Por Ana Rosa Genari Tezza
Assim começou o debate
Detenho-me hoje finalmente para relatar aos colegas do Núcleo de Pesquisadores de Teatro de Rua como nos saímos no debate proposto em Curitiba em março desse lindo ano de 2010. Devo um milhão e meio de desculpas pela demora, mas... O "tempo" já não é o mesmo desde que o Lewis Carroll tentou afogá-lo numa xícara de chá em Alice no País das Maravilhas.
Digo que respeitando a cultura oral própria da Arte da Rua, falarei como se escrevesse... Ou quem sabe ao contrario.
Dia 19 de março, enquanto o festival de Curitiba estava em plena Festivalidade, aconteceu às 10 da manhã no teatro Novelas Curitibanas, um debate que levou o título de "O trabalho do Ator na Rua". A mesa deveria ser composta por Alexandre Mate (professor doutor da UNESP), Marcelo Bones (diretor de arte Cênicas da FUNARTE, rueiro e grande amigo de luta), Chico Pelucio( ator do Grupo Galpão e na ocasião curador do festival de Curitiba para o espaço das Novelas Curitibanas), Walter Lima Torres (professor doutor da UFPR) e Paulino Viapiana (presidente da Fundação cultural de Curitiba). Entretanto tivemos que fazer duas pequenas alterações de última hora: A primeira foi a substituição do senhor Paulino Viapiana, que estava em Brasília na ocasião, pelo grande colega diretor de teatro e funcionário da Fundação cultural, Beto Lanza. A segunda foi a minha súbita inclusão na mesa como mediadora. A minha participação foi proposta por Chico Pelucio e por Marcelo Bones visto que nosso companheiro Chico teve um contratempo dentário e já ao chegar ao debate, nos avisou que deveria abandonar-nos antes do término para ir ao dentista que deveria por meio de uma intervenção odontológica, deixá-lo outra vez em condições de falar sem se sentir obrigado a tapar a boca com um papel. Papel esse que cumpriu muito bem o seu papel, e nos preservou a visão de Chico sem o dente da frente. Digo tudo isso sem pudor, sem medo, pois independente do meu relato está tudo filmado e devidamente documentado e seria impossível ocultar os detalhes divertidos posto que o vídeo do debate estará em breve disponível em diversas instituições do país e quiçá... Da America Latina... Ou ainda do mundo todo, oriente e ocidente. Eu, de minha parte, vista a situação do meu colega, acabei por aceitar compor a mesa, caso em meio ao embaraço ele decidisse não dizer palavra, ou caso eu tivesse que servi-lhe de interprete se ele decidisse dizer todo o seu pensamento em meu ouvido para que eu o pronunciasse em público a fim de preservar-lhe a cara, ou mais especificamente a boca.
Ao final nada disso foi necessário, pois Chico heróico, como poderão conferir no Vídeo, decidiu contar-nos a todos, mesa e platéia, sua situação e fazendo uso do dito papel, que bem cumpriu o seu papel... Falou bravamente durante o debate. Um artista de verdade. Um homem de valor. Não só falou como fez grande diferença ao abordar a importância de um maior investimento no teatro de rua, pois ao contrario do que muitos possam imaginar, o teatro de Rua pode ser extremamente dispendioso. Falou ainda da importância de pensarmos no teatro de rua e sua relação com a tecnologia e ainda que um dos motivos pelo qual o Grupo Galpão volta a rua está relacionado com o fato deles não quererem abandonar um mercado significativo, como o das cidades do interior, que podem se interessar pelo teatro, mas que não contam com estrutura de salas de teatro, ou mesmo com uma população que as freqüentariam. Assim, começou o debate... Quase assim... Começou o debate.
Digo quase assim, por que devo voltar mais uma vez ao começo para ainda esclarecer algumas questões fundamentais.
Lembro que a decisão de realizar o debate foi tomada em rede, entre todos nós do núcleo de pesquisadores de teatro de rua, e que eu, como articuladora do mesmo aqui no Paraná encampei a empreitada. (o trecho a seguir deve ser lido como narração de futebol)
Foi dada a largada, Renata me passou para Chico que nos conectou com o festival que topou dar o espaço e veicular o evento no site, mas que não apoiaria em mais nada. Momento de tensão no campo, a torcida grita, enlouquece, é pênalti do festival!!!!! Vem Alexandre Mate para chutar, chega à área e proclama estar à disposição para participar do debate independentemente de apoio para passagens ou cachês, pois só nos resta militar, e com tais palavras: Balança o véu da noiva!!!!!! Deixando-nos aqui em Curitiba cheios de vontade de mais um gol!!!! O grupo Arte da Comédia é imediatamente acionado para dar suporte a mais um grande ataque e começa a trabalhar na produção. Marcelo Bones topa chutar do meio do campo e emplaca mais um. É Goooolllll do companheiro Marcelo que confirma presença de uma das mais importantes Instituições Culturais do País a Funarte. Curitiba e todo o Brasil sai para comemorar com a torcida. Vera do Grupo Oigalê chega para marcar um escanteio, vem caminhando de loooonge com a certeza de mais um gol e não frustra a Galera, se posiciona, respira e gooooolllll do Rio Grande do Sul. A partida está incrível, um gol depois do outro. E assim, prossegue a disputa pelo teatro brasileiro...
Oh senhor!!!! Eu que nem vejo futebol aqui nessa tentativa ridícula... Acabado o meu curto repertório futebolístico, regresso a uma forma menos surtada de narrativa. Independente da forma escolhida, o que queria dizer é que o debate não haveria acontecido se não fosse o grande espírito de militância de todos os companheiros envolvidos direta e indiretamente no evento. Então, não houve dinheiro de nenhuma instituição, nem para passagens nem hospedagem, nem cachês.
Dito isso, volto a: Assim começou o debate...
Ah! Digo ainda que na tarde anterior ao debate, ficamos de nos encontrar, eu, Chico e Marcelo para deliberarmos um pouco sobre os procedimentos que adotaríamos para o mesmo. Sentamos, falamos um pouco sobre a mesa e por onde andariam os assuntos. Antes de nos despedirmos me senti a vontade para desabafar sobre a minha ansiedade. Quantas pessoas iriam ao teatro Novelas Curitibanas numa sexta feira às dez da manhã para ouvir falar de teatro de rua (pergunto). Detalhe importante, EM CURITBA, minha linda cidade bege! Perguntei apavorada.
Para me acalmar, e já contando com o fiasco numérico em termos de público, Bones e Chico respondem: Não se preocupe com isso, não é a quantidade que importa. Qualquer coisa a gente senta em rodinha e bate um bom papo sobre a nossa arte.
Dia seguinte Novelas Curitibanas, 9horas da manhã. Chego ao teatro e o meu parceiro de Grupo Roberto Innocente já estava lá, havia deixado a sala lindamente decorada para o evento. Sobre a mesa um arranjo de flor e algumas máscaras em couro, uma toalha branca, tudo de estremo bom gosto, como disse Alexandre Mate, tudo demonstrando o grande respeito que temos pelos colegas que ali viriam debater, pelo teatro, e pela platéia. Mais uma vez frio grande na espinha... A pergunta que não queria calar. Quem a essa hora da manhã sairia de casa para... blabla já sabemos....
Dia 19, dez horas da manhã:
30 pessoas na platéia. Interrupção imediata do frio na espinha.
Dia 19, dez e quinze da manhã:
60 pessoas na platéia. Sorriso explícito de felicidade
Dia 19, dez e vinte da manhã:
100 pessoas na platéia. Bones me chama do lado e diz com sua voz mansa de Mineiro desconfiado (desculpem a redundância) : Ei Ânnna!!!!! Quanté quocê pagô pra esstandi genti vir aqui essa hora. Sorriu e se dirigiu calmamente ao seu lugar na mesa.
Agora sim. Assim... Começou o debate.
Cem pessoas assistindo e mais um monte que não pode entrar por falta de lugar no teatro. Um sucesso retumbante. Não podíamos imaginar tanta repercussão .
Estavam lá grupos de Minas, São Paulo, vários do Rio Grande do sul, e para minha surpresa, até alguns jovens de Curitiba, muito atentos e curiosos sobre como fazer e o que fazer com o, agora tão famoso, teatro de rua.
Vou confessar, eu teria feito feliz uma rodinha com meia dúzia, mas a alegria de ver o teatro cheio não cabia em mim, nem no companheiro Mate, que abriu o debate falando magistralmente da história do teatro e da sua relação com o espaço público. Depois seguiu a fala com Walter, que foi extremamente humilde ao se posicionar como homem de pouca experiência junto ao teatro de rua, e propôs então algumas reflexões sobre a complexidade do espaço público. Então falou Chico "e seu papelzinho", seguiu Beto Lanza, falando que era impossível lançar um edital específico de teatro de Rua, posto que não havia demanda na cidade para tal, argumento esse que foi fortemente rebatido pelo colega Cleber no Grupo Arte da Comédia, dizendo que função do estado é também criar demanda segundo as necessidades específicas de cada espaço. Falou ainda que era evidente a necessidade de ocupação do espaço público por ações que contribuam para a edificação de cidadãos mais felizes e humanizados e de um espaço público mais acolhedor.
Marcelo Bones falou da luta que tem sido feita por um orçamento mais digno para a cultura, falou ainda dos editais lançados pela Funarte, entre eles o específico para as artes de rua lançado no ano passado. Disseque deveríamos nos lembrar que o orçamento da cultura é reflexo do que a sociedade acha que a cultura vale, posto que o orçamento nacional é votado pelos representantes da sociedade.
Foi então que eu pouco antes de abrir para as discussões com a platéia falei que achava impressindivel tomar em conta a sociedade civil como importante aliada da causa das artes e do teatro em especifico, e que o teatro de rua deveria ser visto como um grande mobilizador da sociedade frente ao próprio teatro, pois em uma sociedade que não freqüenta as salas, ou que as freqüenta muito pouco, o teatro em espaço público, da visibilidade ao teatro e pode convocar a sociedade a tomar essa arte em boa conta.
Abrimos então para o debate com a platéia e começou uma linda miscelânea de assuntos inquietudes, certezas e duvidas sobre como fazer teatro de rua, como pensar esse teatro.
Enfim... Não faltaram paraques, porquês, deques, conques, comquens e como.
Mais uma vez, e no país nosso de cada dia, espero que cada vez mais... O debate sorriu num guestus de cidadania.
Assim terminou o debate. Com aquele gosto de quero mais!!!!!!
Obrigada RBTR e núcleo de pesquisadores por possibilitar que coisas assim inesperadas aconteçam em minha linda Curitiba Bege.
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