A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DOS GRUPOS
PAULISTANOS DE RUA
RESUMO
Nosso objetivo nesse artigo
é realizar um levantamento histórico da organização do teatro de rua na cidade de
São Paulo e como esta se solidificou em um movimento político-artístico.
PALAVRAS-CHAVE:
Organização política, teatro de rua, Movimento de
Teatro de Rua de São Paulo
INTRODUÇÃO
I
Nos anos 1990, o
neoliberalismo chegou ao Brasil com força total com Fernando Collor de Melo,
presidente eleito após 29 anos sem eleições diretas. O “caçador de marajás”
mostrava-se moderno à sociedade com seu projeto político, apoiado pelas forças
conservadoras, tendo a seu lado a grande imprensa, que seduzia os menos
avisados. Collor inaugurou um novo momento nas campanhas eleitorais: o marketing político. Sua imagem vendeu
bem e ele saiu vitorioso nas eleições de 1989. O primeiro ato foi seqüestrar o
dinheiro dos brasileiros, ao todo, noventa e cinco bilhões de dólares. Para
felicidade geral da nação seu governo foi rápido como suas caminhadas.
Foi também um período
crítico para as artes em geral no Brasil, pois na reforma de Collor constava
também a extinção da Fundacen (Fundação Nacional de Arte). Pelo mundo, a queda
do Muro de Berlim, em 1989, parecia anunciar a vitória total do capitalismo, com
nova investida por meio do neoliberalismo. O mundo parecia tornar-se um só: uma
grande aldeia global, como afirmara McLuhan. A sociedade mundial tinha mudado,
era uma sociedade espetacularizada, cumpria-se o anunciado por Guy Debord:
A
primeira fase da dominação da economia sobre a vida social acarretou, no modo
de definir toda realização humana, uma evidente degradação do ser para o ter. A fase atual, em que a vida social está totalmente tomada
pelos resultados acumulados da economia, leva a um deslizamento generalizado do
ter para o parecer, do qual todo “ter” efetivo deve extrair seu prestígio
imediato e sua função última. Ao mesmo tempo, toda realidade individual
tornou-se social, diretamente dependente da força social, moldada por ela. Só
lhe é permitido aparecer naquilo que ela não
é (1997, p. 18).
O “modernizador” do
Brasil, Fernando Collor de Mello, renunciou, deixando seu vice no cargo: Itamar
Franco. Este, por sua vez, gestou no Ministério da Fazenda o futuro presidente,
o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que após eleito pediu para esquecerem o
que havia escrito. O Brasil controlou a inflação, mas nunca houve tanta
recessão, tanto desemprego. Mesmo assim o Brasil estava melhor, afinal, segundo
FHC, nunca se havia comido tanto frango como naquele período.
E justamente na década de 1990,
as cidades já congregavam três vezes mais pessoas que o campo, São Paulo tinha
quase 10 milhões de pessoas em 1991 e a geração de empregos foi negativa ao
longo da década. São Paulo, locomotiva do país, adentrava a globalização
deixando os ricos mais ricos e os pobres mais pobres e seus governantes, com
suas políticas excludentes, foram jogando os moradores mais pobres para os
piores lugares: se em 1972 apenas 72.000 pessoas moravam em favelas (1,1% da
população), em 1994 já eram um milhão e novecentos mil moradores de favelas,
“representando 19,4% da população” (POCHMANN, 2001, p. 135).
Foi no final da década de 1990
que surgiram muitos grupos de teatro de rua em São Paulo. Eram os artistas
levantando-se do estrago feito pelos planos Collor I e II. Muito embora, nos 1980,
mesmo com dificuldades, houve uma produção de grupo, mas foi no final dos anos 1990
que os grupos começaram a sair dos espaços fechados, ganhando os alternativos e
os espaços abertos, provavelmente por causa do esvaziamento das salas e por uma
vontade de comunicar-se mais diretamente com seu público.
II
A necessidade de buscar o
público, ao invés de ficar esperando, era uma mudança de paradigma que já vinha
ocorrendo com alguns grupos teatrais brasileiros como o Tá Na Rua (RJ), Imbuaça
(SE), Fora do Sério (SP), Galpão (MG) e Ói Nóis Aqui Traveiz (RS), que juntamente com outros integraram o Movimento
Brasileiro de Teatro de Grupo, que, capitaneados pelo Fora do Sério, realizaram dois encontros, 1991 e 1993, produzindo a
revista Máscara. Houve ainda um
terceiro e último encontro em 1998. Essa organização demonstrava outra mudança
no fazer teatral: a produção em grupo. Que não era “mera organização coletiva”,
era um
[...]
conceito para marcar sua posição de divergência em relação ao teatro
empresarial, em que o ator não está engajado no projeto e a equipe se desfaz
logo que a temporada termina, forma de produção cada vez mais presente no
mercado teatral após o início dos anos 70. Em lugar do salário pago pela
empresa, o grupo remunera seus integrantes por meio de um sistema de
cooperativa, o que faz dos atores os donos do empreendimento.
Dessa forma, a produção em
grupo afirma-se também como uma resistência ao mercado, às relações mediadas
apenas pelo capital. E o teatro de rua foi dialogar com a população excluída
dos bens culturais, por isso é duplamente marginalizado, por estar na periferia
do capital (o Brasil) e por dialogar com as camadas populares, “rompendo, ainda
que momentaneamente, com a lógica pragmática do sistema de mercado” (CARREIRA,
2007, p. 38).
Essa
marginalização ocorre também entre seus pares, entre a categoria artística, que
tende a ver o teatro de rua como algo mal acabado e sem pesquisa; entre a
grande imprensa, que não disponibiliza espaço em sua programação para os
espetáculos de rua e; na relação com o poder público, que não os reconhece. Aos
poucos, com a organização e a diversidade de produção, os grupos romperam um
pouco este preconceito. Mas a marginalização não deixa de existir, pois como
alerta Iná Camargo Costa, “[...] são teatro de rua, não fazem parte da história
oficial do teatro brasileiro nem são considerados teatro” (s.d., p. 19).
No
mundo globalizado, no qual a cidade de São Paulo se coloca como um paradigma para
as demais cidades brasileiras, existe uma “[...] ruptura de comunicação entre
as elites extraterritoriais cada vez mais globais e o restante da população,
cada vez mais localizada” (BAUMAN, 1999, p. 9). Isso significa dizer que os
ricos daqui se identificam muito mais com os ricos de Nova Iorque do que com os
pobres que moram a seu lado. A arte cumpre aí um papel importante de mediadora,
pois pode discutir e mobilizar as pessoas em torno de seus problemas. E o teatro
de rua pode colocar-se como mídia radical alternativa, como uma arte que se
contrapõe ao hegemônico.
Todo
esse extenso preâmbulo demonstra a importância e a complexidade do teatro de
rua em uma cidade como São Paulo, como uma arte que tem grandes
responsabilidades por estar em contato direto com a vida e os problemas da
cidade. Daí a necessidade de termos muitas pesquisas que o discuta em seus
aspectos técnicos, estéticos, político e de produção.
É PRECISO PRESSIONAR: um pouco do
histórico de luta dos grupos
A organização
por parte dos grupos de teatro de rua foi uma necessidade gerada pelo momento
que atravessavam no inicio do século XXI. Mas antes de falarmos como se deu é
importante traçarmos um pequeno histórico da organização teatral em São Paulo,
já que a década de 1990 e a virada do milênio foram férteis nesse sentido.
Ainda que nos
anos 1980 o teatro de grupo tenha produzido bastante em São Paulo,
nos anos 1990 há uma verdadeira explosão, afirmando-se como forma diferenciada
de produção e pesquisa em teatro, dando “novos contornos à prática e ao pensamento
do teatro contemporâneo”, já que “reverberou para o campo da política e da
cidadania”, como escreveu Valmir Santos na revista Camarim (2006, p. 5). Afirmando ainda, que “o histórico de
injustiças sociais e políticas transforma a América Latina em terreno propício
à formação de grupos” (2006, p. 5). O trabalho em grupo é um trabalho solidário
e ideológico, seus integrantes determinam seus objetivos e juntos transformam
os seus quereres em arte. É também no grupo que tem se dado o aprofundamento do
fazer teatral, da pesquisa técnica e estética, daí surgiu a necessidade de
troca entre os mesmos.
Dessa maneira nasceu,
no inicio da década de 1990, o Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo
(MBTG), em plena era Collor. O coletivo objetivava a troca e o apóio mútuo.
Um grupo aprendendo com o outro, buscando “sistematizar formas de atuação
conjunta, aprofundar a discussão de aspectos ligados à produção, à ideologia e
à estética do teatro de grupo”, era a afirmação que constava da primeira
publicação da revista Máscara,
editado pelo grupo Fora do Sério,
organizadores de dois encontros na cidade de Ribeirão Preto, São Paulo, nos
anos de 1991 e 1993.
A revista Máscara nº 2, trazia em seu editorial
“Existindo na Instabilidade” o porquê da publicação e do MBTG, havia um
“desejo comum” de que o teatro se manifestasse “como uma arte acessível a todas
as classes sociais, e que os homens, mulheres e crianças de todas as idades
[pudessem] comunicar-se através dele” (1993, p. 3). Infelizmente o MBTG
realizou apenas três encontros, o terceiro e último, em 1998 na cidade de São
Paulo, dentro da programação da I Mostra de Teatro de Grupo, realizado
pela Cooperativa Paulista de Teatro. É
importante dizer que, por ser um Movimento Brasileiro, as dificuldades eram
imensas, já que seus participantes tiveram que arcar com os custos dos dois
primeiros encontros e ainda não havia uma tecnologia que facilitasse a
comunicação entre eles como existe hoje.
Em junho de
1993, no 2º Encontro Brasileiro de Teatro de Grupo, a tônica das discussões
foi a dramaturgia. Na época, dos poucos grupos com 10 anos de existência ou
mais, estavam os fazedores de teatro de rua como o Tá Na Rua (RJ), o Galpão
(MG), o Andante (MG), Imbuaça (SE) e Ói Nóis Aqui Traveiz (RS). Havia no encontro quinze grupos, dos
quais nove realizavam trabalhos nos espaços abertos. O MBTG demonstrava,
naquele momento, a importância dos grupos se organizarem, por isso a
pesquisadora Rosyane Trota, presente no encontro como palestrante, afirmou em
artigo posterior que o MBTG cumpriu
[...]
uma função basilar cujas dimensões podem ser avaliadas ao se analisar o
panorama atual comparativamente à realidade daquele momento. Se não é possível
lhe atribuir o renascimento dos grupos, pode-se verificar que ele se constituiu
como fator primordial no seu processo de conscientização (2006, p. 20).
Está claro que
a organização do MBTG deixou sua semente, pois dois anos após seu último
encontro, artistas paulistas iriam lançar um manifesto que daria inicio a outro
movimento: Arte Contra a Barbárie. O manifesto foi lançado no jornal O Estado de São Paulo em 07 de maio de
1999. No inicio poucos grupos faziam parte: Teatro Popular União e Olho Vivo, Tapa, Parlapatões, Cia do Latão, Folias D`Arte e Monte Azul
e os artistas Fernando Peixoto, Gianni Ratto, Aimar Labaki e Umberto Magnani.
Iná Camargo Costa afirma que o movimento congregava “[...] basicamente grupos
de teatro formados a partir dos anos 90 do século XX” (2007, p. 29). Mas, é
importante percebermos que, como uma espécie de continuidade do MBTG, e
aliado a necessidade de organização, alguns artistas e grupos que assinaram o
documento Arte Contra a Barbárie estiveram presentes nos Encontros do MBTG
realizados em 1993 e 1998. São eles: Parlapatões,
Cia do Latão, Teatro Popular União e Olho Vivo, Fernado
Peixoto e Aimar Labaki.
O movimento Arte
Contra a Barbárie fortaleceu-se e chegou a ter mais de cem grupos,
desencadeando na criação de uma lei modelar, aprovada por unanimidade pela
Câmara dos Vereadores em 2001 e sancionada pela Prefeita Marta Suplicy em 2002.
A Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo passou a destinar R$
6.000.000,00 para o
teatro de grupo, corrigidos anualmente, algo inédito até aquele momento. Era
uma vitória dos fazedores de teatro, que exigiam do estado o papel que lhe cabe:
o de fomentador das artes.
A Lei de
Fomento, veio na contra corrente do mercado, possibilitando que os grupos
desenvolvessem seus trabalhos de pesquisa, independente de haver ou não
produção de espetáculos, poderiam, assim, avançar em suas pesquisas estéticas.
Mas, desde o princípio, o dinheiro foi pouco diante da demanda que há em São
Paulo, por isso em 2007, cinco anos após a criação da Lei, começou-se a
discutir a ampliação dos recursos; completados dez anos ainda não se obteve
sucesso. Também foi lançado um livro que conta a história dos cinco primeiros
anos da lei e outro sobre os dez anos, ambos publicados pela Cooperativa
Paulista de Teatro.
Se
Essa Rua Fosse Minha
Os grupos de
teatro de rua de São Paulo não participaram do MBTG, mas participaram das
reuniões do Arte Contra a Barbárie. Muitos desses grupos tinham entre
quatro e cinco anos e foi nesse ano que começaram a se reunir e discutir sua organização
política. Essa articulação deu-se por necessidade, mas foi impulsionada depois
de um encontro com um representante do poder público municipal.
Em
2001 a Cooperativa Paulista de Teatro convocou o então diretor do Departamento
de Teatro da Secretaria Municipal de Cultura, Celso Frateschi, para uma
conversa sobre teatro de rua. O objetivo era solicitar mais atenção para esta
modalidade teatral. A reunião foi confusa e não havia unanimidade sobre as
reivindicações. Não havia um discurso comum. Muitos dos grupos presentes não
conheciam uns aos outros e, até pelas dificuldades, só esporadicamente iam às
ruas para apresentarem seus trabalhos. Por fim, o representante do poder público
preferiu entender que não havia grupos estruturados, portanto, não merecedores
de atenção.
Após a negativa foi necessário que
os grupos demonstrassem que tinham capacidade de organização política, só assim
seriam reconhecidos pelo Poder Público Municipal como as demais formas teatrais.
Enquanto o Arte Contra a Barbárie lutava pela aprovação do Programa de Fomento,
os grupos de teatro de rua necessitavam “provar” sua existência. Muitos atuavam
de forma descentralizada, junto às comunidades periféricas. Assim, seus
trabalhos eram desconhecidos da mídia, que nada publicava sobre suas ações, daí
o desconhecimento também por parte do Poder Público que se pauta por esses
veículos. Em resumo, por serem jovens e ainda desconhecidos, esses grupos
estavam fragilizados politicamente naquele momento.
Foi a partir daí que nasceu a Ação
Cultural Se Essa Rua Fosse Minha,
que visava chamar a atenção para o teatro de rua e seus fazedores, a mesma se
compunha de sete grupos: Abacirco, Bonecos Urbanos, Buraco d`Oráculo, Circo
Navegador, Farândola Troupe, Monocirco e Pavanelli. Inicialmente, reuniram-se para trocar experiências,
depois planejaram uma estratégia de ação para o lançamento público dessa ação
artística. Para tanto, convocaram a mídia e no dia 03 de agosto de 2002 era
apresentado o primeiro grupo, Farândola
Troupe, no Largo do Cambuci, região central da cidade. O lançamento reuniu
em torno de quarenta artistas que fizeram um cortejo pela Avenida Lins de
Vasconcelos, principal via do bairro Cambuci. Depois disso o grupo cumpriu
temporada no Largo do Cambuci, apresentando seu repertório, o que deveria
ocorrer também com os demais grupos nas demais localidades escolhidas pelos
mesmos.
O objetivo de mídia foi atingido,
pois ganharam duas páginas da Veja São
Paulo de 07 de agosto de 2002, que anunciava: “Trupes levam palhaços,
malabaristas e mágicos para apresentações ao ar livre” (2002, p. 43). Muito
embora não houvesse apenas grupos com a linguagem circense, a reportagem deu
destaque ao mundo do circo, com certa razão, já que dos sete grupos, cinco
tinham como figuras principais o palhaço. Além da Veja, o “Guia da Folha”,
suplemento do jornal Folha de S. Paulo
também fez uma pequena reportagem e teve uma boa cobertura nos jornais de
bairro da região.
A
estratégia da Ação Cultural Se Essa Rua Fosse Minha de levar o debate
para a esfera pública cumpria uma dupla função: divulgava seus trabalhos e suas
ações, fazendo com que entrassem também na história, pois ninguém poderia mais
negá-los, nem outros fazedores, nem o poder público e, muito menos a própria
imprensa.
O
objetivo era realizar um “lançamento” de um grupo a cada mês. Os membros dos
outros grupos deveriam participar do cortejo que foi nominado de Parada Espetacular. Mas isso não foi
possível, pois à medida que iam surgindo os compromissos os grupos abriram mão
de sua participação na Parada,
demonstrando sua fragilidade e imaturidade política, pois o ato visava reforçar
o seu próprio fazer. Demonstrava também o estado precário em que se encontravam
estes artistas na luta pela sobrevivência, já que não podiam dispensar trabalhos
remunerados em prol de sua organização. O resultado imediato (trabalho para
sobreviver) era mais forte do que uma conquista futura de política pública.
Alguns
grupos “lançados” já atuavam nas regiões escolhidas, era o caso do primeiro
grupo, Farândola Troupe, no Cambuci
e do Bonecos Urbanos, que a seis
anos atuava dentro do Parque da Água Branca. Já o Buraco d`Oráculo ficou algum tempo atuando na estação Brás do
Metrô, realizando temporadas dentro e fora da estação, mas depois de uma ordem
superior da direção do Metrô foram canceladas as apresentações que o grupo
levava gratuitamente àquela estação. Com o Se Essa Rua Fosse Minha mudou
seu local de atuação, foi para São Miguel Paulista, indo na direção daquele
público que passava pela estação Brás do Metrô.
É
importante destacar que os sete grupos estavam chamando a atenção do Poder
Público e da mídia não apenas para si, mas para a necessidade das políticas
públicas de cultura e das ações democratizantes do teatro. Os grupos, em suas
ações, estreitaram os laços com as comunidades nas quais atuavam, tendo por
objetivo criar um circuito de teatro de rua na cidade, entretanto, o desejo não
se cumpriu naquele momento. Ao se nominar Se Essa Rua Fosse Minha, os
artistas lançaram um novo olhar sobre o espaço público aberto e demonstraram a
importância de pensá-lo como local de convívio, de lazer e como equipamento
cultural.
Dando
continuidade as ações, no dia 31 de agosto foi o lançamento da Cia. Pavanelli, hoje Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo.
A Parada Espetacular percorreu a
Avenida Tucuruvi até a praça onde seria realizada a apresentação que marcaria o
inicio da temporada com os espetáculos O
Básico do Circo e Aqui Não,
Pantaleão!
Em
setembro, no dia 21, foi a vez de São Miguel Paulista receber o cortejo pela
Avenida Marechal Tito com muitos artistas e um público de mais de sessenta
pessoas que acompanharam a Parada
Espetacular até a Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, conhecida popularmente
como “Praça do Forró”. Foi lá que o grupo Buraco
d`Oráculo estreou seu espetáculo O
Cuscuz Fedegoso, fazendo uma temporada de três meses com o mesmo, e desde
então vem atuando no bairro e região.
Uma
característica no lançamento dos três primeiros grupos foi a ocupação das
principais vias dos bairros escolhidos, ao mesmo tempo que modificavam a
relação das pessoas com essas ruas, os artistas interferiam de tal maneira que
era impossível ignorá-los. Nesse sentido, colocavam-se como uma “guerrilha
cultural”, ganhando os contornos de mídia radical colocadas por John Downing Jr.
Em
outubro de 2002, mesmo já atuando a seis anos no Parque da água Branca, foi
feito o lançamento do grupo Bonecos
Urbanos. Ainda em outubro, a Cia.
Abacirco apresentou-se no centro de São Paulo, no Boulevard da Avenida São João. Em novembro a Cia. Monocirco apresentou-se no Jardim São Paulo dentro de um
parque e em dezembro de 2002 o último grupo a ser “lançado” foi o Circo Navegador na Praça Benedito
Calixto, local tradicionalmente conhecido por sua feira de artes e
antigüidades.
Nos
últimos meses de 2002 já havia desarticulação e nem todos os grupos compareciam
ao lançamento um do outro. Alguns cumpriam apenas a primeira temporada, não dando
continuidade as suas ações no local escolhido, como havia sido proposto
inicialmente. Foi o que ocorreu com Abacirco,
Monocirco e Circo Navegador, que após a temporada não continuaram realizando
ações nos locais escolhidos. No entanto, Farândola
Troupe, Bonecos Urbanos, Buraco d`Oráculo e Cia. Pavanelli continuaram suas ações nos bairros escolhidos. Mas o
tão sonhado circuito teatral de rua não se efetivou naquele momento.
Cabe
destacar que não se tratava de um movimento propriamente dito, já que estava restrito
a esses sete grupos, aos poucos sua organização foi agonizando. A Ação
Cultural Se Essa Rua Fosse Minha não resistiu, as reuniões cessaram e cada
grupo continuou sua vida. Mas o pontapé inicial havia sido dado, o primeiro
objetivo havia sido cumprido: demonstraram que havia teatro de rua em São
Paulo.
Movimento de Teatro de Rua de São
Paulo
Em
2003 a Cia. Pavanelli alugou um
barracão no bairro do Tucuruvi, na zona norte de São Paulo e este espaço, ainda
que tenha tido vida breve (pouco mais de um ano), foi importante, pois foi a
partir dele, que deu-se continuidade as ações de organização dos grupos de
teatro de rua, até desembocar no que hoje é o Movimento de Teatro de Rua de
São Paulo (MTR/SP). Foi no Barracão Cultural Pavanelli, que ocorreu
o I Seminário de Teatro de Rua de São Paulo, realizado de 04 de agosto
de 2003 até 15 de setembro de 2003, sempre às segundas-feiras. Esta programação
mereceu atenção da jornalista Beth Néspoli que deu a primeira página do
“Caderno 2” do jornal O Estado de São
Paulo. Na matéria “Artistas debatem o papel do teatro de rua” a jornalista
alertava que a organização do evento não havia conseguido “[...] nenhum apoio
financeiro, o que impediu a participação de companhias de outros Estados”,
colocando o evento como uma resistência.
Estiveram
presentes no I Seminário doze grupos e um palestrante: João Carlos
Andreazza (que havia participado do MBTG com o grupo Fora do Sério). Ele falou sobre “Teatro
de Rua: estética e linguagem. Sua importância na metrópole.” Alguns dos grupos
participantes pertenceram ao Se Essa Rua Fosse Minha, mas no Seminário
ampliaram-se os grupos, ao todo, doze. Na programação estavam os seguintes
grupos: Abacirco e Rodamoinho (11/08/03), Tablado de Arruar e Pombas Urbanas (18/08/03), Bonecos Urbanos e Farândola Troupe (25/08/03), Circo
Navegador e Cia. Pavanelli
(01/09/03), Teatro Vento Forte e Grupo Manifesta de Arte Cômica
(08/09/03), ManiCômicos e Buraco d`Oráculo (15/09/03). Debateram
sobre seus problemas, suas estéticas e lançaram também muitas ideias sobre
futuras ações coletivas. Ao término do Seminário foi escrito um documento
que foi entregue ao Poder Público Municipal, especificamente ao Departamento de
Teatro da Secretaria de Cultura do Município de São Paulo.
Foi
ainda no I Seminário de Teatro de Rua que surgiu a proposta de uma
grande mostra teatral, que seria também um ato político, nascia aí a Overdose
de Teatro de Rua, que até o momento teve cinco edições. Por
meio dessa mostra/ato os grupos apresentavam seus trabalhos e cobravam do Poder
Público, responsabilidades no fomento ao teatro de rua.
A
I Overdose de Teatro de Rua ocorreu ainda no ano de 2003, mas precisamente
no dia 03 de novembro, das 10:00 às 17:30 horas no Boulevard da Avenida São João e no Vale do Anhangabaú, região
central da cidade. Participaram da mostra/ato quinze grupos: Circo Navegador, ManiCômicos (hoje Brava
Companhia com sede em São Paulo e a Cia
Manicômicos com sede em São João Del Rey-MG), Cia Pavanelli, Cia Monocirco,
Os Itinerantes, Bonecos Urbanos, Tablado de
Arruar, Cia do Miolo (estes no Boulevard), Grupo Manifesta de Arte Cômica, Abacirco, Cia Rodamoinho,
Farândola Troupe, Cia Fola Folia, Buraco d`Oráculo e Cia de
Rocokóz (estes no Vale do Anhangabaú). Mas uma vez buscaram inserir-se na
mídia para tornar o debate público, os grupos conseguiram matérias em vários
jornais. Valmir Santos, na época, articulista da “Ilustrada”, caderno da Folha de S. Paulo anunciava: “Quinze
companhias fazem maratona de cerca de oito horas de espetáculos na São João e
no Anhangabaú” (2003, p. E4). Não era mais possível negar a existência dos
grupos de teatro de rua de São Paulo, afinal, uma única programação reuniu
quase duas dezenas com trabalhos bem diversificados. Era a nova geração de
teatro de rua se fazendo presente, agora era necessário dar um passo a mais.
Depois
da realização da I Overdose de Teatro de Rua os grupos passaram a
reunir-se regularmente, assumindo-se como Movimento de Teatro de Rua de São
Paulo (MTR/SP), com reuniões abertas a qualquer grupo ou fazedor que
quisesse contribuir com a discussão sobre este fazer teatral de rua e a
construção de políticas públicas para o setor. A luta política também se
acirrou, principalmente com a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. O Movimento
passou a lutar pela criação de um circuito permanente que englobasse as cinco
regiões de São Paulo, além de editais e leis que contemplasse as
especificidades do teatro de rua.
Pode
parecer estranho que toda essa luta, inicialmente tenha se dado via mídia e não
apenas através dos trabalhos de cada grupo, muito mais importante. O fato é
que, em uma sociedade espetacularizada, tudo gira em torno do apelo midiático,
até mesmo as decisões políticas. Foi através da opinião pública, que os grupos
de teatro de rua cavaram seu espaço, pressionaram politicamente e fizeram com
que o poder público não negasse mais a sua existência. Revelaram também seu
poder de organização, a ponto de produzirem diversas ações sem nenhum recurso
público ou privado, apresentando as características de mídia radical
alternativa proposto por John D. H. Downing em seu livro Mídia Radical: rebeldia nas comunicações e movimentos sociais. Trata-se
de opor-se de forma direta e vertical “à estrutura de poder e seu
comportamento”, buscando no seu meio, de forma horizontal, “apoio e
solidariedade”, visando construir uma “rede de relações contrária” ao poder
estabelecido.
E foi nesse sentido que o MTR/SP
continuou se reunindo e procurando agregar mais grupos as discussões,
objetivando sempre pressionar o poder público pela construção de políticas
públicas de estado e não de governo, com os recursos garantidos em lei e não em
programas de cada gestão, sem garantias de continuidade. Por meio de seus
membros, o MTR/SP começou a articular-se com outros movimentos
espalhados pelo Brasil, nascendo a troca entre os movimentos de Pernambuco,
Bahia, Ceará, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Paralelo
a esta articulação continuou realizando suas ações. Em 2004 foi realizado o II
Seminário de Teatro de Rua, com a participação de pensadores, fazedores e
políticos, cabendo destacar a presença de Alexandre Mate, Iná Camargo Costa,
Ednaldo Freire e Amir Haddad. Além disso, antes do Seminário já havia
sido realizado a II Overdose de Teatro de Rua, no mesmo local em que
ocorrera a primeira. Nada do que foi produzido pelo MTR/SP nesse período
foi publicado, perdendo-se material valioso para o enriquecimento da discussão
no campo do fazer teatral de rua.
Ainda
em 2004 o MTR/SP elegeu a Praça do Patriarca, no centro da cidade, para
mais uma de suas ações: I Temporada de Teatro de Rua de São Paulo. Só
teve uma edição, no entanto aquele espaço passou a fazer parte das demais ações
e tornou-se local para temporadas dos grupos de teatro de rua de São Paulo.
No
ano seguinte, 2005, o Movimento começou a negociar um edital público de
circulação de teatro de rua e a publicação do material dos dois seminários
realizados por eles, mas nenhum dos dois veio a público. Para cobrar o MTR/SP
foi às ruas mais uma vez, em maio de 2006, mas precisamente no dia 29, e lançou
sua CARTA ABERTA na III Overdose
de Teatro de Rua. A Carta, que foi publicada posteriormente no primeiro
Informativo do coletivo, trazia os princípios de luta do mesmo, que é “[...] a
construção de políticas públicas permanentes que garantam a continuidade de
pesquisa, produção e circulação do teatro de rua” e defende também o “[...] espaço
público aberto como local de criação, expressão e encontro” (INFORMATIVO nº 1,
2007).
Nesse
período, os grupos que utilizam o espaço aberto como local de expressão de seus
trabalhos cresceu muito, entretanto, nada foi conquistado em termos de
políticas públicas para o teatro de rua. Não obstante, o MTR/SP tem
avançado e ampliado os espaços de discussão sobre o fazer teatral nos espaços
abertos, tendo participado de fóruns e encontros regionais e nacionais sobre o
assunto e esse avanço se deu em 2008, juntamente com movimentos de outros
estados, começaram a organizar-se nacionalmente por meio da criação da Rede
Brasileira de Teatro de Rua (RBTR), presente em quase todos os estados
brasileiros.
Está
claro que há uma diferença de produção, uma diferença na relação com a cidade e
com os cidadãos e é esta diferença que o MTR/SP tem colocado ao Poder Público.
Afinal o local que os grupos ocupam os distingue, já que “[...] o espaço cênico
é a primeira instância significante do espetáculo e tem diferentes níveis
expressivos” (CARREIRA, 2007, p. 21), não é possível negar, portanto, a
diferença entre estes e aqueles que ocupam espaços fechados. É importante
ressaltar que a luta pela diferença, é, na verdade, uma luta por direitos, para igualar-se nas conquistas
entre seus pares, para que o teatro de rua saia de seu campo marginal. É
importante dizer isso, porque há uma armadilha ao colocar-se como diferente, no
geral um discurso da direita na busca por privilégios. O MTR/SP não quer
privilégios, quer igualdade de tratamento por parte do Estado nas esferas
municipal, estadual e federal.
No
campo da direita, a diferença sempre emerge como afirmação do privilégio e
portanto como defesa da desigualdade. No campo da esquerda, no campo da
cidadania, a diferença emerge enquanto reivindicação precisamente na medida em
que ela determina desigualdade. A afirmação da diferença está sempre ligada à
reivindicação de que ela possa simplesmente existir como tal, o direito de que
ela possa ser vivida sem que isso signifique, sem que tenha como conseqüência,
o tratamento desigual, a discriminação. Não fora a desigualdade construída enquanto
discriminação à diferença, ela não existiria como reivindicação de direito.
Concebido nessa perspectiva, me parece que o direito à diferença, especifica,
aprofunda e amplia o direito à igualdade (DAGNINO, 1994, p. 114).
No
plano prático, conquista financeira ao fazer teatral de rua, o MTR/SP
conseguiu em 2006 o apoio da Secretaria Municipal de Cultura, para a realização
da 1ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. A Mostra é uma
homenagem ao peruano Lino Rojas, pioneiro na pesquisa dessa manifestação artística
em São Paulo e fundador do grupo Pombas
Urbanas. A Mostra já teve quatro edições:
a primeira municipal e a partir da segunda passou a ser estadual; da terceira edição
em diante contou também com convidados de outros estados, tornando-se
referência nacional. Outro ponto importante: na terceira edição ocorreu o IV Encontro
da RBTR, com a presença de articuladores de dezoito Estados. Foi a partir
dessa edição que também passou a publicar a Revista
Arte e Resistência na Rua, na qual publica as críticas dos espetáculos
apresentados, bem como artigos sobre a modalidade teatral de rua.
Não
há dúvida de que, através de suas ações, o MTR/SP valorizou e valoriza o
fazer teatral de rua, algumas dessas ações fizeram do centro da cidade local de
expressão dessa manifestação artística, a Praça do Patriarca, por exemplo,
tornou-se um local que recebe muito teatro de rua, lá foram realizadas Overdoses,
duas Mostras e muitos grupos estréiam seus espetáculos naquele local.
Mais recentemente o MTR/SP vem ocupando também o Vale do Anhangabaú,
também na região central, local onde foi realizado a I Overdose de Teatro
e onde tudo começou.
CENA FINAL:
a luta continua
Vimos
que na década de 1980, com o fim da ditadura militar e a redemocratização
brasileira começaram a surgir diversos grupos de teatro, na década seguinte
esta forma de produção afirmou-se. A produção em grupo colocou-se na contramão
do mercado e das produções com elenco, pois no grupo seus membros estão ligados
eticamente a um projeto. Essa nova forma de produção artística impulsionou os
grupos para uma organização política, visando fazer frente ao neoliberalismo
que adentrava o Brasil com força total. Fez-se necessário opor-se a idéia de
cultura como mercadoria, para tanto era necessário cobrar que o estado
cumprisse seu dever de fomentador das artes, notadamente aquelas que não se
enquadravam no esquema do mercado, isto é, o que não era vendável. Primeiro
vimos surgir o Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo, com uma proposta
de troca artística. Depois, em São Paulo, foi criado o Arte Contra a
Barbárie, com uma proposta política, conquistando um programa público de
cultura para o teatro, a Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo.
Quanto
ao teatro de rua de São Paulo, por atuar longe do centro, ou mesmo atuando na
região central, os grupos eram desconhecidos. No geral, estes grupos estavam
distantes dos pressupostos acadêmicos, isso os marginaliza ainda mais. No final
do milênio começaram a organizar-se para comprovarem sua existência e mostrar
sua importância ao poder público. O debate deu-se através da opinião pública,
principalmente da imprensa escrita. Realizaram diversas ações e começaram a
negociar com os representantes da área de cultura.
Havia
um interesse que esse debate fosse via mídia, pois estes veículos também
negavam o teatro de rua, assim os fazedores em sua estratégia souberam atingir
dois alvos: a própria mídia e o poder público, que após as ações noticiadas não
poderiam mais negar a existência dos grupos. Mas foram as ações
político-artísticas executadas conjuntamente pelos grupos de teatro de rua que
referendaram sua arte, primeiramente na Ação Cultural Se Essa Rua Fosse
Minha e depois no Movimento de Teatro de Rua. Este último, por ser
aberto, proporcionou um debate mais claro e transparente, abrindo-se para o
diálogo com outros movimentos espalhados pelo Brasil, ampliando assim sua força
política.
Mas
o embate com a mídia ainda continua, pois os grupos ainda padecem para divulgarem
seus trabalhos, reforçando a idéia já colocada por Fabrizio Cruciani e Clelia
Falletti, de que os críticos “[...] evitam meticulosamente [...] escrever
acerca dos espetáculos de rua” (1999, p. 17). Embora seja preciso avaliar se,
de fato, o teatro de rua precisa desses senhores, já que, pelo menos até o
momento, os grupos de teatro de rua jamais se apresentaram apenas para um
público convocado pelo jornal. O público do teatro de rua continua sendo aquele
que é pego de surpresa. E se pensarmos que os críticos não têm mais espaços
para fazerem discussões aprofundadas nos jornais em que trabalham, já que todos
os espaços devem ser ocupados pela indústria do entretenimento, caberia
perguntar: para que nos serve um crítico teatral hoje? As discussões que eram
feitas pelos críticos teatrais precisam encontrar outras formas, outros canais
e outras instâncias.
Os
grupos ao mesmo tempo em que exigiram do poder público, viram-se obrigados a se
provocarem artisticamente, a avançarem tecnicamente e esteticamente. É possível
comprovar esse fato através do Programa de Fomento ao Teatro,
que é destinado a grupos de pesquisa com trabalhos continuados e com qualidade
artística reconhecida. Se os grupos tem exigido do poder público uma política
pública de cultura para o teatro de rua (ainda sem sucesso), tem dado sua
contrapartida: estão preocupados com a qualidade de seus trabalhos.
Para
que o teatro chegue a toda cidade e
aos cidadãos é preciso mais investimentos na cultura, é necessário ampliar os
recursos, pois estamos longe da universalização dessa arte. No caso do teatro
de rua, é muito importante a circulação e a grande maioria da população
paulistana nunca assistiu a um espetáculo teatral. Tem-se aqui um campo em que
se pode estruturar um novo programa público: montagem e circulação. A arte é
fundamental para o ser humano, e é por meio da circulação que se permitirá o
maior acesso, no entanto, isso só será possível se o Estado fomentar.
Mas
circular com teatro por São Paulo, exige dos mais compromissados um engajamento
para além da cobrança por políticas públicas de cultura, exige um artista
cidadão, consciente de seu papel, um artista disposto a travar um diálogo com a
cidade e com os demais cidadãos. Em uma cidade dividida e que divide como São
Paulo, os fazedores teatrais precisam fazer suas escolhas fundamentando-se
politicamente, principalmente se atuar em comunidades periféricas, já que essas
localidades funcionam como apartheid social,
pois a cidade de São Paulo “[...] quanto mais distante e precária, mais negra,
mulata e migrante” (ROLNIK, 2002, p. 45).
Por
tudo isso fazer teatro de rua é também pensar a cidade. Conhecer seus espaços e
sua divisão. O teatro é uma forma de co-mover (mover junto) os cidadãos. Daí a
importância de programas públicos que contemplem os espaços abertos,
restituindo às pessoas o direito ao lazer, a cultura, fazendo da praça a nova
ágora.
Por
fim, o teatro de rua é importante para a cidade e para o cidadão porque revela
possibilidades, gera inventividade, fomenta a criatividade e o censo crítico dos
cidadãos. Assim, só teremos uma sociedade mais saudável se a arte puder ocupar
todos os espaços e o teatro de rua tem essa capacidade, já que ao deslocar-se
para os diversos lugares não perde seus atributos técnicos e estéticos. O
teatro de rua pode contribuir para uma sociedade mais justa e ela só será mais
justa quando tornar-se uma
república democrática e isso ocorrerá quando considerarmos “[...] todos os
cidadãos como iguais, independentemente do lugar onde estejam” (SANTOS, 2000,
p. 123).
BIBLIOGRAFIA
Livros
Esse texto foi
publicado in: TURLE, Licko; TRINDADE, Jussara. Teatro de rua no Brasil: a
primeira
década do terceiro
milênio. Rio de Janeiro: E-Papers, 2010. Aqui fizemos pequenos ajustes e
COSTA, Iná Camargo;
CARVALHO, Dorberto. A luta dos grupos teatrais de São Paulo por políticas
públicas para a
cultura: os
cinco primeiros anos da lei de fomento ao teatro. São Paulo: Cooperativa
Paulista de Teatro,
2008. DESGRANGES, Flávio; LEPIQUE, Maysa (Orgs.). Teatro e vida pública: o
Já foram contemplados pelo Programa de Fomento os seguintes grupos:
Pombas Urbanas, Buraco d`Oráculo, Brava Companhia, Farândola Troupe, Circo
Navegador, Tablado de Arruar, Ivo 60, Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e
Circo, Cia do Miolo, Os Inventivos, Parlendas, entre outros.