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sexta-feira, 31 de julho de 2015

Dona Zefinha: herdeiros de uma arte milenar

Adailtom Alves Teixeira[1]

Aristóteles afirmava que “o homem é único animal que ri” e Millôr Fernandes complementava: “e é rindo que mostra o animal que é”. Os integrantes do grupo Dona Zefinha, de Itapipoca/CE são herdeiros de uma tradição milenar que, ao longo da história fez reis, rainhas, burgueses e, principalmente, os populares rirem. São representantes dos bobos, menestréis, arlequinos e palhaços. Artistas que dominam a palavra, o corpo, a voz e tocam diversos instrumentos musicais.

Trata-se de um grupo familiar que foi criado ainda na década de 1990 e leva o nome da mulher que cuidou na infância dos três irmãos Ângelo Márcio, Orlângelo Leal e Paulo Orlando. A trupe mantém em repertório diversos espetáculos, administram um espaço cultural na cidade de Itapipoca/CE e auxiliam na realização do Festival de Inhamuns/CE. Além do trio, fazem parte dos espetáculos apresentados a atriz Joélia Braga e o músico Samuel Furtado.

Dona Zefinha participou da oitava edição do Amazônia Encena na Rua, uma criação do Imaginário e, hoje, realizado pelo Sesc. O grupo brindou o público com dois espetáculos: O circo sem teto da lona furada dos bufões, um musical infantil, mas que agrada a todas as idades; e O casamento de Tabarim, farsa medieval adaptada por Orlângelo Leal que mistura versos de cordel, música e outras obras teatrais.

As apresentações ocorreram nos dias 25 e 26 de julho na Praça das Três Caixas d`Água na cidade de Porto Velho/RO. O público, se não foi o maior é certo que foi um dos maiores durante a programação e ninguém arredou pé, pois o domínio dos menestréis é enorme, tanto cênico, como na relação direta com o público. Os artistas fazem da praça sua sala de estar. Prova disso foram os comentários do público: “são ótimos”! “que diabo mais esquisito” e continuavam a gargalhar.

No espetáculo Tabarim, a chave cômica gira em torno da esperteza, da malandragem desse personagem arquetípico, que busca nos golpes, em sua astúcia a possibilidade de uma vida menos dura, com pouco trabalho. Daí a ideia de casar com uma mulher rica, mas nem sempre as coisas ocorrem conforme o desejo, já que tem que enfrentar Méfisto, que virá buscar a alma da amada. Misto de Briguela e Arlequino, Tabarim se safa dos problemas que provoca e até daqueles que não buscou para si.


Já o Circo sem teto... rende homenagem aos circos populares, sobretudo os pequenos circos, nos quais os palhaços são fundamentais. Cabe destacar que as criações musicais são riquíssimas, muito bem arranjadas e executadas. Fica evidente que o manancial da cultura popular brasileira é fonte inspiradora, mas também espaço de construção do repertório do grupo, aliado ao estudo e ao rigor técnico, presente nos dois espetáculos apresentados no Amazônia Encena na Rua. Que esses artistas continuem a provocar o riso e a inspirar outros arteiros mundo a fora.

Fotos: Agenda Porto Velho




[1] Professor da Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; mestre em Artes pelo Instituto de Artes da UNESP; ator e diretor teatral.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Amazônia Encena na Rua por Licko Turle

A Brincadeira do Boi Bumbá em Porto Velho encerra o Amazônia Encena na Rua
Com uma apresentação emocionante, o Boi Bumba Corre Campo fez o encerramento da oitava edição do maior festival de teatro de rua da região norte. Antes, os performáticos bailarinos urbanos do Strodun de Belo Horizonte, os mamulengos do Distrito Federal, os palhaços da banda-teatro Dona Zefinha, do Ceará já haviam 'explodido' o público de tanto rir na Praça das Três Caixas D'Água.   
Devido à interdição do parque Arena Madeira-Mamoré (que atraia artistas de todo o país devido às suas características de anfiteatro grego),  este ano as apresentações ocorreram em sua maioria na praça das Três Caixas-D'Água. Com isto todos os grupos foram muito prejudicados com o espaço de representação limitado pelas arquibancadas de ferro que delimitavam o espaço cênico.
Na arena Madeira-Mamoré, os grupos e artistas, dependendo do conteúdo, tipo e formato de seus espetáculos, formavam círculos menores para aqueles com mais texto e intimismo ou usavam toda a cena quando as obras eram mais visuais e verticais como as dança-teatro e o uso de pernas-de-pau, o que não foi possível, nesta oitava edição, que ficou mais compactada e a iluminação, a sonorização (e suas respectivas operações) não puderam ser montadas nos pontos corretos não ajudaram nem aos artistas , nem ao público devido à suas localizações.
Destaques:
- para a diversidade e a programação de oficinas e debates durante todo o evento, que contou com o pesquisadores do GT Artes Cênicas na Rua da ABRACE - Associação Brasileira de Pesquisa de Pós-Graduação, que liderados por Alexandre Mate, assistiram e escreveram comentários críticos sobre todos os espetáculos e discutiram a aproximação da Academia com os movimentos sociais e o teatro de grupo, em especial. O GT reconheceu que os grupos são espaços de pesquisa e produção de conhecimento sobre a modalidade Teatro de Rua, sobretudo, aqueles que oferecem oficinas de formação e capacitação em suas 'escolas' e cursos livres;
- a participação de professores e alunos dos cursos de teatro da UNIR (Rondonia) da UFAC (Acre) e alguns da UEA(Amazonas) que acompanharam atentos a tudo e todos;
-  o reconhecimento das danças dramáticas das quadrilhas e dos bois-bumbás como espetáculo cênico. Tanto no Matias, quanto no Amazônia Encena na Rua obtiveram espaços iguais aos grupos de teatro.  As encenações dos 'casamentos' e das 'narrativas épicas' são muito bem aceitas pelo público da região norte que asssistem aos espetáculos como torcedores de futebol acompanhando a cada 'jogada' dos interpretes e aplausos para as melhores 'jogadas', 'efeitos' e 'surpresas' propiciadas pelas verdadeiras óperas ppulares, assim como os 'pássaros'.  Creio que devemos estar atentos a estas corporações que mobilizam comunidades inteiras, fazem música ao vivo, dançam, interpretam, cantam, desenvolvem temas onde o heroísmo das etnias oprimidas e a presença do homem do povo estão presentes e são protagonistas.
Seria este o teatro da fronteira, dos açudes, dos barrancos, da floresta o Eldorado que tanto procuramos? Está assim tão perto de nós que nunca olhamos para ele? Estas escolas de espetáculos popular não ficaram a dever nada aos espetáculos de teatro de rua das duas mostras. Ao contrário, comprovam a nossa tese de que existem vários Teatro(s) de Rua no Brasil na luta pelo espaço público.

ERRATA:
O nome da palhaça é CAFUCHA e não PAFUCHA como eu havia escrito e a atriz que a representa é a amazonense Ariane Feitosa.

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Licko Turle
Doutor em Artes Cênicas

Rasgar a sociedade para nascer o novo

Adailtom Alves Teixeira[1]

Criado em 2003 na cidade de Sorocaba/SP, o Grupo Teatral Nativos Terra Rasgada singrou o Brasil para participar do I Festival Matias de Teatro de Rua, realizado pela Cia. Visse Versa de Rio Branco/AC. O Festival convidou grupos das cinco regiões do Brasil e o Nativos apresentou seu novo espetáculo Rua Sem Saída nos dias 14 e 16 de julho de 2015. A primeira apresentação se deu no Centro da Juventude do Recanto dos Buritis e a segunda no Novo Mercado Velho. As pessoas da comunidade e do centro histórico puderam fruir uma pesquisa de, pelo menos, dois anos sobre a organização das cidades.
O espetáculo faz uma alegoria sobre o cemitério/cidade, onde o que está em jogo é a sociedade: o poder dos mandatários perpetuados politicamente e auxiliados por instituições religiosas, escolares, que convencem e pacificam; quando o convencimento não resolve entra em cena a coerção, a força impera para manter o status quo.
Se na comunidade apresentada houve muitos olhares curiosos, porém acompanhada à distância, no centro a imensa roda de pessoas irmanou a todos e todas nos aspectos discutidos em cena. Muitos são os achados do grupo em suas alegorias e metáforas, como a comparação entre túmulos e apartamentos, a justiça natimorta, bem como as questões lançadas sobre o “por quê temos que pagar para acreditar em Deus” ou por que o túmulo do preconceito continua vazio.
Em tempos de muita publicidade acerca da ideia da pátria educadora, a educação, que habita um dos túmulos cenográficos (mas não apenas), é uma aposta de mudança, de uma possível virada. No entanto, não há ingenuidades, os artistas do Nativos sabem que a saída não pode ser a educação que temos hoje. Sandra Buh, uma das produtoras do festival e professora na rede pública estadual do Acre e que está em greve por melhores condições de trabalho resumiu o sentimento dos demais educadores ao ver o espetáculo: “É isso! É por isso que estamos lutando.” Ou seja, se a educação pode ser a mudança, ela própria precisa ser modificada. E essa é a aposta do espetáculo Rua Sem Saída.
A personagem do ex-escravo, também morto, mas perpetuado em comunidades como a que foi apresentada o espetáculo, obedece ao Barão, mas descobre a parceria e a possibilidade de mudança via educação. Enquanto a transformação social não vem, resta-lhe a astúcia que todo popular conhece bem, seja para sobreviver, seja para debochar do poder. Em cena, o escravo que é sempre tratado aos berros, prepara o mate do seu senhor, o barão, mas antes acrescenta-lhe mijo à cuia.
Acompanho a trajetória do Nativos Terra Rasgada a alguns anos e fica patente o seu crescimento, a sua pesquisa. É certo que o espetáculo ainda vai crescer bastante, pois falta em alguns momentos mais jogos entre os atores e com o público, como tudo é recente, em alguns momentos ainda estão presos ao texto. Outro ponto que deve ser lembrado é que fica a sensação de dois finais, o rock como discurso do grupo e a tomada do cemitério pelos mendigos (populares). Entretanto, nada disso prejudica a beleza e força de Rua Sem Saída. Importante registrar a direção de Flávio Melo e a dramaturgia de João Bid, bem como a igualdade do time de atores: Bruna Santini, João Pereira Mendes Junior, Juliana Prestes, Rodrigo Zaneti, Samir Jaime, Stefany Cristiny Moreiral Melo, Tom Ravazoli e Vitor Henrique da Silva. Por fim, o crescimento musical demonstra a seriedade com que tem trabalhado estes artistas sorocabanos.



[1] Professor da Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; mestre em Artes pelo Instituto de Artes da UNESP; ator e diretor teatral.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Amazônia Encena na Rua

                Começou o Amazônia Encena na Rua, oitava edição.
                Entre Pássaros & Quixotes
                O grupo goiano Teatro que Roda, trouxe Das Saborosas Aventuras de Dom Quixote de La Mancha, dirigido por André Carreira e atravessou a cidade, literalmente, encenando no meio do trânsito, do engarrafamento levando suas dorotéiras na pá do trator. O cortejo subiu a ladeira até a praça das Três Caixas D'água e encontrou com a Ópera Popular O Uirapuru, novo espetáculo da Grande Companhia Brasileira de Mystérios e Novidades e seus pássaros sobre pernas-de-pau que dançaram ao som de violinos e oboés. Na parte diurna, os pesquisadores do GT Artes Cênicas na Rua deram início as comunicações científicas dos artistas-pesquisadores-docentes e, à tarde, as oficinas práticas artísticas gratuitas ofertavam diversas linguagens como comédia dell'arte, teatro do oprimido, Teatro de Invasão, Crítica Teatral, Teatro de bonecos e de Animação de Objetos e Circo na Comunidade.
                Infelizmente, a Arena Madeira-Mamoré ainda está inutilizada devido a 'alagação' e o descaso da administração pública local e o evento retornou à Praça das Três Caixas D'Água,  e as arquibancadas instaladas diminuíram muito o espaço estético destinado a evolução dos espetáculos.  A iluminação fere os olhos tanto dos artistas, quanto os dos espectadores, prejudicando totalmente a recepção das obras. O som foi outro ponto fraco, ora muito baixo e abafado, ora apitando e perdendo o sinal dos microfones sem fio. Foram com todos estes problemas que o grupo carioca adentrou na arena com muito atraso para um dia da semana e encontrou um público frio.
Mas, mesmo assim , o evento é grandioso. Vale a pena conferir

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Licko Turle
Doutor em Artes Cênicas

terça-feira, 14 de julho de 2015

I Festival Matias de Teatro de Rua - Acre

               É Verão no Norte...
            Começou o mais novo festival de teatro de rua do Brasil.

 Matias...
            O nome é uma homenagem ao seringueiro-poeta-ativista que introduziu vários procedimentos na cena teatral acreana, mas, principalmente o teatro político na comunidade.

O cortejo na Revolução...
            Foi o sol escaldante dar lugar a lua e praça da Revolução começou a receber os primeiros sons e cores dos artistas-trabalhadores das rua de todo o Brasil vindos do Rio Branco, Manaus, Boa VIsta, Porto Velho, Arcoverde,  Sorocaba, Presidente Prudente, Porto Alegre, Campo Grande, Taguatinga, Rio de Janeiro. Pernas-de-pau, Bonecões, Ciranda, Maracatu, Carnaval, sorvete de açaí, cupuaçú, graviola ... e o cortejo se manifesta nas ruas  desce até a beira-rio para terminar aos pés da estátua de Chico Mendes. A revolução virá!

Anfitriões impecáveis...
            A Comédia Del' Acre abriu o festival. Trabalho limpo, corpos em harmonia, canto, dança, música, teatro, tudo afinado.  O tambor fala alto e apresenta o Teatro para o público. Desfilam Édipos, Romeus, Julietas e Dorotérias na Morte em Vida, Severina, entremeados com músicas do cancioneiro popular e que se encerra com a manifestação espetacular do boi-bumbá!

Pura palhaçada ...
            O grupo de Presidente Prudente é um bando de palhaços! O público é atraído pela musicalidade vigorosa do multimúsico-maestro-sonoplasta-performer "china" e fica fascinado a técnica e criatividade que o quinteto faz parecer simples e fácil. Um espectador desatento,  poderia dizer as gagues e as piadas  são velhas e os números conhecidos...  mas, para aquele olhar mais atento dirá: "não, é tudo novo!" E estará correto, porque é a dramaturgia do grupo é aberta, porosa e preparada para se completar no e com o espectador. Basta uma palavra, um olhar, um gesto ou um sorriso e o texto se desenvolve, flui, inteligente e com críticas sutis aos comportamentos sociais, tocando, aos poucos, em tabus e preconceitos.

 Segundo dia

O povo como protagonista
                Uma das característica da modalidade de teatro de rua é a a universalidade dos seu material dramatúrgico e o protagonismo. Ontem, tivemos três espetáculos e nos três o protagonista era um personagem do povo. Bastião, Valdino e Marçal. O primeiro, em o Sumiço do Boi Pintadinho, do Mamulengo Terra Rasgada de Prudente-SP; o segundo em  O Dragão de Macaparana,  apresentado pelo Soufllê do Bodó Company, de Manaus-AM; e, o último, em TEKOHA - Ritual de Vida e morte do Deus Pequeno, do Teatro Imaginário Maracangalha, de Campo Grande-MS. Em cena,  a luta de classes, o preconceito social e o etnocídio narrados em formas estéticas distintas, mas todas são, infelizmente, variações sobre o mesmo tema: a exploração do homem pelo homem.
                Os dois primeiros trabalhos estão, ainda, em processo de desenvolvimento mas, com muita energia, seguem caminhos coerentes com suas propostas e agradam o público. O terceiro, o matogrossense do sul, merece destaque por sua maturidade estética e utilização do teatro épico.  Limpo, direto, econômico, distanciado, crítico, político. Teatro em estado puro de vida. Vida em estado puro de teatro ... distanciado, para refletir e ... agir!

Observação
                Uma surpresa positiva é o patrocínio financeiro e a participação do Shopping Center Via Verde de Rio Branco. Diferente de tudo que acontece no Brasil e mundo afora, a administração deste centro de compras apoia, pela segunda vez consecutiva,  o desenvolvimento do teatro acreano. O festival acontece em comunidades, cidades periféricas, praça do Mercado Velho, da Revolução e  ... no shopping Via Verde! Eu poderia torcer o nariz em um primeiro momento ... mas, por uma outra ótica percebo que o teatro de rua aqui, no Acre, consegue atingir a todos, sem exceção. Isto confirma a diversidade e diferenças regionais no país!

Terceiro dia
Teatro(s) de Rua do Brasil -  O Acre se apresenta
                Ontem, os brinquedos do Acre foram o centro das atenções. Casamento Caipira, da Quadrilha Junina Pega-pega e o Homem que vendeu a Alma ao Diabo, do Núcleo do Olho, brindaram o público (que lotou a praça do Novo Mercado Velho, à beira do Rio Acre, embaixo do pau da bandeira) com dois espetáculos extremamente belos e complexamente elaborados.       A riqueza de detalhes nos elementos cênicos, a perfeição na execução dos movimentos, dos ritmos e a comunicação com o público impressionaram. Os brincantes   divertiram o público e se divertiram com manifestações espetaculares seculares que são lidas como se fossem uma partida de futebol, onde o espectador domina as regras do jogo e espera saber como o jogador irá atingir seus objetivos, no caso do mamulengo e da dança dramática da quadrilha, o "como" irão contar as histórias já conhecidas. E os dois não decepcionaram!
                A curadoria do Festival Matias optou pela diversidade de produções e regiões para demonstrar que não existe uma forma ou fórmula de teatro de rua vários e, sim, teatro(s) de rua. Todos são válidos!
Observação II:
                O Estado do Acre teve grande fluxo de imigrantes de todas as regiões do Brasil, em especial,  do nordeste. Além das culturas das diferentes etnias indígenas,  a cultura e a arte nordestina se fazem presentes.

Quarto dia.

Bujari, Quinari, Plácido de Castro.

O festival Matias também acontece na periferia de Rio Branco e em cidades do interior.

                Pegamos a estrada saindo de Rio Branco e após uma hora entramos na rua principal de Bujari. De repente,  a van parou e disseram : "É aqui!" Descemos na rua principal.  À esquerda, um posto dos Correios e um supermercado. Em frente, um homem, no alto de uma escada encostada no poste, colocava, um único refletor de luz fosforescente. Zé Gonçalo se apresentou: "O secretário de cultura disse que se precisarem trocar de roupa ou ir ao banheiro,  a escola já está avisada". Um dos atores perguntou timidamente: "Mas, vamos fazer na pista?" Zé falou: "Sim,  a polícia está chegando com os cones para 'fechar' a rua." E chegaram. Cones laranjas, lona azul estendida, som ligado no poste ... aos poucos as bicicletas foram se organizando em torno dos artistas.  Eram cinco horas em ponto e os alunos saíram , ruidosos,  do colégio estadual. O grupo Locômbia,  de Roraima, anunciou o início do seu espetáculo "Compassos em Silêncio", um espetáculo de pantomimas, jogo com o público,  máscaras, violinos e percussão. Ao final, os aplausos explodem o silêncio rural.
                A noite cai e, aos primeiros acordes do multimúsico homem-banda 'China', mais bicicletas sorridentes chegam, velozes, para ver a trupe paulista de Presidente Prudente apresentar "Saltimbembes Mambembembancos". Diferente das apresentações da capital,  aqui os espectadores são vizinhos, parentes, amigos; todos se conhecem e, a cada número de plateia, uns sacaneiam aos outros abertamente, realizando, eles mesmos, a sua brincadeira à parte. A função termina e, rapidamente, todos somem na escuridão e os artistas começam a dobrar a lona azul e guardar os instrumentos. A luz branca, que a tudo iluminava do alto do poste, se apaga. Neste momento, uma bicicleta alegre reaparece, freia e o menino pergunta: " Até quando vocês ficam aqui?" Beatriz, respondeu: " Nós vamos embora agora!" .  O menino balbuciou de cima da sua bicicleta triste: " Que pena,  sábado é o meu aniversário!" Ficamos mudos e a bicicleta levou o menino de volta à sua realidade, sumindo na curva da estrada e, nós ... voltamos à Rio Branco...


    Quinto dia

Teatro poético-político

                A grande maioria dos grupos e coletivos de teatro(s) de rua do Brasil 'escreve' ou 'cria' os seus próprios textos ou roteiros para montar os seus espetáculos, uma vez que não é simples encontrar "textos para teatro de rua" que se adaptem ao que cada grupo tem como 'marca' ou 'identidade' desenvolvidos a partir de suas pesquisas de 'linguagem'.
                Há exceções.
                O grupo Imaginário, de Porto Velho, Rondônia escolheu, corretamente, o conjunto arquitetônico de casario de sobrados do século passado da restaurada praça do Novo Mercado Velho,  como fundo para nos brindar com o belo texto do brasileiro Ilu Krugli, "Mistério do Fundo do Pote' (ou Como Nasce a Fome!).
                Ilu é, além de autor, ator e diretor teatral, um grande mestre  titireteiro da escola argentina de bonecos e é possível perceber, na carpintaria de seus textos, a possibilidade de serem encenados somente com objetos ou marionetes, mas também por atores.
                Mas que atores? Provavelmente aqueles que conseguem a neutralidade dos atores-manipuladores.  Os ousados atores do Imaginário iniciaram esta pesquisa a partir do Mistério do Fundo Pote porque sabem que somente a neutralidade os permitirá manipular gestos, palavras, poesia, objetos, adereços e canções e ordená-los de forma poética política, desvelando onde nasce a fome. Magia sem Mistério é o que propõe o texto.  O que há no fundo do pote? A essencia humana. Os rondonienses nos levam a refletir sobre este mundo e as relações humanas, a Lei que quer modificar a maioridade penal dos jovens e adolescente, a invasão americana aos e-mails  de todas as pessoas, os grampos telefônicos, o  autoritarismos dos governantes, a corrupção sem usar uma só destas palavras. Não precisa. Está tudo dito. Os atores estão com o pote (forma) na mão, mas querem chegar ao seu fundo (conteúdo), sem mistério, junto com os espectadores,  na rua. É questão de tempo.

Sexto dia.

A cena paulista no Acre
                A Cia Visse & Versa, curadora e produtora do Festival Matias, fez a opção este ano de trazer ao norte do país, as práticas cênicas dos grupos do interior do Estado de São Paulo: dois grupos de Presidente Prudente e um de Sorocaba.  Ontem, a praça do Novo Mercado Velho foi aberta pelo Mamulengo Rasga Estrada, com o "Sumiço do Boi Pintadinho" com o multimúsico China, integrando o elenco e criando sonoplastia ao vivo com todos os tipos de instrumentos. Destaque para a participação de uma criança que , encantado,  passou a contracenar com os bonecos.  
                Os artistas-trabalhadores paulistas que aqui chegaram, sofrem das mesmas questões de falta de políticas públicas para as Artes Públicas  que todos os outros cinco mil, quinhentos e sessenta e um municípios do Brasil e o Nativos Terra Rasgada resolveu falar da cidade, da sua cidade e escolheu o cemitério para refletir sobre mortos e vivos na trama cômica e crítica que "Rua sem Saída" propõe. Com uma estrutura épica e tendo os moradores de rua, os Zés, tentando entender porque 'a vida é assim'.  O espetáculo tem grande musicalidade e canto afinado e preciso que comentam , criticam e 'explicam' as relações (des)humanas que a sociedade capitalista produz.

Licko Turle
Doutor em Artes Cênicas

sábado, 4 de julho de 2015

Tomada do Brasil pela Arte Pública – MANIFESTO CAMPO GRANDE MS

GRITAMOS!!!!!!!! Estamos aqui!!! Carregados, fartos, incontroláveis, tomados por ações e palavras que possuem desejo de LIBERDADE, palavras que precisam assumir a função de manifesto, se tornando um documento que registra para cobrar. Pegar o silêncio e fazê-lo gritar! Gritamos, contra a VIOLÊNCIA e pela LIBERDADE, e ao fazermos, percebemos que somos vários grupos com diferentes maneiras de vivenciar a cidade: Indígenas, Artistas, Trabalhadores, Crianças, Jovens, Cidadãs, Cidadãos... todos, por questões comuns, rechaçam veementemente as inaceitáveis ações repressivas de instituições como a polícia, e as gestões incompetentes e fundamentalistas dos representantes políticos. Bem diferente do que fora assegurado pela Constituição Brasileira.

TODOS sentem os efeitos da profunda crise política que está mergulhada a sociedade brasileira, e nas diferentes partes do país ela se expressa com singularidades, em Campo Grande, capital do Estado do Mato Grosso do Sul, além do total abandono do poder público com as políticas voltadas para artes e práticas culturais, com destaque para a corrupção que desviou recursos garantidos em Lei : 1% prá Cultura, Plano Municipal de Cultura, Sistema Municipal de Cultura, FMIC e FomTeatro , também acumulamos problemas na saúde, educação, habitação, mobilidade urbana. No entanto, as ações de questionamento, participação democrática na gestão pública e resistência aos descasos e desmandos, vêm sendo covardemente reprimidas, sobretudo, pelas investidas policiais e da guarda municipal, que se prestam, mais do que nunca, a função de braço armado do poder constituído. 

CONTRA as negligências políticas do poder público e as repressões policiais enfrentadas por artistas e culturas que fazem da cidade seu espaço de expressão, é que diferentes coletivos de artes, artistas e cidadãos, se agruparam para se conhecerem, discutirem, analisarem os problemas e proporem estratégias de resistência ao quadro que nunca foi tão desfavorável. 

A VIOLÊNCIA praticada pelo Estado seja pela repressão ou corrupção, precisam ser temáticas debatidas e combatidas na sociedade, nessa direção o movimento nacional de “Tomada do Brasil pela Arte Pública”, que será realizado no dia 27 de Junho em todo país, lembrará a atriz e palhaça Lua Barbosa, que foi assassinada pela violência policial na cidade de Presidente Prudente (27/07/2014). Evento que em Campo Grande, também gerará ações, protestos e ocupações dos espaços públicos pela arte e cultura, significa “tomar a cidade”, seus espaços, territórios, lugares livres, para debatermos e construirmos a cidade que queremos, com menos repressão e desonestidade, mais criativamente e liberdade.

DE forma ampla e coletiva o direito à cidade possibilita refletir e reinventar a cidade que desejamos. A Arte pública salva da neurose e da manipulação, da burrice e da falta de opção! 

ESTADO, ESTADO, ESTADO! Este Estado de coisas não se perpetuará! Não nos calam nem nos prendem, nem a morte pode nos deter, a arte e a cultura são sempre, incontroláveis, necessitam de liberdade para se manifestar. No abandono e no descaso, arte e cultura são acolhedoras; mesmo cerceada por grades e câmeras, elas mostram a imensidão livre do céu para reinventar homens como pássaros; Quando arte e cultura foram atacadas e o corpo do artista foi assassinado, um dia inteiro foi inventado para lembrarmos Lua, que passou magicamente, não sem antes, deixar milhares de vozes se levantando e gritando aqui estamos. Lua Barbosa vive!!! 

Rede Brasileira de Teatro de Rua, Teatro Imaginário Maracangalha, Grupo Camuanga de Angola - Mestre Pequeno, Coletivo VDL - Nova Lima, Coletivo La Firma - Nova Lima, Coletivo Terra Vermelha, Rede Unida, Teatral Grupo de Risco, Escola de Curimba, Flor& Espinho Teatro, Circo do Mato, DançaUrbana, SOS Cultura e quem mais for chegando..........assine......................
Campo Grande,26 de junho de 2015.