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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Cultura como ponta de lança

Cultura como ponta de lança ou aja criatividade

Adailtom Alves Teixeira[1]

O capitalismo vive em crise e, como ainda não conseguimos acabar com ele, vive se reinventando. Quanto à cultura, a mesma vem sendo ponta de lança de práticas que apenas favorecem esse modo de produção. Chin-Tao Wu, em Privatizações da cultura, já analisou como a política neoliberal chegou ao campo das artes. Afinal, cada vez mais, ideias são mais rentáveis do que os produtos materiais. Uma peça, um automóvel, é preciso sempre serem produzidos para serem vendidos; já uma ideia, ao ser criada, pode ser vendida indefinidamente, gerando muito lucro para os detentores dos seus direitos. E não são apenas as grandes empresas as maiores detentoras dos direitos?
É nesse campo que se coloca a economia criativa. E as últimas ações da Ministra da Cultura para expandir cada vez mais esse "universo cultural" são um pequeno retrato do que devem esperar todos e todas que lidam com a cultura em nosso país.
A ideia de uma economia criativa, até onde se apurou, começou na Austrália, com a perspectiva de nação criativa, depois migrou para o Reino Unido, sob a batuta de Tony Blair, continuador da política de Margareth Thatcher. E se os mercados ditam as regras, claro que o Brasil não poderia ficar de fora. A Secretaria de Economia Criativa foi implantada em janeiro de 2011, logo no início do governo Dilma, deixando claro como a cultura deveria ser tratada: como negócio.  A Secretaria é voltada para pensar e auxiliar na construção de produtos e serviços de dimensões simbólicas. Se a indústria da moda, que sempre vampirizou as criações artísticas, é um desses campos, foi o que se perguntaram muitos brasileiros recentemente.
Em dezembro de 2011 a ex-Secretária de Economia Criativa, Claudia Leitão, em artigo publicado no Jornal Brasil Econômico, afirmou ser difícil conceituar o que seja economia criativa, no entanto, não deixava dúvidas: "mas nós sabemos onde ela está". E frisava a necessidade de linhas de crédito para fomentar os empreendimentos criativos, pois a criatividade precisa virar inovação, para que esta se torne riqueza - muito embora o artigo não deixasse claro para quem iria a riqueza gerada por tais empreendimentos. Leitão já não está mais na Secretaria, mas as ações do Ministério parecem deixar claro quais devem ser os rumos do que entendem por economia criativa e quais os mecanismos para isso. Para se ter uma ideia, a tônica da política cultural brasileira ainda são as leis de renúncia fiscal, sendo a Lei Rouanet o modelo.
Os dados dessa política são contundentes. Eliane Parmezani, na edição de outubro de 2012 da Revista Caros Amigos, afirmou que "por meio de renúncia fiscal, foram disponibilizados 12 bilhões de reais nesses 20 anos de lei Rouanet. Contudo, 50% dos recursos estão concentrados em cerca de 100 captadores. A outra metade fica com 20% deles. E os outros 80% dos proponentes não captam nada. Mais: apenas 5% dos projetos aprovados na lei Rouanet são realizados". Existe aí um feudo cultural financiado com dinheiro público.
Se não revirmos urgentemente o modelo de política cultural, não serão apenas desfiles de moda os beneficiados, mas uma gama infinita de "criativos", enquanto pequenos produtores das artes padecem pelo Brasil. Se a ideia da economia criativa for no sentido de distribuir renda, como reza o discurso oficial, eu não tenho dúvida que um pequeno festival de teatro realizado no norte do país, ou qualquer outra região, distribui renda e agrega muito mais valor do que qualquer desfile de moda realizado fora do Brasil.

Publicado originalmente no jornal Brasil de Fato, edição 553.



[1]
                        [1] Graduado em História e mestre em Artes pelo Instituto de Artes da Unesp.


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