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quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Pensamentos em Guerras IV - Cristina Daniels

Pensamentos em Guerras IV

Último texto de nossas colaboradoras. Pensamentos em Guerras é um exercício de reflexão sobre teatro e sociedade que tem como ponto de partida o espetáculo GUERRAS DESCONHECIDAS da Estudo de Cena.

Reflexão da filósofa Cristina Daniels:

O elo perdido


Partindo do princípio de que o teatro tem um papel privilegiado no resgate das lutas das classes miseráveis contra a opressão patronal banidas de nossa memória, a que se propõe a encenação de "Guerras Desconhecidas", da Companhia Estudo de Cena, acho que uma contribuição interessante e uma perspectiva a partir da qual interpretá-la, é explorar a característica desse privilégio, que é a essência não documental dessa representação, procurando, com isso, acompanhar as referências de nossa crítica literária mais radical. Nesse sentido, repare-se bem: na Guerra de Pau de Colher, de São Bonifácio, do Gatilheiro Quintino ou de Santa Dica, o que ficou soterrado e que a peça evoca não é o conteúdo explícito dos acontecimentos, que é secundário para a apreensão de um contexto social, e que, bem ou mal, suas ruínas permitem ao historiador recontar ou mesmo inferir, mas algo que não é imediatamente perceptível. Trata-se de um sentimento exato, específico de direito à terra, um sentido inequívoco de justiça social, arraigados a fatos próximos aos indivíduos, produzidos por uma conjuntura social imediata precisa, e aos quais , por isso mesmo, conferiram direção. Os quadros que apresentam sucessivamente lavradores, garimpeiros e sertanejos afrontando o poder dos dominantes e a força bruta de seus soldados e milícias nos deixam adivinhar uma compreensão desassombrada da realidade a que não estamos habituados e que é possibilitada por um contexto social arcaico, específico, "pré-moderno", e, por isso, anacrônico, como ainda ocorre nas regiões "atrasadas" do país, onde a arbitrariedade do mando, a alternativa de formas autossuficentes de sobrevivência, a constelação de interesses em conflito surgem inteiramente evidentes a um só tempo. Esta experiência se perde quando a impessoalidade do poder e a gestão institucional de todas as formas de vida das pessoas, do trabalho à família, sem falar no próprio "ócio", tornam tão distante e flexível a ideia de oposição ao sistema que ela se presta praticamente a qualquer uso e a nenhum. Efeito dessa desmobilização é o desfecho conformista em que vamos encontrar a família de sobreviventes da Guerra de São Bonifácio (1987), em contraste com as cenas da rebelião que a personagem de Juliana Liegel melancolicamente rememora.


                                                         



Afinal, a energia elétrica chegara ao vilarejo da família, que também já adquirira, em longuíssimas prestações, uma magnífica TV tela plana, e, para arrematar o quietismo, aos domingos, a igreja encarregou-se de congregar e entreter os moradores de São Bonifácio. Ao mesmo tempo em que a memória da intervenção social, a transmissão da experiência, foi silenciada, junto com as mortes que custaram, ao país, a modernização capitalista – que, geograficamente, como se vê, jamais se completou –, as próprias condições daquela intervenção foram suspensas, aconselhando à "acomodação à vida", como faz a família de ex-garimpeiros de Serra Pelada. Enquanto se extirpa a herança política da luta espontânea dos oprimidos, que a partir da intensificação da industrialização, por volta da metade do séc. XX, será cada vez mais desfavorecida, as contradições da moderna ordem social são relativizadas em nome das promessas do progresso que, no caso do Brasil, denominavam-se "desenvolvimento", e foram contraditoriamente encampadas mesmo pelos defensores do socialismo. Esse progressismo dependeu em boa parte do descabido nacionalismo ufanista que a pantomima grotesca de abertura da peça espicaça, ao fazer os brasileiros serem cagados por uma mãe pátria antropófoga (Juliana Liegel). A força da pilhéria se acentua mais quando lembramos que a sociedade nacional, a "nação", teve uma origem completamente artificial, que foi oferecer suporte para a manutenção do território brasileiro como entreposto comercial de Portugal. Assim, em contrapartida ao obscurecimento do vínculo das ideias com a ordem social, temos o fomento da abstração pela apologética dos ideais modernos. A ilusão desenvolvimentista persistiu, ainda que desmentida pela aliança da burguesia nacional com o imperialismo, trazida à luz com o golpe militar (e civil) de 1964, até poucas décadas atrás, quando a terceira revolução industrial condenou definitivamente o país ao "atraso". Então, um capitalismo inequivocamente vitorioso, dispensando as antigas promessas autolegitimadoras, trouxe à tona o perverso efeito ideológico de tanta abstração: a inversão indiscriminada de todos os valores emancipatórios e a promoção de um gigantesco retrocesso de direitos, paradoxalmente sob o mesmo antigo rótulo de avanço social; no topo, nada menos que a sacralização da liberdade do mercado e a conversão da liberdade do indivíduo em ameaça. Poderíamos dizer que o capital presenteou a cultura da civilização burguesa... com um Cavalo de Troia! Esta é a natureza ideológica do monumental esquecimento que nos separa das anacrônicas batalhas nos rincões brasileiros pré-modernos, onde a ideia de justiça, articulada à realidade material, ainda não se reduziu a uma abstração indefinidamente maleável. Com isso, o resgate das memórias apagadas acaba por conduzir a um ponto nevrálgico: representar experiências efetivas do passado a partir de um presente povoado de fraseologias. Nessas circunstâncias, a encenação se encontra entre a abstração quase inevitável e o ponto de fuga que é a sua fidelidade ao seu próprio vínculo com o presente, momento em que reevoca a investida ancestral contra o poder dominante ancorada na realidade material. Esse dilaceramento é precisamente o impasse formulado pela impressionante personagem de Nei Gomes, cujas características, ao mesmo tempo, fazem dela essa espécie de elo perdido entre o presente e o passado. Em transe, o patético "Canarinho" anuncia a seguinte visão:

"– Olha essa tempestade que tá partindo prá cima da gente!..."
"– Ocês tão ouvindo esse eco de voz que já ficou mudo?
" – Cês tão sentindo esse ar que já foi respirado? Essas ruínas que tão crescendo até o céu?..."
"Eu lembro da Guerra de Pau de Colher como se fosse um relâmpago na minha cabeça!"


                                
Evocando o anjo da História, de Walter Benjamin, a representação de Nei Gomes personifica a suspensão temporal apontada por "Guerras Desconhecidas". Canarinho enxerga, aterrorizado, como o "Angelus Novus", de Paul Klee, as ruínas que são o nosso presente, da qual ele mesmo é testemunho. Ele, que é a personagem mais descentrada da peça é também o elo mais forte com o passado porque o seu vazio reflete o presente, a abstração da realidade derivada da impossibilidade de atuação social, e o seu terror, emblematicamente falando, constitui um sentimento efetivamente vinculado à conjuntura que nos concerne. O terror desmente a concepção salvífica da história, a confiança no final feliz, que é um elemento da apologética dominante, e nos devolve ao ponto mais forte da resistência ao sistema, que é o mais próximo da realidade, por pior que esta seja. Recuperemos, então, um pouco do que é relatado sobre a personagem.

Canarinho retrata um empregado, ou talvez agregado, alcoólatra, perseguido pelas lembranças do sangrento ataque militar que deu fim ao povoado em que vivia: as últimas impressões junto à mãe quase morta; o odor fétido a exalar de um buraco em que jazia o corpo de um soldado; a arrepiante imagem das mulheres do vilarejo, abrindo lençóis contra os fuzis para impedir a mira dos atiradores... Ainda muito pequeno, em 1937, como outras crianças sobreviventes do massacre de Pau de Colher, na Bahia, foi levado pela polícia assassina até o município de Casa Nova, na divisa do Piauí, e, quase como um escravo, deixado aos cuidados de um grande proprietário. Seguindo essa impiedosa sina, as narrativas vivas que brotam de seu delírio também lhe são subtraídas por Romão, representado por Marilza Batista, o amigo espertalhão, cuja camaradagem escarninha não parece deixá-lo de todo indiferente à desgraça do órfão do arraial, a quem presenteia com um relicário do campo de batalha de seus pais. Braço forte do proprietário (Roberto Kroupa), ele transforma a poética do bêbado nas letras das músicas horríveis que compõem o show de inauguração do novo mercado do patrão, seguindo o atualíssimo padrão do lixo cultural, e por aí também ficamos informados que a "modernização", enfim, chegara ao modo de vida sertanejo. Para arrematar, acrescentemos que é o próprio Canarinho quem diz ter sido "salvo" por um soldado. Nisto, aliás, já pouco importa que acredite ou não, porque sua fragilidade bem mostra que é ele ao mesmo tempo a última testemunha e o primeiro borrão na lembrança do sentido concreto de justiça, outrora bem enraízado em Pau de Colher.

Entretanto, essa interpretação, aparentemente, contradiz outro momento forte da peça, quando Marilza Batista declama um poema de Aimé Césaire, um dos expoentes do Surrealismo. Uma impassível afirmação da superioridade dos valores humanos acima de toda dominação e vilania, por mais que tenha perdurado até aqui. Evidentemente, não se trata de fazer uma leitura ao pé da letra, nem do contrassenso de pôr em questão uma poética consagrada. Ainda assim, considerando o contexto da peça, talvez mais interessante que se entregar à força desses poderosos versos, seria deter-se antes que a nossa ancestral sede de justiça possa festejar valores que, quanto mais imprescindíveis, mais intransigentemente devemos impedir que a falsa garantia de sua realização sirva de escudo à própria ordem que os condena. Por essa razão, é que a voz fraca e o pensamento não linear de Canarinho parecem insistir em ficar com a última palavra em "Guerras Desconhecidas", nos devolvendo intransigentemente às ruínas do presente para escutá-las.


Cristina Daniels,

filósofa formada pela Universidade de São Paulo.

São Paulo, 14 dez. 2015

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Lei do artista de rua de Goiânia


Gabinete do Prefeito 
LEI Nº 9.703, DE 03 DE DEZEMBRO DE 2015 
Dispõe sobre a apresentação de artistas de rua nos logradouros públicos do Município de Goiânia. 

A CÂMARA MUNICIPAL DE GOIÂNIA, Estado de Goiás, aprova e eu, PREFEITO MUNICIPAL, sanciono a seguinte Lei: 
Art. 1º As manifestações culturais de artistas de rua no espaço público aberto tais como praças, anfiteatros, lagos, boulevards, bastará ao responsável pela manifestação informar à Secretaria Municipal de Cultura sobre o dia e hora de sua realização, a fim de compatibilizar o compartilhamento de espaço, se for o caso, com outra atividade da mesma natureza no mesmo dia e local, e observar as seguintes requisitos: 
I – Sejam gratuitas para os espectadores, permitidas doações espontâneas; 
II – Permitam a livre fluência do trânsito; 
III – Permitam a passagem e circulação de pedestres, bem como o acesso a instalação pública ou privada; 
IV – Prescidam de palco ou de qualquer outra estrutura de prévia instalação no local; 
V – Utilizem fonte de energia para alimentação do som com potência máxima de 50 (cinqüenta) KVAs; 
VI – Tenha duração máxima de até 4 (quatro) horas e estejam concluídas até às 22 (vinte e duas) horas; 
VII – Não tenham patrocínio privado que as caracterize como um evento de marketing, salvo projetos apoiados por lei municipal, estadual ou federal de incentivo à cultura. 
§ 1º As atividades desenvolvidas com base nesta Lei não implica em isenção de taxas, emolumentos, tributos e impostos quanto aos patrocínios públicos diretos ou a eventuais pagamentos recebidos pelos realizadores efetuados através de leis de incentivo fiscal. 

Art. 2º Serão consideradas atividades artísticas e culturais, para fins desta Lei, todas as manifestações, shows, performances, saraus e recitais, nas mais diferentes linguagens, como teatro, dança, circo, mímica, música, artes visuais e plásticas, literatura e poesia. Parágrafo único. Durante a atividade ou evento fica permitido à comercialização de bens culturais duráveis, como CD’s, DV’s, livros, quadros e peças artesanais, sendo estes produtos da autoria do apresentante. Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 

GABINETE DO PREFEITO DE GOIÂNIA, aos 03 dias do mês de dezembro de 2015. 
PAULO GARCIA Prefeito de Goiânia Ivanor Florêncio Osmar de Lima Magalhães  

Palácio das Campinas Venerando de Freitas Borges 
(Paço Municipal) Av. do Cerrado nº 999 - Park Lozandes - Goiânia - GO 
CEP 74.884-900 
Fone: 55 62 3524.3004 
| e-mail:paulogarcia@goiania.go.gov.br 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Pensamentos em Guerras III


PENSAMENTOS EM GUERRAS III
 
            Com a intenção de aprofundar o pensamento crítico sobre os trabalhos da Estudo de Cena e contribuir com a formação de seus/suas integrantes e do público, a Estudo de Cena convidou pesquisadoras e artistas, que tem interesse na relação entre arte e realidade latino americana, para escrever reflexões a partir do espetáculo GUERRAS DESCONHECIDAS.

Confiram o terceiro texto da série escrito pela cientista social e educadora Jade Percassi.

Pensamentos em Guerras na Batalha das Ideias


"Tão longa a história das perdas que é preciso que faça sentido."

(trecho de A Farsa da Justiça Burguesa)


Porque a História não começa onde a gente começa é que é preciso reconhecer a importância e a beleza destes Pensamentos em Guerras.

Partindo de um projeto mais amplo, "Barricadas", a ideia da intervenção (ou deveria se chamar peça de Agitação?) Guerras Desconhecidas encontrava-se inscrita na noção de arte contra-hegemônica, que, segundo o pensamento de Gramsci, considera que contribuir para romper com as relações de hegemonia vigentes e com um modo de pensar unificado, na formação de uma nova concepção de mundo por meio da qual se fará uma nova leitura da história e da herança cultural da humanidade, faz parte da tarefa revolucionária. E para cumprir com tal tarefa, como é sabido, não basta avermelhar o discurso.

Daí que reconhecemos, em cena, desalienadamente, dezenas de pistas que demonstram serem os atos desta peça frutos de intensa pesquisa – teórica, sobre os processos históricos de luta e resistência de trabalhadores e trabalhadoras, conforme declara a própria Companhia – mas também, e principalmente, do aprofundamento dos estudos de linguagem, que intensificados no último período através da realização dos seminários Teatro de todos os dias e Diversões Populares – agregaram elementos do teatro de feira, circo, teatro de rua, estátuas vivas, mamulengos, malhação de judas, cortejos, entre outros, expressões populares carregadas de força e beleza, insistentemente desqualificadas ou invisibilizadas pela dita "alta" cultura.


                                                               

Ainda sobre os sinais visíveis do processo de construção, tal como um canteiro de obras não desmontado, percebemos a riqueza da interação entre os pares – a contribuição, intencionalizada ou não, de integrantes de grupos de teatro aliados dentro dessa perspectiva de uma arte política e politizada, e que vão contribuindo nessa interação e fricção de linguagens e criações, para um repertório crescente de um modo de fazer teatro que se reconhece entre os diferentes. Apontaria, nesse sentido, traços de diálogos da trupe com Latão, Antropofágica, Estável, Brava, Engenho, Dolores, Kiwi, Buraco d'Oráculo – para ficar em alguns. Mas também, e não menos importante, do diálogo interrompido com uma tradição da militância teatral empreendida durante os anos que antecederam a ditadura civil- militar, dando continuidade a experimentações ousadas, ancoradas no princípio da indissociação entre técnica e política.

Na proposição de uma arte política contra-hegemônica se faz necessária a relação entre teoria e prática na produção do conhecimento, o desenvolvimento de ações e reflexões que possibilitem a formação de uma nova concepção de mundo por parte dos atuadores e atuadoras, cuja concreticidade se verifique na força da encenação. Nesse sentido, faz-se presente a participação política na formação dos integrantes da companhia, e isto se reflete na criação estética – desde o montar e desmontar a Barraca tendo o trabalho coletivo como princípio político-pedagógico, até referências possíveis devido à participação em espaços de luta e de debates junto aos movimentos sociais, como é o caso do diálogo com o MST e a Escola Nacional Florestan Fernandes (a instalação "mística" do encerramento figura como exemplo mais emblemático).


                                                           

Quando a Estudo de Cena começou a traçar sua rota de Barricadas, pretendia resgatar episódios de resistência popular pouco divulgados, e através destes, oferecer experiências simbólicas diversas para o imaginário do público. E eu digo, humildemente, que o que se alcançou foi muito além. Emprestando de Iná Camargo a tese sobre os sismógrafos - for­mas artísticas são conteúdo histórico sedimentado e, quando uma obra explicita a necessidade de superação de alguma con­venção vigente, ela está registrando, como um sismógrafo, aba­los havidos na sociedade. Podemos assumir que Guerras Desconhecidas, além de barricada, compõe um conjunto atual desses sismógrafos. Mas além disso, Guerras Desconhecidas contribui para criar espaços coletivos não-convencionais que nos permitem refletir e criticar as contradições que perpassam o cotidiano - passo fundamental na luta pela participação efetiva e consciente de homens e mulheres comprometidos com a transformação social.

Aos trabalhadores e trabalhadoras, fica o ensinamento histórico do não–conformismo – que só rezar não basta. E aos poderosos, fica o recado: quem não pode com as formigas, não assanhe o formigueiro...

Jade Percassi
Cientista social e educadora formada pela Universidade de São Paulo; é militante do Coletivo de Cultura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.

Repúdio da ABRAMALA aos agentes da Guarda Municipal de Foz do Iguaçu

Texto da Associação Brasileira de Malabarismo e Circo (ABRAMALA)


Viemos através dessa moção tornar público o seu repúdio a atitude truculenta e absolutamente indigna dos agentes da Guarda Municipal de Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, que utilizando-se de um teaser, arma de choque, imobilizou e algemou um artista de rua que fazia suas apresentações de malabarismo em frente a um posto de combustíveis na Avenida Paraná.
Em vídeo divulgado pela RPC afiliada da Rede Globo na região oeste do Parana¹ pode-se ver na filmagem o abuso de poder dos políciais. Além do relato de testemunhas de que a vítima não havia mostrado nenhum sinal de desacato e de resistência à prisão realizada pelos policiais.
O incidente ocorrido no dia 01/12/2015, fere o seguinte artigo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;” 

Como também, a MOÇÃO nº 35 de 08 de dezembro de 2010, Publicado no D.O.U. de 20/01/2011 SEÇÃO 1, P. 3. do Conselho Nacional de Politicas Publicas em apoio aos artistas de rua.
  

¹Link da matéria  do Jornal Paraná TV publicada no dia 01/12/2015 (data de acesso 02/12/2015), http://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/2015/12/artista-de-rua-algemado-leva-choques-no-meio-da-rua-em-foz-do-iguacu-veja.html

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Fomos batizados terroristas

Fomos batizados terroristas

Encontrar Lampião, Zapata, um Pantera Negra e Santa Dica (quem??)  num mesmo ato, a carregar o caixão de Gatilheiro Quintino (ah?...) poderia ser insólito, se o cortejo não fosse acompanhado de canto tão rasgante. Poderia ser insólito, se o cortejo fosse realmente fúnebre, mesmo em ato teatral. Mas não é. 



O cortejo, que encerra peça da Companhia Estudo de Cena, ressuscita a força de luta de nosso povo latino americano. Recupera, nos destroços das histórias [quase] esquecidas, a braveza, a valentia, a indignação de tantos nós. Sua coerência encontra coro num canto que repete: "fomos batizados terroristas".



Lampião, Zapata, os Panteras Negras, Santa Dica e Gatilheiro Quintino ressurgem, assim, como irmãos de uma mesma tradição: que não se aprende em escola nenhuma, por vezes nem mesmo em casa, tradição dessa revolta que irrompe em forma de luta contra a perpetuação de tanta injustiça social.




"Fomos batizados guerrilheiros" é canto final composto pela Estudo de Cena para a montagem de Guerras Desconhecidas, peça de teatro inspirada nos cadernos do jornalista Leonencio Nossa. Criação da Estudo de Cena para um teatro mambembe a visitar feiras, praças, a rua por onde passam as pessoas mais comuns. Teatro sem cortinas de veludo, nem lugares marcados, que se faz com certo improviso frente as situações que a feira oferece, mas enreda sem rodeios nem floreios, com a precisão de sua música e poesia, a lembrança do que foi propositalmente omitido da história oficial.

O teatro então nos apresenta a história de três revoltas populares brasileiras de épocas e lugares diferente, revoltas que assumem a força de uma guerra contra a legitimação da propriedade privada e da opressão: a Guerra do Pau-de-Colher (década de 1930, interior da Bahia), a Guerra [ou Massacre] de São Bonifácio (anos 80, Serra Pelada), a Guerra do Gatilheiro Quintino (também década de 1980, no Pará, mas desta vez pela demarcação de terras). A montagem teatral da Estudo de Cena não apenas justapõe coisas e gentes que parecem separados no tempo e espaço, como também faz uso de diferentes jogos teatrais: a comédia, o drama épico, o poema lírico. A peça é como um experimento de linguagem com fim de sugerir a revelação de outra história, uma história então ampliada pela citação [aparição quase fantasmagórica] de outras tantas figuras – Zapata, Lampião -  e revoltas – Canudos, Palmares.

A aparente simplicidade e a precisão na comunicação - já que é de uma síntese perspicaz - é um valor admirável da obra. Também o riso constante da plateia, fruto da atuação competente dos atores e do escracho crítico do texto, irrompe como força do trabalho sério deste teatro que não se abstém de tratar em praça pública da indigesta injustiça social da nossa realidade. Tratar a história de tanto sangue e pólvora surge pertinente como rastro do passado no presente.

Guerras Desconhecidas não é apenas uma denúncia ou revelação, toca-nos o brio, como um chamado bem dirigido:

"Ensinem nossa história sombria aos filhos, a fim de que nosso sangue permaneça na bandeira dos criminosos como sinal de catástrofe."

Este é um teatro que não segue como lamento ou cortejo fúnebre que elege heróis. É, antes, um teatro que brada a ressurreição da luta e da resistência:

"Pedimos: protejam os fracos das balas para que os vivos fiquem a salvo, permaneçam vigilantes, pronto para o combate."

Carolina Abreu
Novembro de 2015


sábado, 10 de outubro de 2015

Arte e cultura no rol das mudanças econômicas



Adailtom Alves Teixeira[1]

A virada do milênio foi uma virada de hambúrgueres para software. Software é uma ideia, hambúrguer é uma vaca. Ainda haverá fabricantes de hambúrgueres no século XXI, é claro. O poder, o prestígio e dinheiro, entretanto, fluirão para as empresas que detêm o indispensável capital intelectual.
P. Coy, Business Week, agosto de 2000.

O capitalismo vive em crise e, como ainda não conseguimos acabar com ele, vive se reinventando. Quanto à cultura, a mesma vem sendo ponta de lança de práticas que apenas favorecem esse modo de produção. Chin-Tao Wu, em Privatizações da cultura, já analisou como a política neoliberal chegou ao campo das artes. Hoje, cada vez mais, ideias são mais rentáveis do que os produtos materiais. Uma peça de máquina, um automóvel, é preciso ser produzida para se vender; já uma ideia, ao ser criada, pode ser vendida indefinidamente, gerando muito lucro para os detentores dos seus direitos. E não são sempre as grandes empresas as maiores detentoras dos direitos autorais?
É nesse campo que se coloca a economia criativa. E as últimas ações d@s ministr@s da Cultura para expandir cada vez mais esse “universo cultural” são um pequeno retrato do que devem esperar todos e todas que lidam com arte e cultura em nosso país.
A ideia de uma economia criativa, até onde se apurou, começou na Austrália, com a perspectiva de nação criativa, depois migrou para o Reino Unido, sob a batuta de Tony Blair, continuador da política de Margareth Thatcher. E se os mercados ditam as regras, claro que o Brasil não poderia ficar de fora. A Secretaria de Economia Criativa foi implantada em janeiro de 2011, logo no início do primeiro governo Dilma, deixando claro como a cultura deveria ser tratada: como negócio.  A Secretaria é voltada para pensar e auxiliar na construção de produtos e serviços de dimensões simbólicas. Se a indústria da moda, que sempre vampirizou as criações artísticas, é um desses campos, foi o que se perguntaram muitos brasileiros à época da ministra Marta Suplicy.
Em dezembro de 2011 a ex-Secretária de Economia Criativa, Claudia Leitão, em artigo publicado no Jornal Brasil Econômico, afirmou ser difícil conceituar o que seja economia criativa, no entanto, não deixava dúvidas: “mas nós sabemos onde ela está”. E frisava a necessidade de linhas de crédito para fomentar os empreendimentos criativos, pois a criatividade precisa virar inovação, para que esta se torne riqueza - muito embora o artigo não deixasse claro para quem iria a riqueza gerada por tais empreendimentos. Leitão já não está mais na Secretaria, mas as ações do Ministério parecem deixar claro quais devem ser os rumos do que entendem por economia criativa e quais os mecanismos para isso. Para se ter uma ideia, a tônica da política cultural brasileira ainda são as leis de renúncia fiscal, sendo a Lei Rouanet o modelo único. O governo petista, de Lula a Dilma, não fez nenhum enfrentamento a esse mecanismo. Ao contrário, mais que quintuplicou os valores no período de suas gestões, e a renúncia fiscal já passa de 1,2 bilhão.
Os dados dessa política absurda são contundentes. Eliane Parmezani, já em 2012, na edição de outubro da Revista Caros Amigos, afirmou que “por meio de renúncia fiscal, foram disponibilizados 12 bilhões de reais nesses 20 anos de lei Rouanet. Contudo, 50% dos recursos estão concentrados em cerca de 100 captadores. A outra metade fica com 20% deles. E os outros 80% dos proponentes não captam nada. Mais: apenas 5% dos projetos aprovados na lei Rouanet são realizados”. Os dados do próprio Ministério da Cultura não deixam dúvidas da perversidade desse mecanismo: a região Norte inteira capta menos de 1%. Além disso, de cada dez reais de todos os recursos, nove é dinheiro do Estado. Portanto, existe aí um feudo cultural financiado com dinheiro público. Mas não vemos nenhum enfrentamento por parte do governo federal em relação a essa política.
Se se não rever urgentemente o modelo de política cultural, não serão apenas desfiles de moda os beneficiados, mas uma gama infinita de “criativos”, enquanto pequenos produtores das artes padecem pelo Brasil. Se a ideia da economia criativa for no sentido de distribuir renda, como reza o discurso oficial, eu não tenho dúvida que um pequeno festival de teatro realizado no norte do país, ou qualquer outra região, distribui renda e agrega muito mais valor do que qualquer desfile de moda realizado fora do Brasil. Quanto à renúncia fiscal já está claro que apenas meia dúzia são os beneficiados, resta saber se haverá alguma mudança de rumos por parte do governo federal. No entanto, como este só tem feito concessões às elites, as esperanças são miúdas.

Da participação

            A novidade por parte do Ministério da Cultura e do requentado ministro Juca Ferreira é a “nova” Política Nacional de Artes e a Caravana das Artes, grosso modo, uma busca desesperada de aliança e apoios políticos, já que não há recursos se quer para pagar os míseros editais da Funarte. No claro português: pura enrolação. Quando não há recursos, “vamos dialogar” para demonstrar que estão trabalhando. E isso mesmo depois das conferências, dos encontros setoriais, da construção das metas e da grita pela criação de uma política de Estado, diferente da que vem sendo praticada. Os gestores pedem mais participação da sociedade civil. Para lembrar, no campo do teatro, do agora é Lula, até a pátria educadora de Dilma, nenhuma lei foi criada e a Funarte está falida. No entanto, as demandas são as mesmas há, pelo menos, uns quinze anos, mas o ministério repete o já visto. E nisso o atual ministro é bom. “Vamos dialogar, pois a falta de diálogo pode levar ao fascismo”, como disse na cidade de Santos no início de junho de 2015.
            Ermínia Maricato (O impasse da política urbana no Brasil, 2012), que fez parte do governo, ainda na gestão de Lula faz um alerta importante: “Nunca fomos tão participativos”. A autora deixa claro que a luta por marcos jurídicos manteve a sociedade desigual e os movimentos sociais pararam de “tratar do presente ou do futuro do capitalismo”. O Estado mudou e a elite continua cooptando e anulando os conflitos sociais. E claro, é justamente a participação que cumpre a função fundamental nesse panorama: a ilusão de se está avançando. Não é o que temos visto? Quantos de nossos colegas ainda acreditam que a participação vai criar uma política justa? E assim ficamos sem discutir a justiça dentro do capitalismo, sem fazer o real enfrentamento das verdadeiras questões. É preciso entender o momento atual. Afinal os recursos continuam indo para as mãos dos mesmos, cada vez mais via dívida pública e no campo cultural via renúncia fiscal.
            No que tange aos movimentos culturais, a Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR), coletivo teatral espalhado por todo o país, no último encontro de maio de 2015, realizado na cidade de Sorocaba, resolveu dar um basta ao tal do diálogo. Afirmam em seu manifesto: “Sentimos que o sim ao diálogo deixou de ser possibilidade de transformação para tornar-se um estado de legitimação de uma falsa democracia, de uma falsa participação, de um falso programa de cultura que nunca houve.” E afirmam ainda, o que é verdade, que as demandas estão documentadas a muito tempo. “Resta por em prática”. Dentre as exigências está o fim da renúncia fiscal – aliás já faz tempo que afirmam e lutam pelo fim da Rouanet – e a criação da lei do Prêmio Teatro Brasileiro. 
            Dentro do seguimento teatral não tenho dúvidas que a RBTR tem um pensamento avançado em relação às políticas públicas e ao modelo de Estado que temos. No entanto, o coletivo tem limites. A começar pela própria linguagem que representam, isto é, não podem falar em nome da instituição teatro (e nem pretendem). E mesmo entre o teatro de grupo, digamos assim, a parte mais politizada, tem limites de entendimento do que deva ser uma política cultural de Estado para o teatro. Por isso mesmo, a RBTR promete se juntar a outros movimentos sociais para fazer o enfrentamento desse estado de coisas que vivemos. Quem se sentir incomodado com tanto cafezinho e tanta conversa pode se somar ao coletivo, que se reúne pelo Brasil duas vezes ao ano. Sempre de forma independente.
            Para terminar, e penso que como demonstração de nosso tempo histórico, apresento os pressupostos de dominação de Max Weber, o sociólogo mais querido da direita mundial. Afirma ele, em Os três tipos puros de dominação legítima (2006), são: a dominação legal (dominação burocrática): “qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado corretamente quanto à forma”. Logo o que se obedece é à regra estatuída; dominação tradicional (o patriarcado é o tipo mais puro); dominação carismática, em que “A associação dominante é de caráter comunitário, na comunidade ou no séquito”. Parece-nos que no Estado brasileiro, e não apenas no campo da cultura, o primeiro elemento e o terceiro se juntaram e se alojou como prática dos gestores públicos. No entanto, se em 2002 o traçado econômico do governo federal já desenhava seu caminho, o carisma tem se colocado como um véu que encobre a realidade. E se só se faz enfrentamento quando se sabe onde se pisa e contra quem se luta, faz-se necessário a retirada de tal véu. Aí, nesse campo é preciso ir ao antípoda de Weber, ainda que tenham origem e língua em comum, as perspectivas teóricas são outras; é preciso ir a Marx.
            Quando arte, cultura e a própria vida se tornam mercadorias é necessário ver o problema em sua raiz. Afinal Estado moderno e capitalismo se confundem. Logo, não adianta se organizar apenas para gritar por verbas vindas desse mesmo Estado. É preciso compreender e enfrenta-lo em sua real dimensão. Como afirma Alysson Leandro Mascaro em Estado e forma política (2013): “A compreensão do Estado só pode se fundar na crítica da economia política capitalista, lastreada necessariamente na totalidade social. Não na ideologia do bem comum ou da ordem nem do louvor ao dado, mas no seio das explorações, das dominações e das crises da reprodução do capital é que se vislumbra a verdade política”.
            A tragédia maior é que, em plena crise estrutural do capitalismo, os atores sociais, os sujeitos históricos que deveriam realizar a mudança, os trabalhadores, estão fragmentados, desorganizados. Quanto aos artistas, em sua grande maioria, tem se resumido a alimentar a espetacularização ou a lutar bravamente para não morrer de fome. E aí perguntamos: um artista preso à sua fome faz uma arte independente?



[1]                    Professor no curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; graduado em História e mestre em Artes pelo Instituto de Artes da Unesp; membro do GT Artes Cênicas na Rua da ABRACE e articulador da RBTR.


Publicado originalmente em Contrapelo - Caderno de estudos sobre arte e política, nº 2, 2015.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Sextas em Movimento em Marechal IV Dia 24 de Julho

Mais uma sexta, mais um dia em que a Praça se movimenta, se ilumina. O som que sai das caixas ecoa devagar pelo ar, anunciando que estamos chegando, no tempo do amor, amor esse anunciado pelo brincante que dança, embalado pelo som das quatro estações de Vivaldi, vestido com seu maio azul, calça vermelha e mascara de palhaço, passeia pela praça, dança com os moradores, com a menina que ele ergue no ar, que abre os braços para o mundo e se sente uma bailarina do mundo, livre, bailarina livre sem sapatilha, sem a prisão das sapatilhas, assim como o senhor que dá a mão e pede “me guia na dança, sou muito cego, mas estou adorando dançar...”, e o brincante o guia para se soltar no meio da praça. O brincante dança e abre o espaço para a chegada de Karol e Vilson, desbravadores do subúrbio, guias que resgatam a memória e conversam com as pessoas para valorizarem o seu bairro, escutar sua história, conhecer suas ruas e sua arquitetura.

Guiadas Urbanas para entender o urbano subúrbio, de tradição, de cultura, de personalidades que ali nasceram, cresceram e se aventuraram pelo universo do país.

Trabalho bonito, dedicado, apaixonado, que só pode ser realizado por quem tem paixão pelo que faz, acredita. E eles chegaram puxando uma comitiva de moradores, de gente que viu a possibilidade e a beleza do bairro de Marechal Hermes. Com o microfone aberto, Dona Ana, filha de portugueses, pega o microfone e solta a voz “ pois precisamos muito disso. O bairro precisa de mais ações como essa. Sou moradora do bairro há mais de 45 anos e é muito bom conhecer jovens, pessoas dispostas a mudar o bucólico do praça. Estão de parabéns!”.

Estas palavras fortes foram o suficiente para arrastar para o centro Ligeiro, que com seus tambores e seus parceiros para fazer uma roda, uma roda de samba de raiz da raiz, um resgate dos sons primeiros do terreiro das senzalas, dos primeiros ocupantes dos morros.

 Ele conta a história e teoriza na prática, no canto e no tambor. E não é Ligeiro no nome a toa, é ligeiro no passo, na harmonia, na ginga do malandro que corteja a dama, dama que entra e entra no gingado da dança de roda, do samba primordial de roda.

Cada um que entra passa pelo tambor e pede sua licença para entrar e dançar. E entram com vontade, com graça. A roda vai enchendo, as pessoas se encantam e entram, quem queria entrar e é bem recebido, orientado, libertado, pois a dança liberta mente e corpo. E foi com essa alegria, começando com o clássico público dos grandes compositores e terminando com os grandes tambores e compositores públicos das rodas de raiz. Um bom dia com uma boa noite!


Herculano Dias

sábado, 12 de setembro de 2015

A memória das margens ou A suada resistência dos beradeiros é trazida à cena

A Beradera Companhia de Teatro, de Porto Velho, Rondônia, estreou recentemente seu segundo espetáculo: Saga Beradera. A obra, escrita e dirigida por Rodrigo Vrech, traz à tona a luta da população do distrito de Nazaré pela permanência de sua cultura e de seu território. Nazaré, apesar de pertencer ao mesmo município que a capital rondoniense, fica a cerca de 5 horas de viagem de barco, única forma de acesso à comunidade, rio Madeira abaixo.
A partir de um trio fictício: Seu Arigó (o avô), seu neto e a esposa Urbana, a dramaturgia explicita o conflito entre modos de vida distintos: os ribeirinhos e aqueles que vivem nas grandes cidades. Trata-se de um conflito intersubjetivo, mas que implica também em macro questões, incluindo a sustentabilidade socioambiental.
Parte da memória dos fundadores de Nazaré e de vários moradores da vila é sintetizada na trama em que, após a cheia histórica de 2014, Neto, nascido nas margens do Madeira, mas atual morador de São Paulo, tenta levar seu avô para a metrópole, a contragosto do mesmo.
Construída de forma fragmentada, a dramaturgia realça a dificuldade de comunicação entre os universos do concreto e da mata e entre diferentes gerações, ao mesmo tempo em que presentifica a resistência cultural na voz não apenas do morador tradicional da “velha guarda”, mas por meio das músicas e da participação em cena dos jovens do grupo Minhas Raízes, formado na comunidade.
As delicadas composições do grupo, executadas ao vivo, com a voz doce e regional de seus integrantes, dão um tom especial ao espetáculo, denotando a sensibilidade de quem vem de fora (o diretor Rodrigo Vrech e parte do elenco), mas tem a capacidade de construir as necessárias pontes entre os distintos mundos. Vale apontar que, às vezes, o volume da voz e dos instrumentos não alcança a totalidade do público, indicando a necessidade de amplificação. Os musicistas poderiam ser ainda melhor aproveitados, talvez com canções inéditas para o espetáculo ou ainda ambientação de cenas a serem umedecidas com outras músicas.
Além do aspecto musical, a encenação envolve o público por vários prismas, como a própria interpretação. O jovem elenco surpreende pela qualidade técnica e integridade em cena, ainda em processo de construção, porém, com conquistas consideráveis. O poeta e ator beradero Elizeu Braga fisicaliza suas memórias de infância em Itacoã, no Baixo Madeira, e o legado de seus antepassados, conquistando voz e corporalidade vívidas, para contar as encantadoras narrativas das margens de onde veio. Além disso, a manipulação que o ator realiza com a poronga, que se transmuta em diversos objetos e seres ao longo da história, é um belo exemplo de criatividade na lida com os elementos cenográficos.
Andressa Silva gera comicidade, nojo e identificação em sua construção da preconceituosa Urbana, que destila incapacidade de enxergar e compreender o diferente, uma postura que, infelizmente, é extremamente comum nestes tempos de ascensão do fascismo. Para não dizer que não falei das flores, pequenas passagens de texto ditas pela atriz ainda não estão condizentes com a postura que se espera da personagem paulista.


Já Cláudio Zarco, ator que vem se destacando na cena rondoniense, pela qualidade de seu trabalho interpretativo, tem um desafio com o personagem Neto, já que ele representa a inconclusa transição entre os mundos do Norte e do Sudeste. Seu trabalho, a despeito de sua interessante presença no palco, demanda ainda certos aprimoramentos de passagens específicas, especialmente nas transições de emoção e em momentos de sua relação com Urbana, dada a complexidade que Neto solicita.
A peça como um todo tem um desenho e trajetória envolventes, mais ainda carece de um meio para chegar ao fim. No entanto, o grupo, de forma legítima, vem experimentando diversas estratégias de finalização da narrativa e está ainda buscando as formas, por enquanto, dialogando com romantismo, informações históricas e narrativas cíclicas.
Ressalto que esta leitura crítica não tem a pretensão de se constituir como verdade, nem de dar conta da totalidade da obra, mas sim de ser uma apreensão específica a partir de um olhar que, como todos, é singular. Assim, encerro este texto expressando a felicidade que tive em assistir a obra já por três vezes, por se tratar de um trabalho belo, necessário e de grande potencial. Se o grupo investir na continuidade da obra e conquistar as oportunidades para tanto, ela terá grandes possibilidades de se firmar como a mais potente obra teatral nativa de Rondônia no ano de 2015 e alçar voos além das fronteiras estaduais.
                                                                   

Alexandre Falcão de Araújo, Professor de Teatro da Universidade Federal de Rondônia – UNIR.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

David Harvey e a classe operária

Boa reflexão de David Harvey sobre a classe operária nos dias de hoje, bem como sobre as cidades.


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

VI Corredor Cultural de Teatro de Rua 2015



No de 2015 a Oigalê comemora 16 anos de estrada e trabalho continuado. Nesse período, um dos projetos desenvolvidos de forma sistemática é o Corredor Cultural de Teatro de Rua. Executado de forma simples e otimizada e com baixo custo orçamentário, oportuniza gratuitamente apresentações, oficinas e bate-papos sobre o teatro de rua com a população das cidades contempladas.
Giancarlo Carlomagno

A proposta do ano de 2015 é uma circulação de Porto Alegre/RS até São Paulo, passando por Criciúma, Joinville, Curitiba, Maringá, Jacarezinho e Santos.

Os Corredores Culturais têm provado que trabalhando de forma organizada e integrada entre as cidades, regiões e instituições, consegue-se mais economia, dinamismo e versatilidade, oferecendo atividades culturais e proporcionando um maior intercâmbio com outros grupos, assim como com a população, por um custo muito menor. Não se trata apenas de uma turnê, de um circuito artístico, mas sim de uma vivência e convívio do artista com a estrada, as regiões, as cidades e as pessoas.


O que:
VI Corredor Cultural de Teatro de Rua 2015

Onde:
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo


Quando:
PROGRAMAÇÃO
       
Rio Grande do Sul 
O Baile dos Anastácio
Dia   22/8    sáb   12h       Parque da Redenção                                            Porto Alegre/RS

Santa Catarina 
O Baile dos Anastácio
Dia   25/8    ter     12h30   Praça Nereu Ramos - Centro                               Criciúma/SC

Dia   26/8    qua   16h30   Praça Nereu Ramos - Centro                               Joinville/SC

Paraná 
O Baile dos Anastácio
Dia   27/8    qui    12h30   SESC da Esquina                                                  Curitiba/PR

Oficina de Espaço, Movimento e Ritmo
Dia   28/8    sex   19h       SESC                                                                       Maringá/PR

O Baile dos Anastácio
Dia   29/8    sáb   10h30   Festival Ciranda das Artes
                               Av. Prudente de Moraes, ao lado estádio Willie Davis  Maringá/PR

Dia   01/9    ter     10h       XI EnCena 2015
                                             Marques dos Reis                                                  Jacarezinho/PR

Dia   01/9    ter     20h       XI EnCena 2015
                                             Praça CCHE/CLCA - UNEP                                 Jacarezinho/PR

São Paulo                                             
O Baile dos Anastácio
Dia   05/9    sáb   18h       FESTA – Festival Santista de Teatro
                                             Praça Fonte do Sapo                                             Santos/SP




Mais informações sobre O BAILE DOS ANASTÁCIO:

Fotos em alta resolução:

Clipe do espetáculo:

Espetáculo na íntegra: