidades perfeitas, as vilas perfeitas ou os prédios perfeitos. Os primeiros a pensarem essas reformas foram os utopistas, Owen, Fourier etc., que tentaram aplicar suas criações. Depois os projetos desses utopistas foram duramente criticados pelos socialistas seguintes.

As reformas
“Ó traiçoeira ambição humana! Como são falsos os argumentos com que os homens prendem-se ao chão! Uns se escondem atrás das leis; (...) outro governa valendo-se de força ou de fraude (...).” 
(D. Alighieri – Paraíso, canto XI)


As reformas foram de ordem urbanística, arquitetônica, jurídica e social, todas visando o controle sobre os pobres e os marginais, no fundo, não havia grande diferença entre ambos. Para os franceses, por exemplo, “praticamente inexiste diferença entre homem trabalhador, pobre e criminoso” (BRESCIANI, 2004, p. 51-2). É evidente que pelo espaço que temos iremos abordar apenas algumas reformas.

Cabe dizer, no entanto, que todas as reformas foram propostas pelos eleitos, tanto da classe dominante, como das classes subalternas – já que no período fervilhavam os iluminados, o importante era modificar a cidade existente. Um dos grandes projetos era a da casa com jardim, primeiro para os mais abastados, e depois para os da classe média – outra grande criação do século XIX.

As casas dos operários passaram a ser construídas de maneira padrão e aos montes: “um só empresário constrói uma ou mais ruas por vez” (F. Engels, apud BENEVOLO, 2003, p. 566). Depois bairros inteiros são construídos de maneira padronizada.

As reformas fazem saltar da cidade liberal, para a pós-liberal, no dizer de Leonardo Benevolo. Desde 1815 havia propostas de reformas, mas elas só vieram de fato, na segunda metade do XIX, tendo como ponto de partida as questões sanitárias por causa das epidemias, mas foram também uma maneira de repensar a cidade de forma a oprimir qualquer manifestação mais violenta por parte das classes menos favorecidas. Paris, por exemplo, só fez sua reforma em 1851 durante o governo de Haussmann, após três grandes rebeliões ocorridas em 1830, 1836 e 1848. Depois da reforma, Paris passou a ser o modelo de cidade moderna, influenciando as demais cidades européias. O prefeito Haussmann estava assustado com a turba, chegando a afirmar que “Paris pertence à França e não aos parisienses de nascimento ou de escolha que a habitam, sobretudo a população flutuante das casas de aluguel” (Haussmann apud BRESCIANI, 2004, p. 68). E é dessa forma que sua atuação se dar na dimensão física, isto é, na estrutura geográfica da cidade.

Benevolo, afirma que a direita, que saiu vitoriosa após 1848, apropriou-se dos modelos propostos pelos reformadores e utopistas para fazerem sua grande mudança nas cidades. As reformas urbanísticas têm vários pontos: o espaço passa a ser gerido pelo poder público, mas com clara delimitação entre público e privado; a frente das casas (espaço privado) davam para a rua (espaço público), formando o desenho da cidade; a periferia foi organizada, mas “o subúrbio (...) é impelido sempre para mais longe, à medida que a cidade cresce” (BENEVOLO, 2003, p. 581); as vilas populares compensam a falta de casas e a criação de parques públicos como área de lazer, dão a sensação de aproximação com o campo, cada vez mais distante dos moradores dos centros urbanos; a cidade nova vai apagando a cidade velha, ficando apenas alguns monumentos; os especialistas fazem “funcionar a cidade”, mas “devem aceitar um papel secundário, subordinado à combinação entre burocracia e propriedade” (BENEVOLO, 2003, p. 585). Ou seja, devem cumprir as ordens sem questionar e por isso acentua-se ainda mais a distinção entre artistas e técnicos, aqueles embelezando a cidade, mas sem muita força e os técnicos, com seu rigor científico, devem resolver “problemas particulares e bem circunscritos, mas não os problemas de conjunto” (BENEVOLO, 2003, p. 585). Fazer sem perguntar por quê.

Haussman, tendo em mãos as leis de “expropriação de 1840 e a lei sanitária de 1850”, fez sua grande reforma em Paris ao custo de dois bilhões e meio de francos, dinheiro que veio de empréstimos bancários, mas logo recuperado, pois a população da cidade dobrou e a renda aumentou dez vezes. Demolindo casas e ruas antigas das regiões centrais, Haussman “abre 95 quilômetros de novas ruas que cortam em todos os sentidos” (BENEVOLO, 2003, p. 589) e na periferia mais 70 quilômetros de novas ruas. É dessa reforma que surge a metrópole, transformando “a cidade num espetáculo sempre mutante (...), onde entre milhões de outros homens Baudelaire se sente sozinho” (BENEVOLO, 2003, p. 595), pois ao sairmos às ruas nos misturamos e não somos mais reconhecidos. Este modelo de cidade foi ganhando a Europa e depois as cidades americanas e até hoje exerce fascínio sobre todos.

A cidade transforma-se. Primeiro “é ‘objeto’ a ser recuperado por parte do Estado”, depois “a própria cidade torna-se Estado e ao mesmo tempo modelo da sua regeneração contínua” (MARIANI, 1986, p. 61). Ou seja, a cidade foi o meio, o veículo de divulgação das idéias burguesas e nenhum movimento de esquerda foi capaz de perceber este mecanismo e se o percebeu, nada fez, deixando o caminho livre para que as classes dominantes levassem adiante seu projeto de dominação. Por isso as classes dominantes, através de suas fábricas, criaram as cidades infernais, levaram-na ao purgatório, chegando a um suposto paraíso nas reformas do final do século XIX, calando o coro dos descontentes ao oferecer como espetáculo, a cidade paraíso. Afinal, quando Dante adentra o paraíso ele não atravessa o rio Lete e tudo esquece? As pessoas adentraram as cidades modernas, que lhes foi entregue pela classe dominante, e nesse momento os conflitos sociais, se não foram esquecidos, foram “suavizados”, pois todos queriam seu quinhão nesse paraíso.

Em Londres as políticas de demolições foram de 1850 a 1880 e se não foram suficientes para aqueles que não esqueceram o inferno, isto é, não se calaram, estes foram calados com as reformas sociais como Casas do Trabalho (Workhouses) ou a criação de instituições de caridade e quando necessário, usou-se a força, “dado que os homens dessa classe [trabalhadores] tem um nível mental baixo” (BRESCIANI, 2004, p. 86), segundo os cientistas da época.

A Lei dos Pobres foi criada em 1834 e para receber o auxílio era necessário entrar nas Workhouses. “Essas Casas, chamadas pelo homem pobre de Bastilha, configuravam uma verdadeira prisão” (BRESCIANI, 2004, p. 101). Com sua criação, pobres e vagabundos passaram a ser uma mesma categoria. Mas próximo do fim do século, quando a multidão resolve levantar-se novamente, muitos pedem a expulsão dos pobres e miseráveis de Londres, solicitando que os enviem para as colônias do Império Britânico. Queria-se eliminar o “resíduo social” a qualquer custo.

Além disso, começou-se a divulgar as idéias liberais e a propagandear a indústria e suas benesses, através das grandes exposições, inauguradas pela Inglaterra em 1851, em que a grande compradora dessa idéia foi a classe média, principal divulgadora do modelo industrial-liberal.

Assim, podemos dizer que a grande vitoriosa em todo este movimento foi a burguesia, que foi capaz de enaltecer o trabalho, fazer a revolução industrial e a Revolução Francesa, apropriando-se da tecnologia e das idéias liberais para implantar um sistema fabril, que em um primeiro momento é muito mais disciplinador do trabalho do que uma necessidade, servindo também para acumular mais e mais riquezas, criando o inferno: as cidades industriais.

As reformas são pensadas e postas em práticas: criam-se as cidades modernas. Os ricos continuaram a mandar e a habitar o paraíso. Já a classe média, nascida no século XIX, habita o purgatório, serve a classe dominante e sonha habitar o paraíso. Os pobres é que continuaram e continuam a morar no inferno, buscando o purgatório, pois no sistema capitalista – tão bem elaborado pelos habitantes do paraíso – deseja-se a todo instante sair da condição de dominado para a de dominador.

Tudo isso nos leva a pensar que se Dante tivesse vivido no século XIX, provavelmente sua obra prima fosse uma reflexão sobre a cidade e as classes sociais daquele período. É certo que abandonaria a cosmovisão religiosa, mas manteria em sua obra a clássica divisão de inferno, purgatório e paraíso ao vivenciar e refletir sobre os estágios pelos quais passaram as cidades européias do século XIX, principalmente as primeiras metrópoles, Paris e Londres, colocando seus habitantes no devido lugar: pobres no inferno, classe média no purgatório e os ricos no paraíso.

  Bibliogafia

ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. Trad.: Fábio M. Alberti. São Paulo: Nova Cultural, 2003.
BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. Trad.: Sílvia Mazza. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.
BRESCIANI, Maria Stella Martins. Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 2004. (Tudo é história, 52) 
DECCA, Edgar Salvadori de. O Nascimento das Fábricas. 10ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1998 (Tudo é Históris, 51). 
HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. Trad.: Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. 9ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 
_____________. A Era do Capital (1848-1875). 5ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 
MARIANI, Riccardo. A Cidade Moderna Entre a História e a Cultura. Trad.: Anita Regina Di Marco. São Paulo: Nobel; Instituto Italiano, 1986.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Um corpo sem órgãos numa perspectiva do ator na rua

“Ainda não suportamos a efemeridade, do lugar, da vida, de nós mesmos”
Por Renata K. S. Lemes, mestranda UNICAMP O corpo sem órgãos artaudiano é abordado por Deleuze numa alusão aos “organismos” sociais, tratando aqui de combater a idéia de mundo organizado, dual e arborescente. O corpo como espaço de criação de significâncias, altamente semiotizado é nesta reflexão tomado como elemento-potência para a criação de linhas de fuga, gerando um Corpo sem Órgãos (CsO), onde os sentidos são desterritorializados de suas funções. A abordagem do autor carece de um olhar livre, pois é necessário se deixar um pouco desorganizar: ler com os ouvidos, tatear com olhos, pensar com o olfato, amarrar o coração...mudar orifícios de lugar, fechá-los, desprogramá-los. Deleuze utiliza o CsO para sugerir a desconstrução do corpo conhecido, programado e conduzido pelos vários estratos geradores de significação e repressão . Trataremos aqui de refletir a partir do conceito de CsO, tendo em vista o corpo criativo do ator. O que significa para o ator atuar num corpo “organizado”, de organismo “definido”, com funções claras, trajetórias estabelecidas, jogo sem riscos? Engravidado de um teatro de órgãos - pois não restaria mais o que gerar, senão um teatro hierarquizado fruto de um corpo hierarquizado - o ator busca violentamente inventar seu CsO. Muito já se indagou sobre as propriedades de um CsO: seria um corpo neutro? Seria uma dramaturgia ausente de sentido? Seria um corpo ausente de personagem? De que corpo afinal se está falando quando tratamos do CsO? Quando Deleuze aborda a construção do CSO ele fala principalmente na radicalização de um processo, ele reflete principalmente um processo: "Ele não é uma noção, um conceito, mas antes uma prática, um conjunto de práticas." (Deleuze, 1999) Neste sentido, é possível refletir sobre o trabalho criativo do ator, sua preparação e todo o acontecimento teatral como um processo presentificado, ou seja, a presença infinita de um processo, cujo resultado é também processo; um processo que busca constantemente o alcance de um limite, onde nunca se chega, singularizado em cada experiência; um processo que é o próprio CsO. A partir desta compreensão pensemos na construção de um corpo sem órgãos como uma prática conforme nos sugere Deleuze, elaborando primeiramente a idéia de que ator e corpo não são unidades distintas, mas uma só coisa, hecceidade. Portanto não existe o corpo do ator, mas o ator que é ele mesmo corpo, que é ele mesmo Processo. Esse Processo não é delimitado por um treinamento, ou pelo processo de criação de um espetáculo. O processo gerador de um CsO é o próprio ator colocado em risco em qualquer circunstancia criativa de seu trabalho, numa busca que possibilite libertá-lo das amálgamas “estratificadoras” histórico-sociais de toda existência humana, que solidificam sentidos e identidades, imobilizando as pulsões mais plenas, possíveis de serem geradas em múltiplas combinações que não são essas combinações já funcionalizadas: nariz que cheira, ouvido que ouve, boca que fala, olho que vê. As pulsões trazidas no processo de um CsO desfuncionaliza o corpo criativo, desorganiza o olho que produz e o olho que vê. Ou seja, gera uma infinidade de combinações sempre em movimento, ora o olho que vê também ouve, também fala, também bombeia o sangue... Há nesse processo uma produção de sentido completamente móvel, porosa, um descondicionamento dos estratos, das hierarquias e das funções. No entanto, Deleuze afirma que ao CsO não se chega nunca, ele é o limite, a borda. Porque até alcançarmos a borda, até chegarmos ao limite muitos estratos foram superpostos, por isso sempre haverá estratos a se remover. Criar para si um CsO é colocar-se em processo, em risco, em novidades, sempre na busca de um limite radicalizado de um corpo que nunca se basta, pleno de desejos, desejo-potência. Cada corpo possui o seu próprio limite, sua densidade, fôlego, suas substancias de intensidades. O ator (corpo), portanto, constrói o seu CsO a partir de seus processos criativos em que experimenta a intensificação de suas intensidades gerando outras intensidades, em que se deixa fissurar e atravessar por tensões que vão desestabilizar não só a presença desse ator como toda a linguagem teatral. Criar para si um CsO significa abrir mão de um espaço-tempo cênico conhecido, e lançar-se no abismo de um acontecimento estranho ao corpo-organismo. Tendo em vista que é necessário tornar esse corpo uma espécie de des-estrutura criativa, tomemos aqui a rua, como espaço que desterritorializa o ator, a cena e o espectador. A rua cria uma ambiência espaço-temporal completamente adversa ao corpo cênico. Não somente no sentido de desestruturar seus órgãos, mas de desestruturar o organismo teatral. O corpo sem órgãos não é de modo algum o contrário dos órgãos. Seus inimigos não são os órgãos. O inimigo é o organismo. (Deleuze, 1999) Quando o ator se lança nesse espaço-rua, ele tensiona a convenção teatral, criando uma possibilidade de furar os estratos da subjetividade e da significância. A ambiência é um processo ora de permanência, ora de desorganização do corpo, enquanto fenômeno social. Ela cria uma mobilidade de vivências do corpo que ao mesmo tempo em que o estratifica, também desterritorializa-o. Consideremos aqui espaço como o lugar mais a vida que ele engendra, que o preenche e que por ele é preenchido. A rua é espaço que a medida que reflete e reafirma os estratos sociais da vida das cidades, a hierarquização dos órgãos (cada coisa em seu lugar), a articulação de um organismo representado como “metrópole”, ela própria, a rua feita espaço, desarticula e contraria a ordem programada. Porque a vida que ela engendra não cabe no lugar estabelecido de “organismo”, ela faz vazar, ela trans-borda a vida. O ator é lançado nesse espaço-rua, seu corpo começa a se desterritorializar. Não há cochia, não há silêncio, nem ao menos uma platéia avizinhada, um olhar mais acostumado, um canto...um foco, um refletor. Acontecimentos sucedem-se simultâneos ao corpo-cênico, acontecimentos outros, imprevisíveis. A cidade pulsa no corpo do ator e fora dele. Ele já não reconhece o que é dentro e fora, porque a vida das ruas é tão pulsante quanto seu próprio coração. Ele já não reconhece seu coração.
Porque o corpo sem órgãos é tudo isso: necessariamente um Lugar, necessariamente um Plano, necessariamente um coletivo (agenciando elementos, coisas, vegetais, animais, utensílios, homens, potências, fragmentos de tudo isto, porque não existe “meu” corpo sem órgãos, mas “eu” sobre ele, o que resta de mim, inalterável e cambiante de forma transpondo limiares) (Deleuze, 1999)
A pulsão do desejo desse corpo que desterritorializa-se e reterritorializa-se empurra seus órgãos para um abismo onde suas funções primeiras se deslocam num fluxo constante. Não se trata apenas de colocar o corpo do ator em jogo, uma vez que se está na rua, neste espaço de ambiência. Mas de radicalizar os papeis dados á elaboração das significâncias. Aqui, os estratos de significâncias se desfazem a cada instante, não há regras semânticas ou fisicas que assegure o funcionamento da experiência teatral na rua, cada experiência é singularizada pela adversidade do espaço-tempo da rua. Há sempre oposições, nunca há uma conformação. Então quando Deleuze indica procedimentos, programa para desprogramar o corpo, a rua aparece, como potência que prende orifícios e reabre em outros lugares. Porque a rua é acontecimento, infinitos de acontecimentos que contraria a estrutura do corpo cênico, criando um deslocamento da retina de quem vê, um processo de intensidades que se dá entre a cidade, o ator e o espectador. A cidade se abre pelas ruas desnudando-se diante do ator. O ator, em vias de criar para si um CsO, materializa-se nessa cidade como substância da urbanidade da qual ele próprio é feito. Confunde-se!!! O teatro agora, um desconhecido, exerce sua força criativa sobre esse corpo, sobre os espaços, sobre os olhares...ele, o teatro quer se des-significar. Talvez abrindo mão de uma velha “teatralidade”, ou lançando-se nela até seu esgotamento. Na rua, o ator (corpo) está sempre em esgotamento. Esgotamento das formas, do texto, do sujeito, da recepção. É sempre um outro, em devires de muitos outros, em ação poética, em dores da própria cidade. Na rua, o ator construindo seu Corpo sem Órgãos, pode finalmente compreender o mundo inteiro. Bibliografia citadaDELEUZE, G., GUATTARI, F. Mil Platôs, capitalismo e esquizofrenia, Rio de Janeiro, ed. 34, vol. 3 e vol. 5, 1999 e 1997.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Vila Mara - Histórias que se entrecruzam

Em 1985 cheguei a São Paulo e fui morar na divisa de dois distritos: Jd Maia e Vila Mara, ambos em São Miguel Paulista. Neste período havia a briga de bandidos e justiceiros, era também o período dos Novos Movimentos Sociais, principalmente os de moradia. Morei lá por dois anos e lembro-me de suas ruas de terra e esgoto a céu aberto. Em 2002, com o grupo Buraco d`Oráculo, fomos atuar em São Miguel Paulista e desenvolvemos por lá um circuito por diversas praças, mas só chegamos ao Vila Mara dois anos depois, em uma praça com um casarão em ruínas na frente de um conjunto habitacional. Desde então retornamos sempre a este local, ao menos uma vez por ano.
A cada retorno tanto a praça como seu entorno tem se modificado. O casarão foi reconstruído, tornando-se um ponto de leitura e um telecentro, ganhou um posto policial e uma estação de trem. Este ano retornamos para ouvir e recolher as histórias de vida das pessoas daquele local. As histórias serão a base do nosso próximo espetáculo, “Ser TÃO ser”. Através das histórias de vida podemos refazer a história do próprio bairro. Ouvimos sobre uma terrível greve ocorrido em 1955, na Cia. Nitro Química, que durou quinze dias. Cercada pela cavalaria, quem estava dentro não podia sair e quem estava fora não podia entrar. As famílias burlavam a segurança e entregavam comida para os familiares presos através de um muro. A mesma empresa, que na década de 40 chegou a ser responsável por empregar um terço dos moradores da região, era responsável também pelo desemprego, pois afirmaram que ao sair da empresa, nenhuma outra queria um funcionário saído dessa indústria química.
Dando um salto no tempo, chegamos a década de 80, quando cheguei do Ceará, ainda criança, naquelas paragens. Foi o período da luta por moradia e de uma grande violência de grupos rivais, seja entre as gangues ou entre bandidos e justiceiros. Muitos tombaram, inclusive pessoas de bem, como os filhos de nossos narradores, que corajosamente abriram suas vidas para contribuir com o nosso projeto. Foi um período duro, lembrado com angústia, mas com a sensação de que valeu a pena, já que atingiram seus objetivos. A luta por casa própria vinha também com repressão: por diversas vezes enfrentaram a cavalaria ou o choque, lutando pelo que deveria ser um direito sagrado. Mas como vieram parar naquele lugar? De onde vieram? Em sua grande maioria, assim como eu, vieram do Nordeste, outros são oriundos do estado de Minas Gerais. Todos na busca de algo melhor, chegando mesmo a enfrentar uma escravidão velada, como ouvimos de uma senhora. Pois a mesma saiu da Bahia com toda a sua família e foram vendidas para fazendeiros no estado do Paraná e quando conseguiram fugir foram aportar no Vila Mara. Crueza cotidiana, vividas por décadas. Histórias de vida duras, mas exemplar, que são desconhecidas dos mais jovens, mesmo sendo netos dessas pessoas, e que foram abertas para o grupo. Hoje vêem o lugar como um paraíso, de fato está muito diferente, desde a primeira vez que vi em 1985, ainda que tenha muito por fazer. Mas tudo que há foi conquistado com luta, suor e muito, muito trabalho, deixando claro que esses (as) guerreiros (as) – a maioria são mulheres – souberam fazer suas vidas.

Publicado originalmente em A Gargalhada nº 10 setembro/outubro 2008, p. 3.

Carta da Rede Brasileira de Teatro de Rua

A Rede Brasileira de Teatro de Rua criada em março de 2007, em Salvador/BA, é um espaço físico e virtual de organização horizontal, sem hierarquia, democrático e inclusivo. Todos os artistas-trabalhadores e grupos pertencentes a ela podem e devem ser seus articuladores para, assim, ampliar e capilarizar, cada vez mais, suas ações e pensamentos. 
O intercâmbio da Rede Brasileira de Teatro de Rua ocorre de forma virtual, entretanto toda e qualquer deliberação é feita nos encontros presenciais, sendo que seus membros farão, ao menos, dois encontros anuais. 
Os coletivos devem se organizar para enviarem articuladores para os encontros presenciais. O papel de cada integrante é ampliar a rede através da criação de movimentos regionais de teatro de rua, bem como da manutenção dos já existentes. 
 A missão da Rede Brasileira de Teatro de Rua é lutar por políticas públicas de cultura com investimento direto do Estado em todas as instâncias: Municípios, Estados e União. E para garantir o acesso aos bens culturais a todos os cidadãos brasileiros a Rede Brasileira de Teatro de Rua tem por objetivo promover também a produção, difusão, formação, registro, circulação e manutenção de grupos de teatro de rua e de seus fazedores, construindo assim um país mais justo. 
Os articuladores da Rede Brasileira de Teatro de Rua dos estados AC, AM, CE, BA, ES, GO, MA, MG, PA, PE, PR, RJ, RR, RN, RO, RS, SC e SP reunidos nos dias 14, 15 e 16 de novembro de 2008, em São Paulo, no 4º Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua, vêm através deste documento, afirmar ações e propostas, exigindo assim: 
· A representação do teatro de rua, no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC); 
· A representação do teatro de rua, no Colegiado Setorial; 
· A aprovação e regulamentação imediata da PEC 150/03, que vincula para a cultura, o mínimo de 2% no orçamento da União, 1,5% no orçamento dos estados e Distrito Federal e 1% no orçamento dos municípios; 
· O direito de indicação de representantes de teatro de rua nas comissões dos editais públicos; 
· A extinção da Lei Rouanet e de qualquer mecanismo de financiamento que utilize a renúncia fiscal, por compreendermos que a utilização da verba pública deve se dar através do financiamento direto do estado, por meio de programas e editais em forma de prêmios elaborados pelos segmentos organizados da sociedade; 
· A criação de um programa específico que contemple: produção, circulação, formação, registro, documentação, manutenção e pesquisa para o teatro de rua; 
· A criação imediata de um edital para a circulação de espetáculos de teatro de rua, constituindo-se assim um circuito nacional de teatro de rua; 
· Que os espaços públicos (ruas, praças e parques, entre outros), sejam considerados equipamentos culturais e assim contemplados na elaboração de editais de políticas públicas e no Plano Nacional de Cultura; 
· A extinção de toda e qualquer cobrança de taxas, bem como a desburocratização para as apresentações de teatro de rua garantindo assim o direito de ir e vir e a livre expressão artística conforme nos garante a Constituição Federal Brasileira no artigo 5º; 
· A criação de um programa nacional de ocupação de imóveis públicos ociosos, para sediar o trabalho e a pesquisa dos grupos de teatro. 

O teatro de rua é um símbolo de resistência artística, comunicador e gerador de sentido, além de ser propositor de novas razões no uso dos espaços públicos abertos. Assim, conclamamos a todos os artistas-trabalhadores e a população brasileira para a mobilização nacional da Rede Brasileira de Teatro de Rua, no dia 27 de março de 2009, no intuito de construir políticas públicas para esta arte. 

São Paulo, 16 de novembro de 2008.
Rede Brasileira de Teatro de Rua

A celebração do encontro

Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas 
De 08 a 14 de novembro de 2008 ocorreu em São Paulo a 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, uma realização do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR/SP), dentro da programação, nos dias 14, 15 e 16, tivemos o 4º Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR). Pela primeira vez a Mostra ocorreu no Vale Anhangabaú – as anteriores foram na Praça do Patriarca –, o objetivo era para que não tivéssemos nenhum espetáculo cancelado por causa das chuvas, pois bastava transferir a programação para debaixo do Viaduto do Chá. Este ano a Mostra homenageou o TUOV (Teatro União e Olho Vivo), que tem 42 anos de existência e resistência. Dois dos fundadores receberam a homenagem em sua própria casa (sede do TUOV): César Vieira e Neriney Moreira. Além dos dois nomes, foi entregue uma placa de agradecimento a Alexandre Mate pela contribuição que tem dado ao teatro de rua. A Mostra ocorreu sem nenhum incidente. Como é de praxe, todos os anos há inovações, dessa vez, na programação estavam grupos da capital, de outros municípios do estado de São Paulo (Santos, Assis e Presidente Prudente) e de outras unidades da federação, como Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás. Pela primeira vez a Mostra teve parte da programação descentralizada da região central, quatro pontos foram escolhidos onde grupos do MTR/SP já atuam: Cidade Tiradentes (Pombas Urbanas), São Miguel Paulista (Buraco d`Oráculo), Lapa (Grupo Bolinho) e Parque Santo Antônio (Brava Companhia).

Rede Brasileira de Teatro de Rua 
Este ano o MTR/SP recebeu o encontro da RBTR dentro da Mostra, com presença de articuladores de 18 estados: AC, AM, CE, BA, ES, GO, MA, MG, PA, PE, PR, RJ, RR, RN, RO, RS, SC e SP. A Rede denomina articulador, pois seus membros não representam os estados, mas sim trabalham por uma maior articulação das idéias desse movimento em suas localidades. Na Rede não há hierarquia. Esta é uma forma nova de organização. Seus membros visam fortalecer sua atuação artística e política no seu grupo, na comunidade que fazem parte, na sua cidade e pensam a organização no estado e nacionalmente, contribuindo para que ela cresça. É uma organização de dentro para fora, todos tem o mesmo peso. A organização se dá de duas formas: de maneira virtual, em um grupo de discussão; e em encontros presenciais, em que são decididas as demandas e escritos os documentos. A Rede é um reflexo de um novo momento pelo qual passamos e muito bem colocado por Amir Haddad, também presente no Encontro. Para Amir, este mundo está ruindo e o teatro tem um papel importante, já que “a linguagem organiza o mundo”, assim não é o mundo que organiza o espetáculo, mas o contrário. Constatou-se nesse 4º Encontro que os problemas enfrentados pelos grupos de teatro de rua do Brasil são os mesmos: ausência de políticas públicas e desprestígio por parte do poder público para este seguimento. Mesmo assim os grupos têm feito a sua parte, realizando seus trabalhos de forma contínua e se organizando, a prova disso foi este Encontro, pois se em março desse ano éramos nove estados presentes em Salvador-BA, em São Paulo tivemos dezoito, demonstrando que estamos no caminho certo.

Publicado originalmente em A Gargalhada nº 11, novembro/dezembro 2008, p. 3.