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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Debate em Curitiba: Núcleo de Pesquisadores de Teatro de Rua

Por Ana Rosa Genari Tezza
Assim começou o debate
Detenho-me hoje finalmente para relatar aos colegas do Núcleo de Pesquisadores de Teatro de Rua como nos saímos no debate proposto em Curitiba em março desse lindo ano de 2010. Devo um milhão e meio de desculpas pela demora, mas... O "tempo" já não é o mesmo desde que o Lewis Carroll tentou afogá-lo numa xícara de chá em Alice no País das Maravilhas.
Digo que respeitando a cultura oral própria da Arte da Rua, falarei como se escrevesse... Ou quem sabe ao contrario.
Dia 19 de março, enquanto o festival de Curitiba estava em plena Festivalidade, aconteceu às 10 da manhã no teatro Novelas Curitibanas, um debate que levou o título de "O trabalho do Ator na Rua". A mesa deveria ser composta por Alexandre Mate (professor doutor da UNESP), Marcelo Bones (diretor de arte Cênicas da FUNARTE, rueiro e grande amigo de luta), Chico Pelucio( ator do Grupo Galpão e na ocasião curador do festival de Curitiba para o espaço das Novelas Curitibanas), Walter Lima Torres (professor doutor da UFPR) e Paulino Viapiana (presidente da Fundação cultural de Curitiba). Entretanto tivemos que fazer duas pequenas alterações de última hora: A primeira foi a substituição do senhor Paulino Viapiana, que estava em Brasília na ocasião, pelo grande colega diretor de teatro e funcionário da Fundação cultural, Beto Lanza. A segunda foi a minha súbita inclusão na mesa como mediadora. A minha participação foi proposta por Chico Pelucio e por Marcelo Bones visto que nosso companheiro Chico teve um contratempo dentário e já ao chegar ao debate, nos avisou que deveria abandonar-nos antes do término para ir ao dentista que deveria por meio de uma intervenção odontológica, deixá-lo outra vez em condições de falar sem se sentir obrigado a tapar a boca com um papel. Papel esse que cumpriu muito bem o seu papel, e nos preservou a visão de Chico sem o dente da frente. Digo tudo isso sem pudor, sem medo, pois independente do meu relato está tudo filmado e devidamente documentado e seria impossível ocultar os detalhes divertidos posto que o vídeo do debate estará em breve disponível em diversas instituições do país e quiçá... Da America Latina... Ou ainda do mundo todo, oriente e ocidente. Eu, de minha parte, vista a situação do meu colega, acabei por aceitar compor a mesa, caso em meio ao embaraço ele decidisse não dizer palavra, ou caso eu tivesse que servi-lhe de interprete se ele decidisse dizer todo o seu pensamento em meu ouvido para que eu o pronunciasse em público a fim de preservar-lhe a cara, ou mais especificamente a boca.
Ao final nada disso foi necessário, pois Chico heróico, como poderão conferir no Vídeo, decidiu contar-nos a todos, mesa e platéia, sua situação e fazendo uso do dito papel, que bem cumpriu o seu papel... Falou bravamente durante o debate. Um artista de verdade. Um homem de valor. Não só falou como fez grande diferença ao abordar a importância de um maior investimento no teatro de rua, pois ao contrario do que muitos possam imaginar, o teatro de Rua pode ser extremamente dispendioso. Falou ainda da importância de pensarmos no teatro de rua e sua relação com a tecnologia e ainda que um dos motivos pelo qual o Grupo Galpão volta a rua está relacionado com o fato deles não quererem abandonar um mercado significativo, como o das cidades do interior, que podem se interessar pelo teatro, mas que não contam com estrutura de salas de teatro, ou mesmo com uma população que as freqüentariam. Assim, começou o debate... Quase assim... Começou o debate.
Digo quase assim, por que devo voltar mais uma vez ao começo para ainda esclarecer algumas questões fundamentais.
Lembro que a decisão de realizar o debate foi tomada em rede, entre todos nós do núcleo de pesquisadores de teatro de rua, e que eu, como articuladora do mesmo aqui no Paraná encampei a empreitada. (o trecho a seguir deve ser lido como narração de futebol)
Foi dada a largada, Renata me passou para Chico que nos conectou com o festival que topou dar o espaço e veicular o evento no site, mas que não apoiaria em mais nada. Momento de tensão no campo, a torcida grita, enlouquece, é pênalti do festival!!!!! Vem Alexandre Mate para chutar, chega à área e proclama estar à disposição para participar do debate independentemente de apoio para passagens ou cachês, pois só nos resta militar, e com tais palavras: Balança o véu da noiva!!!!!! Deixando-nos aqui em Curitiba cheios de vontade de mais um gol!!!! O grupo Arte da Comédia é imediatamente acionado para dar suporte a mais um grande ataque e começa a trabalhar na produção. Marcelo Bones topa chutar do meio do campo e emplaca mais um. É Goooolllll do companheiro Marcelo que confirma presença de uma das mais importantes Instituições Culturais do País a Funarte. Curitiba e todo o Brasil sai para comemorar com a torcida. Vera do Grupo Oigalê chega para marcar um escanteio, vem caminhando de loooonge com a certeza de mais um gol e não frustra a Galera, se posiciona, respira e gooooolllll do Rio Grande do Sul. A partida está incrível, um gol depois do outro. E assim, prossegue a disputa pelo teatro brasileiro...
Oh senhor!!!! Eu que nem vejo futebol aqui nessa tentativa ridícula... Acabado o meu curto repertório futebolístico, regresso a uma forma menos surtada de narrativa. Independente da forma escolhida, o que queria dizer é que o debate não haveria acontecido se não fosse o grande espírito de militância de todos os companheiros envolvidos direta e indiretamente no evento. Então, não houve dinheiro de nenhuma instituição, nem para passagens nem hospedagem, nem cachês.
Dito isso, volto a: Assim começou o debate...
Ah! Digo ainda que na tarde anterior ao debate, ficamos de nos encontrar, eu, Chico e Marcelo para deliberarmos um pouco sobre os procedimentos que adotaríamos para o mesmo. Sentamos, falamos um pouco sobre a mesa e por onde andariam os assuntos. Antes de nos despedirmos me senti a vontade para desabafar sobre a minha ansiedade. Quantas pessoas iriam ao teatro Novelas Curitibanas numa sexta feira às dez da manhã para ouvir falar de teatro de rua (pergunto). Detalhe importante, EM CURITBA, minha linda cidade bege! Perguntei apavorada.
Para me acalmar, e já contando com o fiasco numérico em termos de público, Bones e Chico respondem: Não se preocupe com isso, não é a quantidade que importa. Qualquer coisa a gente senta em rodinha e bate um bom papo sobre a nossa arte.
Dia seguinte Novelas Curitibanas, 9horas da manhã. Chego ao teatro e o meu parceiro de Grupo Roberto Innocente já estava lá, havia deixado a sala lindamente decorada para o evento. Sobre a mesa um arranjo de flor e algumas máscaras em couro, uma toalha branca, tudo de estremo bom gosto, como disse Alexandre Mate, tudo demonstrando o grande respeito que temos pelos colegas que ali viriam debater, pelo teatro, e pela platéia. Mais uma vez frio grande na espinha... A pergunta que não queria calar. Quem a essa hora da manhã sairia de casa para... blabla já sabemos....
Dia 19, dez horas da manhã:
30 pessoas na platéia. Interrupção imediata do frio na espinha.
Dia 19, dez e quinze da manhã:
60 pessoas na platéia. Sorriso explícito de felicidade
Dia 19, dez e vinte da manhã:
100 pessoas na platéia. Bones me chama do lado e diz com sua voz mansa de Mineiro desconfiado (desculpem a redundância) : Ei Ânnna!!!!! Quanté quocê pagô pra esstandi genti vir aqui essa hora. Sorriu e se dirigiu calmamente ao seu lugar na mesa.
Agora sim. Assim... Começou o debate.
Cem pessoas assistindo e mais um monte que não pode entrar por falta de lugar no teatro. Um sucesso retumbante. Não podíamos imaginar tanta repercussão .
Estavam lá grupos de Minas, São Paulo, vários do Rio Grande do sul, e para minha surpresa, até alguns jovens de Curitiba, muito atentos e curiosos sobre como fazer e o que fazer com o, agora tão famoso, teatro de rua.
Vou confessar, eu teria feito feliz uma rodinha com meia dúzia, mas a alegria de ver o teatro cheio não cabia em mim, nem no companheiro Mate, que abriu o debate falando magistralmente da história do teatro e da sua relação com o espaço público. Depois seguiu a fala com Walter, que foi extremamente humilde ao se posicionar como homem de pouca experiência junto ao teatro de rua, e propôs então algumas reflexões sobre a complexidade do espaço público. Então falou Chico "e seu papelzinho", seguiu Beto Lanza, falando que era impossível lançar um edital específico de teatro de Rua, posto que não havia demanda na cidade para tal, argumento esse que foi fortemente rebatido pelo colega Cleber no Grupo Arte da Comédia, dizendo que função do estado é também criar demanda segundo as necessidades específicas de cada espaço. Falou ainda que era evidente a necessidade de ocupação do espaço público por ações que contribuam para a edificação de cidadãos mais felizes e humanizados e de um espaço público mais acolhedor.
Marcelo Bones falou da luta que tem sido feita por um orçamento mais digno para a cultura, falou ainda dos editais lançados pela Funarte, entre eles o específico para as artes de rua lançado no ano passado. Disseque deveríamos nos lembrar que o orçamento da cultura é reflexo do que a sociedade acha que a cultura vale, posto que o orçamento nacional é votado pelos representantes da sociedade.
Foi então que eu pouco antes de abrir para as discussões com a platéia falei que achava impressindivel tomar em conta a sociedade civil como importante aliada da causa das artes e do teatro em especifico, e que o teatro de rua deveria ser visto como um grande mobilizador da sociedade frente ao próprio teatro, pois em uma sociedade que não freqüenta as salas, ou que as freqüenta muito pouco, o teatro em espaço público, da visibilidade ao teatro e pode convocar a sociedade a tomar essa arte em boa conta.
Abrimos então para o debate com a platéia e começou uma linda miscelânea de assuntos inquietudes, certezas e duvidas sobre como fazer teatro de rua, como pensar esse teatro.
Enfim... Não faltaram paraques, porquês, deques, conques, comquens e como.
Mais uma vez, e no país nosso de cada dia, espero que cada vez mais... O debate sorriu num guestus de cidadania.
Assim terminou o debate. Com aquele gosto de quero mais!!!!!!
Obrigada RBTR e núcleo de pesquisadores por possibilitar que coisas assim inesperadas aconteçam em minha linda Curitiba Bege.

domingo, 11 de abril de 2010

Instrumentos de Inclusão Social

Ritmo, vibração, alegria! Nas ruas o palco democrático da arte.
Manhã de domingo, nada melhor do que uma boa programação. O confronto único e peculiar é proporcionado com as vivências trazidas nas cenas do teatro de rua. A busca não é apenas do riso pelo riso, mas do riso com reflexão, assim afirma Edson Paulo, integrante do grupo Buraco d`Oráculo. No espaço da rua, não existe um mero espectador, mas um integrante do espetáculo que a qualquer momento pode intervir nas cenas.
Malabarismos, perna-de-pau, pirofagia rimam com a magia do espetáculo. Nas peças são refletidas questões sociais, que interagem e interferem nas diferentes realidades vividas pelo público presente. As apresentações são realizadas em geral ao ar livre e todos ficam ao nível do chão. Com intuito de divertir e instruir, esse segmento do teatro começa a ser, atualmente, mais difundido entre os jovens, em especialmente entre os da periferia.
Na terceira apresentação dos Teatristas Periféricos, resultado do II Núcleo de Teatro de Rua do Projeto Circular Cohab´s, o espetáculo "Cenas Farsescas" encenado por eles na Praça do Setor 65 em Cidade Tiradentes, trouxe alegria e personagens com os quais o público se identificou. Nos atores, apesar da pouca idade, era nítida a segurança na fala e nas expressões, o reflexo da vontade de realizar e se superar. Um dos aprendizados para quem pratica essa arte é justamente a de lidar com as diferenças, a de se conhecer melhor e a de se preocupar com a comunidade na qual faz parte. O contato proativo na rua faz com que o jovem se perceba como ser humano na sociedade. É o que garante Wagner Silva de Almeida, 17 anos, integrante do grupo Teatristas Periféricos "Antes eu era mais um, hoje eu não sou mais. Hoje eu quero fazer a diferença. Essa foi a ajuda do teatro para mim", afirma.
A cultura é o fermento que faz crescer o senso crítico em cada pessoa. Contrapondo aos enlatados estrangeiros, o teatro de rua mostra a importância da reflexão das situações cotidianas e torna viva a arte cênica nacional. Ele é sem dúvida, o grito da liberdade nas regiões periféricas. Um desafio que diariamente é rompido. Dessa forma, conquistam mais e mais um público fiel e estreita seus laços com a comunidade. Cumprindo então, por onde passam, o papel social do teatro. Isso porque, contribuem para a reflexão e formação de agentes sociais transformadores.
No mundo globalizado em que vivemos, não basta só acreditar e falar sobre algo. É preciso agir. Por esta razão, como estudante de jornalismo o senso de cidadania, a vontade de compartilhar e proliferar a cultura, sabendo a importância dela, fez com que optássemos por desenvolver o trabalho de conclusão de curso com o teatro de rua. Ele rima com auto-expressão, que rima com mídia alternativa, que rima com a possibilidade de potencializar o fazer social como um todo. Juntar a paixão com a forma de refletir por meio da arte foi a maneira que encontramos de potencializar esse fazer social. A cultura e a mídia alternativa como instrumentos de inclusão social podem ser os primeiros passos na formação dos pilares para uma visão de mundo mais crítica, compartilhada e construtiva.
Por Mayara Evangelista – Jornalista
Publicado originalmente em A Gargalhada nº 08 julho/agosto de 2007, p. 02.

terça-feira, 6 de abril de 2010

3º Encontro do Núcleo de Pesquisadores de Teatro de Rua

Grupo de Estudos São Paulo

Por Simone Pavanelli

Movimento de Teatro de Rua de São Paulo
Núcleo de Pesquisadores da Rede Brasileira de Teatro de Rua
Data: 26/02/2010
Coordenação: Alexandre Mate
Convidado: Calixto de Inhamuns
Tema: A Trajetória do Teatro Mambembe
Local: Espaço Pyndorama (Cia Antropofágica)
Presentes: Trupe Olho da Rua, Cia Antropofágica, Núcleo Pavanelli, Brava Companhia, Populacho e Pic nic Classe C, Cia do Miolo, Pombas Urbanas, Cia Ocamorana, José Cetra.
Total: 32 pessoas

Informes dados por Alexandre Mate:

- Da natureza dos encontros: Um grupo de estudos cujo conteúdo é basicamente o teatro de rua;
- Enviou um projeto para UNESP solicitando o desenvolvimento de um curso de extensão com esse conteúdo.
- Conceito de teatro de grupo
Segundo alguns teóricos os grupos surgem somente depois de 1980.
Aponta para a existência de grupos de teatro desde os mimos, atores que iam pra rua sem autorização do Estado para realizar cenas farsescas cujo tema predominante era a classe dominante. Os primeiros agrupamentos teatrais eram de populares, os mimos, mas não se tem registro disso nos documentos gregos. Sabe-se dos mimos pelos romanos que dominaram a Grécia e deixaram que o teatro seguisse seu curso. Como não estava sobre o controle do Estado, como na Grécia, o teatro popular se impôs e foi registrado pela história.
Sempre existiram grupos que trabalharam com as três características essenciais do teatro: a existência de atores, do público e do texto. Na tradição popular o texto era desenvolvido pelo coletivo, como os canovaccios da commedia dell'arte. Os atores possuíam um roteiro com algumas lacunas que eram preenchidas por eles mesmos com os improvisos e pelo conhecimento que a platéia tinha do que ia acontecer.
O teatro popular tem uma natureza improvisacional. A palavra dramaturgia significa trabalho com ações. Na cultura erudita a dramaturgia é desenvolvida por um indivíduo na popular pelos artistas que compõem um coletivo.

Calixto de Inhamuns

Inicia seu relato apontado o fato de que pertenceu a uma época em que se lia muito, que o teatro tinha outras condições e que, devido as melhores condições financeiras dos prestadores de mão de obra, se podia viver de bilheteria.
Conta que na época em que estudava, década 60, se tinha uma formação muito melhor do que a que se tem hoje. Estudava em colégio público/ estadual, os melhores colégios na época, e conta que tinham uma boa formação política devido a politização da sociedade, principalmente do meio estudantil, onde se discutia a sociedade brasileira.
No Colégio João Ramalho, escola estadual em São Bernardo do Campo, estudou com Ednaldo Freire, Luiz Alberto de Abreu, Mário Cezar Camargo, Roberto Barbosa e o Primo Gerbelli. O Ednaldo e o Mario pertenciam ao mesmo ano, os outros eram mais novos, mas todos estavam juntos, envolvidos com teatro.
Cita como fatores importantes no estímulo e na formação artística a peça Zumbi, do Grupo de Teatro Arena. Aponta como principal característica desse espetáculo a capacidade do Arena falar em cenas coisas que o povo intuía, sentia, mas não sabia expressar poeticamente. O teatro como antena e propagador dos anseios do povo.
Outra grande influência na sua formação brechtiana foi Antônio Abujamra. Foi através dele que conheceram Brecht, seus sistemas e suas teorias que marcaram o início da carreira deles.
Calixto, com Ednaldo, Mário Cezar, Robertão, Guta (que seria a primeira esposa do Abreu) e outros alunos do João Ramalho formam um grupo no colégio e resolvem montar Eles não usam black-tie, de Guarnieri. Eles chamam Antonino Assumpção, que dirigia um tradicional grupo da cidade, o Regina Paccis, para orientá-los, e este, convida Calixto e Glacy, uma menina do grupo para participarem de uma montagem do grupo, O Veredicto, de Mirian S. Juan.
No Regina Paccis, Calixto, começa a trazer seus amigos para o grupo e participam de uma montagem do Zumbi, dirigida por Antonino Assumpção e Sérgio Rossetti e, de um trabalho criado coletivamente a partir do Evangelho de São Mateus, dirigido e roteirizado por Sérgio Rossetti, O Verbo, o homem, depois o caos...
Ficou no Regina Paccis até 1969 e depois de uma tentativa frustrada de viajar para o Chile, foi para Manaus atraído por um Seminário de Cultura que descobriu na Revista Veja.
Em Manaus, nos fins de 71 entrou no grupo TESC, Teatro Experimental do SESC, e participou do espetáculo Funeral do Grande Morto, direção de Nielson Menão. O Funeral era um espetáculo sobre a repressão e ele considera um dos melhores espetáculos que fez. Criou um projeto para montar Dança Lenta no Local do Crime, do americano William Hanley, para viajar pelo Brasil todo, mas que não conseguiu realizar. Viajou para o rio onde viveu três anos.
No Rio de Janeiro, não se interessou por teatro, mas assistiu aos primeiros trabalhos do Astrubal Trouxe o Trombone. Em 1974, O Inspetor Geral, de Nikolai Gogol, e em 1975, Ubu Rei, de Alfred Jarry, que ele considerou algo novo e muito interessante.
Em 1976, volta pra São Paulo e reencontra seus amigos Ednaldo Freire, Roberto Barbosa e Luiz Alberto de Abreu que, junto com Cláudio Campana, um ator que ele não conhecia, estavam desenvolvendo um trabalho chamado Itaquaquecetuba Km 18, uma criação coletiva, sobre a expulsão dos posseiros para a construção da Rodovia dos Imigrantes. Integra-se ao trabalho e traz novas idéias que não foram aceitas pelo coletivo e é mandado embora do trabalho.
Nessa época Noemi Gerbelli, uma atriz de São Bernado, estava trabalhando no projeto Mambembe, patrocinado pelo SESC e coordenado por Carlos Alberto Soffredini e o convida para trabalhar no mesmo. O objetivo desse projeto era montar um espetáculo e viajar pelo interior de São Paulo estimulando a formação de grupos entre os sócios do SESC e mostrando como era possível fazer teatro de baixo custo.
A proposta era, também, montar um espetáculo na rua. A partir do texto A Vida do Grande Don Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança, de Antônio Jose da Silva, o Judeu, o elenco improvisava e Soffredini escrevia as cenas e entregava para os atores. Nunca o texto foi escrito com todas as cenas, cada ator ficava com a sua, e não existe uma gravação desse espetáculo na íntegra.
Para o espetáculo que precisava ser feito pra censura naquela época, mandaram o texto do Antonio José. A censora, que amiga de alguém do SESC, assistiu, como não entendeu nada e queria mostrar serviço, cortou um telão, criação de Irineu Chamiso, que era o figurinista e cenógrafo, alegando que uma imagem do mesmo era o mapa do Brasil.
Calixto fala que em sua opinião "Dom Quixote" era um espetáculo feito na rua e não teatro de rua. Que a idéia inicial de se fazer um espetáculo simples, e exemplar dessa simplicidade, se transformou em um trabalho com 18 pessoas em cena, um palco com 12 de largura por 9 de profundidade, que era camarim em embaixo, com caixa que comportava telões de 6 metros por 3 de largura, que precisava de duas carretas para o transporte e 11 pessoas para montar.
Conta que na década de 70 se discutia muito sobre o que é um grupo, o que caracteriza um grupo de teatro. Um grupo tem uma estrutura, o trabalho que esta estrutura desenvolve e os trabalhadores que realizam esse trabalho.
A estrutura é como o grupo se organiza para sua gestão com sua hierarquia, definição das funções, as normas disciplinares, a administração financeira, enfim, a burocracia. O trabalho é definido pelos objetivos do grupo (religioso, engajado, entretenimento, etc), sua ideologia e as especificidades do seu fazer (cômico, teatro de rua, vanguarda etc.). Os trabalhadores são as pessoas que formam o coletivo e estão implícitas as suas origens, a formação especifica de cada um, a experiência e os objetivos pessoais.
Em cima dessa estrutura se desenvolveu o trabalho do Mambembe que era inspirada na organização de alguns partidos políticos da época.
A primeira fase do Mambembe tinha o Soffredini como liderança estética e o objetivo era desenvolver uma pesquisa de trabalho popular segundo a ótica dele e de algumas pessoas que já tinham trabalhado com ele. Irineu Chamiso, o cenógrafo e figurinista, era muito importante na criação do visual dos espetáculos. O projeto Mambembe, criado pelo SESC, foi em torno das propostas dessas pessoas.
Nessa época faziam parte do grupo: Calixto de Inhamuns, Flavio Dias, Julio Vicente, Rubens Brito, Douglas Salgado, Ednaldo Freire, Suzana Lakatos, Noemi Gerbelli, Simone Miranda, Eunice Mendes, Eurico Sampaio, Mário Cezar Camargo, Sergio Rossetti... Eram 18 atores, todos registrados pelo SESC com todos os direitos garantidos.
Por causa da rejeição das unidades do SESC no interior, a grande dificuldade de deslocamento, a montagem e desmontagem complicadas, o SESC cortou o projeto depois de seis meses.
Devido ao atraso de uma produção, o SESC ofereceu toda a produção do espetáculo para o grupo se apresentar no Teatro Anchieta, na época um dos melhores teatros de São Paulo, durante um mês.
O espetáculo não foi visto por toda crítica especializada. Apenas Alberto Guzik escreveu uma crítica razoável, mas assistiu o espetáculo em um galpão no SESC Pompéia totalmente deslocado dos seus objetivos. Quem assistiu o espetáculo na Praça da Republica foi Robson Camargo, crítico de uma publicação alternativa, que escreveu Muito circo e pouco pão, onde elogiou o grupo pela pesquisa e criticou pelo falta de "engajamento". Fazer cultura popular, trazer ao público as raízes da nossa cultura, o circo e a revista, enfim, as manifestações populares com uma estética e linguagem acessível, mas sem fazer concessões, não tinha uma importância política.
Durante a temporada no Anchieta, onde entrou a atriz Rosi Campos, alguns atores decidem formar um grupo e continuar com o trabalho: nasce o Grupo de Teatro Mambembe. As propostas e preocupações do grupo era continuar com a pesquisa do teatro popular e a sobrevivência – como fazer arte e viver do seu trabalho.
Eles queriam montar adaptações do Soffredini dos textos circenses Vem buscar-me que ainda sou teu e O Céu uniu dois corações. Para o grupo sobreviver criaram um projeto: O Teatro Aplicado a Educação, em que seriam montadas peças que fizessem parte do currículo escolar. O Soffredini escreveu um prólogo para o Diletante, de Martins Pena, que era a história do teatro até Martins Pena e que foi um sucesso. Depois montaram A farsa de Inês Pereira, do Gil Vicente, o texto original, mas com uma encenação baseada no Teatro de Revista.
O grupo continuava conformado por um pessoal de Santos, Soffredini e Irineu; o pessoal do ABC, o Calixto, o Ednaldo e a Noemi; a turma da EAD, Flávio e Suzana Lakatos, que saiu na Farsa; Rosi e Rubens Brito, que eram da Eca; Eurico era companheiro do Soffredini e Carmo que entrou depois do Don Quixote.
Os grupos mais expressivos daquela época "O Pessoal do Vitor", "Pod de Minoga", Os Farsantes", "Asdrúbal Trouxe o Trombone", "Mambembe" e outros com uma vertente mais política como o "Engenho Teatral", "TUOV", o grupo do Frateschi, da Dulce Muniz, e o "Grupo Expressão", de Osasco. A década de 70 foi influenciada pelas idéias do Artaud e de movimentos teatrais europeus como o Teatro Pobre do Grotowisk e o trabalho do Peter Brook. O Artaud entrou principalmente através do trabalho do Celso Nunes que manteve contato com o Living Theater, que inclusive passou um tempo aqui no início da década. Celso Nunes e Emilio de Biasi foram, através de um trabalho desenvolvido na EAD, que introduziram as teorias européias.
Naquela época os teatros da prefeitura, com exceção do João Caetano, eram usados mais pra festas de formatura. O Mambembe conseguiu pauta em todos eles e desenvolveu um trabalho de divulgação nos bairros. Quando entrou no Martins Pena só tinha entulho! Para chamar as pessoas do bairro foram de casa em casa convidando, falando da peça e do grupo. Nas escolas públicas a diretora parava tudo pra receber quem ia ao teatro vender os ingressos. As professoras vendiam e repassavam o dinheiro pro grupo. A escola não ficava com nada. Teatro era cultura e recebido com dignidade e, algumas vezes, com pompas.
A característica principal do grupo era possuir o domínio artístico direção, atuação, texto, cenografia e música, tudo era criado por alguém do grupo. As coisas do grupo eram distribuídas pelas casas das pessoas.
Depois de Dom Quixote a proposta do grupo era fazer coisas simples. O Diletante, que foi apresentado apenas nos teatros da Prefeitura e na escola, foi um sucesso financeiro, mas A Farsa de Inês Pereira, já era um espetáculo maior, alugaram um teatro no centro fora de período escolar e começaram a ter problemas financeiros.
Nesse período, Soffredini, que ainda não havia escrito o Vem buscar-me que ainda sou teu, viaja para Bahia com o Eurico, Irineu se afasta do grupo, este se esfacela e acaba, o que Calixto chama, a 1ª fase do Mambembe.
Quase todos atores saem e ficam Calixto, Rosy e Maria do Carmo. Ednaldo estava trabalhando em Ribeirão Pires, mas continuava ligado ao grupo. Surge a necessidade de um trabalho que possibilitasse um exercício de interpretação e que se inserisse na discussão sobre a sociedade. Por sugestão de Douglas Salgado, um ator que participou do Dom Quixote e que trabalhava no SESI, montam A Noite dos Assassinos, de José Triana, um autor cubano. Convidam Myriam Muniz pra dirigir e ela os convence a fazer um trabalho deles, coletivo. E foi mudando. Sem eles saberem, ela convida Flávio Império, um dos grandes cenógrafos brasileiros, pra fazer o cenário. Todo dia que eles chegavam tinha mais uma pessoa envolvida no processo. Ficou tão grande o projeto que não era mais o projeto do Mambembe. Eles saíram e, provavelmente, ninguém percebeu.
Eles convidam, por indicação do Ednaldo que havia trabalhado com ele, Roberto Vignati para dirigir o espetáculo. O grupo montou o espetáculo julgando que era intelectual, político e freudiano e que só os estudados compreenderiam. Um espetáculo para o público universitário. Contra a vontade deles, por sugestão de Tercio Nelli, diretor de Cultura de São Bernardo do Campo, apresentaram para os estudantes do Mobral, na maioria trabalhadores, e tiveram uma surpresa: A Noite dos Assassinos era um espetáculo que falava dos malefícios da falta de dinheiro em uma família. Eles que não tinham entendido. Por sugestão de um professor, César Nami, que levou seus alunos pra assistirem O Diletante e A Farsa de Inês Pereira, concordaram em correr o risco de apresentar para pré-adolescentes e foi um sucesso. O texto abordava as questões dos jovens em processo de crescimento e os conflitos com os pais.
Nessa época o valor do ingresso era correspondente a mais ou menos 20 maços de cigarro da marca Continental e nas escolas cobravam 80% desse valor. Era uma época que as pessoas tinham dinheiro pra ir ao teatro, os pais tinham dinheiro pra pagar pros filhos. A mão de obra não era tão desvalorizada.
A Noite dos Assassinos foi o espetáculo que mais rendeu financeiramente para o grupo. Com as vendas de espetáculos conseguiram dinheiro pra montar o Vem buscar-me que ainda sou teu e, depois de sair de cartaz, ainda tinha um resto para montar o Foi bom, meu bem?.
Retomando, na primeira fase do Mambembe a liderança era do Soffredini, com sua pesquisa estética e sobre a cultura popular; na segunda, tinha um núcleo, o pessoal do ABC, Calixto, Ednaldo e depois o Alberto de Abreu, e o objetivo era um trabalho político e de pesquisa.
Enquanto apresentavam A Noite dos Assassinos foi criado um projeto chamado "Pra Seu Governo" onde a partir de uma pesquisa sobre a situação do Brasil na época. Foram feitas entrevistas com Mario Schemberg, Beluzo, Almino Afonso, que acabava de voltar do exílio, um estudioso da Amazonas, ligado ao Partido Comunista, que Calixto não lembra o nome, e outros. Foram chamados outros que já tinham participado do Mambembe como Genésio de Barros, Ednaldo Freire e Wanderley Martins.
Luis Alberto de Abreu foi convidado para escrever o texto. Ele apresentou uma cena, O Elefante Branco, muito engraçada sobre a compra da Light pelo Governo Federal, mas o grupo achou que tinha de politizar mais, ser engraçada, mas aprofundar a discussão.
Eles estavam pesquisando e já se preparando para a montagem, faziam corpo, música e interpretação, quando Soffredini voltou da Bahia com o texto do Vem buscar-me que ainda sou teu pronto, mas sua proposta foi recusada porque a produção seria de outra pessoa, Miriam Muniz faria a personagem principal e Carlos Alberto Ricelli e Bruna Lombardi foram convidados para dois personagens, o Campônio e a Cancionina Song.
Calixto diz que não lembra, ou não entendeu até hoje, o que aconteceu, mas Soffredini ficou encarregado, ou se encarregou, de escrever o texto e o Abreu saiu. O Grupo ainda tinha uma ligação muito grande com o Soffredini, um grande dramaturgo e diretor, que era admirado por todos.
Nas mãos do Soffredini ficou várias horas de gravações, recortes de jornais, livros e outras matérias sobre a pesquisa. Ele não tinha participado da pesquisa, ficou um mês trabalhando e desistiu do trabalho e o grupo ficou sem forças pra continuar o Pra Seu Governo.
O grupo tinha uma carta na manga que era montar A Lata de Lixo da História, do Roberto Schwarz, uma adaptação d`O Alienista, de Machado de Assis. Convidaram Yacov Hillel para dirigir, mas na leitura ele diz que não gosta do texto e propõe um texto que ele gosta muito: Vem buscar-me que ainda sou teu, do Soffredini. O grupo discute muito, tem uma divisão e, por causa da aceitação da montagem, o Rubens Brito sai do grupo. O grupo aceitou montar em primeiro lugar, porque o texto era muito bom, em segundo, por que o Yacov propôs montar com os atores que estavam participando do Pra seu governo, sem entrar mais ninguém.
O resultado foi muito bom de crítica, mas montado no Teatro Célia Helena, na Liberdade, não foi bem de público. Fizeram algumas viagens e foi bem, mas era um espetáculo difícil de adaptar para um palco italiano e tiraram de cartaz.
Como trabalho de transição montaram Foi bom, meu bem?, o primeiro texto profissional do Abreu, com direção de Ewerton de Castro. O trabalho falava da formação sexual do brasileiro, da relação homem e mulher, da solidão e de encontros e desencontros. Ficou mais de um ano em cartaz e foi um grande sucesso de público.
Enquanto apresentavam o Foi bom, meu bem?, começaram um nova pesquisa chamada Projeto ABC. O objetivo era fazer um espetáculo sobre o ABC Paulista, isso em 1979, e sobre o movimento operário liderado por um sindicalista chamado Lula.
Para entender o que acontecia naquela época, resolveram pesquisar a formação do operariado brasileiro. Através de um jornalista do Diário do Grande ABC que tinha feito uma matéria sobre a greve na Tecelagem Ipiranguinha, em 1906, em Santo André, conseguiram entrevistar um velho aposentado, com quase noventa anos, que tinha participado da mesma.
Depois, com a ajuda e orientação do historiador Edgard Carone, começaram a entrevistar operários que haviam participado das greves de 1917 e da revolução de 1925. Depois entrevistam os comunistas que criaram vários sindicatos depois de 30, os migrantes que chegaram nas décadas de 50 e 60 e, finalmente, alguns operários e sindicalistas que participavam das greves do ABC.
O Abreu começa a escrever o texto e vai apresentando para o grupo. Ele já estava na pagina 70 e ainda continuava com os anarquistas. O grupo resolve dividir o trabalho em três etapas: os anarquistas e a chegada dos operários europeus; os migrantes que vieram trabalhar na indústria automobilística e os operários que foram formados do encontro dessas duas vertentes.
Pronto o primeiro tratamento do texto sobre os anarquistas, Bella Ciao, o grupo decide não montar o trabalho. Os motivos foram vários, mas o maior erro na opinião do Calixto, foi que apenas ele e o Abreu participaram da pesquisa de campo e, portanto, tinha um envolvimento e uma emoção que os outros não tinham. Pesou, também, a questão dos papéis. Foi bom, meu bem? era um trabalho para 7 protagonistas. Alguns atores acharam que não tinha bons papéis para eles. Foi bom, meu bem? era uma comédia e, por causa do sucesso, o grupo queria outra comédia. Na votação Bella Ciao perdeu por 4 a 3 e Calixto saiu do grupo.
Luis Alberto de Abreu a partir da pesquisa sobre os migrantes escreve Cala a boca já morreu e começa uma nova fase do Mambembe onde os atores definem a montagem. Em todas as fases o Mambembe montou espetáculos de qualidade, mas, agora, as possibilidades de trabalho para cada ator passou a nortear essa nova fase.
Nessa fase, que Calixto não participou, foram montados Besa-me Mutcho, de Mario Prata, Minha nossa, de Carlos Alberto Soffredini, e Conversando sobre sexo, uma adaptação de Mario Prata de um livro de Marta Suplicy.
O Conversando sobre sexo foi feito junto com o Pod Minoga, com direção de Flávio de Souza e, com esse espetáculo, o grupo inaugurou o seu espaço. O espetáculo não fez sucesso e não foi bem de crítica e o grupo começou a enfrentar tempos difíceis.
Desarticulado o grupo ainda monta Inimigos de Classe, com direção de Márcio Aurélio, apresentando no Centro Cultural, mas depois decidem não levar o grupo adiante.
Nessa fase os atores passaram a escolher os textos e sua maior preocupação era a sobrevivência. Nessa época Calixto sai do grupo. Montam "Besa me Mutcho" de Narciso Prata e "Minha nossa" de Sofredini. Com esse espetáculo o Mambembe inaugura um espaço, o espetáculo não dá certo e montam "Inimigos de Classe" com direção de Marcio Aurélio. O grupo deixa de ser grupo e passa a ser um elenco. Se juntam com o "Pó de Minoga" pra outra montagem e depois disso decidem não levar o grupo à diante.
Calixto que saiu do Mambembe se junta com atores do Circo XX, um grupo de Porto Alegre, e monta Bella Ciao que foi um dos espetáculos mais premiados no teatro paulista.
Depois do relato de Calixto abriu-se uma discussão que girou em torno da estrutura dos grupos e da diferença entre viver da bilheteria e receber uma verba para desenvolver um projeto. Essa discussão leva a outra, a questão do público. O grupo discute sobre a relação que temos agora com o público e sobre o fato de que nosso público é a classe trabalhadora da qual nós também fazemos parte.
Fábio Resende da Brava Companhia conta que no Sacolão das Artes- Parque Santo Antônio, na Zona Sul, há algum tempo fazem temporadas dentro do galpão do grupo com espetáculos próprios e de grupos convidados. Conta que o público além de aumentar vai se tornando crítico dos espetáculos e que em todas as apresentações se abre uma roda de debates.
Marcos Pavanelli, do Núcleo Pavanelli reflete sobre a nossa necessidade de informar o público o que nós, grupos de teatro popular estamos fazendo. Conta que o grupo está se mudando novamente para o Tucuruvi para retomar o trabalho nessa comunidade e que pensa que uma das formas das pessoas participarem das atividades do grupo é com a desmistificação do artista como um ser especial.
Alexandre Mate também faz uma reflexão de que o discurso que os grupos têm muitas vezes não está colocado artisticamente nos seus espetáculos nem na relação que tem com o público.

sábado, 3 de abril de 2010

E não é que o teatro tem poder!

A atriz Ana Flávia Chrispiniano, do grupo IVO 60, relata uma odisséia burocrática. A autorização para uma apresentação gratuita do grupo em locais públicos e de livre acesso, transforma-se num entrave oficial de proporções gigantescas. Burocracia? Cautela? Síndrome de pequeno poder? Despreparo para ocupar um cargo público? Falta de informação? Censura? Honestamente, não sei responder. O fato é que eu não esperava que pudesse ser tão difícil marcar uma apresentação gratuita de teatro em um parque...

Pois bem, apresentar a peça "Gozolândia - uma farsa democrática" em dez parques da cidade foi o plano previsto no projeto "Multiplicar o público, potencializar o teatro", do grupo IVO 60, da Cooperativa Paulista de Teatro. Aprovado pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo, da Secretaria Municipal de Cultura.

Em 20 de junho deste ano, realizei o primeiro contato com os Parques da Juventude, e Horto Florestal (Alberto Lofgren), ambos localizados na Zona Norte, em São Paulo. Precisava tomar conhecimento dos procedimentos necessários para realizarmos apresentações nestes locais no mês de agosto no Horto Florestal, fui orientada apenas a enviar um fax com o pedido para a diretora do parque. No dia seguinte, liguei para saber se havia resposta, e a mesma secretária, muito simpática, afirmou que estava tudo certo.

Após um mês, conforme combinado, voltei a entrar em contato com o Horto, para tratar mais especificamente da produção para o dia da apresentação. A secretária com quem eu havia conversado me passou para outra pessoa, que disse estar preocupada com o título da peça, uma vez que era período eleitoral, e que eu enviasse mais informações a respeito do conteúdo. Eu tentei tranqüilizá-la, e disse que a peça tratava de "Política com P maiúsculo", e não propaganda partidária. E também que a apresentação já havia sido autorizada e divulgada, e que não poderiam voltar atrás. Ela insistiu que eu fizesse a "gentileza" de enviar o release. No dia seguinte, telefonei para saber se tudo estava resolvido, e ouvi: "Olha, a resposta é negativa". Disse-me que não era determinação deles, mas do Secretário de Estado. E eu retruquei: "Mas vocês tiveram uma reunião com ele sobre isso de ontem pra hoje?"
Resolvi entrar em contato com a Cooperativa Paulista de Teatro, para pedir orientação sobre o caso. Eles ligaram para o Horto (e curiosamente foram atendidos pela Diretora, que nunca podia me atender), e ela disse que não seríamos proibidos de apresentar, mas também não teríamos uma autorização por escrito. Ora, se para realizar um evento no parque é necessário pedir autorização, a proposta significa que nossa apresentação aconteceria fora das normas. Além disso, a autorização representa para nós uma parceria que se traduz em um apoio logístico da administração, como a colocação de faixas de divulgação, indicação de local para a apresentação, etc. Seguindo este raciocínio, insistimos quanto à autorização por escrito, e a Diretora disse não entender o porquê de nosso "barraco" e de nossa "celeuma", uma vez que colocariam as faixas.

Realmente, colocaram as faixas. E, ao que parece, vamos nos apresentar normalmente. Assim como ocorreu, no Pq. da Juventude. Fomos extremamente bem recebidos pelos seguranças, mas o administrador nem sequer viu a peça inteira. Provavelmente, a administração do Horto também não irá nos ver. E tudo ocorrerá como se nada houvesse acontecido.

E mesmo este texto parece-me não dar conta de tudo que aconteceu. De tudo que ouvimos e sentimos. Tanto desrespeito ao trabalho cultural, tanta ironia, tanto desprezo... Frases como: " O administrador tá com dois delegados agora, não pode tratar do seu teatro!" Ou: "É a última vez que vai ter apresentação cultural aqui." Ou: " Eu tenho autoridade pra decidir o que pode ou não ser apresentado no meu parque". Ou: "Muitos políticos da Zona Norte freqüentam o parque" Ou: "A peça de vocês é política?" Ou: "O que vocês fazem é propaganda de utilidade pública? Propaganda de idéias?"
E repetir muitas vezes a mesma coisa, com a firme sensação de que não está sendo compreendido: "Sim, a peça é política. Mas nem tudo que é político é partidário."

NEM TUDO QUE É POLÍTICO É PARTIDÁRIO! É no mínimo curioso pensar que alguém que ocupa um cargo público tenha tanta dificuldade em compreender esta distinção. E compreender que os espaços públicos não são apenas de um governo ou de uma administração, mas da população. Um cargo de poder é um privilégio e uma responsabilidade. Para alguns, parece ser somente um privilégio. Ana Flávia Chrispiniano – Atriz do IVO 60
Publicado originalmente em A Gargalhada nº 04, setembro/outubro de 2009, p. 7.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

TEATRO PARA PARAQUESDISTAS

Um Ensaio sobre o Teatro de Intervenção

Em 2003, o Movimento de Teatro de Rua chamou para um bate-papo lá no Barracão Cultural Pavanelli os grupos de teatro de rua da capital paulista. Eu propus o "teatro de intervenção" e, vapt-vupt, o Grupo Manifesta de Arte Cômica se deparou falando sobre isso com o Ilo Krugli, do Vento Forte.

Os grupos de que faço parte nasceram se apresentando para platéias "caçadas a laço" (festas, buffets, eventos etc.). Haja improviso para manter aquele povo inteiro aceso e não naufragarmos num adeus-cachê! Em nada isso se diferenciava do que, por exemplo, falava o Dario Fo no seu Manual Mínimo do Ator! Era o improviso (este rico e vivo repertório de manhas-e-artimanhas cênicas, arduamente conquistado numa vida inteira de ofício) que enchia a barriga e movia as viagens dos artistas medievais. A Paoli Quito a ele se refere como "obra de anjos" que sustentam quem se lança no abismo da relação com a platéia, sem saber onde vai dar... É a pedra-fundamental do teatro de intervenção, uma poderosa isca que pesca o transeunte que "caiu ali de pára-quedas". Seja aonde for, existe melhor maneira de se inserir num ambiente deste do que compartilhá-lo e redimensioná-lo criativamente com quem naturalmente e cotidianamente o habita?


O Amir Haddad define teatro de rua como "celebração", um brinde entre ator e espectador. Respeitadas as devidas proporções, o que vimos fazendo desde nossa origem é exatamente isso: redimensionar ambientes! Transformar "pára-quedista" em espectador e inseri-lo na cena, seja nos cannovacio dos cômicos dell`arte, nas entradas e reprises de palhaços ou alguma ação teatral temática. Bons exemplos são a Risoterapia e nossa versão palhacesca de Dom Quixote e Sancho Pança.

Iná Camargo afirma que o "teatro de rua é arma que pode virar munição para o inimigo". Boa parte da não aceitação do teatro de intervenção por parte da própria classe teatral se dá por conta de tantos artistas que ainda flagramos em portas de lojas ou ao redor de palanques políticos, oferecendo ao banquete dos interesses mercantilistas um instrumento naturalmente tão transformador. Seja técnica ou seja talento (de preferência ambos), é totalmente dele a capacidade de se valer de personagens ou de manipular criativamente um universo todo de características, transformando-o em situações teatrais para, a todo instante, e em espaços não propícios a isso, gerar e manter um diálogo altamente transformador com a população local — "promovendo a ampliação da consciência do espectador ao trazer à tona a sua própria realidade, o seu dia-a-dia, o seu cotidiano", como disse a Georgete Fadel, da Cia. São Jorge de Variedades, que prepara, neste ano, uma invasão de quixotes para as ruas.


A este artista cabe transformar isso. Reconhecer este valor é o primeiro passo, por exemplo, para ele encontrar políticas públicas que modifiquem a sua realidade econômica, que o coloquem no lugar que merece dentro da vitrine teatral da sua cidade, do seu país e no mundo. É maravilhoso que eu, cidadão, passeando pelo meu caminho, seja "raptado" por um acontecimento que me rasga — da forma criativa e crível, por mais escalafobético que pareça — o cotidiano de indivíduo e de coletivo social, que me reinvente como indivíduo e coletivo social, partindo do meu dia-a-dia, me colocando na cena teatral e criando comigo um diálogo tão aberto e intenso, que não me resta outra saída a não ser a de imprimir nesta cena a minha própria visão de mundo!


Em 1993, uma epidemia de cólera levou o Grupo Manifesta pelo país com uma intervenção teatral para trabalhadores de cozinha industrial. Então, constatamos que era possível, sim, uma transformação (individual ou coletiva) nas platéias espontâneas. Nossa vereda sempre foi a da vontade quase paranóica de fazer rir. Como falar de cólera, AIDS, loucura, droga, miséria, dor ou doença usando o humor? O riso é uma atitude revolucionária, regenerativa e renovadora, em suma, política! Em 1995, a experiência do norte-americano Michael Christensen, que espalhou pelo mundo uma rede de palhaços em hospitais, gritou "bingo!". Nos espaços não-convencionais, seja qual for o "recado a ser dado", o humor viabiliza um diálogo mais direto entre ator/personagem-espectador. Ao rir, parece que o pára-quedista nos diz: "tô sabendo! Vamos nessa!". E pode apostar que ele vai! Ele quer uma vivência nova, verdadeira e (sim, Brecht tinha razão nisso!) divertida. Por mais curto que seja seu tempo ali, ele é fiel, ele quer botar seu pitaco naquela história, fazer parte daquela vivência.

Este é o cerne principal disto que estamos denominando como sendo TEATRO DE INTERVENÇÃO. Abramos nossos livros de escola e recordemos quais são os propósitos que legaram ao mundo um Boal! Então, é hora de revermos determinadas crenças, principalmente as que reivindicam "sustentações acadêmicas" que legitimem esta expressão teatral. "Narrativas de Passagem", por exemplo, é um projeto com o qual o dramaturgo Luiz Alberto de Abreu visa narrar passagens míticas do ser humano, principalmente a da morte, para pessoas em estágio terminal, de risco de vida ou em estado de abandono. Ao invés da compreensão e do desfrute destas narrativas, o que se vem notando nos responsáveis pela viabilização desses encontros é a preocupação com "o aval acadêmico necessário ao sustento da proposta"!


Que se pense menos e se faça mais! Que se viva e se deixe viver! Que gênio esperou bênção de alguém ou até mesmo decidiu-se a sê-lo? Cada qual que coloque seu bloco na rua e toque sua música com todas as cordas do seu coração plenamente afinadas. É o espectador que importa. Não falo só de presença física, mas, sim, da forma como sua sensibilidade é tocada, conquistada, seduzida, compartilhada e redimensionada; falo de paridade, de divisão de responsabilidade no estabelecimento do momento teatral no cotidiano de todos nós! Isto é Teatro de Intervenção.

A menos que seja lícito negar as infindáveis riquezas contidas no arcabouço que o sustenta, fruto constante de uma inventividade herdada dos primórdios do Teatro, dos rituais de todas as crenças, das festas dionisíacas, ágoras gregas, das antigas andanças das trupes mambembes, me parece algo natural que o Teatro de Intervenção incomode a ótica acadêmica instituída, por conta de uma lentidão no que toca à aceitação dos próprios desdobramentos do fazer teatral, em suas inúmeras e sempre renováveis vertentes estéticas.


* Carlos Biaggioli é integrante do Grupo Manifesta de Arte Cômica e da Cia. de Rocokóz
Publicado originalmente em A Gargalhada nº 03, julho/agosto de 2006, p. 7.