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terça-feira, 14 de junho de 2022

Sobre Dramaturgia(s) para Teatro(s) de Rua

 

Livro “Sobre Dramaturgia(s) para Teatro(s) de Rua: procedimentos de criação no contexto das políticas culturais brasileiras”. 260p. Rio de Janeiro: Mórula editorial. ISBN: 978-65-86464-73-3. Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível superior – CAPES – Brasil e Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – PPGAC/CEART/UDESC.

 

Sobre Dramaturgia(s) para Teatro(s) de Rua: procedimentos de criação no contexto das políticas culturais brasileiras é uma obra onde o autor descreve, contextualiza e analisa procedimentos de criação de dramaturgias para o teatro de rua, tendo como recorte de pesquisa três textos que escreveu para diferentes grupos de teatro. Com o aporte teórico e metodológico das áreas das artes cênicas e dos estudos literários, investiga, estabelece conceitos e compila elementos constitutivos da modalidade que denomina de Dramaturgia Porosa. Também examina a presença de outras modalidades de dramaturgias para teatros de rua em suas obras, como a Camelôturgia e a Cenopoesia, considerando as múltiplas dimensões do texto teatral e de suas montagens numa perspectiva de reflexão crítica acerca do contexto das políticas culturais do país. Márcio Silveira dos Santos procura expandir o conhecimento sobre práticas de criação de dramaturgias para espetáculos encenados no espaço aberto das ruas. Acreditando assim, que refletir sobre diferentes processos de criação, com suas dificuldades e soluções, permite não só uma melhor compreensão do caminho trilhado, mas também fundamenta um material que possa contribuir, de forma potente, para outros caminhantes, praticantes da escrita dramatúrgica e na cena teatral de rua dos tempos vindouros.





(Para adquirir exemplares, direto com o autor: marccioss@yahoo.com.br – marciosilveira01@gmail.com).

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 Do prefácio:

Ser ou não ser um pesquisador-dramaturgo?

Fátima Costa de Lima[1]

 

Este livro que você abriu e está prestes a ler traz uma ambiguidade fundamental, que surgiu no primeiro instante, quando o autor se confrontou com a tarefa de construir a posição do pesquisador - uma ambiguidade que foi se alastrando e dominando a metodologia de sua pesquisa de Doutorado[2]. Porque, na experiência anterior de sua vida no teatro, o pesquisador se reconhecia mais como um dramaturgo, a experiência investigativa lhe acabou por levantar uma questão: como conciliar o dramaturgo com o pesquisador de sua própria dramaturgia? Ali, já no começo da investigação, Márcio Silveira dos Santos começou a viver este drama, concreto e real.

Mas, no que se constitui uma pesquisa (pelo menos em parte e, ouso dizer, não somente nas artes ou no teatro) senão a incorporação dialética de nossos próprios dramas à nossa própria reflexão?


     Eis uma situação investigativa que se exacerba ainda mais quando realizamos uma “pesquisa de si” – parafraseando um conceito hoje na moda. Esta é uma situação investigativa que produz o solo fértil para a emergência tanto do drama do pesquisador quanto da ambiguidade constitutiva desta reflexão, pois: que posição tomar para falar de seu próprio teatro de modo que interesse a outras pessoas que pesquisam e fazem teatro? Como fazer uma experiência única convergir com as de outras pessoas com experiências tão únicas como são as de teatro?

No contexto da reflexão sobre a dramaturgia propriamente dita surgiram outras incógnitas: como se situar para conseguir que (no texto da tese que resultou) neste livro possam contracenar dramaturgias desenvolvidas para o teatro sindical com dramaturgias criadas no interior do teatro de grupo? Teatro para campanhas de saúde pública e ativismo político no âmbito do teatro de rua? Dramaturgias com fontes estéticas tão diversas como o Steampunk, o Mamulengo, o Circo-teatro e os zibaldoni da Commedia dell’Arte?

Parece difícil. E, como orientadora da pesquisa, posso testemunhar que foi difícil.

Mas, tudo ficou menos difícil quando o pesquisador descobriu que, quando não podemos com o “inimigo”, o melhor é nos unirmos a ele – uma joia da sabedoria popular que vale mais ainda quando o inimigo parece ser você mesmo. Em outras palavras: este livro é, em primeiro lugar, um trabalho que demonstra que a reflexão avança quando a insegurança que fazia tremer o espaço do pensamento se torna o chão da pesquisa.

Daí que o livro inicie com uma espécie de diálogo da incerteza, em torno de “ser ou não ser um pesquisador-dramaturgo?” Lidando com esta dúvida, a Jornada do dramaturgo não somente apresenta o livro e suas partes como ostenta a insegurança que passou a acompanhar o pesquisador em todo o seu processo investigativo. Portanto, ao invés de tentar resolver a ambiguidade, assumir a dupla posição legou à metodologia a questão que detonou o conflito interno do pesquisador: ele a transformou em fio condutor do livro, até o seu final.

Os primeiros capítulos apresentam a formação do dramaturgo: no teatro de e para trabalhadoras e trabalhadores, assim como em seu primeiro grupo de teatro. Ele prossegue sua trilha de permanente aprendizado conjugando fazer teatro com uma atuação intensa no campo das políticas públicas para o teatro de rua. Acaba concentrando-se em seu próprio teatro e discutindo modalidades dramatúrgicas, como a “Camelôturgia” e a “Cenopoesia”.

Nesta primeira metade do livro, o dramaturgo que se torna pesquisador revela para si e para nós algo de suprema importância: fazer teatro é não fazer sozinho, é contar com uma rede ampla de companheiras e companheiros com quem podemos trocar ação direta e conceitos, reflexão e encenação, vida e arte no mais amplo sentido desta relação: a que a torna inevitável para cada um/a de nós que fazemos teatro... e pesquisa teatral.

Na segunda parte do livro, o pesquisador-dramaturgo concentra sua reflexão sobre o trabalho prático de escrita das dramaturgias para a rua - melhor dizendo: ruas, com “s”, no plural. Daí vem outro achado deste estudo: ruas são diferentes, algo que o dramaturgo-pesquisador descobre quando viaja com suas trupes pelo Brasil inteiro, desde o sul onde mora até o extremo norte amazônico. Neste momento do livro descortinamos a diversidade cultural brasileira em descrições de processos criativos encenados em praças, rios, becos e vielas, o que exigiu o trabalho e o esforço do dramaturgo tanto na escritura de sua obra quanto na dramaturgia da cena, a fim de contextualizar seja em centros de cidades seja em rincões e confins, os mais remotos, o cenário que oferece a grande extensão e população de nosso país continental. A dramaturgia de Márcio Silveira dos Santos é, pois, uma dramaturgia das ruas.

Mas é também uma dramaturgia das coisas.

Como escrevi em outro texto, a relação entre o artista e suas coisas se dá nas fendas em que teimam em se confundir aquilo que é humano e aquilo que é próprio das coisas, numa dialética que necessariamente quem anima deve aceitar a sensibilidade das coisas supostamente inanimadas, o que “transforma a sensibilidade humana no contato com o objeto [...]. Não seria esta mais uma característica do artista que cria objetos?”[3]

As coisas deste livro, seus objetos se misturam nas dramaturgias das ruas: fuscas são surpreendidos por baleias e pedaços de madeira se transfiguram em cobras. Da sua “dramaturgia mosaica e porosa” - como a denomina de modo muito feliz o pesquisador-dramaturgo ou dramaturgo-pesquisador -, de rios negros e imensos oceanos emergem capitães de navios, valentes em cavalos e palhaços azuis, tão azuis como a caneta azul com que o dramaturgo anotou e o pesquisador leu num canto de página de seu zibaldone: “Transformar inquietudes em energias emancipatórias!”.

Talvez esta seja a sentença que impulsiona tanto o dramaturgo quanto o pesquisador que, juntos, escreveram as páginas que se seguem. Na solidão do pensamento individual tanto quanto na festa teatral de um coletivo formado por muitos coletivos. Em teatros de grupos e grupos de teatros, tudo aqui carrega as muitas folhas das dramaturgias de Márcio Silveira dos Santos para serem recriadas nas diversas e incontáveis ruas que formam este Brasil, adentro e afora. É isso que oferecem as próximas páginas.

Boa leitura.      

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Sobre o autor:



Márcio Silveira dos Santos é dramaturgo, professor/pesquisador e artista cênico há mais de 30 anos. Trabalhou com o Grupo Espalha-Fatos e o Grupo Manjericão desenvolvendo mais de 40 encenações. Doutor em Teatro (PPGT/UDESC/Bolsa CAPES-DS), Licenciado e Mestre em Artes Cênicas (PPGAC/UFRGS), Especialista em Psicopedagogia (UCB). Foi Professor colaborador na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC-Florianópolis). É articulador na Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR) e membro da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas (ABRACE). Escreveu os livros: Movimento Popular Escambo Livre de Rua: Se Escambo é Troca, Eu Também Quero Trocar (2021); Teatro na Comunidade: oficinas como práticas pedagógicas e socioculturais (2019); Teatro na Educação de Jovens e Adultos: um estudo sobre práticas de ensino na sala de aula (2019); Arte-Educação e Psicopedagogia - um olhar sobre o desenvolvimento da criança através da arte (2019); Um Artista de Rua faz mais que um Ministro da Cultura (2018) e Longa Jornada de Teatro de Rua Brasil Afora (2016). Foi representante da Sociedade civil no Colegiado Setorial de Teatro no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), do Ministério da Cultura (de 2010 até 2015).


[1] Professora e pesquisadora do Curso de Licenciatura em Teatro e do Programa de Pós-Graduação em Teatro do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina. Pesquisa alegoria, espaço e imagem no teatro e no carnaval, tendo como referência a teoria crítica de Walter Benjamin.

[2] O autor da pesquisa que resultou neste livro realizou-a no PPGT do CEART-UDESC, sob minha orientação.

[3] LIMA, Fátima Costa de. “Sozinho na companhia de muitas coisas”: a relação do artista com seus objetos. Revista Móin Móin – Estudos de Estudos sobre Teatro de Formas Animadas, Dossiê Visualidades p. 77-94 Disponível em: https://www.revistas.udesc.br/index.php/moin/article/view/1059652595034701122014077/7836