Sair às ruas, abandonar as
salas para isso determinadas, não cobrar ingressos
antecipados, não estabelecer nenhum tipo de discriminação na formação de sua plateia, não ter lugares marcados e não firmar nenhum contrato com a plateia alem
daquele resultante do interesse que o espetáculo possa despertar no expectador,
mantendo-o atento e interessado no que está vendo, embora não tivesse saído de
casa para isso, Tudo isto em si, já é
altamente político.
Porque desobedece às regras
impostas a este tipo de manifestação e estabelece novas formas de comunicação e
dialogo com a população presente nas
ruas. Transforma o transeunte em expectador.
Por não estar, em tese,
submetido a nenhum controle ideológico pode ser altamente subversivo, por
revelar ao cidadão nas ruas que as
verdades antes tidas como eternas e imutáveis, agora podem ser modificadas, e
que o mundo, que parecia ser apenas de
um jeito, agora já pode ser de outro.
Ao sair à rua para trazer seu Teatro, o artista, mesmo que não esteja
pensando nisso, coloca em questão toda a nossa forma de organização social
e de convívio urbano, abrindo uma clareira na cabeça do expectador que começa a ver o
mundo de uma maneira dinâmica e em permanente modificação.
Entende que a cidade em que
nós vivemos está organizada de acordo
com valores éticos, estéticos, sociais que
não são permanentes e que podem e devem ser modificados de acordo com o
momento e com a historia do ser humano e suas formas de convivência urbana.
“Polis” é a cidade. E “Política” é a arte de viver em sociedade. Assim o ato
transgressor do artista de rua, é um ato essencialmente político, mesmo que
seu autor não se dê conta, tenha
conhecimento, ou tenha isso pretendido.
Mas na hora em que se
percebe isso é essencial que este artista acrescente esta consciência aquilo
que está fazendo, e com isso modifique
sua pratica, fazendo-a avançar no questionamento ético, estético, social dos
valores dominantes afirmados como
eternos e imutáveis pela ideologia dominante, apesar da evidencia que o homem é
filho da historia e não da ideologia.
O artista que abre seu
coração para o sentimento de eterna modificação poderá entender profundamente o sentido político
desta tipo de militância artística, e certamente levar seus limites a uma
distancia incomensurável. Tudo então é
e será possível para aquele que percebe o mundo em movimento e sabe que ele
não poderá estar aprisionado entre a quarta parede e o fundo da cena,
sendo observado por uma plateia homogênea e passiva.
O espetáculo na rua é ativo
por sua própria natureza, é pró-ativo nos seus efeitos por sair de suas
limitações e atingir uma plateia heterogênea e ativa, como eram as plateias que produziram o Teatro Popular da Idade Média, e
principalmente as plateias heterogêneas que moldaram a forma e o conteúdo dos dois (2) grandes gênios do Teatro Ocidental
nos últimos 500 anos: Shakespeare e
Molliére.
Todos os grandes
clássicos escreveram e foram representados para grandes plateias heterogêneas,
eliminando com sua arte a penosa
situação provocada pela estratificação social. Como os Gregos, e o Teatro do século de ouro espanhol.
Por isso são clássicos, por
isso se diz que os grandes clássicos são autores populares, embora o pensamento
acadêmico e dominante tenha deles se apropriado, tentando querer nos fazer crer que a
genialidade vem de cima para baixo, e que
a humanidade sem divisão de classes sociais, não teria produzido tantas
obras primas.
A produção artística é e
deve ser sempre de natureza popular (Mozart, Bach). As elites compete
patrocinar a emergência do criador, de
baixo para cima, de dentro para fora.
Este me parece o significado político e histórico da volta
do Teatro as ruas, livrando-o do controle e do domínio ideológico das elites, e
possibilitando a abertura de novos horizontes para a criação artística e a vida
cultural.
Teatro de Rua, e todas as artes que se fazem na rua, as Artes Públicas, são em si
uma resposta política contundente à afirmação generalizada de que só o mercado
é responsável por uma política cultural auto-sustentável.
Arte Pública é arte que não
se vende e não se compra, e que se
realiza no contato direto do
artista e/ou sua obra com o expectador,
sem discriminação de nenhuma espécie, em
qualquer espaço.
Ocupar os espaços públicos
tem significado político maior do que podemos de pronto perceber. Vai contra
tudo que afirma valores individualistas e privatizadores do mundo em que
vivemos, e é uma resposta a afirmação de que as coisas são como são e não podem
mudar.
Podem e devem mudar. O Teatro de Rua é um importante vetor destas
modificações. É político! Modifica a forma de organização da “Polis”. Da
cidade, do lugar onde vivemos.
Amir
Haddad
06
/01/2015
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