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terça-feira, 30 de junho de 2009

XIV Encontro de Teatro de Rua de Angra dos Reis

Por Paulo Betti (Ator e sorocabano de coração)


Sexta-feira, 15 de maio de 2009

Teatro de rua
Amigos, como é encantador o teatro de rua! É só haver uma pequena aglomeração com alguém se apresentando em alguma praça, que vou parando para observar.
Na rua vi as apresentações mais poéticas e as mais bizarras. Mas nunca me aborreci. Paro para ver vendedores ambulantes que aproveitam a curiosidade do povo para vender produtos milagrosos oriundos da mais misteriosa floresta amazônica. Fico esperando a hora prometida que em que a cobra vai ser retirada de dentro da cesta mágica.
Tudo isso tem um pouco de teatro de rua. Mas não se compara, é óbvio, as refinadas manifestações teatrais que vi no 14º Encontro Nacional de Teatro de Rua em Angra dos Reis na semana passada.
Pela mostra, o teatro de rua brasileiro está fortíssimo e com energia para dar e vender. Fiquei dois dias e vi o grupo “Pombas Urbanas”, de São Paulo com seu espetáculo “Histórias para serem contadas”, um espetáculo comunicativo com atores excelentes. No mesmo dia vi o grupo Arte da Comédia, de Curitiba. A peça “Aconteceu no Brasil enquanto o ônibus não vem” divertiu o público com seu texto construído a partir de improvisações do elenco. Atores maravilhosos, bem ensaiados e coreografados nos mínimos detalhes.
Na mesma noite, iluminada por uma linda lua cheia, os meninos de Florianópolis, do Grupo Circo Negro, barbarizaram as ruas centrais de Angra com sua “Experiência Subterrânea”. No final da noite de sábado o Coletivo Pulso, de Belo Horizonte, encantou o público com a magia e a delicadeza de seu “Hai Kai – Somente as Nuvens Nadam No Fundo do Rio”. Figurinos imaculados, movimentos lentos e precisos, um poema teatral de grande impacto que termina num banho coletivo para surpresa do público que reagiu com simpatia e bom humor.
No domingo ainda pude me deliciar com o grupo mineiro Galpão Cine Horto e sua comunicativa e poética invenção de linguagem em “Arande Gróvore”. As crianças acompanhando aquela língua diferente inventada pelo grupo que é cria do Galpão, me lembrou alguns grandes momentos de Antunes Filho e Gabriel Vilela.
Fechei a noite vendo o excepcional “Famiglia Milan e o Gran Circo Guaraná com Rolha”. Que dupla maravilhosa de acrobatas! Uma pesquisa sobre o circo dos anos 20. Uma deliciosa viagem no tempo.
Não deu para ver tudo,mas pude acompanhar a emocionante homenagem que Amir Haddad e seu Grupo Tá Na Rua prestaram ao mestre Augusto Boal, recém falecido. Eles inventaram o espetáculo na hora. Amir falou com a propriedade de quem foi amigo dileto do grande homem do nosso teatro, um dos maiores que tivemos em todos os tempos.
Para quem acha que a ditadura foi branda, Amir colocou as coisas nos seus devidos lugares: “a ditadura roubou pelo menos uns oito anos úteis de Boal. No final de sua vida, as seqüelas da tortura brutal que ele sofreu se manifestaram roubando suas energias e se transformando numa leucemia devastadora”.
Na manhã de domingo ouvi junto com Amir, os testes do equipamento de som da segurança da usina nuclear. Deu medo ouvir aquelas sirenes ecoando pelas matas com seus gritos lancinantes que misturam a melancolia dos apitos das antigas fábricas com o som apocalíptico das hecatombes. Uma voz sinistra dizia: “continuem a fazer suas atividades normais, isso é apenas um teste”!
Ainda bem que eu estava com Amir Haddad e com o pessoal do teatro de rua. Nosso antídoto as incongruências da vida. E pude ver o pipoqueiro cumprimentando Amir pelo seu trabalho. Um dos momentos mais belos que já presenciei no teatro.

MTR/SP lança revista na Galeria Olido

Com a presença de mais de uma centena de pessoas, principalmente fazedores de teatro de rua, além de representantes de entidades, o Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR/SP), lançou nesta segunda-feira, dia 15, no Espaço Dança da Galeria Olido, a Revista Arte e Resistência na Rua.

A publicação contém artigos, histórico do processo de organização do MTR/SP e as críticas dos espetáculos da 3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, ocorrida em novembro de 2008, bem como o registro do 4º Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR). Assim, a Revista vem suprir parte da lacuna que há em relação a esta modalidade teatral, posto ainda serem escassos os registros a cerca deste fazer teatral.

As críticas foram coordenadas pelo Professor Dr. Alexandre Mate do Instituto de Artes da UNESP (Universidade do Estado de São Paulo), responsável também, juntamente com Romualdo Bacco, pela curadoria da Mostra.

Na mesma noite foi lançado um vídeo documentário de cinqüenta minutos, gerado a partir do processo de filmagens dos espetáculos; de entrevistas com grupos; dos bate-papos ocorridos durante a Mostra; o grupo homenageado Teatro Popular União e Olho Vivo, bem como do registro do Encontro da RBTR.

Esta revista é resultado do trabalho dos grupos de teatro de rua organizados no MTR/SP cumprindo o seu papel: gerando pensamento e criando documentos a cerca de seu fazer.

Por Adailton Alves Publicado no site da CPT em 17/06/09

domingo, 28 de junho de 2009

Brecht no cativeiro das forças produtivas

Por Iná Camargo Costa 
(professora aposentada do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH-USP) 

As fúrias do interesse privado são as paixões mais violentas, mesquinhas e odiosas do coração humano. 
Marx, O Capital 
O capitalismo não morrerá de morte natural: ele precisa ser morto. Para isso é preciso que a luta de classes apareça como uma categoria natural. Então a humanidade será o objetivo da luta de classes. 
Brecht, Processo de três vinténs


Crise estética e teórica

Para explicar que o cinema deveria ser objeto de estudos comparados com o teatro, Eisenstein argumenta que só é possível dominar a metodologia específica do cinema através da comparação crítica com formas primitivas mais básicas do espetáculo.[1] Neste texto de 1932, o agora professor está pensando nas conhecidas objeções que, como outros veteranos do cinema mudo, fazia aos adeptos do teatro enlatado no qual patinavam os filmes sonoros, pois ainda estavam longe do horizonte os desenvolvimentos técnicos que libertariam câmeras e atores da prisão imposta pelos executivos dos estúdios submetidos à precariedade técnica dos primeiros microfones.

Mas não era só para explicar que teatro não é cinema ou que bom cinema não é meramente teatro filmado que Eisenstein fazia estudos comparados de teatro, cinema e também de literatura. Ele queria que seus alunos entendessem o cinema como o último rebento da família multissecular do show business, pois achava que sem entender como se deu a industrialização das artes do espetáculo (a maneira conservadora de referir o processo de submissão destas forças produtivas às determinações do capital), nenhuma discussão sobre cinema tem fôlego. Afinal, ele definira cinema como "muitas sociedades anônimas, muito giro de capital, muitas estrelas, muitos dramas"[2].
As experiências alemãs de Brecht com estes novos meios de produção[3] também apontam para a mesma necessidade e seus relatos avançam reflexões obrigatórias para interessados nas relações entre teatro e cinema. O Processo de três vinténs dá conta do confronto com a empresa que filmou sua Ópera de três vinténs (direção de Pabst) e os escritos sobre Kuhle Wampe dão conta de uma tentativa, ainda hoje atual, de fazer cinema independente que acabou, por isso mesmo, tropeçando nos obstáculos da distribuição e da censura. Nos dois casos, Brecht entendeu que participara de dois reveladores experimentos sociológicos e por isso registrou suas reflexões a respeito pois, ao que tudo indica, percebeu que topara com uma espécie de limite da comédia ideológica do século XX[4].

Uma demanda barata 
Restringindo um processo que consumiu cerca de trinta anos aos fatos que o delimitam – da descoberta do cinema como um ramo lucrativo do show business em 1895 até o seu controle monopolístico pelo capital financeiro em 1926-1929 –, pode-se dizer que, quando venderam os direitos autorais da Ópera de três vinténs ao estúdio que produziu o filme, Brecht e Weill caíram na rede do filme musical enlatado, a última palavra em matéria de novidade cinematográfica, inaugurada oficialmente em 1927, testes de mercado à parte, com o filme da Warner Brothers, O cantor de jazz. Quando da assinatura do contrato com a Nero Filmes, em 21 de maio de 1930, talvez nossos artistas não soubessem ainda[5] que a corrida pelo controle do mercado cinematográfico mundial estava prestes a se decidir por uma espécie de empate técnico: o mundo ficou dividido nesse mesmo ano, em acordo firmado em Paris, entre americanos e alemães que detinham o monopólio das patentes padronizadas dos equipamentos necessários à filmagem e exibição de filmes sonoros. Parte do mercado europeu ficou com os alemães, menos a União Soviética, que ficou para os americanos, assim como os Estados Unidos[6]. E o padrão americano de produtividade estabeleceu que filmar peças musicais de sucesso era sinônimo de lucros seguros. Também fazia parte da receita americana, após os experimentos franceses, produzir filmes que correspondessem tão fielmente quanto possível ao espetáculo teatral, mesmo com alguma "perda de qualidade", compreensível e aceitável em se tratando de "produto cultural industrializado" (é só ver o caráter abertamente apologético das campanhas de publicidade da época).
A idéia de fazer teatro enlatado para concorrer diretamente com o produto mais prestigiado do show business foi lançada na França por americanos radicados em Paris (os irmãos Lafitte), enredados até o pescoço com a indústria cultural (jornal e editoras)[7]. No ano de 1908 eles realizaram a dupla proeza de lançar um filme com o elenco da Comédia Francesa e, com ele, o gênero "filme de arte" que desde então é marca comercial. Do ponto de vista mercadológico, a operação significou conquistar para este produto a "classe A", ou o segmento mais abonado dos consumidores que até então o desprezavam como "coisa de pobre", além de trazer para o trabalho nas fábricas a mais alta categoria de trabalhadores da hierarquia teatral, como Sarah Bernhardt. A partir deste ano, os fabricantes de filmes americanos começaram a assediar os elencos teatrais dos principais centros produtores (Nova York, Chicago e depois Los Angeles, uma das razões da migração do cinema para Hollywood), numa longa campanha que só terminou com a vitória da indústria depois da introdução do cinema sonoro. Mas os americanos nunca perderam tempo com essa história de "filme de arte": seu jogo sempre foi explicitamente assumido como um problema de mercado.
Para um profissional do teatro alemão como Brecht, o caráter reacionário desta segmentação mercadológica era muito claro: ao mesmo tempo em que rifara o público popular[8] inicial dos curta-metragem mudos, o teatro enlatado de longa metragem, ainda mudo (a definição negociada do padrão para cerca de uma hora e meia de duração data dos últimos anos da década de 1910), conquistara o público de classe média requentando os "clássicos" do drama burguês do século XIX[9] e submetendo o amplo repertório técnico já desenvolvido pelos cineastas pioneiros à camisa de força das exigências e convenções atualizadas daquele drama que, nas práticas teatrais da República de Weimar, estavam devidamente enterradas, como a própria Ópera de três vinténs testemunha. A introdução do filme sonoro apenas completou a operação estético-ideológica (para não dizer nada do golpe econômico), radicalizando o problema já instalado nas pantomimas dramáticas.
Esta convicção está por trás de pelo menos um aspecto do mal entendido presente nos termos do contrato assinado por Brecht com a Nero Filmes[10] que pode ser assim resumido: a companhia cinematográfica estava interessada em somente enlatar a peça, que fora um dos maiores sucessos de bilheteria do teatro alemão nos anos de 1928 e 1929 enquanto Brecht, que sabia o que fizera no teatro mas ainda não conhecia o terreno onde estava pisando, acreditou no que diziam as cláusulas relativas a seu direito de adaptação do texto porque achou que a empresa estivesse interessada em fazer do filme um experimento equivalente ao realizado no palco. Ele confessa abertamente esta ingenuidade, que demorou um pouco para entender.
Para Brecht, tal experimento começava pela adaptação do texto por ele mesmo, o autor. Não que acreditasse, como rezava o contrato, em propriedade das idéias, mas por acreditar em fidelidade a seu material. Como explicou, se o filme, com as técnicas de que dispunha, não desenvolvesse os materiais que na peça ficaram apenas pressupostos, o resultado, por mais que se aproximasse do ocorrido no palco, ficaria aquém do seu potencial e assim configuraria (como ele acha que aconteceu) um retrocesso artístico. Simplificando bastante a história, digamos que a certa altura ele estava alegremente redigindo o seu roteiro[11] quando soube que as filmagens já tinham começado. Dirigiu-se ao local do crime e nem ao menos lhe permitiram ver o que estava acontecendo: foi impedido de entrar no estúdio. Abriu um processo contra a empresa e descobriu que, ao contrário do que pensava, na opinião do tribunal ele descumprira várias cláusulas. Para começar, dificultara o trabalho da empresa desde o início, insistindo, por exemplo, em permanecer no sul da França, onde se encontrava, ao invés de seguir para Berlim, onde ficava a empresa, para tratar das negociações; um recalcitrante, enfim. Mais grave que isso: mesmo sabendo que a empresa já alugara os estúdios e contratara o elenco, não apresentara a primeira sinopse dentro do prazo estipulado. Por essas e muitas outras, o tribunal concluiu que a empresa exercia o seu direito ao fazer o que fez: contratar outros escritores e fazer o que bem entendesse com o texto "original" (desde que mantivesse a idéia básica)[12]. Por estes motivos, a primeira sentença foi contra ele. Recorrendo dela, acabou chegando a um acordo pelo qual foi modestamente indenizado.
Não é possível reconstituir agora todas as lições que Brecht aprendeu no processo como um todo, mas vale a pena reproduzir algumas observações cujas consequências continuam presentes como um desafio para quem ainda se interessa por teatro. A mais importante: o Processo de três vinténs demonstra até que ponto avançou a transformação de valores intelectuais em mercadoria[13]. O próprio sistema legal faz parte disso, pois a Justiça espera atrás de portas que só se abrem para quem tem dinheiro.
O objetivo do processo, já que o artista não tinha dinheiro para abrir as portas da justiça, passou a ser o de desenvolver na prática uma crítica de maior alcance às idéias liberais sobre arte no capitalismo. Através dele foi possível demonstrar que a justiça do Estado burguês não hesita em violar suas próprias leis quando está em jogo a proteção dos interesses financeiros do capital. Todos sabem que a lei assegura a inviolabilidade da propriedade intelectual. Mas a validade dessa propriedade é restringida por suas consequências econômicas. Quando se trata de cinema, o risco é tão grande que a expectativa de lucro na produção da mercadoria pesa mais que o direito do escritor à sua propriedade imaterial (às suas idéias)[14].
O cinema só se interessa pela arte se tiver garantias de que terá condição de a violar. E não adianta dizer que a arte não precisa do cinema pois, sem ele, quem se dedica às artes do espetáculo está privado dos meios de produção ao mesmo tempo em que se vê forçado a falar por meio de aparatos cada vez mais complexos, sem os quais nos expressamos através de meios cada vez menos adequados. Independente do gosto geral, as velhas formas (inclusive as impressas) são afetadas pelos novos meios e não sobreviverão imunes a eles. O avanço tecnológico sobre a produção literária é irreversível[15].
No caso do teatro, é ainda mais evidente o impacto do cinema e é preciso tirar dele as consequências avançadas. O tratamento que o cinema dá ao ator, por exemplo, é muito instrutivo. Como neste meio a personagem é vista de fora, o ator de cinema só interessa segundo a sua função. Qualquer motivação interior é excluída; a vida interior do personagem nunca fornece a causa principal da ação e raramente seu principal resultado. Isto no cinema mudo. Já o cinema sonoro, que depende do grande estúdio, além de jogar esta forma de arte nas convenções (vida interior, etc., tudo através do diálogo dramático) que o meio tornou ultrapassadas, é ao mesmo tempo o processo em que os produtores (autores, atores, técnicos) são expropriados dos seus meios de produção; sinaliza, portanto, a proletarização dos produtores. Uma vez transformados em proletários, os trabalhadores do teatro e do cinema, se quiserem fazer arte e não mercadoria, encontrarão na peça didática um método decisivo para alcançar seu objetivo. Mas isto depende de compreenderem que a peça didática põe na ordem do dia a transferência dos meios de produção aos verdadeiros produtores, tema que Walter Benjamin desenvolverá em seguida[16] e ao qual retornaremos.
Como o trabalhador manual, o trabalhador intelectual (categoria em que estão os artistas) só tem a sua força de trabalho a oferecer no mercado. Ele é a sua força de trabalho e nada mais que isso. Assim como o trabalhador manual, ele precisa cada vez mais que os meios de produção explorem a sua força de trabalho, porque a produção intelectual vai ficando cada vez mais "técnica"[17]. Aliás, intelectuais e artistas, mesmo sob condições de trabalho ignominiosas, se consideram livres das determinações às quais se submetem os trabalhadores manuais porque entendem por liberdade a livre concorrência e a liberdade a que aspiram é a livre concorrência na venda das suas opiniões, conhecimentos e habilidades técnicas[18]. Eles nem ao menos admitem ser chamados de trabalhadores intelectuais, pois se vêem como empreendedores, ou como pequenos burgueses. Dentre estes há ainda os que acreditam na liberdade de renunciar aos novos instrumentos de trabalho, mas esta é uma liberdade que se exerce fora do processo produtivo, pois não existem mais ciência nem arte livres da influência da moderna indústria: ciência e arte serão mercadorias como um todo ou não existirão.
Nas mãos dos produtores executivos (impostos às companhias cinematográficas pelo capital financeiro para proteger seus investimentos), gerenciadores que só precisam entender de cálculos e de administração de pessoal, e manipulados por diretores que, no domínio da arte e da tecnologia, têm o raciocínio de uma ostra (para produzir o já conhecido – a mercadoria), as possibilidades que os novos meios de produção disponibilizam simplesmente não podem ser exploradas. Isto porque produtores e diretores se puseram a fazer "arte" no sentido definido pelos irmãos Lafitte. Se os executivos do cinema não estivessem a serviço do capital, mas genuinamente interessados (como alguns pioneiros) no desenvolvimento das forças produtivas da própria indústria que administram, bastaria que manejassem como cientistas os "seus" meios de produção. Nesta hipótese, eles entenderiam que câmeras, trilhos, microfones, luzes, etc. servem para documentar o comportamento visível, mostrar acontecimentos simultâneos, interações humanas dos mais variados tipos. E como o simples documentar por si só não revela a reificação das relações humanas, é ainda preciso analisar as suas manifestações e, a partir dos documentos produzidos e analisados, construir as imagens, inventar, criar algo que necessariamente vai aparecer como artificial à luz das convenções (dramáticas) que pautam a produção e a crítica cinematográfica. Enfim, é preciso criar uma nova idéia de arte para efetivamente desenvolver a força produtiva da indústria cinematográfica, que se encontra aprisionada.
A libertação da força produtiva do cinema depende da apropriação dos meios de produção pelos verdadeiros produtores, que são os artistas e os técnicos (todas aquelas especialidades que aparecem nos créditos finais dos filmes). O mesmo vale para os demais meios de produção intelectual, pois todos estão presos nas garras do capital. Não é demais insistir: o modelo é a peça didática que não tem sentido se os meios de produção não estiverem sob o controle dos envolvidos. Meios de produção, no caso do cinema, desde os anos 20 significam também meios de distribuição e exibição, como demonstram os seguidos desastres da produção independente.

Fetichismo da tecnologia
A experiência do filme Kuhle Wampe mostrou a Brecht e demais produtores independentes que o papel determinante dos interesses do capital tem maior alcance do que normalmente supõem os artistas. Distribuidores, por exemplo, controlam o conteúdo dos filmes num grau que é subestimado até mesmo nos círculos profissionais. Não querem problemas de censura e muito menos de bilheteria[19]. Por isso determinam cortes de cenas ou sequências em filmes prontos sem a menor cerimônia. No entanto, observa Brecht, os críticos profissionais, aos quais chama metafísicos da cultura, só denunciam o papel nefasto dos distribuidores que "identificam demandas" porque acreditam que estes usurparam uma função que seria sua – a de escolher a coisa certa para o consumidor. Estes naturalmente se esquecem de que, em aliança com os distribuidores, trabalham as empresas de propaganda, onde estão os "físicos" do gosto do público.[20] Por certo nem físicos nem metafísicos entendem o que seja este gosto do público mas, como a própria hierarquia do cinema demonstra, não é o conhecimento de alguma coisa que torna alguém capaz de a explorar e, como sabem os leitores de Simmel, está cientificamente demonstrado que, em questão de mercado cultural, a "média" sempre está muito próxima do nível mais baixo. Os metafísicos da cultura jamais se rebaixariam a estudar, por exemplo, o valor social do sentimentalismo que tanto os desgosta e, mesmo se o quisessem, não dispõem do conhecimento e da metodologia necessários a tal tipo de pesquisa. Pelas mesmas razões, jamais compreenderão que um certo tipo de humor, e sua grosseria especial, não apenas é produto de condições materiais, mas ainda é um meio de produção.
A luta dos intelectuais progressistas contra a mercantilização da arte, da ciência e da cultura é baseada na premissa de que as massas e os intelectuais que se vendem não sabem quais são os seus interesses. Mas as massas têm menos interesses estéticos que interesses políticos e por isso a sugestão de Schiller, de fazer da questão estética (científica, cultural) uma questão política, nunca foi tão necessária como hoje. É preciso entender que o mau gosto das massas está mais profundamente enraizado na realidade que o bom gosto dos intelectuais, pois o gosto do público é expressão de interesses sociais e não mudará por meio de melhores filmes, mas pela mudança das circunstâncias que determinam o nível desses filmes.
Por outro lado, os que acreditam que o fato de ser mercadoria não afeta um filme não têm idéia do poder modificador da mercadoria. Só os que fecham os olhos para o enorme poder revolucionário que tudo arrasta para a circulação de mercadorias, sem deixar nada de fora, podem supor que obras de arte, de qualquer gênero, ficariam excluídas. Há muito tempo o próprio processo de comunicação nada mais é que ligar tudo e todos na forma de mercadorias.
A chamada crítica cinematográfica inventou uma fórmula funcional para colocar o pior tipo de lixo no mercado. Ela reza que um filme pode ser regressivo no conteúdo e progressista na forma. Pois bem: a referência à qualidade independente do significado é regressiva[21]. Marx já disse que a forma só é boa quando é a forma do conteúdo. Em seu fetichismo tecnológico, a propaganda do cinema (o verdadeiro nome do que passa por crítica) confunde a habilidade de mostrar as coisas de maneira apetitosa com desenvolvimento tecnológico. Há uma dialética do desenvolvimento tecnológico – com perdas e danos incalculáveis – que passa despercebida porque ninguém se pergunta se é verdade que os filmes precisam continuar fazendo a mesma coisa que o romance e o teatro faziam no século XIX. A síntese desta relação com a tecnologia é a idéia de que tudo pode ser perdoado se for "bem feito" (critério forjado pelos empresários do teatro francês do início do século XIX[22]).
A tecnologia do cinema serve para criar alguma coisa a partir do nada. Por nada, entenda-se um monte de idéias triviais, observações imprecisas, proposições inexatas e asserções indemonstráveis. Nem sempre este nada foi nada; nasceu de alguma coisa. Por exemplo, de romances que continham uma série de observações precisas, afirmações exatas e proposições demonstráveis. A começar pela receita americana de roteirização (baseada na receita da "peça-bem-feita"), que foi definida em meados dos anos de 1910, quando começaram a ser feitos os filmes de longa metragem, a tecnologia cinematográfica necessária para criar alguma coisa a partir de nada primeiro foi obrigada a criar esse nada a partir de alguma coisa. Este é o segredo da adaptação de uma obra literária[23]. Esta é uma prática da qual a tecnologia não pode ser afastada: ela não pode ser útil para criar alguma coisa a partir de alguma coisa. É, portanto, a tecnologia que realiza os truques, porque não é arte e sim truque transformar uma porção de lixo em sobremesa apetitosa. Mas, quando mudar a função social do cinema, todas as grandes realizações da "técnica" serão jogadas no aterro sanitário. À margem da vida real Assim como foi feito com o Processo de três vinténs, da experiência do filme Kuhle Wampe serão destacadas algumas observações gerais, a começar pela tentativa de, através da produção independente, assegurar a liberdade artística. Com as lições do primeiro processo, agora os produtores trataram de garantir a sua condição de proprietários dos direitos autorais em sentido legal. Isto lhes custou o direito à remuneração habitual, mas foram conquistadas liberdades que de outra forma não seriam factíveis. O grupo dos produtores era formado por dois roteiristas, um diretor, um compositor, um administrador e um advogado. A primeira lição, que custou muito trabalho, foi a de que a organização é parte essencial da obra de arte. Esta organização só foi possível porque a obra como um todo era política e por isso contou com o apoio militante de outras organizações políticas, inclusive um grupo de teatro de agitprop.
Terminado o filme (o que não se deu sem enormes percalços), seus produtores descobriram mais alguns critérios de mercado. Primeiro, que filmes artisticamente válidos são comercialmente perniciosos porque estragam o gosto do público, aprimorando-o. De qualquer modo, eles não são mesmo comerciais e, se o fossem, o distribuidor capitalista assumiria o risco desse perigoso aprimoramento do gosto por motivos ligados à concorrência – do mesmo modo que se arrisca ao comercializar propaganda comunista. O segundo critério, o da relação entre novidade e valor comercial, revelou que um filme comunista não tem mais valor comercial porque o comunismo não é mais uma ameaça ao público burguês. Ele não desperta mais interesse[24]. O terceiro, ainda mais relevante: uma empresa só se dispôs a comercializar Kuhle Wampe depois que atores, roteiristas, produtores e diretor abriram mão de seus cachês (leia-se: a mercadoria foi doada ao distribuidor). Fim de romance: o filme teve exibição restrita em Berlim, Paris e Moscou e, com o advento do regime nazista, não se falou mais no assunto.
O fato de investidores do mercado cinematográfico não acreditarem mais na ameaça comunista não correspondia necessariamente à opinião dos administradores do Estado alemão, sobretudo os funcionários da polícia. Submetido à censura, o filme foi proibido, basicamente por dois problemas. Primeiro, porque mostra como certos grupos da classe trabalhadora se acomodam e seguem passivamente para o brejo. O censor entendeu este ponto como um ataque à social-democracia, o que era proibido por lei, assim como ataques à igreja e a qualquer instituição que apoiasse o Estado. O segundo diz respeito à trajetória de um jovem desempregado que, vítima dos cortes nos programas de assistência aos jovens, comete suicídio logo no início do filme. O censor entendeu este tópico como um ataque ao presidente que recentemente assinara alguns decretos emergenciais e vinha sendo acusado de insuficiente preocupação com o bem estar dos trabalhadores.
Como os produtores recorreram da decisão, foi-lhes concedida uma audiência, na qual o censor apresentou, entre outros, o seguinte argumento instrutivo: o problema é o modo como vocês mostram o suicídio desse trabalhador desempregado. Esse modo não está de acordo com o interesse geral que eu defendo por dever de ofício. Lamento, mas tenho que fazer uma censura de caráter estético: este trabalho não é inteiramente humano. Vocês não criaram uma pessoa, mas um tipo. Seu desempregado não é um indivíduo real, uma pessoa de carne e osso, distinta de qualquer outra, com suas preocupações particulares, alegrias particulares, seu destino particular. Ele é apresentado de modo muito superficial. Sabe-se muito pouco a respeito dele e, no entanto, as consequências são de natureza política, o que me obriga a ser contra a liberação do filme. Ele está afirmando que o suicídio é típico, que não é simplesmente a ação deste ou daquele indivíduo com disposição patológica, mas o destino de toda uma classe social. Seu ponto de vista é o de que a sociedade induz os jovens ao suicídio negando-lhes a possibilidade de trabalhar. Para agravar o mal feito, vocês ainda indicam o que devem fazer os desempregados para mudar a situação, não se comportando como artistas. Ninguém os impediria de mostrar o destino chocante de um indivíduo. Mas este suicídio nem ao menos é um gesto impulsivo. O público não terá o desejo de impedi-lo, o que seria uma reação adequada a uma apresentação artística, humana, compassiva. O personagem se mata como quem demonstra o jeito de descascar um pepino!
É bom lembrar que a mesma censura havia liberado, uma semana antes, um filme nazista chamado Mudança de destino, que certamente devia ser em grau máximo uma apresentação artística, humana e compassiva. Mais importante do que este registro en passant, entretanto, é a aproximação que Brecht faz entre os argumentos do censor e os dos críticos de cinema, inclusive os comunistas (o periódico Rote Fahne, por exemplo, criticou a "representação equivocada" do proletariado, além de reclamar da ausência de palavras de ordem).
Por sua impressionante atualidade, vale a pena encerrar este levantamento de tópicos com as observações de Brecht sobre a prática mais ampla da censura que passa por crítica. Para entender como ela funciona, diz nosso autor, deve-se concebê-la como um processo esquizofrênico pequeno burguês com a seguinte estrutura: eu me digo que eu preciso me reprimir. O pequeno burguês sabe que não pode digerir tudo o que come. Os que censuram filmes por razões de gosto pertencem a estratos sociais que ignoram seus próprios interesses políticos. Vivem uma situação impossível porque teriam que ser capazes de desejar a arte política, não por razões artísticas, mas por razões políticas, pois não há argumentos estéticos contra a censura política. Para começar, eles teriam que estar em condições de apreender criticamente a situação político-cultural dos consumidores de arte, que é a deles próprios, ao invés de criticar apenas o gosto sintomático "dessa gente"[25], pois sabem que é quase impossível situar-se acima da pequena burguesia, para a qual essencialmente os filmes são feitos.
Estes pequenos burgueses lamentam o rumo que as coisas da "cultura" tomaram. Melhor do que lamentar, é entender como funciona a realidade e compreender no que já aconteceu quais são as tendências revolucionárias e quais as reacionárias. Para isso, é preciso assumir uma perspectiva ativa e participante, de parte interessada num campo de forças opostas, pois o sistema social é radicalmente antagonístico e não se dá a conhecer aos que adotam a perspectiva "objetiva" e "desinteressada", cara à imprensa liberal[26].

Proletarização dos artistas e intelectuais 
Com vistas às consequências políticas destes experimentos, que já estão mais ou menos indicadas, é útil lembrar, de preferência por extenso, o que Marx dizia na Ideologia alemã: os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também o poder espiritual dominante. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual, de modo que o pensamento daqueles a quem são recusados os meios de produção intelectual está submetido igualmente à classe dominante. [...] Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem entre outras coisas uma consciência e é em consequência disso que pensam; na medida em que dominam enquanto classe e determinam uma época histórica em toda a sua extensão, é lógico que esses indivíduos dominem em todos os sentidos, que tenham, entre outras, uma posição dominante como seres pensantes, como produtores de idéias, que regulamentem a produção e a distribuição dos pensamentos da sua época; as suas idéias são, portanto, as idéias dominantes da sua época[27].
Para o que nos interessa, os experimentos de Brecht são da ordem do trabalho coletivo, do qual seria preciso tirar as consequências teóricas, o que não fazem os intelectuais, como seria do seu dever, porque estão submetidos às exigências da produção espiritual determinada pela classe dominante e desprovidos dos meios de produção espiritual. Para começar, porque não se dão conta de que participam de um coletivo. O crítico de jornal, por exemplo, compartilha as opiniões dos demais jornalistas e participa do desenvolvimento da opinião como um todo. Aqui funciona um coletivo que torna irreconhecível a opinião individual. O cinema, como todo mundo sabe, só existe enquanto trabalho coletivo. Mas na indústria cinematográfica, ao contrário da produção independente, "coletivo" não é o que habitualmente se supõe. Sempre há quem define, quem decide. A engrenagem funciona como uma espécie de caricatura da divisão do conhecimento: um técnico filma porque o diretor não tem a menor idéia de como operar uma câmera, outro faz a montagem porque o operador da câmera não tem idéia do filme como um todo e alguém escreve o roteiro porque o público tem preguiça de fazê-lo. É por isso que interessa tornar irreconhecível a contribuição individual. No capitalismo a idéia de coletivo exclui o público e a partir dele é criado um falso coletivo.
Um filme é produzido coletivamente e no entanto é percebido como obra de arte antes que o conceito de arte tenha incorporado o conceito de trabalho coletivo. Uma economia planificada – a da ditadura do mercado – já se estabeleceu na produção da arte sem que o conceito de arte tenha se livrado do valor que a ideologia dominante atribui a personalidade, liberdade individual e superstições conexas. O cinema como trabalho coletivo permite que se percebam essas inconsistências ideológicas: a cultura burguesa não é o que ela pensa sobre as práticas burguesas, e a distância que separa esta cultura de suas práticas pode ser calculada pela espessura de um fio de cabelo.
Não será cultivando o que Walter Benjamin chamou "teologia da arte" – a doutrina da arte pura – que artistas e intelectuais encontrarão respostas às perguntas por seu papel e o da arte na sociedade capitalista. Estas serão encontradas na luta por um lugar na produção, o que equivale a dizer na luta pela libertação das forças produtivas (porque artistas e intelectuais desempregados, como todas as demais categorias de trabalhadores, também configuram desperdício de forças produtivas).
O papel da produção ou, mais exatamente, o constante crescimento deste papel, é decisivo em grau máximo porque ele revoluciona todo comportamento e todas as idéias. Justiça, liberdade, personagem, tudo se tornou função da produção; são suas variáveis. Nenhum ato cognitivo é mais possível fora do processo de produção. É preciso produzir para conhecer e produção significa estar no processo de produção. Até o lugar do revolucionário e o da revolução é o processo de produção. Um exemplo simples (do filme Kuhle Wampe) ilustra este teorema elementar: na revolução o desempregado tem um papel surpreendentemente pequeno, mas deste papel menor emerge imediatamente um papel de protagonista quando o desemprego começa a ameaçar seriamente a produção.

Notas
[1] EISENSTEIN, S. Sirva-se! In – A forma do filme. Rio de Janeiro: Zahar, 1990, p. 87.

[2] Idem. Fora de quadro. In op. cit. p. 35.
[3] Cf. SILBERMAN, Marc (org. e trad.). Bertolt Brecht on Film and Radio. London: Methuen, 2000. Partes IV (Filme de três vinténs) e V (Kuhle Wampe), ambas publicadas originalmente em 1932. Há também uma tradução francesa, no volume Ecrits sur la litterature et l'art 1: sur le cinéma. Paris: L'Arche, 1970.
[4] Um estudo sobre o Processo encontra-se em GILES, Steve. Bertolt Brecht and the Critical Theory: Marxism, Modernity and the Threepenny Lawsuit. Berna: Peter Lang, 1997. Sobre Kuhle Wampe, existe o trabalho de Ilma Esperança: SANTANA, Ilma Esperança de Assis. O cinema operário na República de Weimar. São Paulo: Unesp, 1993. E sobre implicações de maior alcance, ver PASTA JÚNIOR, José Antonio. Trabalho de Brecht. São Paulo: Ática, 1986.
[5] Mas no roteiro do filme que Brecht escreveu e a empresa descartou há uma nota de rodapé sugerindo que no meio do processo ele se deu conta disso também: "Deste ponto em diante deixamos de acrescentar sugestões adicionais porque a certa altura entendemos que nos iludíramos a respeito dos que as seguiriam para realizar o filme. Imersos em nossos trabalhos, tínhamos esquecido: já estávamos em setembro de 1930." Cf. BRECHT, B. The Bruise – A Threepenny Film. In Marc Silberman, op. cit., p. 137, nota 17.
[6] Mais especificamente, o mercado cinematográfico ficou divido em quatro regiões: a empresa alemã Tobis passou a controlar a Europa Central e a Escandinávia; as americanas Warner e Fox (já sob o controle do capital financeiro, em particular os grupos Morgan e Rockefeller), Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Índia e União Soviética. A Inglaterra ficou dividida entre americanos (75%) e alemães (25%). O resto do mundo ficou na categoria "território livre". Cf. COOK, David A. A History of Narrative Film. 2nd. ed. New York/London: Norton & Co., 1990, especialmente o capítulo 7: "The Coming of Sound, 1926-1932".
[7] Cf. MARMIN, Michel. Les années pionnières (1900-1918). In BEYLIE, Claude (org.). Une histoire du cinéma Français. Bolonha/Paris: Larousse, 2000.
[8] Anatol Rosenfeld lembra que a existência deste público foi essencial para o cinema se constituir como tal: "O cinema [...] não teria eventualmente ultrapassado o estágio de mera curiosidade e de instrumento científico para reproduzir o movimento se a sua invenção não tivesse coincidido com o desenvolvimento de um grande proletariado demasiadamente pobre para frequentar o teatro e os espetáculos não mecanizados." (ROSENFELD, A. Cinema: arte e indústria. São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 63.)
[9] Um bom exemplo do repertório antigo restaurado pelo filme de longa metragem é A dama das camélias, em sua versão muda de 1921 e depois sonora em 1936. Comparar as duas versões com qualquer curta do período anterior é um bom exercício de cálculo de perdas e danos.
[10] A análise minuciosa, do ponto de vista lógico, dos desentendimentos entre Brecht, a Nero Filmes e depois o tribunal que julgou o processo está em Steve Giles, op. cit.
[11] O texto publicado (cf. The Bruise, op. cit.) tem material suficiente para imaginarmos o grau da diversão.
[12] Brecht chegou a sugerir que os novos roteiristas adaptassem então o texto de John Gay, The Beggar's Opera, como ele mesmo fizera, mas a empresa não abriu mão do direito que comprara de filmar a versão dele, já em alemão, o que não significava economia de algibeira, principalmente numa circunstância em que tempo é dinheiro.
[13] Cf. Brecht, The Threepenny Lawsuit, op. cit. As demais citações não serão destacadas, a menos que se refiram a outros textos.
[14] A discussão sobre quem teria maiores prejuízos foi decisiva para a sentença. Um dos argumentos do tribunal é mortalmente revelador: como a empresa já investira 800 mil marcos nas filmagens e as modificações que Brecht reclamava implicariam dobrar o investimento, o "senso de justiça" recomendava aplacar as aflições do capital.
[15] Eisenstein no texto já citado, e depois Walter Benjamin, na Obra das passagens, mostram que a industrialização da literatura é fato consolidado desde o início do século XIX.
[16] Cf. BENJAMIN, Walter. O autor como produtor. In – Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.
[17] Recado de Brecht para os que, por outro lado, sucumbem ao fetichismo da tecnologia: "por enquanto só têm apoio os desenvolvimentos técnicos que favorecem o capital. Se alguém inventar uma lâmpada capaz de durar dezenas de anos, sua patente será comprada para impedir a sua fabricação." (BRECHT, B. Me Ti, Livre des retournements. Paris: L'Arche, 1978, p. 20).
[18] . Brecht, Me Ti, op. cit., p. 77.
[19] . Muito antes do golpe do cinema sonoro, os estúdios de Hollywood, aperfeiçoando a receita francesa da Companhia Pathé, já controlavam toda a cadeia produtiva: produção, distribuição e exibição. Os executivos dos escritórios de distribuição naturalmente contavam com os préstimos de profissionais nativos em cada centro importante. Para se ter idéia de como o capital não brinca em serviço, até no mercado brasileiro, raquítico por definição, o cartel americano tratou de se instalar com o nome de Associação Brasileira de Cinema. Isto em 1932, sob os auspícios do governo Vargas. Cf. André Gatti. Distribuição. Verbete da Enciclopédia do cinema brasileiro, organizada por Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda. São Paulo: Senac, 2000, p.175.
[20] Um tópico que não pode ser desenvolvido aqui diz ainda respeito aos profissionais da censura, que nos Estados Unidos se tornaram oficialmente parceiros voluntários da produção cinematográfica, em aliança com as distribuidoras, através de acordo negociado em 1909 que resultou na primeira agência de censura americana (cf. David A. Cook, op. cit.).
[21] Não há como saber se Brecht tinha conhecimento da relação determinante entre a fundação da Academia das Artes e Ciências do cinema em 1927, o golpe do cinema sonoro e a criação do Oscar para premiar os "achados" técnicos que antes de mais nada significavam economia de matéria prima. Na fundação da Academia afirmou-se o objetivo de estimular o aperfeiçoamento técnico do cinema e em suas primeiras edições o Oscar foi para o executivo de montagem que descobriu a possibilidade de eliminar um quadro por sequência para encurtar a metragem das cópias e acelerar a velocidade dos filmes. (Cf. David A. Cook, op. cit., p. 307 e nota à p. 326.).
[22] Está na Obra das passagens a exposição das razões econômicas da receita da "peça-bem-feita": Scribe contratava operários-escritores para escreverem as peças que assinava, assim como fazia Dumas Pai com seus romances. Anotação de Walter Benjamin: "Scribe descobriu que o segredo do sucesso dos homens de dinheiro consistia em fazer os outros trabalharem para nós [...] e ficou várias vezes milionário". Apud BUCK-MORSS, Susan. Dialética do olhar. Belo Horizonte/Chapecó: Ed. UFMG/Argos, 2002, p. 177.
[23] Ainda Brecht: Para chegar ao mercado, uma obra de arte precisa ser submetida a uma operação específica que a divide em seus componentes. Em certa medida, os componentes entram no mercado separadamente. Por exemplo: pode ser usada como literatura sem o seu significado, com outro significado ou sem nenhum significado. Sua tese original pode ser desmontada e remontada em uma que seja socialmente aceitável e em outra que só alcança o mercado como rumor. O conteúdo pode receber uma forma diferente ou a forma pode receber um conteúdo inteira ou parcialmente diferente; forma verbal e forma cênica podem aparecer uma sem a outra e assim por diante. Em resumo, a canibalização é completa.
[24] A empresa que estava financiando o projeto avisou que o filme não seria comercial porque não havia mais a ameaça comunista na Alemanha.
[25] No ensaio "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica", Walter Benjamin cita a seguinte opinião do reacionário George Duhamel sobre o cinema e seu público: "Trata-se de uma diversão de párias, um passatempo para analfabetos, pessoas miseráveis, aturdidas por seu trabalho e suas preocupações... um espetáculo que não requer nenhum esforço, que não pressupõe nenhuma implicação de idéias, não levanta nenhuma indagação, que não aborda seriamente qualquer problema, não ilumina paixão alguma, não desperta nenhuma luz no fundo dos corações, não suscita qualquer esperança a não ser aquela, ridícula, de um dia virar star em Los Angeles." Cf. Os pensadores: Benjamin, Adorno, Horkheimer, Habermas. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 25.
[26] Marx insiste em que não se deve apresentar a produção capitalista como algo que ela não é, como por exemplo produção que tem por finalidade imediata a satisfação ou a criação de meios de satisfação de alguma necessidade; seu objetivo imediato e motivo determinante é produção de mais-valia. Cf. MARX, K. O capital. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Abril Cultural, 1983, Vol. III, tomo 1, p. 185.
[27] MARX, K. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1980, p. 56. Grifos nossos.

A Gênese da RBTR

A Roda Girou em Salvador

Nos dias 26 e 27 de março de 2007, em comemoração ao dia do circo e do teatro, Salvador foi palco de um encontro importante, recebeu representantes de movimentos de teatro de rua de alguns estados brasileiro, além de representantes de grupos de onde não há movimento organizado. O evento “A RODA – o teatro de rua em questão” reuniu dois fóruns, um regional, do estado da Bahia e um nacional.

A abertura foi no dia 26 às 19:00h na Câmara Legislativa de Salvador, logo na entrada, antes da solenidade, porém ocorreu um incidente: membros do Grupo Filhos da Rua, de Salvador, estavam de bermuda e chinelo, a segurança da casa não queria permitir a entrada dos mesmos. No entanto, seus integrantes são índios e, conforme eles lembraram, existe uma lei federal que permite que o índio ande nu, se assim o quiser. Houve protesto dos mesmos, pois eram também organizadores do evento e todo o Movimento de Teatro de Rua baiano (MTR-BA) apoiou, afirmando que se os índios não entrassem na casa, eles também não entrariam. O chefe da segurança consultou os códigos e todos entraram. Uma cabal prova que a casa do povo não os recebe bem.

A abertura foi feita por Marcos Cristiano, também integrante do MTR-BA. Foi apresentada uma performance e lançado o livro “Manual Básico para o Teatro de Rua.”

A abertura solene foi feita no Plenário Cosme Farias pelo Vereador Everaldo Augusto, anfitrião da casa e único vereador presente. Na seqüência a mesa foi composta por representantes do Movimento de Teatro de Rua da Bahia (Kuca Matos), Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (Adailton Alves), Movimento de Teatro Popular de Pernambuco (Anderson Guedes), Federação de Teatro do Espírito Santo (Telma Amaral), Movimento de Teatro de Rua do Rio de Janeiro (André Garcia), representante do teatro mineiro (Marcelo Bones – grupo Andante) e a representante da Fundação Gregório de Matos. Todos foram unânimes em ressaltar a importância do encontro desses coletivos.

Estavam presentes na plenária artistas de Salvador e de outras cidades baianas, além dos representantes da Cooperativa Paulista de Teatro e Núcleo Pavanelli, de São Paulo.

No dia seguinte, 27 de março, ocorreu um encontro entre estes coletivos para debater sobre políticas públicas, dificuldades de organização e outros assuntos. Iniciou-se com uma rodada de apresentações, nome, grupo e cidade, e nos dividimos em dois grupos: Fórum Regional e de Representantes do Movimento Nacional.

Estavam presentes no Fórum dos representantes dos Movimentos estaduais: Marcos Cristiano (MTR-BA), Anderson Guedes (MTP-PE), Adailtom Alves (MTR/SP), André Garcia (MTR/RJ), Telma Amaral (Federação de Teatro do Espírito Santo), Renata Lemes e Clayton Mariano (Cooperativa Paulista de Teatro), Graça Cremon (Núcleo Pavanelli – SP), Mauro Xavier (Grupo Kabana – MG) e Marcelo Bones (Grupo Andante – MG). Todos os presentes traçaram um histórico político de seus estados. Não foi possível aprofundar os assuntos pois o tempo foi curto.

Esse primeiro encontro fez com que pudéssemos conhecer melhor outros Movimentos espalhados pelo Brasil e suas formas de organização. Ficou claro que não há políticas públicas específicas para o teatro de rua em nenhum dos estados ali presentes.

O encontro será registrado e se propôs um novo encontro para julho com maior tempo de duração, de maneira que possamos aprofundar as discussões. Falou-se ainda da ausência de outros movimentos existentes no Brasil, como por exemplo, o Escambo do Rio Grande do Norte e Ceará. No próximo encontro pretende-se reunir todos os movimentos.

Naquele mesmo dia às 15:00 h ocorreu um cortejo teatral pelas ruas de Salvador em comemoração ao dia do teatro e do circo.

Por Adailtom Alves Representante do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo no encontro

Publicado em A Gargalhada nº 07, Março/Abril de 2007, p. 02. Corrigido em 28/05/09.

sábado, 27 de junho de 2009

Links de vídeos sobre a Mostra Lino Rojas

3ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, realizada em novembro de 2008:
http://www.vimeo.com/5347845

2ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, realizado em dezembro de 2007:
http://www.youtube.com/watch?v=_TH00yzJJis

terça-feira, 23 de junho de 2009

Sites e Blogs de grupos que integram a RBTR

ASSOCIAÇÃO DE TEATRO DE OLINDA - ATO http://www.atoemmovimento.blogspot.com/
SERÁOBENIDITO www.seraobenidito.com.br
LEO CARNEVALE http://pulitrica.blogspot.com/
ERRO GRUPO www.errogrupo.com.br
OIGALÊ www.oigale.com.br
TEATRO QUE RODA www.teatroqueroda.blogspot.com
GRUPO ENTROU POR UMA PORTA - RJ - http://grupoentrouporumaporta.blogspot.com/
TITETE http://titete.com.br/
TEATRO TERCEIRA MARGEM - MG. www.teatroterceiramargem.art.br
CIRCO DUX http://www.circodux.com.br
TEATRO DE CARETAS www.teatrodecaretas.blogspot.com
FARSA CENA CIA. TEATRAL www.farsacena.com.br www.farsacenaciateatral.blogspot.com
CIA. CIRCUNSTANCIA www.ciacircunstancia.com.br
FUSCA AZUL www.fuscazul.com.br
COMPANHIA FOLGAZÕES DE ARTES CÊNICAS www.companhiafolgazoes.com.br
TRUPE OLHO DA RUA www.trupeolhodarua.blogspot.com
JOANA GAJURU / AL www.joanagajuru.com.br
BURACO D`ORÁCULO - SP www.buracodoraculo.com.br
ROSA DOS VENTOS http://www.rosadosventos.art.br/
TEATRO EM CORDEL www.teatroemcordel.com.br
OFFSINA www.offsina.com.br
PALHAÇO JECA www.sitiodojeca.com http://palavradepalhaco.blogspot.com/
MARGARITA www.margarita88.com
GRUPOTEATRO KABANA DE SABARA / MG www.gtkabana.com.br
TÁ NA RUA www.tanarua.com.br
TEATRO EM CORDEL www.teatroemcordel.com.br
NÚCLEO PAVANELLI www.nucleopavanelli.com.br
POMBAS URBANAS www.pombasurbanas.org.br
NACE- NÚCLEO TANSDISCIPLINAR DE PESQUISA EM ARTES CÊNICAS E ESPETACULARES DE ALAGOASwww.nucleo.ufal.br/nace/
TEATRO COMMUNE www.commune.com.br
CIA CANDONGAS www.ciacandongas.com.br
CIA. DO LAVRADO www.ciadolavrado.com.br

domingo, 21 de junho de 2009

Teatro de Rua: estética e linguagem. Sua importância na metrópole

Por João Carlos Andreazza – ator e diretor

A rua é o advento da modernidade. Ela surge com as técnicas de pavimentação. Ela surge da idéia de Haussman, uma espécie de arquiteto e pensador, que foi contratado por Napoleão III para criar uma nova forma de se visualizar esse núcleo urbano. Ele cria para esse tipo de pavimentação o que ele chama de “Lodaçau de Macadame” e que tinha um sério problema: nos dias de verão levantava uma poeira absurda e nos dias de inverno virava um grande pântano. Então esse foi o grande problema entre Haussman e Napoleão III. Mas por que ele precisou criar isso? Porque precisava ser criada nesse núcleo urbano uma nova forma de policiamento. Então ele pensou a criação de um Boulevard, que nada mais era do que uma grande avenida, arborizada, com calçadas largas e é aí que vai acontecer a grande transformação: Nessas calçadas vão ser criados os cafés e tudo que acontecia dentro da casa passa a ser levado para esses locais, ao lado das carruagens que começam a percorrer essas avenidas trazendo o início do grande mal trazido pelo progresso que nós conhecemos como tráfego.

Nesse momento histórico acontece uma transformação contundente: a vida privada passa a existir ao lado da vida pública. O que era discutido no conforto de uma casa passa a ser discutido em um café, sob os olhos de pessoas estranhas. O público e o privado passam a acontecer de forma muito íntima. A rua se torna um grande divisor de águas entre o que existia no teatro e o que passa a existir a partir daí até os dias de hoje. Se em um primeiro momento a gente tem Haussman falando do Lodaçau de Macadame, num segundo momento vamos poder reproduzi-lo diminuindo essas calçadas e virando um ambiente voltado para o tráfego como se a rua fosse um grande sistema circulatório vital para cidade, que cria sistemas de abastecimentos que não ficam aos olhos do público.

A rua vai ter um papel de transformação social incrível ao longo da história: eu posso citar a revolução proletária, o grande desfile do 2o Reich etc. Nesse momento nós vamos perceber dois movimentos: as carruagens são liberadas dos cavalos. O povo que passa e transforma esses elementos dinâmicos em elementos inertes. Libertando os cavalos, as carruagens não andavam mais. Num 2o momento o povo vira essas carruagens de cabeça para baixo e transforma em barricadas. O que Napoleão III pediu para Haussman fazer - a criação do Boulevard – era na verdade um aparelho de policiamento. Ou seja, ele criou a rua para que pudesse transportar sua polícia para coibir qualquer levante popular e o povo acaba percebendo isso e transformando esses elementos inertes em barricadas. O povo rearranja esse ambiente pra criar um confronto e ao mesmo tempo se proteger. Esse é um movimento muito interessante e eu sinto que hoje o teatro de rua tem um papel semelhante que passa por esse viés, essa cepa que se torna a rua. É uma cepa extremamente frutífera para nós como artistas. Quando eu falo essa frase pra vocês: “O teatro é a melhor escola pública da boa e da má formação de um povo” é porque eu acredito no teatro como instrumento de educação muito forte e que não pode ser deixado de lado. A recuperação da rua é o grande desafio social do nosso século e é dentro dessa vertente que eu vejo o teatro de rua. Eu não o vejo como uma forma utilitária mas como uma forma prazeirosa de fazer teatro, que deve ser encarada de uma de uma maneira séria e gostosa. É isso que fazemos quando escolhemos as linguagens com as quais vai trabalhar e levar pra rua: música, circo, máscaras, enfim, tudo aquilo que tem cor, vida, sendo que cada vez mais percebemos um mundo monocromático onde a rua serve somente ao fluxo econômico de uma cidade.

Eu gosto de ver o teatro de rua de uma maneira alegre e que tenha um papel de recuperação desse espaço que a gente perdeu dentro da cidade, que é a rua. Eu sou o exemplo de uma pessoa que aprendeu a amar a cidade com o tempo e vejo que as pessoas que chegam tem muito medo da cidade. Por isso hostilizam, pelo medo de serem hostilizadas. Nesse momento eu sinto que essa proximidade que o teatro de rua tem, de fazer sua representação no mesmo piso que o público está, é uma maneira que o artista tem de falar com seu semelhante de uma forma muito direta. Esse diálogo que se estabelece com o público é forte porque quando um ser humano fala diretamente com outro ser humano não tem como o diálogo não se estabelecer. O cara só vai ficar ali pra ver o que está sendo feito porque gostou! De alguma forma a gente vai se fazendo entender por aquela pessoa que está lá.

O compromisso que a gente tem com teatro de rua não é uma falta de opção, muito pelo contrário. É porque entendemos que é uma grande opção. Não é porque não temos lugar pra fazer. Essa é uma história que a gente inventou pra gente mesmo e é uma história muito bonita e que pode ter desdobramentos maravilhosos.

Quando eu vejo uma platéia desse tamanho (refere-se ao público do seminário) e sei que tem gente que trabalha na rua há seis, dez anos, e tá se reunindo pra discutir, encontrar novas formas e dinâmicas de trabalho, novas linguagens, é porque existe um interesse bravo por parte de todos vocês de incrementar cada vez mais o trabalho, de tentar seduzir o público que pode ter começado pequeno e arredio nas primeiras apresentações mas que, pela própria persistência dos grupos, já se mostra mais receptivo as nossas apresentações.

O teatro de rua é um instrumento que temos na mão, que podemos usá-lo com a devida utilidade que um ator tem quando abre um diálogo direto com o público. É isso que a gente tem que ter e muito. Não importa a linguagem, importa que a gente toque a sensibilidade das pessoas de uma forma plena, que a gente perceba o brilho nos olhos das pessoas no momento da representação. Quando a nossa intenção é recuperar o espaço da rua como espaço de confraternização e criar o éden no meio do caos, isso é importante! Eu entendo o Teatro de rua com essa força, ele é destituído das formas burguesas do fazer teatral porque não está preso dentro das salas fechadas, porque a gente não tem que cobrar ingresso, a gente pode passar o chapéu e quem quiser dar dinheiro, que contribua! É nessa comunicação do ser humano, colocando suas necessidades de sobrevivência é que a gente vai fazer com que as pessoas sintam mais amor umas pelas outras. Pode parecer muito pueril, mas na realidade é de fundamental importância a gente se relacionar com amor com as pessoas. E o amor é a grande forma de comunicação e eu sinto que quando a gente faz teatro tá fazendo isso.

(Palestra proferida no I Seminário de Teatro de Rua em 04/08/03 – Realizado no Barracão Pavanelli. Este Seminário foi o pontapé inicial para a criação do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo)

A cidade e o teatro de rua

Por Adailtom Alves - Historiador e ator

Um dos maiores problemas do século XXI é enfrentado nos centros urbanos: o viver nas cidades. O mundo tornou-se urbano e a aglomeração de pessoas, na busca por uma vida melhor, tornou-se caótica em grande parte das cidades brasileira, sejam grandes ou médias.

O teatro sempre teve papel importante junto às cidades e aos cidadãos, pois através dele discutiu-se, ao longo dos milênios, os problemas da polis. Teatro e cidade sempre estiveram interligados. Foi assim na Grécia, na transição do período oligárquico para o democrático, foi assim na Idade Média em que a cidade era palco e cenário dos grandes espetáculos.

No Brasil temos hoje a primeira macrometrópole do hemisfério sul: a região metropolitana de São Paulo encontrou-se com a região metropolitana de Campinas, concentrando 12% da população brasileira. Quanto a cidade de São Paulo, está dividida em noventa e seis distritos, nos quais moram onze milhões de habitantes e seus equipamentos culturais, a sua imensa maioria, está na região central, em 14% do território, onde vivem 20% da população.

Em uma cidade desse porte (e em todas, de maneira geral), o teatro de rua cumpre um papel fundamental, já que pode descentralizar o acesso. Descentralizar não apenas no sentido de tirar do centro, mas de permitir o acesso àqueles que não costumam freqüentar as salas de espetáculos, independentemente de qual região da cidade ele habita.

O teatro de rua é uma manifestação marginal que utiliza o corpo e o discurso no espaço aberto urbano a serviço do estético, apropriando-se ou não da paisagem urbana como cenário, de maneira a permitir a fruição a um público passante. É marginal porque opõe-se a lógica capitalista, já que não cobra ingressos e rompe com o escoadouro do capital (a rua), dando-lhe novo significado, já que o cidadão que passa torna-se um espectador, ou seja, durante um espetáculo de rua o espaço aberto torna-se um local de fruição.

O teatro, como arte de seu tempo, deve refletir sobre a relação do homem no espaço urbano e os problemas gerados a partir disso. O teatro de rua, por permitir deslocar-se a diversos lugares sem perder os pressupostos técnicos e estéticos, deve cumprir o seu papel mobilizador, co-movedor (mover junto), isto é, deve coletivizar os problemas da cidade, ao mesmo tempo em que permite a fruição dessa arte milenar por parte de uma camada social alijadas dos bens culturais.

Mas do que nunca, teatro de rua e cidade estão umbilicalmente ligados e esta relação vai para além do uso da mesma como local de encenação, o viver na cidade e os problemas daí advindos devem aparecer nos espetáculos teatrais, pois já que a arte nos incita a criação e a re-criação, essa relação pode nos apontar novos caminhos.

I Encontro do Movimento de Teatro de Rua do Ceará

Caros,
Estou chegando de Arneiroz, no sertão dos Inhamuns, Ceará, onde fiquei de 11 a 13 de junho por ocasião do I Encontro do Movimento de Teatro de Rua do Ceará, uma iniciativa dos grupos e compahias de teatro do estado. Este evento ocorreu dentro do IV Festival dos Inhamuns – Circo, Bonecos e Artes de Rua que se espalhava pelas cidades de Tauá, Parambu, Quiterianópolis e Aiuaba. Tentarei descrever para vocês as minhas sensações e reflexões desta experiência com os companheiros e me convidaram a participar.
Saí do Rio de Janeiro às 21:50h do dia 10/06 e cheguei em Fortaleza, às 00:50h do dia 11/06. Fui para o hotel Abrolhos dormir um pouco e às 05:30h, saímos para o sertão dos Inhamuns. O motorista Maurício avisou que a estrada estava ruim, por causa das chuvas. Que um açude havia arrebentado e levado parte da BR-020, que liga o litoral ao sul do estado... por isto ele teria que fazer outro caminho e aumentar o tempo em duas ou três horas. Eu não havia jantado no dia anterior e estávamos saindo antes do café-da-manhã do hotel... Falei isto para ele e para os meus outros dois companheiros de viagem: Pedro Domingues e Alexandra Costa.
Maurício disse: “- Vamos parar no trevo! Lá tomamos café!”
Chegamos ao trevo, às 06:00h. Paramos num posto de gasolina que estava lotado. Fomos para a lanchonete e fizemos o primeiro contato com o nordeste: caldo de carne, carne-de-sol, batata-doce, cuzcuz... me fartei! Fomos para a estrada! As cidades se apresentavam para nós com toda a sua beleza de casarios coloridos de telhados cansados em meia-água. Quixadá me encanta com seu cenário rochoso cinematográfico; Quixeramobim, terra de Antonio Conselheiro, lugar onde o Zé Celso apresentou Os Sertões, Pedra Branca de serra verde, estrada pintada de carcarás, coiotes apressados e jumentos ingênuos e lindos. Os buracos não me deixavam dormir por isto eu via toda a beleza do nordeste molhado, verde, olhos d’água.
Chegamos à Tauá, às 12:06h. Ali o Festival também acontecia e o Pedro e a Alexandra (soube na viagem que eram do MinC) iriam participar de uma mesa sobre territórios da cidadania. Almoçamos em Tauá, na pousada Silvestre. O Luis Carlos Vasconcelos estava sentado à mesa almoçando - primeiro rosto conhecido – ele disse que estava ministrando uma Oficina de Produção de Texto (dramaturgia do palhaço) de 5 dias e iria se apresentar naquela noite, às 20h com o espetáculo “Silêncio total – Vem chegando um Palhaço”. Conheci o Fábio (um dos produtores) que nos orientou sobre o encontro e, depois comemos feijão de corda, farofa, macarrão, carne-de-sol... Deixamos os dois (Pedro e Alexandra) no salão paroquial de Tauá, e seguimos para Arneiróz, que ficava a 47km de distância.
Na estrada, carcará, açude, jumento, olho d’água, serra verde...
Às 15h, entramos em Arneiróz, vila com duas ruas maiores e três transversais menores. Levaram-me para o “hotel” do Seu Nery e da Dona Inês. Um lugar simples, com uma cozinha grande que você tinha que atravessar para chegar aos quartinhos. Carne pendurada ao sol, panelas reluzindo, rádio ligado dando as notícias da capital. Cheguei ao quarto e, antes mesmo de tirar os sapatos, montei o meu ‘laptop’ e enfiei o modem da internet... nada! Peguei o celular para ligar para casa e avisar que cheguei bem... nada! Comecei a suar frio... abri a porta e perguntei para Dona Inês: “ – Aqui pega celular?, internet?” Ela me respondeu com uma calma carinhosa, enquanto continuava o seu crochê, sentada na calçada da pousada: “ - Não, meu filho... se precisar ligar, tem um orelhão aqui do lado e uma internet à radio, que às vezes cai, ali na frente, ó!” “- E banco, tem BB, Itaú, Caixa? “ insisti (porque estava com pouco dinheiro em espécie). Ela, “tem não, moço. Tem só um Bradesco, que comprou o Banco do estado do Ceará... “Agradeci e voltei para o quarto, sentei na cama e comecei a desfazer as malas e refletia sobre a cidade onde estava: ARNEIROZ, Ceará, Brasil. A situação me trouxe a realidade do meu país, do meu povo da minha gente, das várias maneiras de viver e de fazer teatro. TEATRO!!! Lembrei que havia lido na programação que o Júnio Santos iria mostrar a brincadeira do CABEÇA DE PAPELÃO, às 17h. Pedi ao menino que me chamasse, eu iria esticar os ossos um tiquinho só... Ele me chamou: “- Moço, começou o Cabeça de Papelão lá na Praça da Matriz! “ Dei um salto da cama peguei a câmera e corri prá lá! Durante o pequeno trajeto, a música e a voz do Cervantes do Brasil me guiavam. Cheguei ao local e via um coro poderoso de 17 atores e seis músicos aproximadamente, fazendo o público se divertir!

CABEÇA-DE-PAPELÃO – Cervantes do Brasil (Icapúi-CE) 
O espetáculo, de Júnio Santos, tem uma proposta ousada e diferente. É um espetáculo aberto em todos os sentidos que trabalha com figuras alegóricas e arquetípicas, numa mistura de comédia dell’arte, carnaval, cordel... É um musical que viaja por todos os ritmos como samba, rock, funk, baião, jazz e blues que sustentam a narrativa dramática de cabo a rabo. Os figurinos me impressionaram bastante. A maioria tem cores escuras como base, e adereços brilhosos e atraentes, principalmente as cabeças (pinicos, relógios, chifres, etc.) e os pênis gigantes que teimavam em pairar sobre a cabeça do público que se divertia a valer. O uso de bonecos e escadas dava densidade e volume ainda maior ao trabalho. Os músicos eram impecáveis e contagiavam o lugar. O espetáculo era belo e o tema falava direto no olho do espectador sobre as questões da exploração do homem pelo homem através de um distanciamento histórico da fábula que mostra passo-a-passo a degradação do ser humano desde seu convívio familiar/matriarcal até as suas relações com o patrão e a sedução pela política. Cabeça de Papelão tem o formato de uma “peça didática” brechtiniana e acredito que o pedagogo Junio Santos pense na educação, não só da população como também, dos seus jovens atores, através de seus espetáculos. O encadeamento das cenas pelas músicas, a viagem (mítica) do herói e o uso da arte do grafite constroem o ambiente profícuo para teatro épico. O diretor utiliza-se de personagens duplos e triplos que agem, falam e andam em todas as direções, todos formam um grande coro que narram a história. Desta forma, o espectador não perde nenhuma parte da história, pois a mesma é refletida, amplificada e rebatida em todas as direções, dando um efeito quântico à peça teatral. Apesar de tudo isto, o espetáculo ficou confinado à cena quase à italiana, uma vez que a posição dos músicos (ao fundo) e uma parede de lojas, à esquerda, limitaram a movimentação e a atenção de todos: artistas e espectadores.
Depois da função, tomei uma cerveja com o Júnior, o Felippo e outros atores da trupe. Júnior explicou o problema do ponto de luz, do circo, do caminhão e, principalmente, das garças que foram colocadas no chafariz da praça, diminuindo-a substancialmente. Antes, nos anos anteriores, ela ali que tudo acontecia... Não tinha outro lugar para fazer! Disse ainda, que este projeto reunia atores de vários grupos. Começou com quarenta e, agora, tem 26. Eles fizeram uma opção econômica-política ao reunir um prêmio que seria de 2.000,00 reais para dez grupos e fizeram esta montagem coletiva. Enfim, Cabeça-de-Papelão, uma brincadeira coletiva coordenada pela companhia Cervantes do Brasil, merece ser vista. Ela estará se apresentando na mostra Lino Rojas de Teatro de Rua/SP, em novembro, segundo o seu criador.
Depois, às 20h, eu vi o tal caminhão que atrapalhava o espaço para o Cabeça-de-Papelão, se abrir... era o povo das minas geraes...

GIZ – Giramundo (MG)
O espetáculo de bonecos gigantes do pessoal do Giramundo encanta pela delicadeza dos gestos dos manipuladores (aparentes) e pela forma de seus bonecos brancos feito de tecidos. O caminhão deles (uma carreta-baú) se transforma num palco totalmente adaptado ao trabalho do grupo e, aos poucos, a magia dos bonecos articulados atraem, para si, cada um dos pares de olhos paralisados que os acompanham, sem piscar. GIZ é um espetáculo que mostra a destreza e a qualidade técnica do grupo mineiro, de renome internacional. Os efeitos sonoros e a música mecânica são fundamentais para o sucesso da empreitada porque são a ligação entre os movimentos dos bonecos e a sensibilidade do público. Exaustivamente ensaiados, os sons, ritmos e movimentos estão sincronizados e, juntos, dão sentido estético ao espetáculo. Destaque para os bonecos de um tiranossauro articulado e o do líder político que mexe os olhos e os pés! Como sempre, o espetáculo de bonecos encantou a platéia e surpreendeu no final apoteótico. Fiquei para ver a desmontagem... pedaços, panos, madeira, rodízios, que antes tinham vida e comunicavam... os bonecos estavam sendo desparafusados e colocados de lado, soltos, divididos, cabeças prá cá, pernas e braços aqui.. corpos de tecidos enrolados... a magia se esvanecia diante de meus olhos... Acho que fui o único que ficou para ver aquilo. Todos os outros já haviam corrido, com suas cadeiras, para dentro do circo onde o show continuava...

CIRCO ARNEIRÓZ 
21:00h Começa a parte circense. Artistas mostram seus números: acrobacia, palhaçaria, música. Não saberia comentar sobre as artes circenses, mas digo que o público vibrava! Encontrei com a Vanéssia no circo... Ela me informou que chegou num ônibus com 43 pessoas vindas de Fortaleza, Aracati e outras cidades vizinhas. “Nos vemos amanhã, às 09h, bjs, bjs, bjs!

I ENCONTRO DO MOVIMENTO DE TEATRO DE RUA DO CEARÁ Sexta-feira, 09h da manhã. Entro na ‘lan house’ da cidade. Tento a primeira, a segunda... “pegou! Caiu... Espero 5 minutos... Pegou?, Não. Depois eu volto... quanto custa? Nada... obrigado.” Sigo para a paróquia. Lá começa a apresentação, nome, cidade, grupo, o que faz, muita gente! Diversidade! Teatro comunitário, teatro social, teatro do oprimido, palco & rua, grupo antigo... grupo novo... grupo só de mulheres... só de estudantes...
Vanéssia pede para eu falar um pouco sobre a experiência da RBTR, da Rede do Rio, do edital Artes de Rua da FUNARTE. Falo sobre a importância política que a RBTR passou ater, depois que o Redemoinho acabou... Sobre a história da criação... Sobre os Encontros e os Desencontros... as brigas... o disse-me-disse... a dor e a delícia de ser o que é... papo gostoso... Junio... Galba... Vanéssia... Murilo... Pipoqueiro... Emerson... Pedro... Jonas... Filippo... 14h- À tarde, encontramos com o Sr. Pedro Domingues e a Sra. Alexandra Costa funcionários do MinC. Pedro faz uma longa e completa explanação sobre o PNC-Plano Nacional de Cultura, as antigas câmaras setoriais, os atuais conselhos, representatividade e o futuro PNT – Plano Nacional de Teatro. Coloca que é fundamental a participação do teatro de rua. Peço a palavra para dizer que “se o governo deseja discutir o teatro no PNC, precisa ter a visão do teatro realizado em espaços abertos. Os índices citados do IBGE, que dizem que 90% dos brasileiros nunca assistiram a uma peça teatral, só levam em conta aquela modalidade que ocorre no espaço fechado, em prédios chamados TEATRO e não consideraram os espetáculos de teatro de rua. O teatro de rua acontece em TODOS os municípios do Brasil, enquanto que a outra modalidade, somente onde existe o prédio. Os dados dizem que, dos mais de 6.000 municípios brasileiros somente alguns possuem teatros (prédios). Logo, neste raciocínio, poucos brasileiros já freqüentaram o TEATRO prédio. Afirmo ainda para os representantes do MinC que “as artes produzem conhecimento, saber, reflexão social... só que para o cidadão adquirir este saber, ele tem que comprá-lo! Compra quando paga a bilheteria, comprando o ingresso! Assim, somente alguns podem consumir ou pagar para ter o “saber”. Na modalidade teatro de rua, ao contrário, este saber é distribuído e construído democraticamente, sem privilégios de nenhuma classe social, uma vez que ocorre em espaços abertos e não cobra pelo conhecimento adquirido.” Outra questão que coloco para ponderação do coordenador do PNC é que “nos prédios teatrais geralmente, os temas são os da classe média como adultério, falências, heranças, conflitos de casais, traição , etc. enquanto que na modalidade teatro de rua os temas são, geralmente, universais, críticas sociais, luta de classe, debates políticos, crônicas, poesia e cordel, o que auxilia na educação e na formação dos atores e do público, uma vez que são informativos e atuais. Por último afirmo que “se o governo quiser realmente criar um plano nacional para o teatro, deve inverter o olhar e VER com os olhos do teatro de rua, que concentra a maioria da produção teatral brasileira nos 26 estados e no distrito federal e fala diretamente para TODA a população. O teatro de rua possui saberes e tecnologia social desenvolvida a milênios sobre o uso do espaço público e que as praças, ultimamente, em nome da urbanização, estão sendo cercadas e descaracterizadas como espaço para manifestações populares artísticas ou políticas. É comum as prefeituras encherem de chafarizes com garças, jardins que não se pode PISAR NA GRAMA, diminuindo consideravelmente os grandes vãos que permitem a realização das funções artísticas.” O senhor Pedro concorda com as ponderações e diz que a representação nos conselhos é aberta a todos que quiserem se candidatar. Seria interessante que a RBTR subscrevesse algum candidato comprometido com estas discussões, que os ‘mandatos’ se encerram em novembro ou dezembro exatamente para renovação, que no Ceará, os representantes eram uma pessoa do SATED-CE e outra que agora não lembro o nome. Fomos interrompidos pela produção do evento que pediu para que continuássemos no outro dia, porque havia uma necessidade de antecipar a programação.
Paramos às 16h.

Pão e Circo
Na praça principal de Arneiróz, começa o espetáculo da Cia dos Caretas, de Fortaleza-CE – “Pão e Circo” . Eu já havia assistido este espetáculo, por ocasião da XIII edição do Encontro de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, sob a curadoria de Michelle Cabral, do Maranhão. É um trabalho brilhante, com atores seguros e livres que dominam de tal forma o conteúdo dramatúrgico que se permitem improvisar o tempo todo. O trabalho é constituído de várias cenas isoladas que denunciam a hipocrisia da sociedade atual perante a fome e a miséria, principalmente com aqueles mais despossuídos. O espetáculo interage com a platéia e a faz cometer atos violentos e hediondos (cenicamente) como matar um cachorro que não obedece o dono e come dinheiro, ou linchar uma criança em praça pública e, finalmente, o ritual de “lavar as mãos” O trabalho é, também costurado por músicas com estruturas aparentemente simples, mas de um efeito teatral fantástico, geralmente criando o comentário do coro grego. Termina o espetáculo e me convidam para ir a Quiterianópolis, assistir ao espetáculo As Lavadeiras. “Quer ir? Entra no carro, agora!”
17h. Estrada... o pôr-do-sol nos Inhamuns... carcará... jumentos... 47 km até a cidade de Tauá... Um ator precisa trocar de roupa (ele havia feito o espetáculo da Cia dos Caretas e estava também nas Lavadeiras, o Marcos). Chegamos à Tauá, ele troca de roupa, faz maquiagem, entra na VAN!
18: 15h... estrada... a lua nos Inhamuns... Placa: QUITERIANÓPOLIS, 67 Km de Tauá...
19:15h... QUITERIANÓPOLIS. Chegamos. Fomos orientados por um rapaz de moto que nos aguardava na entrada da cidade para “irmos até o ginásio municipal porque o espetáculo aconteceria lá. O local anterior foi desmarcado e o secretário de cultura da cidade passou mal, subiu a pressão e o grupo de reisado não vem”, disse ele. Quando chegamos ao local estava acontecendo a festa de uma escola de ensino médio. Descemos todos e entramos no ginásio, CONVERSA DE LAVADEIRAS – Trupe Caba de Chegar de Teatro , Fortaleza/CE.
Os atores abriram caminho entre os presentes à festa junina. Eles saíram da Van, vestidos e direto para o meio da quadra que estava cheia de mesas e cadeiras. Tiveram que pedir para que as pessoas se levantassem para que pudessem encenar o espetáculo. Percebi que não ia dar nada muito certo porque o local tinha problemas de acústica, reverberação. Não se ouvia a voz dos atores e eles não conseguiam se ouvir entre si. A cada momento chegavam mais pessoas que não entendiam o que estava acontecendo. Uns pediam cerveja; outros, mugunzá, bolo, tapioca, e mais cerveja... A confusão era grande e eles, corajosamente, lá! Com toda a dignidade do ator, mas não dava! Festa errada, lugar errado, peça errada! Eles cortaram o que puderam e fizeram a função em mais ou menos 20 minutos, talvez menos, não sei. Saímos de lá rindo e conversando muito sobre este e outros fatos similares que acontecem com a modalidade de teatro de rua. O mesmo grupo me contou que uma vez, foram contratados para fazer uma campanha sobre DST-AIDS e preparam vários adereços e esquetes sobre a relação sexual. A primeira escola que os mandaram visitar foi... uma creche! Crianças e bebÊs! Eles não sabiam muito bem o que fazer com os adereços... usaram as chupetas! Jantamos e retornamos.
22: 15h... o retorno, a estrada... a lua nos Inhamuns... Placa: TAUÁ , 67 Km ...
23: 20... Tauá, estrada, Placa: Arneiróz mais 47km.
DIA 13/06 - 09h. Na manhã seguinte, me dirigi ao Salão Paroquial Nossa Senhora da Paz. Lá estavam os dois representantes do MinC. Após fala do Pedro Domingues sobre o PNC e outras colocações, Galba percebeu que era necessário mudar a dinâmica do encontro e propôs que “todos se dividissem em GTs sobre os temas que haviam levantado. Assim todos poderiam falar mais dar opiniões...” Isto correu e durou toda a amanhã. Às 12:00 retornamos à plenária e eu fiz o lançamento do livro e do DVD do Tá Na Rua. Deixei lá, também duas revistas do MTR-SP e duas do MTR-RJ que eu havia levado na bagagem. Faltaram livros para todos os grupos...
12h. Fomos almoçar!
13h. Coloquei o DVD sobre teatro invisível com o Augusto Boal, era uma forma de homenagear nosso grande mestre e enriquecer o nosso encontro. Quando terminou, quase todos pediram para fazer cópias deste material porque consideraram ele único, raro sobre Teatro Invisível, que já haviam lido mas não visto, etc. Fizemos!
14h. Organização, debate, relatos, discussão. Quem faz o quê! Compromisso!
17h, saí de Arneiroz antes de ver a carta ficar pronta! Eu tive que sair para pegar uma carona de volta para Fortaleza.
21h, saí de Tauá.
22h, o carro quebrou na estrada. Maurício diz que foi a gasolina "batizada" do posto de Tauá. O carro foi tossindo em direção as luzes que víamos ao longe. Chegamos até lá. O carro parou de vez. Assim conheci Mombaça. Cidade bonitinha e desenvolvida, fiquei zanzando pela praça e soube que , talvez, saísse algum ônibus para Fortaleza por aquelas horas. Peguei um táxi. Fui para a rodoviária de Mombaça. O ônibus já estava saindo...
23:30h, consegui entrar num ônibus que iria para Fortaleza via Quixeramobin. 05h, domingo, cheguei à Fortaleza. Hotel. Dormir até às 10h. Comer alguma coisa. Aeroporto!
19h. Guarulhos/SP. Conexão. Esqueço o celular no raio-X em São Paulo! Merda!
21h. Santos Dumont – Rio de Janeiro.
Sexta-feira. Dia 19. Vanéssia divulga a carta de Arneiróz na RBTR.
Li a carta e resolvo escrever como foi importante esta viagem para mim e envio, agora, a vocês! Obrigado, movimento de teatro de rua do Ceará! Vida longa para a RBTR! Próximo destino: ACRE!
Licko Turle