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domingo, 28 de junho de 2009

Brecht no cativeiro das forças produtivas

Por Iná Camargo Costa 
(professora aposentada do Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da FFLCH-USP) 

As fúrias do interesse privado são as paixões mais violentas, mesquinhas e odiosas do coração humano. 
Marx, O Capital 
O capitalismo não morrerá de morte natural: ele precisa ser morto. Para isso é preciso que a luta de classes apareça como uma categoria natural. Então a humanidade será o objetivo da luta de classes. 
Brecht, Processo de três vinténs


Crise estética e teórica

Para explicar que o cinema deveria ser objeto de estudos comparados com o teatro, Eisenstein argumenta que só é possível dominar a metodologia específica do cinema através da comparação crítica com formas primitivas mais básicas do espetáculo.[1] Neste texto de 1932, o agora professor está pensando nas conhecidas objeções que, como outros veteranos do cinema mudo, fazia aos adeptos do teatro enlatado no qual patinavam os filmes sonoros, pois ainda estavam longe do horizonte os desenvolvimentos técnicos que libertariam câmeras e atores da prisão imposta pelos executivos dos estúdios submetidos à precariedade técnica dos primeiros microfones.

Mas não era só para explicar que teatro não é cinema ou que bom cinema não é meramente teatro filmado que Eisenstein fazia estudos comparados de teatro, cinema e também de literatura. Ele queria que seus alunos entendessem o cinema como o último rebento da família multissecular do show business, pois achava que sem entender como se deu a industrialização das artes do espetáculo (a maneira conservadora de referir o processo de submissão destas forças produtivas às determinações do capital), nenhuma discussão sobre cinema tem fôlego. Afinal, ele definira cinema como "muitas sociedades anônimas, muito giro de capital, muitas estrelas, muitos dramas"[2].
As experiências alemãs de Brecht com estes novos meios de produção[3] também apontam para a mesma necessidade e seus relatos avançam reflexões obrigatórias para interessados nas relações entre teatro e cinema. O Processo de três vinténs dá conta do confronto com a empresa que filmou sua Ópera de três vinténs (direção de Pabst) e os escritos sobre Kuhle Wampe dão conta de uma tentativa, ainda hoje atual, de fazer cinema independente que acabou, por isso mesmo, tropeçando nos obstáculos da distribuição e da censura. Nos dois casos, Brecht entendeu que participara de dois reveladores experimentos sociológicos e por isso registrou suas reflexões a respeito pois, ao que tudo indica, percebeu que topara com uma espécie de limite da comédia ideológica do século XX[4].

Uma demanda barata 
Restringindo um processo que consumiu cerca de trinta anos aos fatos que o delimitam – da descoberta do cinema como um ramo lucrativo do show business em 1895 até o seu controle monopolístico pelo capital financeiro em 1926-1929 –, pode-se dizer que, quando venderam os direitos autorais da Ópera de três vinténs ao estúdio que produziu o filme, Brecht e Weill caíram na rede do filme musical enlatado, a última palavra em matéria de novidade cinematográfica, inaugurada oficialmente em 1927, testes de mercado à parte, com o filme da Warner Brothers, O cantor de jazz. Quando da assinatura do contrato com a Nero Filmes, em 21 de maio de 1930, talvez nossos artistas não soubessem ainda[5] que a corrida pelo controle do mercado cinematográfico mundial estava prestes a se decidir por uma espécie de empate técnico: o mundo ficou dividido nesse mesmo ano, em acordo firmado em Paris, entre americanos e alemães que detinham o monopólio das patentes padronizadas dos equipamentos necessários à filmagem e exibição de filmes sonoros. Parte do mercado europeu ficou com os alemães, menos a União Soviética, que ficou para os americanos, assim como os Estados Unidos[6]. E o padrão americano de produtividade estabeleceu que filmar peças musicais de sucesso era sinônimo de lucros seguros. Também fazia parte da receita americana, após os experimentos franceses, produzir filmes que correspondessem tão fielmente quanto possível ao espetáculo teatral, mesmo com alguma "perda de qualidade", compreensível e aceitável em se tratando de "produto cultural industrializado" (é só ver o caráter abertamente apologético das campanhas de publicidade da época).
A idéia de fazer teatro enlatado para concorrer diretamente com o produto mais prestigiado do show business foi lançada na França por americanos radicados em Paris (os irmãos Lafitte), enredados até o pescoço com a indústria cultural (jornal e editoras)[7]. No ano de 1908 eles realizaram a dupla proeza de lançar um filme com o elenco da Comédia Francesa e, com ele, o gênero "filme de arte" que desde então é marca comercial. Do ponto de vista mercadológico, a operação significou conquistar para este produto a "classe A", ou o segmento mais abonado dos consumidores que até então o desprezavam como "coisa de pobre", além de trazer para o trabalho nas fábricas a mais alta categoria de trabalhadores da hierarquia teatral, como Sarah Bernhardt. A partir deste ano, os fabricantes de filmes americanos começaram a assediar os elencos teatrais dos principais centros produtores (Nova York, Chicago e depois Los Angeles, uma das razões da migração do cinema para Hollywood), numa longa campanha que só terminou com a vitória da indústria depois da introdução do cinema sonoro. Mas os americanos nunca perderam tempo com essa história de "filme de arte": seu jogo sempre foi explicitamente assumido como um problema de mercado.
Para um profissional do teatro alemão como Brecht, o caráter reacionário desta segmentação mercadológica era muito claro: ao mesmo tempo em que rifara o público popular[8] inicial dos curta-metragem mudos, o teatro enlatado de longa metragem, ainda mudo (a definição negociada do padrão para cerca de uma hora e meia de duração data dos últimos anos da década de 1910), conquistara o público de classe média requentando os "clássicos" do drama burguês do século XIX[9] e submetendo o amplo repertório técnico já desenvolvido pelos cineastas pioneiros à camisa de força das exigências e convenções atualizadas daquele drama que, nas práticas teatrais da República de Weimar, estavam devidamente enterradas, como a própria Ópera de três vinténs testemunha. A introdução do filme sonoro apenas completou a operação estético-ideológica (para não dizer nada do golpe econômico), radicalizando o problema já instalado nas pantomimas dramáticas.
Esta convicção está por trás de pelo menos um aspecto do mal entendido presente nos termos do contrato assinado por Brecht com a Nero Filmes[10] que pode ser assim resumido: a companhia cinematográfica estava interessada em somente enlatar a peça, que fora um dos maiores sucessos de bilheteria do teatro alemão nos anos de 1928 e 1929 enquanto Brecht, que sabia o que fizera no teatro mas ainda não conhecia o terreno onde estava pisando, acreditou no que diziam as cláusulas relativas a seu direito de adaptação do texto porque achou que a empresa estivesse interessada em fazer do filme um experimento equivalente ao realizado no palco. Ele confessa abertamente esta ingenuidade, que demorou um pouco para entender.
Para Brecht, tal experimento começava pela adaptação do texto por ele mesmo, o autor. Não que acreditasse, como rezava o contrato, em propriedade das idéias, mas por acreditar em fidelidade a seu material. Como explicou, se o filme, com as técnicas de que dispunha, não desenvolvesse os materiais que na peça ficaram apenas pressupostos, o resultado, por mais que se aproximasse do ocorrido no palco, ficaria aquém do seu potencial e assim configuraria (como ele acha que aconteceu) um retrocesso artístico. Simplificando bastante a história, digamos que a certa altura ele estava alegremente redigindo o seu roteiro[11] quando soube que as filmagens já tinham começado. Dirigiu-se ao local do crime e nem ao menos lhe permitiram ver o que estava acontecendo: foi impedido de entrar no estúdio. Abriu um processo contra a empresa e descobriu que, ao contrário do que pensava, na opinião do tribunal ele descumprira várias cláusulas. Para começar, dificultara o trabalho da empresa desde o início, insistindo, por exemplo, em permanecer no sul da França, onde se encontrava, ao invés de seguir para Berlim, onde ficava a empresa, para tratar das negociações; um recalcitrante, enfim. Mais grave que isso: mesmo sabendo que a empresa já alugara os estúdios e contratara o elenco, não apresentara a primeira sinopse dentro do prazo estipulado. Por essas e muitas outras, o tribunal concluiu que a empresa exercia o seu direito ao fazer o que fez: contratar outros escritores e fazer o que bem entendesse com o texto "original" (desde que mantivesse a idéia básica)[12]. Por estes motivos, a primeira sentença foi contra ele. Recorrendo dela, acabou chegando a um acordo pelo qual foi modestamente indenizado.
Não é possível reconstituir agora todas as lições que Brecht aprendeu no processo como um todo, mas vale a pena reproduzir algumas observações cujas consequências continuam presentes como um desafio para quem ainda se interessa por teatro. A mais importante: o Processo de três vinténs demonstra até que ponto avançou a transformação de valores intelectuais em mercadoria[13]. O próprio sistema legal faz parte disso, pois a Justiça espera atrás de portas que só se abrem para quem tem dinheiro.
O objetivo do processo, já que o artista não tinha dinheiro para abrir as portas da justiça, passou a ser o de desenvolver na prática uma crítica de maior alcance às idéias liberais sobre arte no capitalismo. Através dele foi possível demonstrar que a justiça do Estado burguês não hesita em violar suas próprias leis quando está em jogo a proteção dos interesses financeiros do capital. Todos sabem que a lei assegura a inviolabilidade da propriedade intelectual. Mas a validade dessa propriedade é restringida por suas consequências econômicas. Quando se trata de cinema, o risco é tão grande que a expectativa de lucro na produção da mercadoria pesa mais que o direito do escritor à sua propriedade imaterial (às suas idéias)[14].
O cinema só se interessa pela arte se tiver garantias de que terá condição de a violar. E não adianta dizer que a arte não precisa do cinema pois, sem ele, quem se dedica às artes do espetáculo está privado dos meios de produção ao mesmo tempo em que se vê forçado a falar por meio de aparatos cada vez mais complexos, sem os quais nos expressamos através de meios cada vez menos adequados. Independente do gosto geral, as velhas formas (inclusive as impressas) são afetadas pelos novos meios e não sobreviverão imunes a eles. O avanço tecnológico sobre a produção literária é irreversível[15].
No caso do teatro, é ainda mais evidente o impacto do cinema e é preciso tirar dele as consequências avançadas. O tratamento que o cinema dá ao ator, por exemplo, é muito instrutivo. Como neste meio a personagem é vista de fora, o ator de cinema só interessa segundo a sua função. Qualquer motivação interior é excluída; a vida interior do personagem nunca fornece a causa principal da ação e raramente seu principal resultado. Isto no cinema mudo. Já o cinema sonoro, que depende do grande estúdio, além de jogar esta forma de arte nas convenções (vida interior, etc., tudo através do diálogo dramático) que o meio tornou ultrapassadas, é ao mesmo tempo o processo em que os produtores (autores, atores, técnicos) são expropriados dos seus meios de produção; sinaliza, portanto, a proletarização dos produtores. Uma vez transformados em proletários, os trabalhadores do teatro e do cinema, se quiserem fazer arte e não mercadoria, encontrarão na peça didática um método decisivo para alcançar seu objetivo. Mas isto depende de compreenderem que a peça didática põe na ordem do dia a transferência dos meios de produção aos verdadeiros produtores, tema que Walter Benjamin desenvolverá em seguida[16] e ao qual retornaremos.
Como o trabalhador manual, o trabalhador intelectual (categoria em que estão os artistas) só tem a sua força de trabalho a oferecer no mercado. Ele é a sua força de trabalho e nada mais que isso. Assim como o trabalhador manual, ele precisa cada vez mais que os meios de produção explorem a sua força de trabalho, porque a produção intelectual vai ficando cada vez mais "técnica"[17]. Aliás, intelectuais e artistas, mesmo sob condições de trabalho ignominiosas, se consideram livres das determinações às quais se submetem os trabalhadores manuais porque entendem por liberdade a livre concorrência e a liberdade a que aspiram é a livre concorrência na venda das suas opiniões, conhecimentos e habilidades técnicas[18]. Eles nem ao menos admitem ser chamados de trabalhadores intelectuais, pois se vêem como empreendedores, ou como pequenos burgueses. Dentre estes há ainda os que acreditam na liberdade de renunciar aos novos instrumentos de trabalho, mas esta é uma liberdade que se exerce fora do processo produtivo, pois não existem mais ciência nem arte livres da influência da moderna indústria: ciência e arte serão mercadorias como um todo ou não existirão.
Nas mãos dos produtores executivos (impostos às companhias cinematográficas pelo capital financeiro para proteger seus investimentos), gerenciadores que só precisam entender de cálculos e de administração de pessoal, e manipulados por diretores que, no domínio da arte e da tecnologia, têm o raciocínio de uma ostra (para produzir o já conhecido – a mercadoria), as possibilidades que os novos meios de produção disponibilizam simplesmente não podem ser exploradas. Isto porque produtores e diretores se puseram a fazer "arte" no sentido definido pelos irmãos Lafitte. Se os executivos do cinema não estivessem a serviço do capital, mas genuinamente interessados (como alguns pioneiros) no desenvolvimento das forças produtivas da própria indústria que administram, bastaria que manejassem como cientistas os "seus" meios de produção. Nesta hipótese, eles entenderiam que câmeras, trilhos, microfones, luzes, etc. servem para documentar o comportamento visível, mostrar acontecimentos simultâneos, interações humanas dos mais variados tipos. E como o simples documentar por si só não revela a reificação das relações humanas, é ainda preciso analisar as suas manifestações e, a partir dos documentos produzidos e analisados, construir as imagens, inventar, criar algo que necessariamente vai aparecer como artificial à luz das convenções (dramáticas) que pautam a produção e a crítica cinematográfica. Enfim, é preciso criar uma nova idéia de arte para efetivamente desenvolver a força produtiva da indústria cinematográfica, que se encontra aprisionada.
A libertação da força produtiva do cinema depende da apropriação dos meios de produção pelos verdadeiros produtores, que são os artistas e os técnicos (todas aquelas especialidades que aparecem nos créditos finais dos filmes). O mesmo vale para os demais meios de produção intelectual, pois todos estão presos nas garras do capital. Não é demais insistir: o modelo é a peça didática que não tem sentido se os meios de produção não estiverem sob o controle dos envolvidos. Meios de produção, no caso do cinema, desde os anos 20 significam também meios de distribuição e exibição, como demonstram os seguidos desastres da produção independente.

Fetichismo da tecnologia
A experiência do filme Kuhle Wampe mostrou a Brecht e demais produtores independentes que o papel determinante dos interesses do capital tem maior alcance do que normalmente supõem os artistas. Distribuidores, por exemplo, controlam o conteúdo dos filmes num grau que é subestimado até mesmo nos círculos profissionais. Não querem problemas de censura e muito menos de bilheteria[19]. Por isso determinam cortes de cenas ou sequências em filmes prontos sem a menor cerimônia. No entanto, observa Brecht, os críticos profissionais, aos quais chama metafísicos da cultura, só denunciam o papel nefasto dos distribuidores que "identificam demandas" porque acreditam que estes usurparam uma função que seria sua – a de escolher a coisa certa para o consumidor. Estes naturalmente se esquecem de que, em aliança com os distribuidores, trabalham as empresas de propaganda, onde estão os "físicos" do gosto do público.[20] Por certo nem físicos nem metafísicos entendem o que seja este gosto do público mas, como a própria hierarquia do cinema demonstra, não é o conhecimento de alguma coisa que torna alguém capaz de a explorar e, como sabem os leitores de Simmel, está cientificamente demonstrado que, em questão de mercado cultural, a "média" sempre está muito próxima do nível mais baixo. Os metafísicos da cultura jamais se rebaixariam a estudar, por exemplo, o valor social do sentimentalismo que tanto os desgosta e, mesmo se o quisessem, não dispõem do conhecimento e da metodologia necessários a tal tipo de pesquisa. Pelas mesmas razões, jamais compreenderão que um certo tipo de humor, e sua grosseria especial, não apenas é produto de condições materiais, mas ainda é um meio de produção.
A luta dos intelectuais progressistas contra a mercantilização da arte, da ciência e da cultura é baseada na premissa de que as massas e os intelectuais que se vendem não sabem quais são os seus interesses. Mas as massas têm menos interesses estéticos que interesses políticos e por isso a sugestão de Schiller, de fazer da questão estética (científica, cultural) uma questão política, nunca foi tão necessária como hoje. É preciso entender que o mau gosto das massas está mais profundamente enraizado na realidade que o bom gosto dos intelectuais, pois o gosto do público é expressão de interesses sociais e não mudará por meio de melhores filmes, mas pela mudança das circunstâncias que determinam o nível desses filmes.
Por outro lado, os que acreditam que o fato de ser mercadoria não afeta um filme não têm idéia do poder modificador da mercadoria. Só os que fecham os olhos para o enorme poder revolucionário que tudo arrasta para a circulação de mercadorias, sem deixar nada de fora, podem supor que obras de arte, de qualquer gênero, ficariam excluídas. Há muito tempo o próprio processo de comunicação nada mais é que ligar tudo e todos na forma de mercadorias.
A chamada crítica cinematográfica inventou uma fórmula funcional para colocar o pior tipo de lixo no mercado. Ela reza que um filme pode ser regressivo no conteúdo e progressista na forma. Pois bem: a referência à qualidade independente do significado é regressiva[21]. Marx já disse que a forma só é boa quando é a forma do conteúdo. Em seu fetichismo tecnológico, a propaganda do cinema (o verdadeiro nome do que passa por crítica) confunde a habilidade de mostrar as coisas de maneira apetitosa com desenvolvimento tecnológico. Há uma dialética do desenvolvimento tecnológico – com perdas e danos incalculáveis – que passa despercebida porque ninguém se pergunta se é verdade que os filmes precisam continuar fazendo a mesma coisa que o romance e o teatro faziam no século XIX. A síntese desta relação com a tecnologia é a idéia de que tudo pode ser perdoado se for "bem feito" (critério forjado pelos empresários do teatro francês do início do século XIX[22]).
A tecnologia do cinema serve para criar alguma coisa a partir do nada. Por nada, entenda-se um monte de idéias triviais, observações imprecisas, proposições inexatas e asserções indemonstráveis. Nem sempre este nada foi nada; nasceu de alguma coisa. Por exemplo, de romances que continham uma série de observações precisas, afirmações exatas e proposições demonstráveis. A começar pela receita americana de roteirização (baseada na receita da "peça-bem-feita"), que foi definida em meados dos anos de 1910, quando começaram a ser feitos os filmes de longa metragem, a tecnologia cinematográfica necessária para criar alguma coisa a partir de nada primeiro foi obrigada a criar esse nada a partir de alguma coisa. Este é o segredo da adaptação de uma obra literária[23]. Esta é uma prática da qual a tecnologia não pode ser afastada: ela não pode ser útil para criar alguma coisa a partir de alguma coisa. É, portanto, a tecnologia que realiza os truques, porque não é arte e sim truque transformar uma porção de lixo em sobremesa apetitosa. Mas, quando mudar a função social do cinema, todas as grandes realizações da "técnica" serão jogadas no aterro sanitário. À margem da vida real Assim como foi feito com o Processo de três vinténs, da experiência do filme Kuhle Wampe serão destacadas algumas observações gerais, a começar pela tentativa de, através da produção independente, assegurar a liberdade artística. Com as lições do primeiro processo, agora os produtores trataram de garantir a sua condição de proprietários dos direitos autorais em sentido legal. Isto lhes custou o direito à remuneração habitual, mas foram conquistadas liberdades que de outra forma não seriam factíveis. O grupo dos produtores era formado por dois roteiristas, um diretor, um compositor, um administrador e um advogado. A primeira lição, que custou muito trabalho, foi a de que a organização é parte essencial da obra de arte. Esta organização só foi possível porque a obra como um todo era política e por isso contou com o apoio militante de outras organizações políticas, inclusive um grupo de teatro de agitprop.
Terminado o filme (o que não se deu sem enormes percalços), seus produtores descobriram mais alguns critérios de mercado. Primeiro, que filmes artisticamente válidos são comercialmente perniciosos porque estragam o gosto do público, aprimorando-o. De qualquer modo, eles não são mesmo comerciais e, se o fossem, o distribuidor capitalista assumiria o risco desse perigoso aprimoramento do gosto por motivos ligados à concorrência – do mesmo modo que se arrisca ao comercializar propaganda comunista. O segundo critério, o da relação entre novidade e valor comercial, revelou que um filme comunista não tem mais valor comercial porque o comunismo não é mais uma ameaça ao público burguês. Ele não desperta mais interesse[24]. O terceiro, ainda mais relevante: uma empresa só se dispôs a comercializar Kuhle Wampe depois que atores, roteiristas, produtores e diretor abriram mão de seus cachês (leia-se: a mercadoria foi doada ao distribuidor). Fim de romance: o filme teve exibição restrita em Berlim, Paris e Moscou e, com o advento do regime nazista, não se falou mais no assunto.
O fato de investidores do mercado cinematográfico não acreditarem mais na ameaça comunista não correspondia necessariamente à opinião dos administradores do Estado alemão, sobretudo os funcionários da polícia. Submetido à censura, o filme foi proibido, basicamente por dois problemas. Primeiro, porque mostra como certos grupos da classe trabalhadora se acomodam e seguem passivamente para o brejo. O censor entendeu este ponto como um ataque à social-democracia, o que era proibido por lei, assim como ataques à igreja e a qualquer instituição que apoiasse o Estado. O segundo diz respeito à trajetória de um jovem desempregado que, vítima dos cortes nos programas de assistência aos jovens, comete suicídio logo no início do filme. O censor entendeu este tópico como um ataque ao presidente que recentemente assinara alguns decretos emergenciais e vinha sendo acusado de insuficiente preocupação com o bem estar dos trabalhadores.
Como os produtores recorreram da decisão, foi-lhes concedida uma audiência, na qual o censor apresentou, entre outros, o seguinte argumento instrutivo: o problema é o modo como vocês mostram o suicídio desse trabalhador desempregado. Esse modo não está de acordo com o interesse geral que eu defendo por dever de ofício. Lamento, mas tenho que fazer uma censura de caráter estético: este trabalho não é inteiramente humano. Vocês não criaram uma pessoa, mas um tipo. Seu desempregado não é um indivíduo real, uma pessoa de carne e osso, distinta de qualquer outra, com suas preocupações particulares, alegrias particulares, seu destino particular. Ele é apresentado de modo muito superficial. Sabe-se muito pouco a respeito dele e, no entanto, as consequências são de natureza política, o que me obriga a ser contra a liberação do filme. Ele está afirmando que o suicídio é típico, que não é simplesmente a ação deste ou daquele indivíduo com disposição patológica, mas o destino de toda uma classe social. Seu ponto de vista é o de que a sociedade induz os jovens ao suicídio negando-lhes a possibilidade de trabalhar. Para agravar o mal feito, vocês ainda indicam o que devem fazer os desempregados para mudar a situação, não se comportando como artistas. Ninguém os impediria de mostrar o destino chocante de um indivíduo. Mas este suicídio nem ao menos é um gesto impulsivo. O público não terá o desejo de impedi-lo, o que seria uma reação adequada a uma apresentação artística, humana, compassiva. O personagem se mata como quem demonstra o jeito de descascar um pepino!
É bom lembrar que a mesma censura havia liberado, uma semana antes, um filme nazista chamado Mudança de destino, que certamente devia ser em grau máximo uma apresentação artística, humana e compassiva. Mais importante do que este registro en passant, entretanto, é a aproximação que Brecht faz entre os argumentos do censor e os dos críticos de cinema, inclusive os comunistas (o periódico Rote Fahne, por exemplo, criticou a "representação equivocada" do proletariado, além de reclamar da ausência de palavras de ordem).
Por sua impressionante atualidade, vale a pena encerrar este levantamento de tópicos com as observações de Brecht sobre a prática mais ampla da censura que passa por crítica. Para entender como ela funciona, diz nosso autor, deve-se concebê-la como um processo esquizofrênico pequeno burguês com a seguinte estrutura: eu me digo que eu preciso me reprimir. O pequeno burguês sabe que não pode digerir tudo o que come. Os que censuram filmes por razões de gosto pertencem a estratos sociais que ignoram seus próprios interesses políticos. Vivem uma situação impossível porque teriam que ser capazes de desejar a arte política, não por razões artísticas, mas por razões políticas, pois não há argumentos estéticos contra a censura política. Para começar, eles teriam que estar em condições de apreender criticamente a situação político-cultural dos consumidores de arte, que é a deles próprios, ao invés de criticar apenas o gosto sintomático "dessa gente"[25], pois sabem que é quase impossível situar-se acima da pequena burguesia, para a qual essencialmente os filmes são feitos.
Estes pequenos burgueses lamentam o rumo que as coisas da "cultura" tomaram. Melhor do que lamentar, é entender como funciona a realidade e compreender no que já aconteceu quais são as tendências revolucionárias e quais as reacionárias. Para isso, é preciso assumir uma perspectiva ativa e participante, de parte interessada num campo de forças opostas, pois o sistema social é radicalmente antagonístico e não se dá a conhecer aos que adotam a perspectiva "objetiva" e "desinteressada", cara à imprensa liberal[26].

Proletarização dos artistas e intelectuais 
Com vistas às consequências políticas destes experimentos, que já estão mais ou menos indicadas, é útil lembrar, de preferência por extenso, o que Marx dizia na Ideologia alemã: os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também o poder espiritual dominante. A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual, de modo que o pensamento daqueles a quem são recusados os meios de produção intelectual está submetido igualmente à classe dominante. [...] Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem entre outras coisas uma consciência e é em consequência disso que pensam; na medida em que dominam enquanto classe e determinam uma época histórica em toda a sua extensão, é lógico que esses indivíduos dominem em todos os sentidos, que tenham, entre outras, uma posição dominante como seres pensantes, como produtores de idéias, que regulamentem a produção e a distribuição dos pensamentos da sua época; as suas idéias são, portanto, as idéias dominantes da sua época[27].
Para o que nos interessa, os experimentos de Brecht são da ordem do trabalho coletivo, do qual seria preciso tirar as consequências teóricas, o que não fazem os intelectuais, como seria do seu dever, porque estão submetidos às exigências da produção espiritual determinada pela classe dominante e desprovidos dos meios de produção espiritual. Para começar, porque não se dão conta de que participam de um coletivo. O crítico de jornal, por exemplo, compartilha as opiniões dos demais jornalistas e participa do desenvolvimento da opinião como um todo. Aqui funciona um coletivo que torna irreconhecível a opinião individual. O cinema, como todo mundo sabe, só existe enquanto trabalho coletivo. Mas na indústria cinematográfica, ao contrário da produção independente, "coletivo" não é o que habitualmente se supõe. Sempre há quem define, quem decide. A engrenagem funciona como uma espécie de caricatura da divisão do conhecimento: um técnico filma porque o diretor não tem a menor idéia de como operar uma câmera, outro faz a montagem porque o operador da câmera não tem idéia do filme como um todo e alguém escreve o roteiro porque o público tem preguiça de fazê-lo. É por isso que interessa tornar irreconhecível a contribuição individual. No capitalismo a idéia de coletivo exclui o público e a partir dele é criado um falso coletivo.
Um filme é produzido coletivamente e no entanto é percebido como obra de arte antes que o conceito de arte tenha incorporado o conceito de trabalho coletivo. Uma economia planificada – a da ditadura do mercado – já se estabeleceu na produção da arte sem que o conceito de arte tenha se livrado do valor que a ideologia dominante atribui a personalidade, liberdade individual e superstições conexas. O cinema como trabalho coletivo permite que se percebam essas inconsistências ideológicas: a cultura burguesa não é o que ela pensa sobre as práticas burguesas, e a distância que separa esta cultura de suas práticas pode ser calculada pela espessura de um fio de cabelo.
Não será cultivando o que Walter Benjamin chamou "teologia da arte" – a doutrina da arte pura – que artistas e intelectuais encontrarão respostas às perguntas por seu papel e o da arte na sociedade capitalista. Estas serão encontradas na luta por um lugar na produção, o que equivale a dizer na luta pela libertação das forças produtivas (porque artistas e intelectuais desempregados, como todas as demais categorias de trabalhadores, também configuram desperdício de forças produtivas).
O papel da produção ou, mais exatamente, o constante crescimento deste papel, é decisivo em grau máximo porque ele revoluciona todo comportamento e todas as idéias. Justiça, liberdade, personagem, tudo se tornou função da produção; são suas variáveis. Nenhum ato cognitivo é mais possível fora do processo de produção. É preciso produzir para conhecer e produção significa estar no processo de produção. Até o lugar do revolucionário e o da revolução é o processo de produção. Um exemplo simples (do filme Kuhle Wampe) ilustra este teorema elementar: na revolução o desempregado tem um papel surpreendentemente pequeno, mas deste papel menor emerge imediatamente um papel de protagonista quando o desemprego começa a ameaçar seriamente a produção.

Notas
[1] EISENSTEIN, S. Sirva-se! In – A forma do filme. Rio de Janeiro: Zahar, 1990, p. 87.

[2] Idem. Fora de quadro. In op. cit. p. 35.
[3] Cf. SILBERMAN, Marc (org. e trad.). Bertolt Brecht on Film and Radio. London: Methuen, 2000. Partes IV (Filme de três vinténs) e V (Kuhle Wampe), ambas publicadas originalmente em 1932. Há também uma tradução francesa, no volume Ecrits sur la litterature et l'art 1: sur le cinéma. Paris: L'Arche, 1970.
[4] Um estudo sobre o Processo encontra-se em GILES, Steve. Bertolt Brecht and the Critical Theory: Marxism, Modernity and the Threepenny Lawsuit. Berna: Peter Lang, 1997. Sobre Kuhle Wampe, existe o trabalho de Ilma Esperança: SANTANA, Ilma Esperança de Assis. O cinema operário na República de Weimar. São Paulo: Unesp, 1993. E sobre implicações de maior alcance, ver PASTA JÚNIOR, José Antonio. Trabalho de Brecht. São Paulo: Ática, 1986.
[5] Mas no roteiro do filme que Brecht escreveu e a empresa descartou há uma nota de rodapé sugerindo que no meio do processo ele se deu conta disso também: "Deste ponto em diante deixamos de acrescentar sugestões adicionais porque a certa altura entendemos que nos iludíramos a respeito dos que as seguiriam para realizar o filme. Imersos em nossos trabalhos, tínhamos esquecido: já estávamos em setembro de 1930." Cf. BRECHT, B. The Bruise – A Threepenny Film. In Marc Silberman, op. cit., p. 137, nota 17.
[6] Mais especificamente, o mercado cinematográfico ficou divido em quatro regiões: a empresa alemã Tobis passou a controlar a Europa Central e a Escandinávia; as americanas Warner e Fox (já sob o controle do capital financeiro, em particular os grupos Morgan e Rockefeller), Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Índia e União Soviética. A Inglaterra ficou dividida entre americanos (75%) e alemães (25%). O resto do mundo ficou na categoria "território livre". Cf. COOK, David A. A History of Narrative Film. 2nd. ed. New York/London: Norton & Co., 1990, especialmente o capítulo 7: "The Coming of Sound, 1926-1932".
[7] Cf. MARMIN, Michel. Les années pionnières (1900-1918). In BEYLIE, Claude (org.). Une histoire du cinéma Français. Bolonha/Paris: Larousse, 2000.
[8] Anatol Rosenfeld lembra que a existência deste público foi essencial para o cinema se constituir como tal: "O cinema [...] não teria eventualmente ultrapassado o estágio de mera curiosidade e de instrumento científico para reproduzir o movimento se a sua invenção não tivesse coincidido com o desenvolvimento de um grande proletariado demasiadamente pobre para frequentar o teatro e os espetáculos não mecanizados." (ROSENFELD, A. Cinema: arte e indústria. São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 63.)
[9] Um bom exemplo do repertório antigo restaurado pelo filme de longa metragem é A dama das camélias, em sua versão muda de 1921 e depois sonora em 1936. Comparar as duas versões com qualquer curta do período anterior é um bom exercício de cálculo de perdas e danos.
[10] A análise minuciosa, do ponto de vista lógico, dos desentendimentos entre Brecht, a Nero Filmes e depois o tribunal que julgou o processo está em Steve Giles, op. cit.
[11] O texto publicado (cf. The Bruise, op. cit.) tem material suficiente para imaginarmos o grau da diversão.
[12] Brecht chegou a sugerir que os novos roteiristas adaptassem então o texto de John Gay, The Beggar's Opera, como ele mesmo fizera, mas a empresa não abriu mão do direito que comprara de filmar a versão dele, já em alemão, o que não significava economia de algibeira, principalmente numa circunstância em que tempo é dinheiro.
[13] Cf. Brecht, The Threepenny Lawsuit, op. cit. As demais citações não serão destacadas, a menos que se refiram a outros textos.
[14] A discussão sobre quem teria maiores prejuízos foi decisiva para a sentença. Um dos argumentos do tribunal é mortalmente revelador: como a empresa já investira 800 mil marcos nas filmagens e as modificações que Brecht reclamava implicariam dobrar o investimento, o "senso de justiça" recomendava aplacar as aflições do capital.
[15] Eisenstein no texto já citado, e depois Walter Benjamin, na Obra das passagens, mostram que a industrialização da literatura é fato consolidado desde o início do século XIX.
[16] Cf. BENJAMIN, Walter. O autor como produtor. In – Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.
[17] Recado de Brecht para os que, por outro lado, sucumbem ao fetichismo da tecnologia: "por enquanto só têm apoio os desenvolvimentos técnicos que favorecem o capital. Se alguém inventar uma lâmpada capaz de durar dezenas de anos, sua patente será comprada para impedir a sua fabricação." (BRECHT, B. Me Ti, Livre des retournements. Paris: L'Arche, 1978, p. 20).
[18] . Brecht, Me Ti, op. cit., p. 77.
[19] . Muito antes do golpe do cinema sonoro, os estúdios de Hollywood, aperfeiçoando a receita francesa da Companhia Pathé, já controlavam toda a cadeia produtiva: produção, distribuição e exibição. Os executivos dos escritórios de distribuição naturalmente contavam com os préstimos de profissionais nativos em cada centro importante. Para se ter idéia de como o capital não brinca em serviço, até no mercado brasileiro, raquítico por definição, o cartel americano tratou de se instalar com o nome de Associação Brasileira de Cinema. Isto em 1932, sob os auspícios do governo Vargas. Cf. André Gatti. Distribuição. Verbete da Enciclopédia do cinema brasileiro, organizada por Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda. São Paulo: Senac, 2000, p.175.
[20] Um tópico que não pode ser desenvolvido aqui diz ainda respeito aos profissionais da censura, que nos Estados Unidos se tornaram oficialmente parceiros voluntários da produção cinematográfica, em aliança com as distribuidoras, através de acordo negociado em 1909 que resultou na primeira agência de censura americana (cf. David A. Cook, op. cit.).
[21] Não há como saber se Brecht tinha conhecimento da relação determinante entre a fundação da Academia das Artes e Ciências do cinema em 1927, o golpe do cinema sonoro e a criação do Oscar para premiar os "achados" técnicos que antes de mais nada significavam economia de matéria prima. Na fundação da Academia afirmou-se o objetivo de estimular o aperfeiçoamento técnico do cinema e em suas primeiras edições o Oscar foi para o executivo de montagem que descobriu a possibilidade de eliminar um quadro por sequência para encurtar a metragem das cópias e acelerar a velocidade dos filmes. (Cf. David A. Cook, op. cit., p. 307 e nota à p. 326.).
[22] Está na Obra das passagens a exposição das razões econômicas da receita da "peça-bem-feita": Scribe contratava operários-escritores para escreverem as peças que assinava, assim como fazia Dumas Pai com seus romances. Anotação de Walter Benjamin: "Scribe descobriu que o segredo do sucesso dos homens de dinheiro consistia em fazer os outros trabalharem para nós [...] e ficou várias vezes milionário". Apud BUCK-MORSS, Susan. Dialética do olhar. Belo Horizonte/Chapecó: Ed. UFMG/Argos, 2002, p. 177.
[23] Ainda Brecht: Para chegar ao mercado, uma obra de arte precisa ser submetida a uma operação específica que a divide em seus componentes. Em certa medida, os componentes entram no mercado separadamente. Por exemplo: pode ser usada como literatura sem o seu significado, com outro significado ou sem nenhum significado. Sua tese original pode ser desmontada e remontada em uma que seja socialmente aceitável e em outra que só alcança o mercado como rumor. O conteúdo pode receber uma forma diferente ou a forma pode receber um conteúdo inteira ou parcialmente diferente; forma verbal e forma cênica podem aparecer uma sem a outra e assim por diante. Em resumo, a canibalização é completa.
[24] A empresa que estava financiando o projeto avisou que o filme não seria comercial porque não havia mais a ameaça comunista na Alemanha.
[25] No ensaio "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica", Walter Benjamin cita a seguinte opinião do reacionário George Duhamel sobre o cinema e seu público: "Trata-se de uma diversão de párias, um passatempo para analfabetos, pessoas miseráveis, aturdidas por seu trabalho e suas preocupações... um espetáculo que não requer nenhum esforço, que não pressupõe nenhuma implicação de idéias, não levanta nenhuma indagação, que não aborda seriamente qualquer problema, não ilumina paixão alguma, não desperta nenhuma luz no fundo dos corações, não suscita qualquer esperança a não ser aquela, ridícula, de um dia virar star em Los Angeles." Cf. Os pensadores: Benjamin, Adorno, Horkheimer, Habermas. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 25.
[26] Marx insiste em que não se deve apresentar a produção capitalista como algo que ela não é, como por exemplo produção que tem por finalidade imediata a satisfação ou a criação de meios de satisfação de alguma necessidade; seu objetivo imediato e motivo determinante é produção de mais-valia. Cf. MARX, K. O capital. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Abril Cultural, 1983, Vol. III, tomo 1, p. 185.
[27] MARX, K. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1980, p. 56. Grifos nossos.

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