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sábado, 3 de abril de 2010

E não é que o teatro tem poder!

A atriz Ana Flávia Chrispiniano, do grupo IVO 60, relata uma odisséia burocrática. A autorização para uma apresentação gratuita do grupo em locais públicos e de livre acesso, transforma-se num entrave oficial de proporções gigantescas. Burocracia? Cautela? Síndrome de pequeno poder? Despreparo para ocupar um cargo público? Falta de informação? Censura? Honestamente, não sei responder. O fato é que eu não esperava que pudesse ser tão difícil marcar uma apresentação gratuita de teatro em um parque...

Pois bem, apresentar a peça "Gozolândia - uma farsa democrática" em dez parques da cidade foi o plano previsto no projeto "Multiplicar o público, potencializar o teatro", do grupo IVO 60, da Cooperativa Paulista de Teatro. Aprovado pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo, da Secretaria Municipal de Cultura.

Em 20 de junho deste ano, realizei o primeiro contato com os Parques da Juventude, e Horto Florestal (Alberto Lofgren), ambos localizados na Zona Norte, em São Paulo. Precisava tomar conhecimento dos procedimentos necessários para realizarmos apresentações nestes locais no mês de agosto no Horto Florestal, fui orientada apenas a enviar um fax com o pedido para a diretora do parque. No dia seguinte, liguei para saber se havia resposta, e a mesma secretária, muito simpática, afirmou que estava tudo certo.

Após um mês, conforme combinado, voltei a entrar em contato com o Horto, para tratar mais especificamente da produção para o dia da apresentação. A secretária com quem eu havia conversado me passou para outra pessoa, que disse estar preocupada com o título da peça, uma vez que era período eleitoral, e que eu enviasse mais informações a respeito do conteúdo. Eu tentei tranqüilizá-la, e disse que a peça tratava de "Política com P maiúsculo", e não propaganda partidária. E também que a apresentação já havia sido autorizada e divulgada, e que não poderiam voltar atrás. Ela insistiu que eu fizesse a "gentileza" de enviar o release. No dia seguinte, telefonei para saber se tudo estava resolvido, e ouvi: "Olha, a resposta é negativa". Disse-me que não era determinação deles, mas do Secretário de Estado. E eu retruquei: "Mas vocês tiveram uma reunião com ele sobre isso de ontem pra hoje?"
Resolvi entrar em contato com a Cooperativa Paulista de Teatro, para pedir orientação sobre o caso. Eles ligaram para o Horto (e curiosamente foram atendidos pela Diretora, que nunca podia me atender), e ela disse que não seríamos proibidos de apresentar, mas também não teríamos uma autorização por escrito. Ora, se para realizar um evento no parque é necessário pedir autorização, a proposta significa que nossa apresentação aconteceria fora das normas. Além disso, a autorização representa para nós uma parceria que se traduz em um apoio logístico da administração, como a colocação de faixas de divulgação, indicação de local para a apresentação, etc. Seguindo este raciocínio, insistimos quanto à autorização por escrito, e a Diretora disse não entender o porquê de nosso "barraco" e de nossa "celeuma", uma vez que colocariam as faixas.

Realmente, colocaram as faixas. E, ao que parece, vamos nos apresentar normalmente. Assim como ocorreu, no Pq. da Juventude. Fomos extremamente bem recebidos pelos seguranças, mas o administrador nem sequer viu a peça inteira. Provavelmente, a administração do Horto também não irá nos ver. E tudo ocorrerá como se nada houvesse acontecido.

E mesmo este texto parece-me não dar conta de tudo que aconteceu. De tudo que ouvimos e sentimos. Tanto desrespeito ao trabalho cultural, tanta ironia, tanto desprezo... Frases como: " O administrador tá com dois delegados agora, não pode tratar do seu teatro!" Ou: "É a última vez que vai ter apresentação cultural aqui." Ou: " Eu tenho autoridade pra decidir o que pode ou não ser apresentado no meu parque". Ou: "Muitos políticos da Zona Norte freqüentam o parque" Ou: "A peça de vocês é política?" Ou: "O que vocês fazem é propaganda de utilidade pública? Propaganda de idéias?"
E repetir muitas vezes a mesma coisa, com a firme sensação de que não está sendo compreendido: "Sim, a peça é política. Mas nem tudo que é político é partidário."

NEM TUDO QUE É POLÍTICO É PARTIDÁRIO! É no mínimo curioso pensar que alguém que ocupa um cargo público tenha tanta dificuldade em compreender esta distinção. E compreender que os espaços públicos não são apenas de um governo ou de uma administração, mas da população. Um cargo de poder é um privilégio e uma responsabilidade. Para alguns, parece ser somente um privilégio. Ana Flávia Chrispiniano – Atriz do IVO 60
Publicado originalmente em A Gargalhada nº 04, setembro/outubro de 2009, p. 7.

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