Há dez anos os pavilhões 5 e 6, do Hospital Psiquiátrico São Pedro, começaram a ser usados para produção e apresentação teatral com o grupo Falus e Stercos e para Bienal do Mercosul, bem como gravação e filmagens cinematográficas. No final de 2001, a Oigalê entra em contato com a Direção e Oficina de Criatividade do HPSP para uma ocupação continuada, com ensaios, oficinas teatrais, construção e confecção de materiais cênicos, depósito e apresentações periódicas. Em 2002, a Oigalê leva ao Movimento dos Grupos de Teatro de Rua a intenção de que mais grupos participassem de um projeto de ocupação de espaços públicos ociosos.
Desde então, cinco grupos de teatro (Falus & Stercus, Laboratório de Investigação Cênica, Povo da Rua, Corpo Estranho e Oigalê) e dois de dança (Artéria Dança e Purê de Batatas) se instalaram neste espaço. Cada grupo, naquele momento, passava a ser responsável por uma sala ocupada e, para tanto, dadas as condições de abandono do local, realizariam diferentes benfeitorias: remover piso velho, caiar as paredes, arrancar inço do pátio, etc. Inúmeras foram as produções fruto desta ocupação: temporadas de espetáculos, a pesquisa realizada no contexto de cada grupo e as oficinas, que contemplaram desde a comunidade dos bairros ao redor e os próprios internos do Hospital, até a classe artística.
Em janeiro de 2003, a nova direção do Hospital troca o cadeado de acesso aos blocos, impedindo a entrada dos artistas ao seu local de trabalho. Após este fato, os grupos buscaram uma parceria junto ao Instituto Estadual de Artes Cênicas (IEACEN) - órgão responsável pelo teatro e dança da Secretaria de Estado da Cultura, a fim de que tomasse frente desta "empreitada" junto aos grupos. O IEACEN e os grupos de teatro e de dança lançam o "Primeiro Centro Cênico Estadual", amplamente divulgado na imprensa escrita de nossa cidade, local visto por muitos artistas, jornalistas e políticos como uma vitória para a cultura de nosso estado. A ideia era que mais Centros Cênicos se espalhassem pelo Rio Grande do Sul, ocupando outros prédios públicos ociosos. A ocupação estava sendo oficializada e para tanto bastava que o secretário Estadual de Cultura e o secretário Estadual de Saúde assinassem um convênio de seção de uso, legalizando a presença dos grupos no Hospital pelo período mínimo de quatro anos.
Morangos e champanhe
Junto à assinatura deste convênio, os grupos organizaram o evento "Porta Aberta", cujo objetivo foi, durante 15 dias, abrir as portas à comunidade de forma gratuita para assistir a espetáculos, realizar oficinas, trocar idéias sobre política cultural e o fazer teatral.
Os grupos se organizaram e reformaram um banheiro existente no bloco 6 e refizeram e ordenaram o quadro de luz de ambos os blocos. No dia de lançamento do "Primeiro Centro Cênico Estadual", contávamos com a presença de autoridades, diretores do hospital, membros da classe artística, jornalistas, morangos e champanhe.
Esperamos a presença dos secretários de Cultura e de Saúde, mas não apareceram e nada foi assinado. Este contrato de seção de uso foi protocolado e ficou andando pelas gavetas das secretarias. Em 2005, após pressão dos artistas da cidade organizados através do Movimento de Grupos de Investigação Cênica de Porto Alegre e grupos do HPSP, foi realizada uma manifestação pacífica na SEDAC, contando com a presença de mais de 80 artistas. O contrato enfim foi assinado. Paralelo a estas ações políticas, a ocupação aconteceu de forma racional e convicta, e os blocos se tornaram um centro de produção e apresentação teatral da cidade, transformando a imagem do próprio Hospital São Pedro.
Muitos dos espetáculos lá produzidos receberam premiações em Porto Alegre e em outros estados. A história desta ocupação vem sendo relatada como uma conquista em encontros e/ou festivais de teatro pelo Brasil afora.
Com a troca de governo, em janeiro de 2007, os grupos voltam a procurar a SEDAC, que reafirmou o apoio ao trabalho já efetuado pelos grupos. No entanto, o destino do espaço é seguidamente mudado, conforme demandas políticas. Consequentemente, forçando os grupos a desocuparem o local. Foi feito um levantamento de prédios pelos grupos de teatro e pela Secretaria da Cultura, mas infelizmente não encontramos um que possa ser utilizado.
Determinaram a permanência dos grupos, sendo que foi feita uma vistoria, apontando as condições do local e uma futura reforma. Para nossa surpresa, numa manhã de março de 2007, durante um ensaio, recebemos uma carta assinada pela atual secretária de Cultura, informando que deveríamos fazer uma desocupação imediata, pois o laudo resultante da vistoria aponta o local como insalubre. Coincidentemente o prazo de nosso contrato estava por terminar.
Ocupação de espaços ociosos
Foi decidido que os grupos podem se manter no espaço até encontrarem outro espaço público "ocioso" e ficam proibidas as apresentações ao público em geral no local, devido às condições do local. Fomos novamente a busca dos espaços públicos ociosos e mantemos nossa sede funcionando. Novas reuniões aconteceram e novos "despejos" foram encaminhados. Constatamos que a cada reunião que passava algo novo era dito: necessidade de acessibilidade aos pavilhões, depois teríamos que desenvolver projetos conjuntos com a UERGS, posteriormente teríamos que ter um trabalho na área da saúde mental, enfim... A mudança de pensamento era tamanha que ficava claro que existiam outras questões políticas que envolviam a manutenção dos grupos no hospital.
Não nos negamos a deixar o local, apenas queremos assegurar outro espaço que comporte as necessidades dos grupos. Até o momento não o encontramos, e o prédio solicitado vem seguidamente sendo negado.
Esperamos que o Governo do Estado, ao encaminhar esta situação, considere os bens culturais ali produzidos e delibere em favor dos grupos teatrais que tem no Hospital Psiquiátrico São Pedro o seu local de trabalho.
A Oigalê não só quer trazer a sociedade um pouco da história dos grupos de teatro do HPSP, mas quer também que se coloque na prática a ocupação de espaços públicos ociosos por grupos de teatro e dança, constituindo assim centros culturais numa parceria público-privada.
Hoje resistem no local os grupos teatrais: Oigalê,Falos e Stercus, Povo da Rua, Neelic e Caixa Preta. Se você quiser saber mais sobre a ocupação e expressar a sua opinião a respeito, entre no site: www.oigale.com.br/blog.
Nota: Semana passada (segunda semana de junho) tivemos uma reunião com o novo Secretário de Estado da Cultura que em primeiro momento garantiu a permanência dos grupos e a assinatura de um convênio, até o final do ano de 2010 por uma permanência dos grupos e a garantia do retorno dos grupos depois do restauro dos prédios do São Pedro.
Oigalê
Publicado originalmente em A Gargalhada nº 16, junho/julho de 2010, p. 3.
Publicado originalmente em A Gargalhada nº 16, junho/julho de 2010, p. 3.
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