Por Paulo Betti (Ator e sorocabano de coração)
Teatro de rua
Amigos, como é encantador o teatro de rua! É só haver uma pequena aglomeração com alguém se apresentando em alguma praça, que vou parando para observar.
Na rua vi as apresentações mais poéticas e as mais bizarras. Mas nunca me aborreci. Paro para ver vendedores ambulantes que aproveitam a curiosidade do povo para vender produtos milagrosos oriundos da mais misteriosa floresta amazônica. Fico esperando a hora prometida que em que a cobra vai ser retirada de dentro da cesta mágica.
Tudo isso tem um pouco de teatro de rua. Mas não se compara, é óbvio, as refinadas manifestações teatrais que vi no 14º Encontro Nacional de Teatro de Rua em Angra dos Reis na semana passada.
Pela mostra, o teatro de rua brasileiro está fortíssimo e com energia para dar e vender. Fiquei dois dias e vi o grupo “Pombas Urbanas”, de São Paulo com seu espetáculo “Histórias para serem contadas”, um espetáculo comunicativo com atores excelentes. No mesmo dia vi o grupo Arte da Comédia, de Curitiba. A peça “Aconteceu no Brasil enquanto o ônibus não vem” divertiu o público com seu texto construído a partir de improvisações do elenco. Atores maravilhosos, bem ensaiados e coreografados nos mínimos detalhes.
Na mesma noite, iluminada por uma linda lua cheia, os meninos de Florianópolis, do Grupo Circo Negro, barbarizaram as ruas centrais de Angra com sua “Experiência Subterrânea”. No final da noite de sábado o Coletivo Pulso, de Belo Horizonte, encantou o público com a magia e a delicadeza de seu “Hai Kai – Somente as Nuvens Nadam No Fundo do Rio”. Figurinos imaculados, movimentos lentos e precisos, um poema teatral de grande impacto que termina num banho coletivo para surpresa do público que reagiu com simpatia e bom humor.
No domingo ainda pude me deliciar com o grupo mineiro Galpão Cine Horto e sua comunicativa e poética invenção de linguagem em “Arande Gróvore”. As crianças acompanhando aquela língua diferente inventada pelo grupo que é cria do Galpão, me lembrou alguns grandes momentos de Antunes Filho e Gabriel Vilela.
Fechei a noite vendo o excepcional “Famiglia Milan e o Gran Circo Guaraná com Rolha”. Que dupla maravilhosa de acrobatas! Uma pesquisa sobre o circo dos anos 20. Uma deliciosa viagem no tempo.
Não deu para ver tudo,mas pude acompanhar a emocionante homenagem que Amir Haddad e seu Grupo Tá Na Rua prestaram ao mestre Augusto Boal, recém falecido. Eles inventaram o espetáculo na hora. Amir falou com a propriedade de quem foi amigo dileto do grande homem do nosso teatro, um dos maiores que tivemos em todos os tempos.
Para quem acha que a ditadura foi branda, Amir colocou as coisas nos seus devidos lugares: “a ditadura roubou pelo menos uns oito anos úteis de Boal. No final de sua vida, as seqüelas da tortura brutal que ele sofreu se manifestaram roubando suas energias e se transformando numa leucemia devastadora”.
Na manhã de domingo ouvi junto com Amir, os testes do equipamento de som da segurança da usina nuclear. Deu medo ouvir aquelas sirenes ecoando pelas matas com seus gritos lancinantes que misturam a melancolia dos apitos das antigas fábricas com o som apocalíptico das hecatombes. Uma voz sinistra dizia: “continuem a fazer suas atividades normais, isso é apenas um teste”!
Ainda bem que eu estava com Amir Haddad e com o pessoal do teatro de rua. Nosso antídoto as incongruências da vida. E pude ver o pipoqueiro cumprimentando Amir pelo seu trabalho. Um dos momentos mais belos que já presenciei no teatro.
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