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terça-feira, 14 de julho de 2015

I Festival Matias de Teatro de Rua - Acre

               É Verão no Norte...
            Começou o mais novo festival de teatro de rua do Brasil.

 Matias...
            O nome é uma homenagem ao seringueiro-poeta-ativista que introduziu vários procedimentos na cena teatral acreana, mas, principalmente o teatro político na comunidade.

O cortejo na Revolução...
            Foi o sol escaldante dar lugar a lua e praça da Revolução começou a receber os primeiros sons e cores dos artistas-trabalhadores das rua de todo o Brasil vindos do Rio Branco, Manaus, Boa VIsta, Porto Velho, Arcoverde,  Sorocaba, Presidente Prudente, Porto Alegre, Campo Grande, Taguatinga, Rio de Janeiro. Pernas-de-pau, Bonecões, Ciranda, Maracatu, Carnaval, sorvete de açaí, cupuaçú, graviola ... e o cortejo se manifesta nas ruas  desce até a beira-rio para terminar aos pés da estátua de Chico Mendes. A revolução virá!

Anfitriões impecáveis...
            A Comédia Del' Acre abriu o festival. Trabalho limpo, corpos em harmonia, canto, dança, música, teatro, tudo afinado.  O tambor fala alto e apresenta o Teatro para o público. Desfilam Édipos, Romeus, Julietas e Dorotérias na Morte em Vida, Severina, entremeados com músicas do cancioneiro popular e que se encerra com a manifestação espetacular do boi-bumbá!

Pura palhaçada ...
            O grupo de Presidente Prudente é um bando de palhaços! O público é atraído pela musicalidade vigorosa do multimúsico-maestro-sonoplasta-performer "china" e fica fascinado a técnica e criatividade que o quinteto faz parecer simples e fácil. Um espectador desatento,  poderia dizer as gagues e as piadas  são velhas e os números conhecidos...  mas, para aquele olhar mais atento dirá: "não, é tudo novo!" E estará correto, porque é a dramaturgia do grupo é aberta, porosa e preparada para se completar no e com o espectador. Basta uma palavra, um olhar, um gesto ou um sorriso e o texto se desenvolve, flui, inteligente e com críticas sutis aos comportamentos sociais, tocando, aos poucos, em tabus e preconceitos.

 Segundo dia

O povo como protagonista
                Uma das característica da modalidade de teatro de rua é a a universalidade dos seu material dramatúrgico e o protagonismo. Ontem, tivemos três espetáculos e nos três o protagonista era um personagem do povo. Bastião, Valdino e Marçal. O primeiro, em o Sumiço do Boi Pintadinho, do Mamulengo Terra Rasgada de Prudente-SP; o segundo em  O Dragão de Macaparana,  apresentado pelo Soufllê do Bodó Company, de Manaus-AM; e, o último, em TEKOHA - Ritual de Vida e morte do Deus Pequeno, do Teatro Imaginário Maracangalha, de Campo Grande-MS. Em cena,  a luta de classes, o preconceito social e o etnocídio narrados em formas estéticas distintas, mas todas são, infelizmente, variações sobre o mesmo tema: a exploração do homem pelo homem.
                Os dois primeiros trabalhos estão, ainda, em processo de desenvolvimento mas, com muita energia, seguem caminhos coerentes com suas propostas e agradam o público. O terceiro, o matogrossense do sul, merece destaque por sua maturidade estética e utilização do teatro épico.  Limpo, direto, econômico, distanciado, crítico, político. Teatro em estado puro de vida. Vida em estado puro de teatro ... distanciado, para refletir e ... agir!

Observação
                Uma surpresa positiva é o patrocínio financeiro e a participação do Shopping Center Via Verde de Rio Branco. Diferente de tudo que acontece no Brasil e mundo afora, a administração deste centro de compras apoia, pela segunda vez consecutiva,  o desenvolvimento do teatro acreano. O festival acontece em comunidades, cidades periféricas, praça do Mercado Velho, da Revolução e  ... no shopping Via Verde! Eu poderia torcer o nariz em um primeiro momento ... mas, por uma outra ótica percebo que o teatro de rua aqui, no Acre, consegue atingir a todos, sem exceção. Isto confirma a diversidade e diferenças regionais no país!

Terceiro dia
Teatro(s) de Rua do Brasil -  O Acre se apresenta
                Ontem, os brinquedos do Acre foram o centro das atenções. Casamento Caipira, da Quadrilha Junina Pega-pega e o Homem que vendeu a Alma ao Diabo, do Núcleo do Olho, brindaram o público (que lotou a praça do Novo Mercado Velho, à beira do Rio Acre, embaixo do pau da bandeira) com dois espetáculos extremamente belos e complexamente elaborados.       A riqueza de detalhes nos elementos cênicos, a perfeição na execução dos movimentos, dos ritmos e a comunicação com o público impressionaram. Os brincantes   divertiram o público e se divertiram com manifestações espetaculares seculares que são lidas como se fossem uma partida de futebol, onde o espectador domina as regras do jogo e espera saber como o jogador irá atingir seus objetivos, no caso do mamulengo e da dança dramática da quadrilha, o "como" irão contar as histórias já conhecidas. E os dois não decepcionaram!
                A curadoria do Festival Matias optou pela diversidade de produções e regiões para demonstrar que não existe uma forma ou fórmula de teatro de rua vários e, sim, teatro(s) de rua. Todos são válidos!
Observação II:
                O Estado do Acre teve grande fluxo de imigrantes de todas as regiões do Brasil, em especial,  do nordeste. Além das culturas das diferentes etnias indígenas,  a cultura e a arte nordestina se fazem presentes.

Quarto dia.

Bujari, Quinari, Plácido de Castro.

O festival Matias também acontece na periferia de Rio Branco e em cidades do interior.

                Pegamos a estrada saindo de Rio Branco e após uma hora entramos na rua principal de Bujari. De repente,  a van parou e disseram : "É aqui!" Descemos na rua principal.  À esquerda, um posto dos Correios e um supermercado. Em frente, um homem, no alto de uma escada encostada no poste, colocava, um único refletor de luz fosforescente. Zé Gonçalo se apresentou: "O secretário de cultura disse que se precisarem trocar de roupa ou ir ao banheiro,  a escola já está avisada". Um dos atores perguntou timidamente: "Mas, vamos fazer na pista?" Zé falou: "Sim,  a polícia está chegando com os cones para 'fechar' a rua." E chegaram. Cones laranjas, lona azul estendida, som ligado no poste ... aos poucos as bicicletas foram se organizando em torno dos artistas.  Eram cinco horas em ponto e os alunos saíram , ruidosos,  do colégio estadual. O grupo Locômbia,  de Roraima, anunciou o início do seu espetáculo "Compassos em Silêncio", um espetáculo de pantomimas, jogo com o público,  máscaras, violinos e percussão. Ao final, os aplausos explodem o silêncio rural.
                A noite cai e, aos primeiros acordes do multimúsico homem-banda 'China', mais bicicletas sorridentes chegam, velozes, para ver a trupe paulista de Presidente Prudente apresentar "Saltimbembes Mambembembancos". Diferente das apresentações da capital,  aqui os espectadores são vizinhos, parentes, amigos; todos se conhecem e, a cada número de plateia, uns sacaneiam aos outros abertamente, realizando, eles mesmos, a sua brincadeira à parte. A função termina e, rapidamente, todos somem na escuridão e os artistas começam a dobrar a lona azul e guardar os instrumentos. A luz branca, que a tudo iluminava do alto do poste, se apaga. Neste momento, uma bicicleta alegre reaparece, freia e o menino pergunta: " Até quando vocês ficam aqui?" Beatriz, respondeu: " Nós vamos embora agora!" .  O menino balbuciou de cima da sua bicicleta triste: " Que pena,  sábado é o meu aniversário!" Ficamos mudos e a bicicleta levou o menino de volta à sua realidade, sumindo na curva da estrada e, nós ... voltamos à Rio Branco...


    Quinto dia

Teatro poético-político

                A grande maioria dos grupos e coletivos de teatro(s) de rua do Brasil 'escreve' ou 'cria' os seus próprios textos ou roteiros para montar os seus espetáculos, uma vez que não é simples encontrar "textos para teatro de rua" que se adaptem ao que cada grupo tem como 'marca' ou 'identidade' desenvolvidos a partir de suas pesquisas de 'linguagem'.
                Há exceções.
                O grupo Imaginário, de Porto Velho, Rondônia escolheu, corretamente, o conjunto arquitetônico de casario de sobrados do século passado da restaurada praça do Novo Mercado Velho,  como fundo para nos brindar com o belo texto do brasileiro Ilu Krugli, "Mistério do Fundo do Pote' (ou Como Nasce a Fome!).
                Ilu é, além de autor, ator e diretor teatral, um grande mestre  titireteiro da escola argentina de bonecos e é possível perceber, na carpintaria de seus textos, a possibilidade de serem encenados somente com objetos ou marionetes, mas também por atores.
                Mas que atores? Provavelmente aqueles que conseguem a neutralidade dos atores-manipuladores.  Os ousados atores do Imaginário iniciaram esta pesquisa a partir do Mistério do Fundo Pote porque sabem que somente a neutralidade os permitirá manipular gestos, palavras, poesia, objetos, adereços e canções e ordená-los de forma poética política, desvelando onde nasce a fome. Magia sem Mistério é o que propõe o texto.  O que há no fundo do pote? A essencia humana. Os rondonienses nos levam a refletir sobre este mundo e as relações humanas, a Lei que quer modificar a maioridade penal dos jovens e adolescente, a invasão americana aos e-mails  de todas as pessoas, os grampos telefônicos, o  autoritarismos dos governantes, a corrupção sem usar uma só destas palavras. Não precisa. Está tudo dito. Os atores estão com o pote (forma) na mão, mas querem chegar ao seu fundo (conteúdo), sem mistério, junto com os espectadores,  na rua. É questão de tempo.

Sexto dia.

A cena paulista no Acre
                A Cia Visse & Versa, curadora e produtora do Festival Matias, fez a opção este ano de trazer ao norte do país, as práticas cênicas dos grupos do interior do Estado de São Paulo: dois grupos de Presidente Prudente e um de Sorocaba.  Ontem, a praça do Novo Mercado Velho foi aberta pelo Mamulengo Rasga Estrada, com o "Sumiço do Boi Pintadinho" com o multimúsico China, integrando o elenco e criando sonoplastia ao vivo com todos os tipos de instrumentos. Destaque para a participação de uma criança que , encantado,  passou a contracenar com os bonecos.  
                Os artistas-trabalhadores paulistas que aqui chegaram, sofrem das mesmas questões de falta de políticas públicas para as Artes Públicas  que todos os outros cinco mil, quinhentos e sessenta e um municípios do Brasil e o Nativos Terra Rasgada resolveu falar da cidade, da sua cidade e escolheu o cemitério para refletir sobre mortos e vivos na trama cômica e crítica que "Rua sem Saída" propõe. Com uma estrutura épica e tendo os moradores de rua, os Zés, tentando entender porque 'a vida é assim'.  O espetáculo tem grande musicalidade e canto afinado e preciso que comentam , criticam e 'explicam' as relações (des)humanas que a sociedade capitalista produz.

Licko Turle
Doutor em Artes Cênicas

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