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segunda-feira, 17 de maio de 2010

RBTR - Carta do Rio Grande do Sul

Carta do Rio Grande do Sul

A Rede Brasileira de Teatro de Rua reunida em Canoas, Rio Grande do Sul, de 01 a 06 de maio de 2010, em seu 7º Encontro reafirma sua missão de:

· Contribuir para o desenvolvimento do fazer teatral de rua no Brasil e na América Latina;

· Lutar por políticas públicas culturais com investimento direto do Estado, por meio de fundos públicos de cultura, garantindo assim o direito à produção e ao acesso aos bens culturais a todos os cidadãos brasileiros;

· Possibilitar as trocas de experiências artísticas entre os grupos de teatro da rede;

· Reafirmar a necessidade de uma nova ordem por um mundo socialmente justo e igualitário.

A Rede Brasileira de Teatro de Rua, criada em março de 2007, em Salvador/Bahia, é um espaço físico e virtual de organização horizontal, sem hierarquia, democrático e inclusivo. Todos os artistas-trabalhadores, grupos de rua e afins pertencentes a RBTR podem e devem ser seus articuladores para, assim, ampliar e capilarizar, cada vez mais, suas ações e pensamentos.

O intercâmbio da Rede Brasileira de Teatro de Rua ocorre de forma presencial e virtual, entretanto toda e qualquer deliberação é feita nos encontros presenciais, sendo que seus membros farão, ao menos, dois encontros anuais de forma rotativa de maneira a contemplar todas as regiões do país. Os articuladores de todos os Estados, bem como os coletivos regionais, deverão se organizar para participarem dos encontros.

Os articuladores da Rede Brasileira de Teatro de Rua, com o objetivo de construir políticas públicas culturais mais democráticas e inclusivas, defendem:

· Pela imediata regularização da ocupação definitiva do Hospital Psiquiátrico São Pedro, pelos grupos: Oigalê, Povo da Rua, Caixa Preta, Falus & Stercus e Neelic, que tem sua origem e desenvolvem seu trabalho artístico e cultural na cidade de Porto Alegre/RS.

· A representação do teatro de rua nos colegiados setoriais e conselhos das instâncias Municipal, Estadual e Federal;

· A aprovação e regulamentação imediata da PEC 150/03 (atual PEC 147), que vincula para a cultura, o mínimo de 2% do orçamento da União, 1,5% no orçamento dos estados e Distrito Federal e 1% no orçamento dos municípios;

· Reformulação da lei 8.666/93 das licitações, convênios e contratos, com a criação de um capítulo específico para as atividades artísticas e culturais, que contemple nas alterações, a extinção de todas e quaisquer formas de contraprestação, considerando que o trabalho artístico de rua já cumpre função social.

· A extinção da Lei Rouanet e de quaisquer mecanismos de financiamentos que utilizem a renúncia fiscal, por compreendermos que a utilização da verba pública deve se dar através do financiamento direto do Estado, por meios de programas e editais em formas de prêmios elaborados pelos segmentos organizados da sociedade;

· A criação de programas específicos que contemplem: produção, circulação, formação, registro e memória, manutenção, pesquisa, intercâmbio, vivência, mostras e encontros de teatro de rua.

· Criação de um programa interministerial (MINC/MINISTÉRIO DAS CIDADES) em parceria com os Estados e Municípios para a construção e/ou reforma de espaços públicos (praças, parques e outros), adequando-os as necessidades dos artistas e trabalhadores das Artes de Rua, além da inclusão imediata destes espaços no programa de construção dos equipamentos culturais do PAC.

· Que os espaços públicos (ruas, praças, parques, entre outros), sejam considerados equipamentos culturais e assim contemplados na elaboração de editais públicos, Plano Nacional de Cultura e outros;

· Garantir a aplicação dos recursos obtidos através da extração do petróleo na região pré-sal, para o teatro de rua.

· A criação de um programa nacional de ocupação de propriedades públicas ociosas, para sede do trabalho e pesquisa dos grupos de teatro de rua;

· A extinção de todas e quaisquer cobranças de taxas, bem como a desburocratização para as apresentações de artistas-trabalhadores, grupos de rua e afins, garantindo assim, o direito de ir e vir e a livre expressão artística, em conformidade com o artigo 5º da Constituição Federal Brasileira;

· Que os editais para as artes sejam transformados em leis para garantia de sua continuidade, levando em consideração as especificidades de cada região (ex: custo amazônico);

· Que os editais Myriam Muniz e Artes Cênicas de Rua sejam publicados no primeiro trimestre de cada ano com maior aporte de verbas e que seja publicada a lista de projetos contemplados e suplentes, e a divulgação de parecer técnico de todos os projetos avaliados;

· Criar, dentro do fundo setorial de artes cênicas, o edital: "Prêmio Brasileiro de Teatro de Rua", levando em conta as especificidades de cada região, bem como a ação continuada e comprovada de grupos, cias, coletivos e artistas conforme proposta da Rede Brasileira de Teatro de Rua;

· Que os editais sejam regionalizados e sejam criadas comissões igualmente regionalizadas e indicadas pelos artistas, bem como a criação de mecanismos de acompanhamento e assessoramento dos artistas-trabalhadores e grupos de teatro de rua e afins;

· Promover o maior intercâmbio entre o Brasil e demais países da América Latina, através de programas específicos;

· Que as estatais contemplem com equidade, em seus editais, o teatro de rua, respeitando o critério de regionalização;

· O direito à indicação de representantes do teatro de rua nas comissões regionalizadas dos editais públicos;

· Exigimos o apoio financeiro da Funarte aos Encontros Nacionais e Internacionais de Teatro de Rua, tendo como foco a América Latina, no valor equivalente ao montante que é repassado àqueles realizados pela Associação dos Festivais Internacionais de Artes Cênicas do Brasil.

· Que seja incluído dentro das Universidades, instituições de ensino e escolas técnicas, matérias referentes ao estudo do Teatro de Rua, da Cultura Popular Brasileira e do teatro da América Latina.

· A valorização e financiamento das publicações e estudos de materiais específicos sobre teatro de rua e manifestações da cultura popular, respeitando sua forma de saber enquanto registro.

· Que o MINC realize uma reforma na diretoria de Artes Cênicas da FUNARTE, transformando as atuais coordenações em diretorias setoriais de Teatro, Circo e Dança.

· Inclusão dos programas setoriais nos mecanismos do Procultura;

· O 8º Encontro de Articuladores da Rede Brasileira de Teatro de Rua acontecerá em Campo Grande, Mato Grosso do Sul concluindo o ciclo de encontros presenciais em todas as regiões do Brasil.

O Teatro de Rua é um símbolo de resistência artística, comunicador e gerador de sentido, além de ser propositor de novas razões no uso dos espaços públicos abertos. Assim, instituímos o dia 27 de março, dia mundial do teatro e dia nacional do circo, como o dia de mobilização nacional por políticas públicas, e conclamamos os artistas-trabalhadores, grupos de rua e afins e a população brasileira a lutarem pelo direito à cultura e à vida.

Reunidos nestes 6 dias, ficou decidida a localidade do próximo encontro, que será sediado na região Centro Oeste, no Estado do Mato Grosso do Sul.

"A rua é sempre o firmamento de toda arte"

Ray Lima

06 de maio de 2010

Canoas / RS

Rede Brasileira de Teatro de Rua

sexta-feira, 14 de maio de 2010

O teatro e a rua em três movimentos de encontro


Por Licko Turle - Doutorando-Unirio
I Encontro
De 20 a 26 de abril V Mostra Latino-americana de Teatro de Grupos da Cooperativa Paulista de Teatro no Centro Cultural São Paulo.
Participei dela com o meu grupo, o Tá Na Rua. Dentro deste evento, assisti ao espetáculo Cidade Desmanche do grupo paulista Teatro de Narradores. O trabalho começa e termina na rua. Ao chegar ao local os espectadores são recepcionados em um boteco; acomodados em cadeiras e mesas de plástico vermelhas; ganham uma cerveja estupidamente gelada e uma porção de salame cortado bem fininho. Dali, é possível olhar o prédio de três andares do outro lado da rua de onde uma música do rei Roberto Carlos começa a tocar de uma de suas varandas. Um ator com um megafone começa a falar e um hommem, depois uma mulher, se aproximam. "Eu voltei, voltei para ficar... porque aqui, aqui é o meu lugar", canta Roberto. O casal dança, depois separam.Tudo no meio do asfalto. Carros passam, táxi, moto, ônibus. Eles dançam. Roberto canta. A mulher entra no prédio e o público é orientado a seguí-la. Nos quartos e salas dos três andares cenas se sucedem e o público faz o tour acompanhando os atores e seguindo as instruções dos assistentes de produção. Após uma hora e meia subindo escadas e passando por corredores, chegamos ao terraço do edifício onde a cena final é olhar para baixo e ver o 'nosso botequim ' com seus 'habitués' funcionando normalmente. A cena final é um fusca saindo com o protagonista e sumindo no trânsito da cidade. No outro dia, o Tá Na Rua recebeu um convite para assistir ao espetáculo da Companhia São Jorge de Variedades que apresentava uma adaptação do texto de Heiner Müller QUEM NÃO SABE MAIS QUEM É, O QUE É E ONDE ESTÁ, PRECISA SE MEXER, que também recebia o público na rua da sua sede, na Santa Cecília, com quatro personagens que convidavam/guiavam todos por um passeio por um quarteirão do bairro, colando cartazes com dizeres sobre televisão, política, economia, etc. Chamou-nos bastante atenção o diálogo inusitado entre a personagem da "loura" com a porta de ferro do Theatro São Pedro, que exibia o cartaz da ópera A TOSCA, que estava sendo fechada para impedir que a atriz colasse o seu cartaz. O cortejo seguiu a 'loura' e ela ia mostrando mendigos, cachorros... e chegamos à porta de uma escola de ensino fundamental que, devido ao horário, todos os alunos estavam ao lado de fora e ajudaram a colar os cartazes nos muros da instituição, se divertindo muito. O tour pela Barra Funda durou aproximadamente uns quinze minutos e quanndo percebi, estávamos de volta a sede do grupo e usávamos a 'chave' distribuída antes da saída para a caminhada para adentrarmos no espaço. Ao fim do espetáculo, mais uma vez os atores saíam para a rua arrastando os espectadores até o boteco da esquina, onde cerveja gelada era fartamente distribuída a todos, em confraternização.
II Encontro
De 27 a 30 de abril. Oficina de Capacitação da FUNARTE em Fortaleza, Ceará.
Troquei o conteúdo frio da mala paulista, por uma leve mochila rumo ao Mucuripe no Rio de Janeiro. Fazia 35 graus quando o avião desceu na capital cearense, fui direto para o SESC São Luis, na Praça do Ferreira, Centro. Em uma sala do segundo andar, encontro com 32 pessoas que estudam ou fazem teatro no Ceará. Algumas eu já conhecia de longa data, de outras oficinas, do encontro nos Inhamuns, Aracati ou Canoa Quebrada; outros rostos são novidades.
Eu fora convidado para ministrar a oficina Teatro em Espaço Aberto e dar apoio teórico para os artistas que atuam na modalidade teatro de rua naquela localidade. Conversamos muito, nos apresentamos, fizemos jogos e exercícios. Falamos das atividades que estavam acontecendo na cidade. Por coincidência, além de mim, o Chicão Santos do Teatro Imaginário, de Rondônia estava apresentando o seu trabalho Filhas da Mata, no teatro do SESI, naquela noite; no outro dia, haveria uma palestra de Lindolfo Amaral, do grupo Imbuaça, de Sergipe, em um evento promovido pela UFC no Dragão do Mar sobre a Arte e a Cidade. Ele iria falar sobre o cordel e o teatro de rua; e, por fim, o grupo gaúcho Tribo de Atuadores da Paixão oi Nóis aqui Traveis, iria apresentar Mariguela – o Amargo Santo da Purificação, na quinta e na sexta, ali mesmo na praça do Ferreira. A turma resolveu participar destas três novas atividades, extendendo o nosso curso tanto na quantidade, quanto na qualidade. Conversamos com o Chicão e o elenco rondoniense antes e depois do espetáculo; ouvimos a interessante palestra do Lindolfo, o seu poético e belo documentário sobre a literatura de cordel e debatemos com ele os diferentes usos do cordel no teatro; vimos duas vezes o trabalho da trupe do sulista magnetizados pela forma que contam e cantam a história biográfica de Carlos Marighela, a formação da cultura brasileira e o apelo emocionante pela abertura dos arquivos do DOI-CODI que oculta a verdadeira história dos crimes produzidos pela ditadura militar no Brasil entre 1964 e 1984. Fomos brindados com um bate-papo quase exclusivo com o elenco do grupo e a nossa oficina em nossa sala de trabalho. Já passava das oito e meia da noite de quinta-feira quando paramos de concersar...
III Encontro
De 01 a 06 de maio. VII Encontro de Articuladores da Rede Brasileira de Teatro. I Encontro de Articuladores do MERCOSUL. Mostra de Teatro de Rua de Canoas.
Do calor do nordeste, segui direto para o clima ameno de Porto Alegre. Por sorte, a pesquisadora Jussara Trindade (minha companheira) estava indo para o mesmo evento e, solidária, dividiu a sua mala em duas , colocando para mim roupas e agasalhos para que eu suportasse a brusca mudança de temperatura que enfrentaria nos pampas. Nos encontramos numa tarde linda e ensolarada no parque Brigadeiro Eduardo Gomes, em Canoas-RS, onde vi, já começado o espetáculo do grupo de Passo Fundo. Enquanto assistia ao espetáculo, rostos e olhares conhecidos me cumprimentavam com sotaques diferentes. Caras, jeitos, cheiros, cores e peles e todo o Brasil:, trilegal, mano, meu, véio, sô, oxentes, xero e uais soavam em meus ouvidos me sorrindo de todas as formas. Durante três dias, vimos diversas formas de se relacionar com o ESPAÇO ABERTO. As gaitas e os tambores me chamavam a atenção: de uma forma ou de outra percebi que todos os coletivos usavam a MÚSICA como um elemento fundamental desta modalidade; outra observação que fiz é em relação ao USO E A DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO ESTÉTICO ou como alguns preferem de representação. Variavam deste a marcação de linhas com a erva-mate do chimarrão, tecidos coloridos imensos, cordas trançadas, palcos de madeira, pernas-de-pau, engenhocas com rodízios, praticáveis que eram montados e desmontados à nossa frente ou simplesmente a utilização da roda formada pelos corpos dos espectadores. Tudo leve (para circular por aí)! As MÁSCARAS e as perucas também eram abundantes (seria uma tentativa de seguir a tradição da comédia dell'arte?): de couro, resina, papel marche ou simplesmente, maquiadas, desenhadas no rosto. Interessante foi perceber que vários atores produziam efeitos visuais e plásticos através do corte de seus próprios cabelos, barbas e cavanhaques, principalmente aqueles que pesquisam a linha circense entre clows e palhaços. O corpo utilizado como espaço da arte: figurino, cenário, conteúdo, texto, marca, performance do próprio ator... Quase todos, mantiveram a tradição de passar o CHAPÉU nas suas rodas, cada um ao seu estilo: antes, durante e ao fim de suas funções. Cabe aqui, ressaltar um comentário do grupo argentino durante o almoço. Ele disse para mim: "- Para nós, passar o chapéu é o pagamento do ingresso do nosso espetáculo! Percebo que aqui no Brasil, muitos brincam com isto, falam "- Eu aceito qualquer coisa, moeda, ticket restaurante, vale-transporte". Parece que o artista tem vergonha de cobrar pelo seu trabalho. Eu penso que devemos acostumar a platéia a 'pagar o ingresso'! Entende? " " - Entendo", respondi. E fiquei pensando no assunto que nostro hermano levantara...
Ah! Teve também, a MERDA do cachorro, a FURADEIRA e o CEGUINHO da gaita gaúcha. Explico. O grupo Manjericão tava num dia daqueles. Assim que chegaram a praça, havia uma barraca desta de plástico branco bem no meio do calçadão de canoas. Aquelas de campanha da prefeitura para tirar sangue, pressão, documento... sei lá! Aí, eles tiveram que se espremer entre a barraca, uma ilha de orelhões (telefones públicos) e um canteiro com uma palmeira seca com um banco de praça embaixo. Eles chegaram cheio de gás e começaram a apresentar os seus números circenses. A Roda formou. Cheia! De repente, o ceguinho começou a tocar bem alto na esquina um vanerão qualquer, defendendo o pão nosso de cada dia, sem 'ver' que estava acontecendo alguma coisa ao seu lado. Enquanto isto, do lado oposto, um funcionário de uma empresa de telefonia qualquer, coloca uma escada, sobe em uma marquise da loja e começa a furar a parede com um barulho agudo daqueles de amolador de facas de antigamente. Os atores pediam para que ele parasse. Ele não ouvia, é claro. A platéia inteira gritou. Aí ele ouviu. Parou e ficou olhando lá de cima os três atores-palhaços desesperados. Eu estava em cima do canteiro, encostado na palmeira seca buscando um bom ângulo para filmar e fotografar o espetáculo. Havia percebido quando subi ali que entre mim e o banco, um monte de merda de cachorro fresquinha. Avisava a todos que viam aquele ótimo lugar vazio e para lá se dirigiam que havia muita merda ali e ninguém deveria subir. Bem, resumo da ópera. Um dos atores, tentando fazer em uma cena de efeito, correu por fora da roda e veio para exatamente em cima do canteiro, atrás de mim. Percebi que ele queria retornar à cena pulando o banco e caindo bem no meio da roda. "Vai pisar na merda", pensei. Ele ficou contracenando com a atriz e eu tentando avisá-lo para não utilizar aquele caminho. Eu falava: Olha a merda! Aqui tem merda! Por aqui não! Ele nem me olhava! Estava fora de si, desempenhando um doente azul, feliz por ter conseguido pegar um número para ser atendido pelo médico. De repente.. prrrrrummmftmmm . De um só movimento, pisou na merda com um dos pés e saltou no meio da roda. Foi merda prá todo lado! Quanto mais ele se movimentava mas sujo ficava o lugar. Sempre ouvi falar da lenda da MERDA no teatro. Que era bom, sinal de sucesso! Acabei de ver esta tradição em Canoas, agora em 2010.
Na segunda-feira, começou o encontro dos articuladores. Apresentações por estado, por ordem alfabética. De São Paulo, tinham onze pessoas, Roraima, três; Espirito Santo uma família inteira + Vera Viana; o Acre levou um montão de rapé, cantoria, embolada, cordel e de gente, também (5); pela primeira vez o centro-oeste apareceu completo na RBTR: GO, DF, MT, MS – se organizaram e acabaram levando o próximo encontro prá lá, pro pantanal. Acho que vai ser bom! O cara do Piauí, perdeu o ônibus, sumiu, apareceu no outro dia com a camisa do Grêmio e se apresentou. Por último falaram os argentinos, a colombiana e a Jussara, pelos pesquisadores. O gaúcho Hamilton falou que iria se retira porque ia para a audiência pública do PROCULTURA em Porto Alegre. Aí, eu achei que seria um importante fato político, se fossemos todos. O Brasil inteiro lá! Gerou discussão. " Sim, Não, Não Sei, Sim, Sim, Sim, Sim, Não Sei, Vai a metade!, Metade fica!, Não, Sim, Sim, Sim, É todo mundo ou ninguém!, Sim, Sim". Fomos todos! Estandartes, faixas, bandeiras, camisetas, ônibus, crianças. Fala um por região. Quem são os cinco? Chicão é norte, Márcio é Sul, Alessandro é sudeste, pelo nordeste, fala o Kuka e o Fernando centro-oeste. Chegou a informação que o Marcelo Bones quer conversar antes da plenária... Fala, Bones! " Então, uai, eu penso que o PROCULTURA tem quatro mecanismos mas, nenhum deles, tem orçamento garantido, falta mais coisas. Pavanelli: - Um programa!" "Programas para as artes cênicas com orçamento anual!" Disse alguém. Das caixas de som potentes soa o Hino nacional. Começa: "O custo amazônico tem que ser lembrado, foi aprovado na CNC, em Brasília." É!" "Tem o prêmio teatro brasileiro... ele ainda não está garantido." " Apoiamos o PROCULTURA mas somos contra qualquer mecanismo que utilize a renúncia fiscal". " É!" " O fundo setorial de artes Cênicas tem de ser dividido: tearo, música, circo!" "É!". A cada orador da RBTR que subia à tribuna, a platéia aplaudia. O representante dos produtores de Porto alegre foi vaiado. Saiu fazendo sinal feio, pornográfico prá RBTR. Vaia nele! Centro-oeste falou. Aplausos. Os mais de setenta articuladores da rede saem. Fica um buraco na plenário. " Marcamos posição, mesmo, ó!". Ainda teve o pessoal do MinC que conversou com o pessoal da Amazônia legal, pedindo ajuda para divulgar os editais que vão sair prá-quelas bandas de lá. O Fernando aproveitou e comprometeu o MinC e a FUNARTE com o apoio do próximo encontro.
No outro dia, continuamos as apresentações. No intervalo do almoço, algumas reuniões se formaram: Pesquisadores, centro-oeste. À tarde a turma do governo apareceu prá falar com a gente: Américo, Vidigal, Bones, Jeferson (Canoas) e outros que não guardei o nome.
No último dia, pela manhã, a coisa ferveu, Ho!, pegou fogo, Ho! Junio Santos gritou, Ho! gente acalmou, Ho! gente gostou, Ho! gente não gostou. Ho! Duas horas para decidir a pauta: a carta? setoriais? fazer teatral? Não, Sim, Não, Sim, Sim, Sim, Ho!, Ho! Ho! Passa a bola! Tem gente que ainda não abriu a boca... Kuka puxou a carta do Acre. Leu aos berros! O povo acalmou. Cristiano pediu para fechar a roda, ficar pertinho. Passa bola! Ho!! Ho! Ho!
Fizemos a carta. Para pro almoço! À tarde reunião do núcelo de pesquisadores; um grupo faz a carta; outro, pensa a estrutura para os próximos encontros. Quatro horas, volta! Reunião! Carta finalizada!
Cortejo pelas ruas. Bonito! Até a praça do bairro, hoje tem espetáculo? Tem sim, sinhô! Tinha! Bando de La Trupe, de Natal-RN. Escureceu na pracinha. O clube de bocha acendeu as luzes; tocou a sirene da escola. Escureceu! Volta todo mundo.
Reunião final: carta do Rio Grande do Sul... APROVADA! Ho! Propostas de estrutura... APROVADAS! Ho! Participação do Núcleo de pesquisadores nos próximos encontros... APROVADA! Ho! Ho! Ho! Ho!
JANTAR! CHURRASCO! PERFORMANCES!
Guadalupe chegou atrasada para mediar o encontro. O show imperdível , não tem preço! Descontrai, junta quem discutiu, sacaneia todo mundo, leite ninho, careca, peituda, chicão, Licko, DJ, Ninguém escapou das observações atentas recolhidas nos seis dias do artista amazonense. Um relatório final dos micos, das besteiras que assolaram o Encontro. Terminou? Não! Eis que surge, ao longe... Senhoras e senhores com vocês, ele, Maurolauropaulo, o incrível homem-banda! Olhos arregalados, incrédulos: um brinquedo? é de verdade? tem que ir prá Lino Rojas!, pro Amazônia em Cena! Terminou, muito obrigado! Mais um, Mais um! Bis! Ok, Ok, Ok, então se vocês contribuírem aqui com o chapéu... E deu o bis! Todo mundo junto I feel good! Pã,rã,rã,rã,rã. O cara arrebentou e foi embora!
Solta o som DJ Luciano! Virou festa! Festa gaúcha, carioca, nortista, nordestina, paulista, capixaba, da rede brasileira de teatro de rua!
Despedidas! Adeus , amor, eu vou partir...
Viva o teatro de rua!

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Virada Cultural e a Operação Urbana Centro

Por Adailtom Alves[1]
O secretário de cultura da cidade de São Paulo, Carlos Augusto Calil, participou em 2008 de um seminário que discutiu cultura e cidade. O seminário foi realizado pelo Itaú Cultural, o Programa ACERCA da AECI-Agência Espanhola de Cooperação Internacional e o Centro Cultural de Espanha em São Paulo. Publicado em livro organizado por Teixeira Coelho, por Itaú Cultural em parceria com a Iluminuras no mesmo ano.
O artigo do Calil, "Sede de Cultura", mostra muito bem o seu posicionamento no que tange as políticas públicas de cultura, reservando três páginas (das doze do artigo) à Virada Cultural e três linhas ao Programa de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo. A quem ainda não conhece, cabe informar que o Fomento é Lei, conseguida com muita luta da categoria teatral da cidade, por meio do Movimento Arte Contra a Barbárie. O secretário limita-se a afirmar que: "No campo tradicional do apoio às expressões artísticas, a Secretaria Municipal de Cultuar manteve o Programa de Fomento ao Teatro, criado por iniciativa da Câmara Municipal em 2002 e o estendeu para a Dança, desde 2006".
Calil aproveita para falar dos feitos de sua gestão e dos espaços tradicionais da elite, para ele "há uma sede de cultura no ar". Apesar de saber que a cidade cresceu e que em muitas regiões não se tem acesso a cultura e ao lazer, o processo da Virada Cultural ensinou "que o centro é o território a ser ocupado simbolicamente por todos os habitantes da cidade." Este ano, 2010, serão gastos oito milhões de reais nas vinte e quatro horas que duram o evento. Por isso é sempre bom perguntar: se o povo tem sede de cultura, o que está sendo programado e qual o valor para os outros 364 dias do ano? Se a população deve tomar o centro da cidade não pode ser apenas em um único dia. Há transporte público de qualidade e barato para que a população mais pobre possa ocupar o centro? Melhor, há interesse que a população ocupe o centro ou os interesses são outros?
Cabe lembrar que as duas primeiras edições houve um esforço para que o evento ocorresse em toda a cidade, sem os mega shows, isso não significa que aquele modelo seja melhor que o atual. De qualquer forma, a afirmação da Virada Cultural, veio em 2006 após os ataques do Primeiro Comando da Capital, que dias antes do evento havia paralisado a cidade, mesmo assim a prefeitura manteve o evento e nenhum incidente ocorreu. No ano seguinte, 2007, segundo Calil, o enfrentamento da polícia com o público do show de hip hop, "turvou o resultado de cordialidade que predominou do outro lado do Anhagabaú". Mas o evento é uma referência, no seu dizer, converteu-se "na Festa da Cidade".
No artigo, o secretário aborda ainda futuras construções, como o Centro de Formação Cultural, a ser construído em Cidade Tiradentes, e a Praça das Artes, ao lado do Conservatório, no Boulevard da avenida São João e do Vale do Anhangabaú. E aqui é importante nos atermos a um detalhe, pois a Virada Cultural, que no entender do secretário, é mais do que a simples devolução do imposto "ao contribuinte no velho modo republicano", trata-se do "desejo de tomar posse do centro, o território comum a todos." Embora no discurso seja um território de todos, não é bem isso o que se revela quando olhamos atentamente.
Em outros trechos Calil trata da recuperação do centro histórico, "concreta e simbólica." Ora, há hoje uma disputa em são Paulo em torno das centralidades, já discutidas por Heitor Frúgoli Jr. Essas disputas, grosso modo, tratam da valorização de algumas áreas, em detrimento de outras, nas quais a elite tem muitos imóveis e outros interesses financeiros. A Associação Viva Centro, a anos vem lutando pela valorização dessa área, isso depois que perdeu status para a região da Paulista, após uma grande campanha do Banco Itaú para eleger a Avenida Paulista símbolo de São Paulo. E mais recentemente essa centralidade vem se deslocando para a região da Berrini, na qual São Paulo desponta como a cidade global, oferecendo serviços de ponta.
A recuperação do centro histórico aludido por Calil, está em pleno processo e a Virada Cultural é um chamariz, uma espécie de cereja do bolo, afinal, segundo ele, "o vetor que pode recuperar o centro histórico, mesmo na sua vertente construtiva, é o da valorização cultural." E a Praça das Artes pode vir complementar esse projeto – não esqueçamos faz tempo esse processo vem sendo aplicado na região da Luz. Trata-se de uma política de gentrification,[2] de valorização econômica, em que a cidade torna-se mercadoria.
Quem mais ganha com a recuperação do centro nesses moldes, já que não se fala nunca de habitação popular nessas regiões? A Associação Viva Centro, já citada, tem uma publicação, a revista Urbs, nas suas páginas é possível identificar quem faz parte dessa rede: Bank Boston, Pinheiro Neto Advogados, Bovespa entre outros.
Todo esse processo começou faz tempo com a retirada dos camelôs e a ida de alguns departamentos públicos para prédios da região central, tanto do Estado como do município. O processo é amparado em lei desde 1997 (lei municipal 12.349) e é chamada de Operação Urbana Centro, um projeto de parcerias entre poder público e iniciativa privada. A lei – que permite que grandes prédios sejam construídos em uma pequena área, possibilidade que não existe em outras regiões – atenderia "a demanda por escritórios, hotelaria, serviços e residências numa área onde os terrenos são relativamente escassos e de dimensões mais reduzidas que em outras partes da cidade" é o que afirma o texto de Jule Barreto na revista Urbs de outubro/novembro de 2003. Mais adiante, completa: "Foi para acomodar essa demanda futura e despertar um circulo virtuoso de incremento econômico, qualidade de vida e valorização do patrimônio público e privado que se criou a Operação Urbana Centro – um excelente negócio para a cidade e para o empreendedor."
É importante ficarmos atento a esta operação, que está inserido em um movimento mundial que tem se intensificado pós-Barcelona. No Brasil não é só em São Paulo que tem se aplicado as políticas de gentrification, o Rio padece desse problema, Recife e outras cidades, que mesmo numa pesquisa rasa é possível identificarmos. As cidades espetáculos, transformam os lugares, poucos pedaços, em falsas localidades culturais, servindo para que uns poucos possam acumular ainda mais. Enquanto isso, a população de rua, que "moram" basicamente na região central, só aumenta. Em recente notícia do Diário de S. Paulo, afirmava-se que os moradores de rua incomodavam o padre da Sé,[3]criando uma divisão na própria igreja, pois se alguns querem dignidade para essas pessoas, o padre entende que os mendigos nas escadas da igreja da Sé incomodam os turistas. Percebe-se, assim, que os discursos estão bem articulados entre poder público, iniciativa privada e a igreja. E nesse acordo tácito, os refugos humanos são um problema e devem ser descartados e nada melhor que um perfume francês para disfarçar a podridão. Mas, se não tem perfume, pode ser um evento de inspiração francesa, uma nuit blanche, por exemplo.
Bibliografia
BARRETO, Jule. "As Operações da Operação Urbana Centro". In: Urbs. Ano VII, n 32, outubro/novembro de 2003.
CALIL, Carlos Augusto. "Sede de Cultura". In: COELHO, Teixeira (org.). A Cultura pela Cidade. São Paulo: Itaú Cultural; Iluminuras, 2008.
CHRISTIANO, Cristina. "Mendigos na Sé dividem católicos" In: DIÁRIO de São Paulo. Dia-a-Dia, sexta-feira, 07 de maio de 2010. Disponível em: HTTP://www.diariosp.com.br/Noticias/Diaadia/4900/Mendigos+na+Se+dividem+catolicos, consultado em 12/05/10.
LEITE, Rogério Proença. Contra-usos da cidade: lugares e espaço público na experiência urbana contemporânea. 2ª ed. Campinas: Unicamp; Aracaju: UFS, 2007.




[1]Licenciado em História e mestrando em Artes pelo Instituto de Artes da Unesp.
[2]Por ser uma tradução ainda complicada, preferi deixar o termo no original, assim como Rogério Proença Leite, para quem "as políticas de gentrification reinventam lugares, recriam tradições, estabelecem centralidades." (2007, p. 29)
[3]A matéria pode ser encontrada também na internet: HTTP://www.diariosp.com.br/Noticias/Diaadia/4900/Mendigos+na+Se+dividem+catolicos

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Uma difícil viagem pelo teatro paulista

Por Alexandre Mate – Professor e pesquisador teatral
Documentar a história é uma espécie de trabalho de Penélope, com a diferença fundamental de que essa construção não pode ser desfeita na calada da noite, como fazia a personagem aqui evocada. As ações humanas não podem ser 'desconstruídas', mas, e por outro lado, como tem acontecido, podem ser esquecidas, pelo seu não registro. Assim, e tendo em vista a complexidade da dinâmica social, a história, do que quer que se ligue ao humano, jamais poderá ser finalizada. Por isso, na história são feitos os chamados recortes, para que se possa reconstituir determinados acontecimentos, em contextos especificados. Nesses recortes, e não se pode esquecer que o teatro é, essencialmente, o espetáculo - uma arte efêmera, que acontece num aqui-agora, sempre determinado e irrepetível -, tem se priorizado principalmente a literatura dramática. Mas vamos que vamos!
Da parte escrita, o registro e a documentação da atividade teatral, que possa ser estendida a um maior número de indivíduos, tem cabido, desde sempre, a um pequeno grupo que seleciona dentre todos os eventos aqueles que por questões de estética, de sucesso, de afinidade pessoal e de parceria, inclusive de classe, lhes interessam. Na totalidade absoluta dos países, e desde sempre, apenas uma pequena parte dessa produção foi e tem sido registrada. Nessa perspectiva, é evidente que há pouca coisa sobre a produção popular registrada e aquela praticada tanto nas periferias como nos centros por grupos 'não antenados' aos interesses dos detentores dos veículos de guarda e socialização de informações. Nelson de Sá, crítico do jornal Folha de São Paulo, durante mais de uma década, em seu livro Divers/idade, apresenta algumas afirmações interessantes. Dentre elas, talvez a mais significativa diga respeito aos processos de subjetividade e de objetividade que ele admite acometer o crítico. Assim, e tomando as observações de um crítico norte-americano, chamado George J. Natham, Sá afirma, à p. 456:
Uma acusação que se faz ao crítico é de ser preconceituoso em favor de certos tipos de teatro e preconceituoso contra outros tipos. Verdade. Mas preconceito, se saudável, é o que dá ao crítico sua posição. Todo homem adquire preconceitos baseado na experiência, por que não o crítico? Há, obviamente, os preconceitos tolos assim como os saudáveis, mas os primeiros logo se traem e derrubam seus mercadores. Preconceitos que são a conseqüência da educação crítica estão entre as armas mais vigorosas do arsenal do crítico. Mostre-me um crítico sem preconceitos e eu mostrarei um cretino completo.
Ufa! Pena não ficar explicado o que seria preconceito tolo e saudável. Aliás, a totalidade dos registros históricos tem mostrado apenas um único tipo de preconceito. Mas como a introdução já ficou maior do que deveria, tentarei e de modo ousado, pelo pequeno espaço disponível entrar no 'assunto principal': uma olhar sobre a produção teatral paulistana.
De modo sumário, mas de acordo com certas panorâmicas de teatro mais longas, no século XVI, as plagas paulistas receberam – da capital ao litoral – alguns autos do Pe. José de Anchieta, criados com o objetivo de inculcar valores e ideologias religiosas e européias aos aborígenes. Nos séculos XVII e XVIII, além da Casa de Ópera (construída no XVIII, em São Vicente), parece que nada ficou documentado. Alguns viajantes estrangeiros relataram em seus diários de viagem algumas cenas vistas, apresentadas por negros, em ocasiões especiais. Dessa forma, e apesar de não haver quase nenhum registro, é seguro que nesses dois últimos séculos foram os negros forros e escravos os praticantes da atividade teatral. No início do século XIX, certa onda nacionalista se desenvolve devido a um conjunto de acontecimentos: vinda da Família Real Portuguesa (1808), Independência do Brasil de Portugal (1822), a criação da Cia. Dramática de João Caetano (Rio de Janeiro), as criações de Martins Pena e tantos outros eventos, desse modo o teatro se desenvolve.[1]Mas, diferentemente daquilo que os preconceituosos críticos da época gostariam, explode, sobretudo a partir da década de 80, principalmente no Rio de Janeiro - Capital do Império (cidade que foi, basicamente, construída a partir de 1808 e reconstruída várias vezes) - um gênero musical conhecido por Teatro de Revista. Os primeiros grandes sucessos foram criados por Arthur Azevedo.
A atividade teatral na cidade de São Paulo no século XIX, pobre em relação àquela fluminense, recebeu muitos dos artistas e cias. da Capital, principalmente no início do século XX. Lentamente, as atividades teatrais foram se desenvolvendo na cidade. Várias colônias fizeram teatro, dentre elas a italiana criou vários círculos filodrammatici. Estas experiências não aparecem relatadas em livros, mas, graças (vejam que ironia) ao Gabinete de Investigações – Censura Teatral e Cinematográfica do Departamento de Polícia e Investigações, desde o governo de Arthur Bernardes, que guardava uma cópia dos textos censurados em seus arquivos, pode-se ter acesso, a muitas das obras montadas na cidade. São inúmeros os textos, muitos deles manuscritos, nas mais diferentes línguas, que podem ser consultados hoje no Arquivo Miroel Silveira, na Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da USP. Dos mencionados círculos Filodrammatici saíram vários artistas que seguiram carreira, como, Nino Nello, e - a considerada primeira atriz paulista do século XX a ser conhecida nacionalmente - Itália Fausta entre outros. A despeito de nossos críticos afirmarem em seus livros que o fenômeno revisteiro (teatro de revista) ficou circunscrito à cidade do Rio de Janeiro, vale afirmar que o gênero, por exemplo, em 1929 teve quase 70 montagens apresentadas na cidade. Esta história ainda espera por ser registrada!
Como se sabe, a Semana de Arte Moderna de 22, que assaltou tanto o Teatro Municipal como seus burgueses e acomodados freqüentadores, não produziu nenhuma obra teatral; entretanto, um dos arautos daquele movimento, bastante influenciado pelas vanguardas européias históricas, Oswald de Andrade escreveu 3 obras turbulentas, que até hoje incomodam muita gente. São elas: O rei da vela (1933), O homem e o cavalo (1934) e A morta (1937).
Influenciado tanto por Oswald como pelas vanguardas européias e paulistas, em 1933, o artista plástico, arquiteto e ativista performático-cultural Flávio de Carvalho, funda o Teatro da Experiência e apresenta a obra escrita e dirigida por ele: Bailado para um deus morto. Com apenas três apresentações, a obra foi censurada. Flávio fazia passeios pelas ruas de São Paulo com saias e brincos.
Fazendo um grande corte temporal, e até por conta daquilo que vem a partir da década de 40, marcar linhas e tendências teatrais; em 1948 - e por iniciativa do engenheiro italiano Franco Zampari e do empresário Ciccilo Matarazzo, que criaram uma sociedade com 200 sócios e sem fins lucrativos, chamada Sociedade Brasileira de Comédia -, foi inaugurado o Teatro Brasileiro de Comédia. Com obras mais ao gosto da burguesia e com espetáculos visualmente impecáveis, o TBC, de 1948 a 1964, apresentou 144 obras e se caracterizou na primeira empresa de produção de espetáculos no Brasil. Passando, didaticamente, por 3 fases distintas, apesar de não ajudar a desenvolver a dramaturgia nacional, o TBC lançou artistas e técnicos, sendo seu maior ícone Cacilda Becker; incentivou o desenvolvimento da crítica teatral; criou uma certa metodologia de ensaio e de procedimentos de análise de obras teatrais; estimulou, através de Alfredo Mesquita, a criação da Escola de Arte Dramática. Enfim, e o que nos interessa agora, criou paradigmas para serem quebrados por aqueles que vieram depois. Fazendo oposição à linha que se pode ligar ao esteticismo realista francês; em 1953, por iniciativa de ex-alunos da EAD, liderados por José Renato, e discordantes da linha do TBC, foi fundado o Teatro de Arena. Com início meio semelhante àquele do grupo por eles rejeitado, somente a partir de 1958, com a estréia de Eles não usam black-tie de Gianfrancesco Guarnieri é que o grupo definiu-se por um teatro épico, nacional e popular. De modo, mais ou menos programático, de 1958 até 1969 (importante lembrar que o Ato Institucional número 5, conhecido como AI-5 foi promulgado em 13/12/68, cessando todos os direitos constitucionais e mergulhando o país em crudelíssimo estado de sítio), os militantes artistas do grupo dedicaram-se ao teatro épico, fundamentado nas experiências brechtianas. Nesse período, para além do estético, os principais integrantes do grupo estavam convencidos que o teatro tinha, também, um compromisso político-social. Desfeito o grupo, em 1972, dele alguns jovens atores saíram para formar o grupo Teatro Núcleo, que levou as propostas do grupo para a periferia da cidade, com sede, na Zona Leste, em São Miguel Paulista. Opondo-se tanto ao esteticismo do TBC como ao épico do Arena; em 1958, no Diretório XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP, foi criado o Teatro Oficina, por José Celso Martinez Corrêa e outros. Depois de uma carreira mesclando sucessos comerciais a montagens mais densas, a linha que melhor caracterizou o grupo (que existe até hoje, apesar de alguns anos sem atividades, posto que Zé Celso esteve exilado) liga-se a muitas proposições do pensamento antropofágico e vanguardista de Oswald de Andrade. Ao montar, em 1967, O rei da vela e Roda viva de Chico Buarque de Holanda, Zé Celso cria o conceito de 'estética do deboche', fazendo um esforço, e sem reduzir o conceito, esse deboche corresponde a um comportamento estético mais iconoclasta, grotesco e ritualístico, que caracteriza os espetáculos do Grupo até hoje. Ao lado desses três grupos, e defendendo uma proposta robinhoodiana (cobrar dos ricos e apresentar-se gratuitamente aos moradores da periferia), em 1966, também surgido no Diretório Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da USP, e talvez o mais premiado internacionalmente grupo brasileiro, o União e Olho Vivo, fundado e coordenado até hoje por César Vieira (Idibal Piveta), caracteriza-se em grupo de resistência, cujos espetáculos, com textos tirados coletivamente, e apresentados a partir de uma estética rigorosamente popular alegoriza e representa uma espécie de grito dos excluídos. O União e Olho Vivo apresenta-se em qualquer espaço, tendo em vista seus compromissos estético-políticos.
Na década de 70, com a proibição tácita ao teatro engajado e à palavra socialmente significativa, uma série de espetáculos foi proibida de apresentar-se. Decorrência disso: obras extremamente metaforizadas passaram a ser criadas. Essa situação trouxe, por um lado, obras mais fundamentadas nos aspectos visuais ou inseridas no chamado primado da forma. Essa tendência, na década de 80, teve, talvez, como principal matriz os espetáculos de Gerald Thomas e, por aí, o desenvolvimento do chamado teatro pós-moderno. Das experiências mais significativas, ainda nesta década, há que ser destacado Macunaíma, dirigido por Antunes Filho e apresentado pelo então Grupo de Arte Pau Brasil. Desde o final dessa década, e até os dias atuais, Antunes Filho tem apresentado obras, absolutamente significativas e referencias do teatro brasileiro. Também nos 70, tem início o chamado teatro besteirol, mas desvia-se grandemente de Quem tem medo de Itália Fausta de Miguel Magno e Ricardo de Almeida, considerada uma das primeiras dessa 'tendência'. Tomando, como se convenciou chamar, o texto como pretexto vem do Rio de Janeiro, e faz surpreendente sucesso em São Paulo, o grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone. Criado em São Paulo, por alunos de Artes Plásticas da FAAP, orientados pelo grande mestre Naum Alves de Souza, surge o grupo Pod Minoga, com um humor ácido e tangenciante ao besteirol. Com significativa produção popular, absolutamente sofisticada, destaca-se, em dramaturgia, Carlos Alberto Soffredini, idealizador do Grupo Mambembe. Nessa década, surge talvez a primeira bailarina a dedicar-se ao chamado teatro-dança: Marilena Ansaldi, com espetáculos, segundo a crítica especializada, antológicos.
Na década de 80, e com o processo de reabertura política (e é bom não esquecer que o último general militar, João Figueiredo, afirmava, ao tomar posse em 79, que transformaria o país numa democracia nem que para isso tivesse de dar porrada!), a palavra significativa e os grandes espetáculos começaram a reaparecer. Com essa retomada, dentre os vários autores importantes que surgiram, e que transita com obra significativa até hoje, trabalhando com o épico e o popular, é Luís Alberto de Abreu. Depois de 6 anos censurado e com direção de José Renato, e protagonizado por Raul Cortez, estréia na cidade, em 1980, Rasga coração de Oduvaldo Vianna Filho. Seguindo, de certa forma, a curta carreira de Marilena Ansaldi, surge nessa década, depois de aproximadamente 4 anos estudando na Inglaterra, Denise Stoklos.
Atualmente, na cidade muitos são os grupos significativos que têm dignificado a linguagem, mencioná-los aqui seria impossível. Com relação ao teatro popular e o de rua, e se for possível, prometo comentar em próxima oportunidade.
Publicado originalmente em A Gargalhada nº 02, maio/junho de 2006, p. 4 e 5.




[1]A totalidade de nossos autores de história do teatro afirma que o teatro brasileiro, enquanto dramaturgia, de fato, desenvolveu-se nesse século. Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Gonçalves de Magalhães, França Jr., Gonçalves Dias, Agrário de Menezes, Araújo de Porto Alegre e tantos outros autores apareceram nesse século. Muitos deles tiveram suas obras montadas e escritas em São Paulo.