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quarta-feira, 29 de julho de 2015

Rasgar a sociedade para nascer o novo

Adailtom Alves Teixeira[1]

Criado em 2003 na cidade de Sorocaba/SP, o Grupo Teatral Nativos Terra Rasgada singrou o Brasil para participar do I Festival Matias de Teatro de Rua, realizado pela Cia. Visse Versa de Rio Branco/AC. O Festival convidou grupos das cinco regiões do Brasil e o Nativos apresentou seu novo espetáculo Rua Sem Saída nos dias 14 e 16 de julho de 2015. A primeira apresentação se deu no Centro da Juventude do Recanto dos Buritis e a segunda no Novo Mercado Velho. As pessoas da comunidade e do centro histórico puderam fruir uma pesquisa de, pelo menos, dois anos sobre a organização das cidades.
O espetáculo faz uma alegoria sobre o cemitério/cidade, onde o que está em jogo é a sociedade: o poder dos mandatários perpetuados politicamente e auxiliados por instituições religiosas, escolares, que convencem e pacificam; quando o convencimento não resolve entra em cena a coerção, a força impera para manter o status quo.
Se na comunidade apresentada houve muitos olhares curiosos, porém acompanhada à distância, no centro a imensa roda de pessoas irmanou a todos e todas nos aspectos discutidos em cena. Muitos são os achados do grupo em suas alegorias e metáforas, como a comparação entre túmulos e apartamentos, a justiça natimorta, bem como as questões lançadas sobre o “por quê temos que pagar para acreditar em Deus” ou por que o túmulo do preconceito continua vazio.
Em tempos de muita publicidade acerca da ideia da pátria educadora, a educação, que habita um dos túmulos cenográficos (mas não apenas), é uma aposta de mudança, de uma possível virada. No entanto, não há ingenuidades, os artistas do Nativos sabem que a saída não pode ser a educação que temos hoje. Sandra Buh, uma das produtoras do festival e professora na rede pública estadual do Acre e que está em greve por melhores condições de trabalho resumiu o sentimento dos demais educadores ao ver o espetáculo: “É isso! É por isso que estamos lutando.” Ou seja, se a educação pode ser a mudança, ela própria precisa ser modificada. E essa é a aposta do espetáculo Rua Sem Saída.
A personagem do ex-escravo, também morto, mas perpetuado em comunidades como a que foi apresentada o espetáculo, obedece ao Barão, mas descobre a parceria e a possibilidade de mudança via educação. Enquanto a transformação social não vem, resta-lhe a astúcia que todo popular conhece bem, seja para sobreviver, seja para debochar do poder. Em cena, o escravo que é sempre tratado aos berros, prepara o mate do seu senhor, o barão, mas antes acrescenta-lhe mijo à cuia.
Acompanho a trajetória do Nativos Terra Rasgada a alguns anos e fica patente o seu crescimento, a sua pesquisa. É certo que o espetáculo ainda vai crescer bastante, pois falta em alguns momentos mais jogos entre os atores e com o público, como tudo é recente, em alguns momentos ainda estão presos ao texto. Outro ponto que deve ser lembrado é que fica a sensação de dois finais, o rock como discurso do grupo e a tomada do cemitério pelos mendigos (populares). Entretanto, nada disso prejudica a beleza e força de Rua Sem Saída. Importante registrar a direção de Flávio Melo e a dramaturgia de João Bid, bem como a igualdade do time de atores: Bruna Santini, João Pereira Mendes Junior, Juliana Prestes, Rodrigo Zaneti, Samir Jaime, Stefany Cristiny Moreiral Melo, Tom Ravazoli e Vitor Henrique da Silva. Por fim, o crescimento musical demonstra a seriedade com que tem trabalhado estes artistas sorocabanos.



[1] Professor da Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; mestre em Artes pelo Instituto de Artes da UNESP; ator e diretor teatral.

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