Adailtom
Alves Teixeira[1]
Lete
em grego é esquecimento e também um rio que após a morte se atravessava para se
esquecer da vida. O espetáculo Lete,
da Cia. Beradeira de Teatro, é a tentativa de não esquecimento das mazelas do
progresso. Criada em 2013 por Rodrigo Vrech, que assina a dramaturgia e a
direção do espetáculo, a Beradeira é uma mostra viva de que a arte só é
significativa quando não se aparta da realidade, mas sim busca entender e
questionar seu tempo histórico. Aí cumpre sua função social.
O
espetáculo Lete, apesar de ser uma
ficção, passa em revista cem anos de história de Porto Velho/RO. Ainda assim, por
tratar de problemas humanos e das mazelas do progresso na sociedade capitalista,
poderia ser a história de qualquer cidade brasileira. Ao olhar mais atento, é
como se o grupo de atores (Andressa Silva, Cláudio Zarco, Elizeu Braga e
Rodrigo Vrech), jogassem perguntas ao público: o que nos traz o progresso? Na
peça, entre outras coisas, uma disputa entre puteiros, uma guerra entre
comunidades ribeirinhas e usinas. Quem ganha com o progresso? Apenas os mais
fortes, que, por ironia do destino, nunca são aqueles que produzem. Tem sido
assim a séculos. Progresso é desenvolvimento humano? Não. Mas homens se veem
abandonando suas famílias na busca de melhores condições de vida; comunidades
ribeirinhas, que tinham a subsistência da natureza, veem-se obrigados a se
tornarem assalariados e deixar a fartura pela miséria. Lá no século XIX,
Charles Baudelaire já alertava: “quando todos os indivíduos se aplicarem a
progredir, então a humanidade estará em progresso”. Mas o progresso que vemos
na peça, e todos os dias por aí, é o da exploração da natureza e de homens e
mulheres.
Mas
não pensem que esses temas trágicos e todos esses questionamentos fazem do
espetáculo algo denso, complexo demais. Não. A comicidade está presente o tempo
todo. Afinal, como alertava Brecht, a primeira função do teatro é divertir. E
quando rimos, deixamos a emoção de lado, nos distanciamos, refletimos, usamos a
razão. A comicidade é tanta que em alguns momentos os atores não se aguentam e
riem de si, nesses poucos momentos, há perda, a cena se esvai, pois o humor de padrão
televisivo ocupa a cena. Ainda que apenas por lapsos de tempo, merece um melhor
cuidado.
A
epicização do espetáculo chega a tal ponto que a própria obra passa a ser
questionada. Em cena Andressa e Elizeu. Ela, levando à cena o discurso da
empresa; ele, (n)a condição de ribeirinho, o outro lado; apresentam um choque
de realidade. Realidade que é levada à cena em outros momentos, quando abrem
para falar de recente ocupação de 540 famílias em Mutum-Paraná, em uma ação
coordenada pelo Movimento dos Atingidos por Barragem. Como frisou o ator: “Isso
é teatro. A luta das famílias é real”.
Tecnicamente,
o grupo é bem equilibrado, bastante homogêneo. Os atores apresentam bom
aterramento, fundamental na tratativa de assunto dessa natureza. A exceção de
Rodrigo, os demais merecem um pouco mais de atenção com relação à voz. E, penso
eu, que músicas, não apenas a capela, como as que foram executadas por Elizeu,
poderiam dar um ganho maior ao espetáculo.
O
teatro do Sesc, onde ocorreu a apresentação no dia 20 de maio, estava lotado e ao término foram ovacionados.
Um claro reconhecimento ao trabalho, mas, mais que isso, por parte do público é
um se reconhecer em cena. Mais uma prova de que dialogam com seu tempo
histórico, e isso mantém o teatro vivo, mesmo sendo uma arte tão antiga. Vida
longa a Lete e a Cia Beradeira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário