Em 1985 cheguei a São Paulo e fui morar na divisa de dois distritos: Jd Maia e Vila Mara, ambos em São Miguel Paulista. Neste período havia a briga de bandidos e justiceiros, era também o período dos Novos Movimentos Sociais, principalmente os de moradia. Morei lá por dois anos e lembro-me de suas ruas de terra e esgoto a céu aberto.
Em 2002, com o grupo Buraco d`Oráculo, fomos atuar em São Miguel Paulista e desenvolvemos por lá um circuito por diversas praças, mas só chegamos ao Vila Mara dois anos depois, em uma praça com um casarão em ruínas na frente de um conjunto habitacional. Desde então retornamos sempre a este local, ao menos uma vez por ano.
A cada retorno tanto a praça como seu entorno tem se modificado. O casarão foi reconstruído, tornando-se um ponto de leitura e um telecentro, ganhou um posto policial e uma estação de trem.
Este ano retornamos para ouvir e recolher as histórias de vida das pessoas daquele local. As histórias serão a base do nosso próximo espetáculo, “Ser TÃO ser”. Através das histórias de vida podemos refazer a história do próprio bairro.
Ouvimos sobre uma terrível greve ocorrido em 1955, na Cia. Nitro Química, que durou quinze dias. Cercada pela cavalaria, quem estava dentro não podia sair e quem estava fora não podia entrar. As famílias burlavam a segurança e entregavam comida para os familiares presos através de um muro. A mesma empresa, que na década de 40 chegou a ser responsável por empregar um terço dos moradores da região, era responsável também pelo desemprego, pois afirmaram que ao sair da empresa, nenhuma outra queria um funcionário saído dessa indústria química.
Dando um salto no tempo, chegamos a década de 80, quando cheguei do Ceará, ainda criança, naquelas paragens. Foi o período da luta por moradia e de uma grande violência de grupos rivais, seja entre as gangues ou entre bandidos e justiceiros. Muitos tombaram, inclusive pessoas de bem, como os filhos de nossos narradores, que corajosamente abriram suas vidas para contribuir com o nosso projeto. Foi um período duro, lembrado com angústia, mas com a sensação de que valeu a pena, já que atingiram seus objetivos. A luta por casa própria vinha também com repressão: por diversas vezes enfrentaram a cavalaria ou o choque, lutando pelo que deveria ser um direito sagrado. Mas como vieram parar naquele lugar? De onde vieram? Em sua grande maioria, assim como eu, vieram do Nordeste, outros são oriundos do estado de Minas Gerais. Todos na busca de algo melhor, chegando mesmo a enfrentar uma escravidão velada, como ouvimos de uma senhora. Pois a mesma saiu da Bahia com toda a sua família e foram vendidas para fazendeiros no estado do Paraná e quando conseguiram fugir foram aportar no Vila Mara. Crueza cotidiana, vividas por décadas. Histórias de vida duras, mas exemplar, que são desconhecidas dos mais jovens, mesmo sendo netos dessas pessoas, e que foram abertas para o grupo. Hoje vêem o lugar como um paraíso, de fato está muito diferente, desde a primeira vez que vi em 1985, ainda que tenha muito por fazer. Mas tudo que há foi conquistado com luta, suor e muito, muito trabalho, deixando claro que esses (as) guerreiros (as) – a maioria são mulheres – souberam fazer suas vidas.
Dando um salto no tempo, chegamos a década de 80, quando cheguei do Ceará, ainda criança, naquelas paragens. Foi o período da luta por moradia e de uma grande violência de grupos rivais, seja entre as gangues ou entre bandidos e justiceiros. Muitos tombaram, inclusive pessoas de bem, como os filhos de nossos narradores, que corajosamente abriram suas vidas para contribuir com o nosso projeto. Foi um período duro, lembrado com angústia, mas com a sensação de que valeu a pena, já que atingiram seus objetivos. A luta por casa própria vinha também com repressão: por diversas vezes enfrentaram a cavalaria ou o choque, lutando pelo que deveria ser um direito sagrado. Mas como vieram parar naquele lugar? De onde vieram? Em sua grande maioria, assim como eu, vieram do Nordeste, outros são oriundos do estado de Minas Gerais. Todos na busca de algo melhor, chegando mesmo a enfrentar uma escravidão velada, como ouvimos de uma senhora. Pois a mesma saiu da Bahia com toda a sua família e foram vendidas para fazendeiros no estado do Paraná e quando conseguiram fugir foram aportar no Vila Mara. Crueza cotidiana, vividas por décadas. Histórias de vida duras, mas exemplar, que são desconhecidas dos mais jovens, mesmo sendo netos dessas pessoas, e que foram abertas para o grupo. Hoje vêem o lugar como um paraíso, de fato está muito diferente, desde a primeira vez que vi em 1985, ainda que tenha muito por fazer. Mas tudo que há foi conquistado com luta, suor e muito, muito trabalho, deixando claro que esses (as) guerreiros (as) – a maioria são mulheres – souberam fazer suas vidas.
Publicado originalmente em A Gargalhada nº 10 setembro/outubro 2008, p. 3.
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