O V Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR) foi um sucesso, já que afirma-se como movimento político e como uma rede inclusiva, um espaço físico e virtual onde a solidariedade fortalece seus membros, ao mesmo tempo acirra a luta e o enfrentamento com o estado mínimo e com a ideologia de mercado.
Foto: Luanda Moreno
Se ainda ficaram algumas dúvidas, muitas foram sanadas e as definições apareceram nas falas dos presentes. As maiores dificuldades de definição era sobre o que vem a ser um articulador ou esta rede. O articulador é a base ao mesmo tempo em que ajuda a ampliar esta base, ou seja, ao articular, trazendo mais articuladores para a Rede, fortalece a base, o local e o nacional, posto, um ser conseqüência do outro, daí a sua horizontalidade. Um vai e vem em que ninguém é melhor ou maior que o outro, mas que, no entanto, a ação de um reflete no do outro. Ou como disse um articulador do Rio (perdão esqueci o nome), relacionando a definição com o seu corpo: “É a partir da articulação que se gera o movimento.”
Quanto a Rede, foi frisado para não esquecermos sempre de olhar para o lado e para baixo, e eu acrescento para cima e para frente, já que a rede vai em todas as direções, mas se o alvo é nos tornarmos grandes e fortes, precisamos fortalecer o local, pois é de lá que parte o movimento. Afinal, se o articulador está no local e é dele que parte o movimento, eis aí a importância do local para pensarmos no nacional. Embora o articulador não fique limitado por nenhuma fronteira imaginária. Por fim, a melhor definição de Rede veio do poeta popular Edmilson Santini: “Rede é um tecido inteiro em movimento.” Logo, precisamos caminhar juntos, mas sempre olhando para todos os lados, para vê se os demais estão conosco, porque se alguns estiverem caminhando muito a frente a Rede pode romper. Parafraseando o companheiro gaúcho, ainda no encontro em São Paulo: numa escalada, o grupo não pode esquecer o último, pois o ritmo dele dita a velocidade do grupo.
O encontro foi feliz também do ponto de vista da escolha do local, além de lindo, tem também uma história extraordinária. A cidade, Paty do Alferes, surgiu a partir de um caminho alternativo para transportar o ouro que vinha das Minas Gerais, isto é, opunha-se ao caminho de Paraty. A rota foi aberta em 1698. A medida que foi crescendo recebeu diversos nomes: Rossa do Alferes, Sítio do Alferes, Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Alferes e Vila de Paty do Alferes. Alferes era um cargo que correspondia a 2º Tenente e Francisco Tavares, responsável por patrulhar a região naquele período, emprestou (estranhamente) seu cargo e não seu nome a região. O Tenente, digo o Alferes, começou a plantar para vender alimentos às pessoas que por ali passavam, assim começou o desenvolvimento do lugar.
No século XIX, o local que abrigou o encontro era uma fazenda, com casa grande e senzala, como pode ser constatado pela arquitetura. A região tornou-se produtora de café, abrigava, portanto, além do fazendeiro Manoel Francisco Xavier, muitos escravos. No local há um painel que conta sobre uma revolta dos escravos ocorrida em 1838, o absurdo é que vem escrita em letras pequenas, quando deveriam está em letras enormes. Os líderes foram Manoel Congo e Mariana Crioula. Na fuga/revolta havia oitenta escravos que encontraram-se com outros fugidos das regiões vizinhas. Dezesseis foram capturados e condenados, entre eles, as lideranças; estes, condenados a morte. Os nomes constam da entrada da capelinha que há no lugar. Lá também é possível vê o documento que os condenou à morte, bem como um instrumento de castigo dos escravos.
Pulando para o século XX e, em específico para Aldeia de Arcozelo – para que o texto não fique muito longo – foi inaugurada em 1965, pelo sonhador Paschoal Carlos Magno. A Aldeia tem dois teatros, um ao ar livre e outro fechado. No final da década de 70, querendo manter a Aldeia a todo custo, Paschoal Carlos Magno é obrigado vender a própria casa para pagar dívidas do lugar. Desesperado, em 1979 ameaça incendiar o lugar, já que os governantes não entendiam o seu sonho. Recebeu incentivo de todo o Brasil, que lhe enviaram notas de cruzeiros pelo correio para que pudesse salvar o lugar.
Trinta anos depois (2009) o local ainda necessita de socorro para que não deteriore ainda mais. Apesar de pertencer ao Governo Federal, alguns pavilhões estão em completa ruína e interditados, uma prova de como é tratado nossa história, nossa memória e nossa arte. Portanto o local afirma-se como resistência: resistência ao tempo, ao descaso dos governantes, resistência civil e cidadã, por parte dos escravos que lutaram por liberdade, resistência de Paschoal Carlos Magno, que buscou incentivar as artes brasileira, sobretudo o teatro.
Se o Brasil foi invadido 509 e nove anos atrás, em 2009 o Brasil afirma seus valores, sua arte e sua cultura popular no Encontro da RBTR na Aldeia de Arcozelo, em Paty do Alferes. Não é a toa a data, assim podemos afirmar o verdadeiro Brasil que luta contra a classe dominante que insiste em não vê o verdadeiro Brasil. Por isso nosso encontro em uma aldeia, justamente para reafirmar nossos valores guerreiros. Arcos e flechas nas mãos guerreiros da Rede Brasileira de Teatro de Rua.
Adailtom Alves 25/04/09 – 00:08
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