Adailtom Alves Teixeira[1]
O Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes
(CPC-UNE) teve vida breve: de dezembro de 1961 a março de 1964. Na época,
transformou-se em uma espécie de “pastelaria de textos dramatúrgicos”, como
afirmou Fernando Peixoto. Seus membros assumiram a tarefa de uma arte militante
de agitação e propaganda. Ainda que dentro de certas limitações o CPC, por meio
da arte, participou ativamente da organização dos trabalhadores e estudantes,
visando um projeto revolucionário. Não queriam substituir a luta na rua, mas,
por meio do teatro, ajudar na organização política. O que se buscava no CPC era
o imbricamento entre os intelectuais e a transformação da sociedade, bem como
entre política e estética.
O CPC surgiu de uma dissidência do Teatro de Arena, afinal o
exercício teatral não era uma profissão, mas sim, de acordo com Julián Boal em As imagens de um teatro popular, um “ato
de coerência política, de engajamento com as forças políticas progressistas”.
Estes, os progressistas, era uma camada vasta da sociedade, pois ia dos
intelectuais, passando pelos estudantes, a uma parte da burguesia nacionalista,
até chegar aos trabalhadores urbanos e rurais.
Oduvaldo Vianna Filho, o grande responsável pela dissidência,
não criticava a qualidade das peças, mas o modelo de povo abordado pelo Teatro
de Arena, assim como o público a que se destinavam as apresentações, em geral a
classe média estudantil. Por isso se questionava: como ser revolucionário em um
teatro de 150 lugares e apresentando-se apenas para a classe média?
Na época o contexto político, nacional e internacional,
estava grávido de contradições. O Brasil vivia uma efervescência política:
ascensão do movimento operário, formação das Ligas Camponesas; no plano
intelectual o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) era o núcleo
irradiador das discussões em torno do desenvolvimentismo e da ideologia
nacionalista – é justamente em nome do nacionalismo que trabalhadores e
capitalistas fizeram uma aliança que foi tão prejudicial aos primeiros. Ainda
no campo intelectual, havia uma forte disputa pela hegemonia do movimento
estudantil: de um lado, a Ação Popular (católico-progressista), e do outro, o
Partido Comunista Brasileiro (PCB). E era nesse contexto que o CPC se colocava
como vanguarda, ainda que depois viesse pesar muitas críticas sobre o mesmo. A
tarefa militante de conscientização das camadas populares, como queriam, levava
seus membros a fazerem uma arte mais de agitação do que de reflexão:
privilegiava-se a mensagem política, invés do estético. A urgência dos tempos
levou seus membros a praticarem uma arte, às vezes, de cima para baixo.
O CPC foi fundado em 1961, ligado a UNE (1937), seu estatuto
jurídico é de 08 de março de 1962 (criado em uma Assembleia Geral da UNE), que
lhe dava autonomia administrativa e financeira. De acordo com Fernando Peixoto
em O melhor teatro do CPC da UNE
(1989), as finalidades do CPC era a de “promover atividades culturais nos setores
teatrais, cinematográficos, musicais, das artes plásticas e outras, e ‘elevar o
nível de conscientização das massas populares’”. A herança do Teatro de Arena
se faz presente, pois o primeiro espetáculo do CPC foi justamente uma
remontagem de Eles não usam black-tie de
Gianfrancesco Guarniere. O CPC teve três dirigentes: Carlos Estevam (12/1961 a
12/1962), Carlos Diegues (por três meses apenas) e Ferreira Gullar (até março
de 1964, quando veio o golpe civil-militar e a entidade foi dissolvida por metralhadoras).
Com o incêndio da sede da UNE, os membros do CPC são presos ou tem que fugir
para escaparem à sanha dos golpistas. Por isso muito do material produzido
pelos cpcistas perdeu-se.
Pequenos esquetes ou longas peças, que ocupam os espaços
abertos, fechados ou alternativos; apresentações em cima de caminhões, praças,
portas de fábricas etc.; importação da experiência do teatro de agitação e
propaganda russo-soviético; pesquisa e experimentação do teatro produzido por
Erwin Piscator e Bertolt Brecht; estudo e utilização das formas populares da
cultura brasileira, bem como de outras formas populares. Apesar do curto espaço
de tempo de existência do CPC (1961-1964), a produção artística foi imensa. No
entanto, essa produção foi violentamente abortada pela ditadura civil-militar.
Por outro lado, a violência utilizada torna patente o poder e a força da arte como
um veículo de discussão do processo emancipatório dos homens e mulheres. Por
isso mesmo, não se pode pensar a arte fora da política, na medida em que toda
arte é feita por artistas que vivem em sociedade em determinado tempo histórico.
E na medida em que aqueles que fruem (o público) são também cidadãos, a arte
deve ser a possibilidade de discussão do tempo histórico, do mundo em que
vivemos.
O projeto do CPC não pode ser repetido como nos anos 1960,
pois o tempo histórico é outro, mas não podemos esquecer a sua grande
contribuição e a sua experiência, podemos criticá-lo, mas não esquecê-lo. Por
fim, cabe ressaltar a importância da arte como forma de conhecimento e
discussão social, por isso mesmo o artista deve ser consciente de seu papel e de
sua função na sociedade, se não estará fadado a repetir valores e dogmas das
classes dominantes. Nesse sentido, as experiências do CPC, ainda hoje, têm
muito a nos ensinar.
[1]
Mestre em Artes e licenciado em História; diretor e ator teatral; articulador da
Rede Brasileira de Teatro de Rua.
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