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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Teatro e Política

Sair às ruas, abandonar as salas para  isso  determinadas, não cobrar ingressos antecipados, não estabelecer nenhum tipo de discriminação na formação de sua  plateia, não ter lugares marcados e não  firmar nenhum contrato com a plateia alem daquele resultante do interesse que o espetáculo possa despertar no expectador, mantendo-o atento e interessado no que está vendo, embora não tivesse saído de casa para isso,  Tudo isto em si, já é altamente político.  

Porque desobedece às regras impostas a este tipo de manifestação e estabelece novas formas de comunicação e dialogo com a população presente  nas ruas. Transforma o transeunte em expectador.

Por não estar, em tese, submetido a nenhum controle ideológico pode ser altamente subversivo, por revelar ao  cidadão nas ruas que as verdades antes tidas como eternas e imutáveis, agora podem ser modificadas, e que o mundo, que  parecia ser apenas de um jeito, agora já pode ser de outro.

Ao sair  à rua para trazer seu   Teatro, o artista, mesmo que não esteja pensando nisso, coloca em questão toda a nossa forma de organização social e  de convívio  urbano, abrindo uma clareira  na cabeça do expectador que começa a ver o mundo de uma maneira dinâmica e em permanente modificação. 

Entende que a cidade em que nós vivemos  está organizada de acordo com valores éticos, estéticos, sociais que  não são permanentes e que podem e devem ser modificados de acordo com o momento e com a historia do ser humano e suas formas de convivência urbana. “Polis”  é a cidade. E  “Política” é a arte  de viver em sociedade. Assim o ato transgressor do artista de rua, é um ato essencialmente político, mesmo que seu  autor não se dê conta, tenha conhecimento, ou tenha isso pretendido.

Mas na hora em que se percebe isso é essencial que este artista acrescente esta consciência aquilo que está fazendo, e com isso  modifique sua pratica, fazendo-a avançar no questionamento ético, estético, social dos valores dominantes afirmados  como eternos e imutáveis pela ideologia dominante, apesar da evidencia que o homem é filho da historia e não da  ideologia.

O artista que abre seu coração para o sentimento de eterna modificação poderá  entender profundamente o sentido político desta tipo de militância artística, e certamente levar seus limites a uma distancia incomensurável.   Tudo então é e será possível para aquele que percebe o mundo em movimento e sabe  que ele  não poderá estar aprisionado entre a quarta parede e o fundo da cena, sendo observado por uma plateia homogênea e passiva.

O espetáculo na rua é ativo por sua própria natureza, é pró-ativo nos seus efeitos por sair de suas limitações e atingir uma plateia heterogênea e ativa,  como eram as plateias que  produziram o Teatro Popular da Idade Média, e principalmente as plateias heterogêneas que moldaram  a forma e o conteúdo dos  dois (2) grandes gênios do Teatro Ocidental nos últimos 500 anos: Shakespeare  e Molliére.

Todos os grandes clássicos  escreveram e foram  representados para grandes plateias heterogêneas, eliminando com sua arte a  penosa situação provocada pela estratificação social.  Como os Gregos,  e o Teatro do século de ouro espanhol.

Por isso são clássicos, por isso se diz que os grandes clássicos são autores populares, embora o pensamento acadêmico e  dominante tenha  deles se apropriado,  tentando querer nos fazer crer que a genialidade vem de cima para baixo, e que  a humanidade sem divisão de classes sociais, não teria produzido tantas obras primas.

A produção artística é e deve ser sempre de natureza popular (Mozart, Bach). As elites compete patrocinar a emergência do  criador, de baixo para cima, de dentro para fora.

Este me parece  o significado político e histórico da volta do Teatro as ruas, livrando-o do controle e do domínio ideológico das elites, e possibilitando a abertura de novos horizontes para a criação artística e a vida cultural.

Teatro de Rua,  e todas as artes que  se fazem na rua, as Artes Públicas, são em si uma resposta política contundente à afirmação generalizada de que só o mercado é responsável por uma política cultural auto-sustentável.

Arte Pública é arte que não se vende e não se compra, e  que se realiza no contato direto  do artista  e/ou sua obra com o expectador, sem  discriminação de nenhuma espécie, em qualquer espaço.

Ocupar os espaços públicos tem significado político maior do que podemos de pronto perceber. Vai contra tudo que afirma valores individualistas e privatizadores do mundo em que vivemos, e é uma resposta a afirmação de que as coisas são como são e não podem mudar.

Podem e devem mudar.  O Teatro de Rua é um importante vetor destas modificações. É político! Modifica a forma de organização da “Polis”. Da cidade, do lugar onde vivemos.


Amir Haddad

06 /01/2015

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

MEMÓRIA PRESENTE VIII

Dia 04 de Setembro
Quinta

Quarto dia do evento. Tema da manhã, re-flexão, diálogo, carnavalização. Antes do diálogo, Vera Dantas abriu o dia, comandando o ritual de agradecimento por mais um dia de compartilhamento e vivência. Os participantes dançavam e cantavam, abrilhantando e ilustrando ao vivo o tema proposto. Carnavalizar o teatro é voltar para sua essência mais ancestral, cerimonial e ritualista, compromissada com a história e com suas raízes mais populares. É estar em contato horizontal com todos os expectadores, sem nenhuma barreira, sem nenhuma parede. O povo entende e se identifica, porque conhece e conhece há milhares de anos, pertence ao imaginário popular. Assim era no teatro grego, assim é nas grandes celebrações, nas efemérides como o Círio de Nazaré ou no grande festejo junino em Mossoró. “O novo nasce velho, enquanto o contemporâneo é ancestral –Amir Haddad”.

Você encontra mais teatro dançando um cavalo marinho, celebrando um bumba meu boi, desfilando em um bloco de carnaval, no terreiro de candomblé, em uma procissão em homenagem a São Jorge do que no próprio teatro. É uma constante procura por uma possível liberdade, a liberdade do ator seja nos espaços abertos e até nos espaços fechados.

Carnavalizar é buscar vida no teatro e não teatro com vida. A vida naturalmente tem que corre nas veias lúdicas, não precisa ser bombeado. Se precisa de transfusão, certamente não existe teatro. Os atores, os brincantes por sua própria natureza são doadores de sangue universal, se doam em nome do seu ofício para a população e para a sua cidade.


OFICINA DIONISIACA
COM O TÁ NA RUA
A tarde, para quem quisesse participar, o Tá Na Rua oferendou ao evento uma oficina com a linguagem do grupo monitorada pelos atores seus atores.

A linguagem do Tá Na Rua tem como suporte de pesquisa três pilares: as grandes festas, o Carnaval e o futebol. Todo o trabalho do grupo é fundamentado nas grandes atividades e festividades populares. Por isso as roupas do grupo não são inteiras, completas. Através de muita música e dança, procura-se a liberdade dos corpos para que assim o teatro se manifestar, o corpo na sua forma mais atual e primitiva. Esvaziar a mente e ao mesmo tempo fazer com que o ator manifeste todo seu conhecimento em toda sua plenitude. Deixar o teatro para entender o teatro. Foram muitos os participantes da oficina, soltando seus corpos, dançando, cantando, tocando, se fantasiando e manifestando todo o seu conhecimento. A sala do terceiro andar no prédio do hotel da loucura ficou lotada, com tantas pessoas interessantes e cada uma trazendo a tona sua identidade e a cultura da sua região. Isso é celebrar e carnavalizar o teatro.


Herculano Dias