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sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Descentralizar o teatro é uma necessidade*

Por Adailtom Alves

São Paulo, em 2007, segundo dados do IBGE, tinha uma população estimada em 10.886.518 habitantes residindo em 96 distritos. Não se sabe quanto desse total tem acesso ao teatro, já que nos faltam pesquisas a esse respeito, não obstante, pode-se concluir que são poucos.

Mas, se analisarmos onde estão situados as casas de espetáculos, é possível termos uma idéia de quem tem acesso ao teatro. São Paulo tem centenas de casas de espetáculos e espaços culturais alternativos, localizados, em sua grande maioria, na região central, no que se costuma chamar de centro histórico e centro expandido. Segundo Milton santos, essas duas regiões cobrem 14% do território paulistano, onde residem 20% da população da cidade. Para comprovarmos os dados do geógrafo, basta olharmos os guias culturais da cidade. Temos, em São Paulo, uma concentração dos espetáculos teatrais em uma pequena parte da cidade.

É enorme a distância entre os distritos e os espaços culturais, multiplicado pela “distância política”, isto é, pela falta de informação e pela falta de meios financeiros, impossibilitando que o cidadão comum chegue até esses teatros. É importante deixar claro que não estamos nos colocando contra o teatro realizados nesses espaços, muito menos contra esses equipamentos, estamos, isso sim, falando contra uma ideologia perversa que tem persistido na cidade de São Paulo, que a de permitir o acesso as artes à poucos. E isso torna-se patente pela localização não só dos teatros, mas também dos museus, dos cinemas, das galerias entre outros.

Felizmente, na contra corrente disso tudo tem surgido espaços culturais em outras regiões, bem como alguns projetos desenvolvidos com recursos do Programa de Fomento para a Cidade de São Paulo, tem chegado a outros distritos fora das duas regiões já aludidas. Outro aspecto fundamental que tem permitido o acesso a muitos, é o teatro de rua, que, graças as suas características, pode deslocar-se qualquer parte da cidade sem perder seus elementos técnicos e estéticos, tornando os espaços públicos abertos locais de fruição do teatro. Citaremos três experiências nesse sentido; o projeto Circular Cohab`s do Buraco d`Oráculo, o Arte Por Toda Parte da Brava Companhia e o Semeando Asas na Comunidade do grupo Pombas Urbanas.

O primeiro, Circular Cohab`s, foi realizado pelo grupo Buraco d`Oráculo na região keste de São Paulo entre 2005 e 2007, atingindo dezoito comunidades e um público estimado em mais de trinta mil pessoas. Muitas, jamais tinham visto teatro. Além de espetáculos o grupo ofereceu oficinas de teatro aos jovens visando formar grupos nas comunidades, para tanto foram escolhidas três bairros: São Miguel, Cidade Tiradentes e Itaim Paulista. Os três núcleos receberam oficinas de preparação corporal, interpretação, percussão, circo, figurinos e adereços, sendo que ao final realizaram a montagem de um espetáculo, dos três núcleos, dois continuam em atividade.

Em 2008 o Buraco d`Oráculo retornou a seis das dezoito comunidades, realizando novo circuito denominado de Re-Praça. O circuito faz parte do projeto de 10 anos do grupo, contemplado pelo Programa de Fomento e busca dialogar ainda mais com as pessoas que ali residem, pois a próxima montagem teatral do grupo será feita a partir das histórias de vida dos cidadãos que ali residem.

O segundo projeto, Arte Por Toda Parte, foi desenvolvido na zona sul da cidade pela Brava Companhia e consiste em oficinas de teatro para jovens entre dez e dezessete anos. As oficinas são ministradas nas escolas dos bairros de Campo Belo, Santo Amaro, Capão Redondo, Parelheiros e tantos outros. O grupo já atingiu mais de 20 escolas e suas oficinas já atenderam mais de 500 jovens. Além disso, o grupo faz á muitos anos apresentações de seus espetáculos nesses lugares, além de promover encontros entre os grupos da região (já ocorreu mais de dez encontros) para discutirem o fazer teatral.

O grupo Pombas Urbanas, que em 2009 fará vinte anos, realizou em 2008 o projeto Semeando Asas na Comunidade, que consistiu de um circuito teatral na Cidade Tiradentes, atingindo quatro praças e o Centro Cultural Arte em Construção, gerido pelo grupo naquele bairro. O projeto é uma re-nomeação de outro que deu origem ao grupo em 1989, quando Lino Rojas foi para São Miguel Paulista visando formar jovens na linguagem teatral. Como deu certo, a fórmula foi repetida e ampliada. Dessa vez mais de trinta jovens foram capacitados para atuarem juntamente com o grupo na execução do projeto. Para tanto, receberam aulas de teatro, iluminação, história do teatro, produção, gestão cultural etc. Quanto aos espetáculos para a comunidade, o projeto do Pombas Urbanas foi duplamente feliz, já que ofereceu espetáculos de rua (em quatro praças) e de palco (Centro Cultural Arte em Construção), permitindo o acesso ao público de uma grande diversidade de espetáculos, apresentados pelo próprio grupo e dezenas de outros grupos convidados, tanto na ruas como na sala. O sucesso do projeto foi registrado na Revista Semear Asas, editada pelo grupo ao término do projeto.

Essas três experiências demonstram que o teatro deve estar mais próximo de todos, dão a necessidade de projetos e ações mais descentralizados, espalhados por toda cidade. Aproximar-se dos adolescentes é outra necessidade, pois quem conhece a periferia de São Paulo sabe que a maior parte da população dessas regiões é composta por jovens. Possibilitar que os mesmos discutam seus problemas e suas realidades através da linguagem teatral é mais que formar público é formar cidadãos. Os projetos aqui apresentados nos levam a refletir o quão urgente é a descentralização teatral, afinal só seremos uma república democrática quando considerarmos “todos os cidadãos como iguais, independentemente do lugar onde estejam” (SANTOS, 2000, p. 123).

Bibliografia citada 
SANTOS, Milton. O Espaço do Cidadão. 5ª ed. São Paulo: Nobel, 2000.
CONTAGEM da população 2007. Disponível em: www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/sp.pdf. Acesso em 15/06/08.

* Este artigo faz parte da pesquisa em História, realizada pelo autor sobre "Teatro de Rua em São Paulo" como bolsita PIBIC da Universidade Cruzeiro do Sul - UNICSUL. Foi publicado originalmente a "A Gargalhada" nº 09, p. 03 e revisado para esta publicação em 02/01/2009.

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