Hamilton Leite[1]
Introdução
Com o presente artigo,
pretendo sintetizar a pesquisa realizada com integrantes de grupos de teatro de
rua de Porto Alegre, bem como com o público que assistiu às apresentações desta
modalidade teatral na cidade, no período de
outubro de 2012 a julho de 2013, ou seja, nas estações do ano mais propícias
para esta atividade aqui no Estado: primavera, verão e outono.
Nestas páginas, além de
justificar que o teatro de rua é uma arte
pública de performance e de convívio, relatarei brevemente o que o público
pensa e percebe do teatro de rua feito em Porto Alegre. Para tanto, elaborei um
questionário realizado com os espectadores de rua, em que havia alguns quesitos
como nome, idade, profissão e escolaridade do entrevistado, além de perguntas
que abrangiam impressões a respeito da obra teatral de rua em questão. Foram 25
apresentações de espetáculos de rua nas quais fiz a pesquisa com o público, com
cerca de 250 espectadores abordados. Além disso, pude entrevistar artistas de 9
grupos de teatro de rua, alguns surgidos recentemente e outros há décadas em
atividade na cidade. A minha intenção com isso é fazer um breve panorama da
cena teatral de rua em Porto Alegre e refletir sobre quem está se apresentando
nos espaços públicos da cidade, o que está sendo levado ao público, que
espetáculos estão em atividade, e o que pensa esses espectadores. Cabe destacar
que a pesquisa não tem por objetivo cobrir toda a produção porto-alegrense e
nem esgotar o tema.
Para ajudar a refletir as
problemáticas da pesquisa, começo abordando o fato de milhares de brasileiros terem
ido às ruas de todo o país nos últimos cinco meses – e que foi diretamente
influenciado pelas manifestações populares contra o aumento das passagens do
transporte coletivo ocorridas em Porto Alegre no primeiro trimestre de 2013. Em
paralelo a isto, há outro fato que também foi recorrente no período da
pesquisa, que se trata da proibição do teatro de rua e a institucionalização da
mesma pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, em especial pela Secretaria
Municipal do Meio Ambiente, em que somente poderia haver apresentações
artísticas de rua com autorização prévia.
A constituição brasileira é clara no Artigo
5º, inciso 9º, sobre o direito à livre expressão, seja ela artística,
científica ou social. Ambos os casos se tornaram vitoriosos: no caso das
passagens de ônibus, houve a redução das tarifas, ocasionada principalmente
pelas manifestações populares e pela ação judicial; no caso do teatro de rua, a
elaboração e o protocolo da Lei do Artista de Rua de Porto Alegre, no mês de abril
de 2013. Os exemplos citados mostram a questão do convívio humano, do direito à
livre expressão e do encontro/ reunião em espaço público aberto como tônica da
sociedade atual, na qual a rua volta a ser o lugar protagonista da
manifestação, do protesto, e da transformação político-social.
Um
pouco de história...
Durante um longo período do
século XX, o Brasil passou por duas ditaduras: nos anos 1930, no período Vargas, e
posteriormente entre 1964 e 1985, na ditadura civil-militar. Foram praticamente
35 anos de prisões e proibições, em um regime centrado na censura e na proibição do uso do
espaço público aberto para manifestações políticas, democráticas, intelectuais,
culturais e artísticas. O movimento pela redemocratização do país na década de
1980, o chamado “Diretas Já”, foi um dos propulsores do ressurgimento do teatro
de rua no Brasil e, especialmente, em Porto Alegre. A propagação desta modalidade
teatral se multiplica até os dias atuais pelas ruas e praças de nosso país.
Assim, ainda que o movimento das diretas tenha sido derrotado, já que não houve
eleições diretas, sua inspiração do uso da rua continua a ecoar e a dar bons
frutos.
Os primeiros registros de
teatro de rua em Porto Alegre são do final da década de 1970 e início de 1980,
coincidindo com as manifestações de reivindicação política daquela época. Nesse contexto, surgiu nas ruas a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz.
Pude presenciar no ano de 1984 a também inauguração da Terreira da Tribo, sede
do grupo, no bairro Cidade Baixa. A sede foi uma importante referência cultural
destes novos tempos de redemocratização, e também um modo fundamental para
articulação e apoio às atividades do grupo. Estrategicamente era localizado ao
lado do centro da cidade, já que todas as manifestações se deslocavam até a famosa
Esquina Democrática, local este que muitas vezes, durante 1984, com colegas da
escola Júlio de Castilhos – popularmente conhecido como Julinho –, nos
manifestávamos pelas “Diretas Já” tanto para diretor de escola quanto para
presidente da República. Assim, na segunda metade da década de 1980, em cinco
anos, Porto Alegre já contava com seis grupos de teatro de rua: Ói Nóis Aqui Traveiz, Pé de Palco (depois Rapazes do Pé de Palco), Oficina Perna de Pau, Alcatéia e Cia Teatral D’Rua. Para o imaginário e a construção de um país
democrático, haver manifestações artísticas de teatro de rua era algo muito
significativo.
Em pouco tempo, no início dos
anos 1990, começou a articulação para a I Mostra de Teatro de Rua de Porto
Alegre e, posteriormente, o I Encontro Nacional de Teatro de Rua, trazendo à
capital gaúcha grupos que eram novos naquela época, mas que hoje são
referências em teatro de rua no país, como o Grupo Galpão, de Minas Gerais, o Imbuaça, de Sergipe, o Tá na
Rua, do Rio de Janeiro, e o Fora do
Sério, do Interior de São Paulo. Porto Alegre, dessa maneira, ganhava lugar
de destaque no cenário teatral de rua brasileiro, e em virtude dessa efervescência,
em que o surgimento de grupos se multiplicava como uma “praga” passou a ser
mais recorrente a apresentação de espetáculos em ruas, parques, bairros e vilas
da cidade. Chegava-se a se fazer três apresentações por dia nos bairros, um a cada turno e em um bairro da periferia e com apoio da prefeitura
do período, a chamada Frente Popular (1989-1992). Muitas vezes, a própria
comunidade dava aos grupos o que comer e beber. Também era comum que algumas
apresentações ocorressem nas feiras de hortifrutigranjeiros. Com o grupo que eu
fazia parte naquela época, a Oficina Perna
de Pau, cada feirante nos dava um pouco do seu produto, gerando um grande
sopão quando retornávamos para a então sede do grupo, no pé do Morro da Cruz,
na Vila São José. Nesse sentido, ocorriam também as Mostras de Teatro de Rua em
Porta de Fábrica, com a presença e o apoio institucional da prefeitura.
O tempo passou e, enquanto
diversos grupos faleceram, outros surgiram. Eu, particularmente, logo após o
fim do Oficina Perna de Pau, em 1997,
fui fazer um intercâmbio com o grupo Teatro
de Los Andes, em Yotala, povoado ao lado de Sucre na Bolívia, onde me
propiciou apresentar nas ruas de muitas cidades como Buenos Aires, Cochabamba,
La Paz, Montevidéo, Canelones e Santa Cruz de La Sierra.
O
Retorno e as Proibições
Janela sobre as proibições
Na parede de um botequim de Madri, um
cartaz avisa: Proibido cantar. Na
parede do aeroporto no Rio de Janeiro, um aviso informa: É proibido brincar com os carrinhos porta-bagagem.
Ou seja: ainda existe gente que canta,
ainda existe gente que brinca.
AS
PALAVRAS ANDANTES –
Eduardo Galeano
Ao retornar à Porto Alegre,
após um ano viajando e vivendo em outro país da América Latina, entre os anos
de 1999 e 2000, me deparei com uma nova realidade: a institucionalização
da arte de rua, por meio de um decreto municipal referente à
obrigatoriedade de ter que pedir autorização para apresentações de teatro de
rua. Ironicamente isso ocorreu em 1998, ainda na gestão da Frente Popular, aquela
mesma que, na primeira metade da década de 1990, apoiava os grupos de teatro de
rua nas suas apresentações na periferia da cidade – foram quatro governos
consecutivos. A gestão criou o Decreto nº
11.929 de 09/03/1998, que serviu de base para justificar o pedido de
autorização da livre expressão artística garantida pela Constituição Nacional
de 1988. Cabe salientar que toda a origem das manifestações de rua e o
surgimento do teatro de rua em Porto Alegre pós-ditadura não necessitava de
autorização prévia, pois é corriqueiro haver uma ética do artista de rua, no sentido de não atrapalhar a
apresentação do outro (ou se esperava o término do que havia chego antes para,
assim, iniciar o seu espetáculo ou performance, ou ainda o artista escolhia um
outro local mais adiante). É mais irônico ainda o fato dessa
institucionalização ocorrer no mesmo governo, já com uma década de orçamento
participativo e participação popular, instituir o pedido de autorização para o
teatro de rua e o comparar a grandes eventos de empresas privadas. A justificativa
deste decreto relacionado ao teatro de rua nunca foi muito clara. No entanto, é
evidente o processo de estatização do espaço público aberto e o controle do
mesmo pelo Estado, abrindo precedentes para o novo século. Assim, nos anos 2000, torna-se corriqueiro
o teatro de rua ser proibido, mesmo não havendo atividade acontecendo naquele
mesmo espaço/tempo e, junto a isto, a cidade passou a ter seus espaços públicos
privatizados por grandes corporações, como empresas de construção civil e famosas
marcas de refrigerante.
A figura do fiscal e/ou
organizador surgiu nesse processo, tornando-se um mandatário do espaço público,
e criando assim uma relação de poder e (pré)potência. Ele, muitas vezes, passa
por cima da Constituição (na qual consta que é direito do cidadão a livre
expressão artística) e, ao mesmo tempo, proíbe uma
das poucas manifestações cotidianas e continuadas de livre acesso à arte para a
população em Porto Alegre. O fato de a prefeitura se preocupar em manter e
conservar o espaço público aberto pode até ser justificado pelo seu compromisso
e responsabilidade, mas a proibição pela proibição da arte, que no caso do
teatro de rua é arte pública (conceito que aprofundarei posteriormente),
demonstra um enorme despreparo dos agentes públicos e suas coordenadorias para
com sua população. A situação é tão alarmante que, durante esta pesquisa,
recebi relatos de que estavam proibindo manifestações de capoeira no Largo
Zumbi dos Palmares (antigo Largo da EPATUR).
Neste clima de total
controle por parte do Estado, ou seja, a estatização do espaço público aberto
surge algo mais alarmante: o processo de privatização. As bancas dos artesãos
do Brique da Redenção, feitas de plástico e todas iguais, são patrocinadas por
uma marca de supermercado, o que dá um acabamento sintético e nem um pouco
artesanal ou artístico. Hoje, o Parque da Redenção é de uma famosa marca de
refrigerante, a qual coloca sua logomarca em diversos lugares. O Auditório Araújo
Vianna também foi privatizado, e atualmente leva o nome de uma empresa de
telefonia. O Largo Glênio Peres foi destinado à outra famosa marca de
refrigerante, assim como a orla do Rio Guaíba. Todos esses exemplos nos levam a
crer que, em Porto Alegre, o espaço público não é público. Considero importante
relatar tudo isso por estar embasando uma pesquisa sobre o que o público pensa
do teatro de rua, a qual pode ser considerada como arte pública, o que está se produzindo
na cidade em termos de teatro de rua e como ela costuma ser financiada.
A Lei do Artista de Rua é
extremamente importante na atual conjuntura, pois, na realidade, pelo que a
pesquisa demonstra com os dados, não é para o artista nem para o público, mas
sim para o Poder Público e seus servidores que fiscalizam, organizam e proíbem
atividades desta modalidade teatral em parques, praças e ruas. As manifestações
democráticas e artísticas, como o livre direito à expressão e o direito de
encontro e reunião nos espaços públicos abertos deixam claro a necessidade de
ampliar o conceito de Teatro de Rua como uma arte pública de performance e convívio. Dito em outros termos: ainda
há aqueles que cantam, brincam e fazem teatro de rua, independente das
interdições.
O
Teatro de Rua em Porto Alegre – Panorama Atual
Entre outubro de 2012 e julho de 2013, pude
acompanhar 25 apresentações de teatro de rua, além de conversar com integrantes
de alguns grupos que neste período de 10 meses se apresentaram em Porto Alegre.
Pude escutar as respostas às questões que foram feitas aos seus espectadores.
Poucos anos se passaram desde as “Diretas Já”,
praticamente três décadas. Para a História e os processos históricos, 30 anos significam
quase nada, porém Porto Alegre ainda se mostra como um celeiro de produção em
teatro de rua, e sim, se trata de uma prática aprovada pela população que
circula pelas ruas e parques da cidade.
Aqui apresentarei alguns espetáculos e grupos
que pude ver neste curto espaço de tempo, e as impressões do público quanto as
suas peças e às formas de apresentá-las. Certamente nestas três décadas de
teatro de rua muitos grupos surgiram, tantos outros se firmaram, outros
desapareceram. Infelizmente, nestes dez meses de pesquisa, existiram alguns
grupos que não consegui acompanhar, ou que por estarem envolvidos em outros
projetos, não realizaram apresentações de teatro de rua em Porto Alegre. No
total, aconteceram mais de 40 apresentações teatrais de rua de grupos de fora
do Estado e do interior, no entanto o foco da pesquisa são os grupos da cidade
que trabalham cotidianamente e residem aqui. Acompanhei, assim, apresentações
do Ói Nóis Aqui Traveiz, Falos & Stercus, Usina do Trabalho do Ator (UTA), Povo da Rua, Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais, Manjericão, além de alguns grupos surgidos
mais recentemente como Mosaico Cultural,
Pindaibanos e Levanta Favela.
(...) Na rua, lugar obrigatório da
comunidade, passa todo o público, o conhecedor teatral e aqueles que estão em
nível mais abaixo: donas de casa e secretárias, adolescentes e avós, leitores
de jornais e analfabetos. Podem ficar ou ir embora (nenhuma forma psicológica
os prende a sua cadeira marcada de teatro. No caso do espetáculo itinerante, ao
que nos referimos especificamente, podem
seguir vendo a representação ou abandoná-la, o público é soberano de suas decisões
mais sinceras. E aqui quem sabe pela primeira vez, grande parte de pessoas que
não tem acesso a uma cadeira teatral e nem a televisões a cabo, terão um
encontro com o fenômeno “teatral”: atores que tocam música, outros que
surpreendem em cima de suas pernas de pau; outros em procissão passam em bandas
por baixo de janelas abertas. (...)
(CRUCIANI, Fabricio; FALLETTI, Clelia.
El Teatro de Calle – Tecnica y manejo del
espacio. 1992, p.15).
1. Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz
(1978)
O grupo mais antigo de
teatro de rua de Porto Alegre, e também um dos mais antigos do país, nasceu de
incursões pelas ruas do centro da cidade. Os temas de suas intervenções variavam:
contra usinas nucleares (em memória das vítimas da bomba atômica lançada pelos
Estados Unidos nas cidades de Hiroshima e Nagasaki,
ambas no Japão), sobre a situação degradante do Rio Guaíba (O Guaíba vai virar Copacabana), contra o
racismo, dentre outros temas. O Oi Nóis,
como é lembrado carinhosamente pela população da cidade, é um dos grupos mais
lembrados pelos entrevistados da pesquisa. Nestes mais de 30 anos de história,
o grupo realizou muitas apresentações de espetáculos e intervenções, tais como A História do Homem Que Lutou Sem Conhecer Seu
Grande Inimigo, Teon – Morte em Tupi
Guarani, Dança da Conquista, Deus Ajuda os Bão, Os Três Caminhos Percorridos Por Honório dos Anjos e dos Diabos, Se Não Tem Pão, Comam Bolo!, Independência ou Morte, A Heroína da Pindaiba, A Exceção e a Regra, A Saga de Canudos.
Desde setembro de 2008 tem
encenado pelas ruas do país e no exterior (como em Portugal) o espetáculo O Amargo Santo da Purificação, o qual se
tornou um marco da história do teatro gaúcho.
Ganhou o Prêmio Açorianos de Espetáculo, Produção, Figurinos, Trilha Sonora e
Melhor Atriz. Para este trabalho, o grupo escolheu a história do revolucionário
brasileiro Carlos Maringhella, que lutou contra as ditaduras do Estado Novo e
do Regime Militar, morrendo em 1969, atingido por vários tiros de arma pelos
agentes do Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS). A encenação procura
trazer à tona a história desse herói popular, o qual os setores dominantes tentaram
banir da história do país durante décadas.
Nos últimos anos, o espetáculo
percorreu 14 estados brasileiros, participando de Mostras e Festivais em todo
país, colorindo com suas alegorias praças, parques, vilas e bairros de Porto
Alegre, e levando o trabalho também à zona rural do Estado, passando por
diversos assentamentos. O grupo atualmente conta com o patrocínio do Programa Petrobrás
Cultural.
2. UTA - Usina do Trabalho do Ator
(1992)
O grupo teatral Usina do Trabalho do Ator teve sua
origem em 25 de maio de 1992, em Porto Alegre, a partir de um projeto, do então
Diretor da Oficina Teatral Carlos Carvalho, Maurício Guzinski, vinculado à
Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre. Esse projeto visava criar um
núcleo de pesquisa teatral. Os atores foram selecionados por intermédio de uma
concorrência pública, com encaminhamento de projetos de pesquisa. Inicialmente,
funcionou no Espaço Cultural do Trabalho Usina do Gasômetro e contou com o
apoio daquela Secretaria.
Ao findar o período de
alguns meses, sob a alçada da Secretaria da Cultura de Porto Alegre, um grupo
desses atores seguiu o trabalho de forma independente, e construiu ao longo dos
anos a Usina do Trabalho do Ator,
grupo de teatro ligado hoje ao GETEPE - Grupo de Estudos em Educação, Teatro e
Performance, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O nome do grupo é uma
referência ao primeiro espaço ocupado pelo trabalho – a Usina do Gasômetro -,
mas, também, ao significado das palavras Usina (lugar onde se produz energia),
Trabalho (ação continua e progressiva duma força natural, e o resultado desta
ação), Ator (agente da ação) e a relação com o trabalho desenvolvido pelo
grupo.
A vertente de estudos sobre
o trabalho do ator teve vários desdobramentos, tanto em espetáculos
apresentados no Brasil e no exterior, quanto em demonstrações técnicas e
trabalhos escritos publicados. Nessa perspectiva, o ator é investigado no amplo
espectro das possibilidades criativas e na configuração de suas identidades, em
um modo particular de fazer teatro.
Sua outra área de
investigação diz respeito à linguagem cênica. Nessa abordagem, o trabalho
investigativo do grupo permeou diversos aspectos. Assim, o trabalho do grupo ao
longo dos anos caracterizou-se, sobretudo, na relação com o espaço; na
exigência corpóreo-vocal; na incorporação de elementos teatralizados; no uso da
música; e, na configuração de um modo identitário próprio.
A incorporação de elementos
teatralizados incluiu a presença e o uso de pernas-de-pau, instrumentos
musicais e de percussão, uso de máscaras e outros elementos. O trabalho com a
música foi sempre tomado como central no desenvolvimento da linguagem do grupo.
A configuração de modos identitários se manifesta, então, em duas dimensões. A
primeira, nas temáticas que tem nos modos gaúchos de vida seu principal foco. A
segunda, nos modos de fazer teatro, na maneira dos atores se imporem disciplina
e rigor em seu trabalho e descobrir nisso uma maneira de expressão precisa e
que manifestaria um modo de pensar o mundo, atestando a imersão em uma
comunidade específica.
Ao longo de sua história de
produção investigativa e artística o grupo realizou demonstrações de trabalho,
espetáculos teatrais, seminários e oficinas, sempre com o objetivo de divulgar,
compartilhar e discutir seu trabalho com a comunidade.
3. Povo da Rua –
teatro de grupo (1998)
Principiou suas atividades
no início de 1998, ocupando uma sala na sede SINTRAJUFE. Lá, realizou
intervenções cênicas e ministrou oficinas aos trabalhadores do movimento
Sindical e ao público em geral. Foi através do núcleo de pessoas da Oficina de
Teatro Sindical que surgiu a intenção e a força para construir um grupo de
teatro.
O Povo da Rua se propõe, primeiramente, à elaboração de uma
dramaturgia própria específica para teatro de rua, do que resultou a montagem
do espetáculo Os Sete Pecados do Capital,
o qual teve sua estreia no 7º Poa em Cena (em setembro de 1999).
Na busca de espaço próprio
para trabalho, o Povo se transferiu
para o antigo e abandonado Estaleiro Só, às margens do Guaíba. O grupo retomou
as oficinas abertas, partindo para sua segunda montagem. O resultado foi o
espetáculo Os Mistérios das Quatro Chaves
– uma brincadeira espetáculo, adaptação coletiva do texto de Ilo Krugli.
No ano de 2002, movimentando
o velho estaleiro desativado por meio do seu primeiro financiamento público, o Povo da Rua encenou o espetáculo Pedro Malazartes da Silva, adaptação do
texto de Maria Helena Kühner.
No ano de 2003, passou por
novas transformações, culminando na mudança de sede. Assim, em parceria com
outros grupos teatrais locais, passou a ocupar um dos pavilhões desativados do
histórico Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP).
Naquele velho novo espaço, que é chamado
pelo grupo de “A Casa do Povo”, o grupo aprofundou a prática cotidiana de
trabalho artístico, com estreita ligação com funcionários, pacientes e
comunidade do entorno do HPSP. Além da criação de espetáculos e intervenções,
passou a também ministrar oficinas de teatro dentro do projeto Teatro do Povo,
Inclusão na Vida.
Em 2006, retomou seu projeto
de dramaturgia própria, porém com um diferencial: A Ciranda dos Orixás, espetáculo músico-teatral, foi concebido para
apresentações na sala do espaço do grupo, realizando temporada de três meses.
A
Caravana da Ilusão, seu mais recente trabalho, foi uma
adaptação para teatro de rua do texto homônimo de Alcione Araújo, contemplado com
o Prêmio Funarte de Teatro (o Miryam Muniz e Artes Cênicas na Rua).
Nestes últimos meses, o Povo da Rua fez apresentações em Porto
Alegre, viajou pelo interior do Estado com patrocínio da Corag e circulou pela
região nordeste do Brasil por meio de um patrocínio via renúncia fiscal (lei
Rouanet), sendo este fato uma raridade na realidade do teatro de rua de Porto
Alegre.
4. Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais
(1999)
A Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais surgiu em 1999 com o
espetáculo Deus e o Diabo na Terra de
Miséria, completando 15 anos de trabalho continuado de grupo em maio de 2014. Nestes anos produziu
8 espetáculos teatrais, alcançando um público de 750.000 pessoas em mais de 1500
apresentações.
Entre 1999 e 2002, o grupo
produziu três espetáculos de teatro de rua, focando o resgate de contos e
lendas da América do Sul, o qual denominou Trilogia Pampiana: Deus e o Diabo na Terra de Miséria (1999), Mboitatá
– a Verdadeira História da Cobra de Fogo dos Pampas (2001) e O
Negrinho do Pastoreio (2002). Com a estreia deste último
espetáculo lançou o CD Trilogia
Pampiana com as trilhas sonoras originais e versos dos três espetáculos.
Em 2008, estreou Miséria Servidor de Dois
Estancieiros, e em 2012 estreou o seu mais recente trabalho O Baile dos Anastácio, depois de dois anos de pesquisa, elaboração e montagem com dramaturgia
de Luis Alberto de Abreu.
Com esses espetáculos percorreu a cidade de
Porto Alegre, o interior do estado do RS, 18 estados brasileiros, Argentina,
Portugal, e Uruguai, representando o teatro de rua gaúcho e brasileiro nos
principais e
mais variados festivais, mostras e encontros teatrais. O grupo anualmente faz temporadas de teatro de rua
nos parques e praças de Porto Alegre, além de apresentar em escolas e
entidades. Também realiza cortejos e intervenções cênicas. A Oigalê nestes anos virou referência nacional e
local de teatro de rua, sendo um dos grupos mais atuantes do cenário nacional e
conseguindo manter um repertório de 5 espetáculos para o teatro de rua.
Neste
período de setembro de 2012 a julho de 2013, a Oigalê fez 82
apresentações de seus espetáculos em repertório O Negrinho do Pastoreio, A
Máquina do Tempo, Miséria Servidor de
Dois Estancieiros e O Baile dos
Anastácio, o qual estreou em Porto Alegre em outubro de 2012 fazendo mais
de 20 apresentações em bairros, vilas, praças e parques. A pesquisa e montagem
deste último espetáculo
teve o patrocínio da Petrobras, por meio de Seleção Pública do Programa
Petrobras Cultural. Já o espetáculo O
Negrinho do Pastoreio contou com a circulação comemorativa do projeto Uma
década do espetáculo e um século da lenda de João Simões Lopes Neto, com
financiamento do edital público Artes Cênicas nas Ruas da FUNARTE. Por fim, o
espetáculo A Máquina do Tempo teve o
patrocínio da CORSAN, nos meses de janeiro e fevereiro de 2013.
5. Grupo Teatral Manjericão
(1998)
O grupo
formou-se em fevereiro de l998, surgindo da necessidade dos artistas que o
integram de colocar suas idéias, conhecimentos e objetivos na prática, através
de pesquisas cênicas.
Através
de treinamentos calcados no trabalho do ator e da encenação, o grupo experiencia
as diferentes técnicas do teatro popular junto às linguagens como o teatro de
máscaras, o palhaço circense e a commedia
dell’arte, buscando e possibilitando assim o surgimento de novas formas e
técnicas, particulares do grupo, para a criação e encenação de seus espetáculos.
As
encenações são trabalhadas com base nas experiências que o grupo obteve nestes
anos de atividades, quando constatou que a inserção de elementos da cultura
popular às linguagens utilizadas proporciona uma empatia muito maior com o
público, transpondo a barreira do discurso e da compreensão dos temas
propostos, ampliando a relação ator/espectador.
O Grupo Teatral Manjericão,
em 15 anos de estrada, também realiza projetos de circulação pelos bairros e
periferias, onde a comunidade, através de seus articuladores culturais, fornece
a estrutura para as apresentações.
Contemplados com Edital do
Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua 2012, o grupo circulou por 10 capitais
brasileiras, nas regiões do Centro-oeste e Nordeste, em celebração dos 15 anos
do grupo: Natal, João Pessoa, Limoeiro-PE, Fortaleza, Teresina, Salvador,
Brasília, Goiânia, Campo Grande e Porto Alegre.
De outubro 2012 a julho de
2013, foram 43 funções entre apresentações/intervenções de seus dois
espetáculos em repertório: O Dilema do
Paciente e João Pé-de-chinelo. Em
19 diferentes cidades em 14 Estados da nação.
Atualmente o grupo é
composto de 4 integrantes: Anelise Camargo Garcia, Alice Machado Chiapini,
Márcio Silveira dos Santos e Valdir Alexandre da Silva. Não possui sede
própria, nem aluga alguma. O Manjericão
utiliza o Parque Alim Pedro, no bairro IAPI, como sede pública para ensaios,
quando o clima permite.
O Grupo Teatral Manjericão não teve nenhuma apresentação em que seu
público foi entrevistado, pois nestes últimos 10 meses o grupo mais se
apresentou fora do estado do Rio Grande do Sul, porém por se tratar de um dos
grupos que desde o século passado se dedica ao
teatro de rua, incluí na pesquisa e fiz uma entrevista com um de seus
fundadores, Márcio Silveira dos Santos.
Na entrevista, Márcio
Silveira afirma que o grupo, há alguns anos, já vem trabalhando muito mais fora
do Estado pela falta de verba e pela desvalorização de uma política cultural para
esta modalidade teatral no Estado.
6. Grupo Pindaibanos
(2009)
Trata-se de um novo grupo de
teatro de rua de Porto Alegre, e surgido de uma maneira atípica, porque nasceu dentro
do Departamento de Arte Dramática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS
(da graduação em Teatro). Eles sempre se consideraram como os “tortos”, os "bagaceiros"
do meio acadêmico. Em virtude disso, decidiram por colocar o nome do grupo de
Pindaibanos, que vem do termo "pindaíba" – significando quebrado,
falido, sem dinheiro. O primeiro trabalho de rua do grupo foi Meu Barraco, Minha Vida, realizado numa
disciplina chamada "Atelier II" no segundo semestre de 2009. O
trabalhou foi apresentado em dezembro do mesmo ano no centro de Porto Alegre, e
o mote da encenação era a busca de um bando de bufões por uma casa
própria no centro da cidade. Ela foi remontada em 2011, sendo o trabalho de
conclusão de curso da diretora do grupo, Evelise Mendes.
Em 2010 era o ano das atividades curriculares chamadas de “estágios” (estágio
de atuação de três integrantes, e de direção de um deles). Por se sentirem
incomodados sobre a forma como Nelson Rodrigues costuma ser montado, e querendo
aprofundar essa relação com o espaço público aberto que fora iniciado no Meu Barraco, Minha Vida, o grupo criou A Serpentina ou Meu Amigo Nelson.
Foram feitas quatro apresentações
em julho de 2010, no centro de Porto Alegre (POA), no auge do inverno, ficando
um longo tempo sem apresentá-lo. Em 2012, o Pindaibanos decidiu inscrever o trabalho no edital de ocupação dos
teatros municipais da cidade, propondo de apresentar A Serpentina no pátio do Teatro de Câmara Túlio Piva, integrando o
projeto Novas Caras (destinado aos novos artistas da cidade). O principal argumento
era de que apresentações de teatro de rua no pátio do teatro iria chamar um
outro tipo de público, já que muitas pessoas que circulam naquele bairro
desconhecem o fato de existir um equipamento cultural ali. O espetáculo foi
selecionado, e foram feitas 4 apresentações no local, todas as quartas-feiras
entre outubro e novembro, às 20h.
Para essas apresentações, foi
realizada praticamente uma remontagem. Acrescentou-se a figura do Nelson Rodrigues
na peça, investiu-se na linguagem carnavalesca, dentre outras ações. Devido a
essas apresentações, o grupo concorreu e ganhou, em dezembro de 2012, o Prêmio
Mais Teatro Revelação nas categorias Espetáculo, Diretor e Ator, além do Troféu
RBS Júri Popular.
Entre outubro de 2012 e julho de
2013, o grupo apresentou o espetáculo 17 vezes, sendo 2 em bairros da periferia
da cidade, 14 no centro da cidade e 1 apresentação em Caxias do Sul.
7.
Cambada
de Ação Direta Levanta Favela (2008)
A Cambada de Teatro em Ação Direta Levanta Favela iniciou suas atividades em 2008, com uma intervenção
cênica de denúncia aos doze anos de impunidade do massacre de Eldorado dos
Carajás. Esta apresentação é repetida anualmente. Seguindo a linha do teatro de
Agitação e Propaganda, montou a intervenção Manifesto
por uma educação libertária. Durante aquele ano, participou da ocupação urbana
chamada Casa Rosa, no bairro Floresta, de Porto Alegre.
Organizou
então a Oficina de Teatro em Ação Direta, gratuita e aberta, com a proposta de
criação de intervenções cênicas. Essa oficina se mantém até hoje, e teve como
resultado algumas intervenções, como Dona
Maria, o Direito de Comer Direito (2008). Nos quarenta anos de edição do
Ato Institucional nº 5 (AI-5), estreou seu primeiro espetáculo de rua, O Canto da Terra, trazendo a público a
história dos massacres no Pará, desde a guerrilha do Araguaia até o massacre de
Eldorado dos Carajás.
Ao
completar um ano de atividades, a cambada firmou parceria com a Comunidade
Autônoma Utopia e Luta, e passou a trabalhar no Quilombo das Artes, onde deu
continuidade à Oficina de Teatro em Ação Direta, onde construiu e apresentou Nosso Herói morreu de calibre 12; 1º de Maio Trabalhadores e o Julgamento de Yeda Crusis (2009). No
final do ano, a Cambada pôs nas ruas o seu novo espetáculo de rua, Árvore em Fogo, contando a história da
vida e da obra de Bertolt Brecht, tendo como pano de fundo a 1ª e 2 ª Guerras
Mundiais.
Em
2010, na Oficina de Teatro em Ação Direta, foram criadas as intervenções Para Que(m) Serve Teu Voto? e Abolição Libertária. Em 2010, a cambada
desenvolveu o seu primeiro espetáculo de sala, Margem abandonada Medeamaterial Paisagem com Argonaltas, que
estreou dia 13 de dezembro no Clube de Cultura. Em 2011, da oficina originou as
intervenções Pula a Roleta e Pacha mama.
Em
dezembro de 2011, estreou sua nova peça de teatro de rua chamada Futebol, nossa Paixão: pra falar sobre
política, futebol e religião. A peça abordava a vida de
personagens populares moradores de uma favela que são apaixonados por futebol e
que têm suas vidas mudadas a partir da vinda da Copa do Mundo de Futebol em
2014, tanto pela expectativa de ver o jogo com seus próprios olhos quanto pelas
mudanças que vão ocorrendo no país e na cidade. Estes favelados, representando
o povo brasileiro, fazem de tudo para ver a grande final da Copa do Mundo, mas
acabam se deparando com as agruras das injustiças sociais devido ao meio em que
estão inseridos.
Em uma adaptação do texto Corinthians, meu amor de César Vieira[2],
o Levanta Favela traz uma discussão
a respeito da paixão que o povo brasileiro nutre pelo futebol e o choque de
interesses que ocorre a partir das conseqüências possíveis geradas por um
megaevento do porte da Copa do Mundo de Futebol no Brasil. Um dos dados mais
relevantes na pesquisa é que a Cambada
Levanta Favela é bem lembrada pelo público, e é um dos poucos grupos que
vive exclusivamente com verba própria de seus integrantes durante estes cinco
anos de trabalho continuado.
8. Mosaico Cultural (2010)
Em tempos de guerra e de paz, sem
regras, não pertencendo a reis ou qualquer governo nascem os Corsários
Inversos. Autênticos heróis fora da lei.
Desbravadores da poesia e da
percepção, eles navegam pelas almas saqueando os sentimentos em busca da
sensibilidade pela troca.
Sua Nau nos conduz ao além mar da
imaginação, ressignificando o cotidiano que passa desapercebido ao nosso olhar.
É um convite para atracarmos em um
universo de imagens e sensações, materializadas através dos objetos. Um
encontro da música e da poesia com o teatro de animação. (Release feito pelo
grupo para seu espetáculo Os Corsários
Inversos)
O espetáculo Os Corsários Inversos tem por proposta
abranger as diferentes linguagens teatrais, sendo ponto de encontro da música,
do teatro de animação e do poema. Os “piratas-poetas” fazem uma encenação onde há
um sutil e engraçado jogo entre os personagens e a plateia, encontrando no
olhar do espectador um porto seguro para um escambo de sentimentos.
Em pequenos grupos, o
público, sem restrição de idade, é convidado a mergulhar no lúdico da
imaginação. O espetáculo fez uma circulação pelo Estado e país com
apresentações em Porto Alegre, por meio do Prêmio Myriam Muniz de Teatro – FUNARTE. O grupo pouco apresentou
em Porto Alegre nestes últimos meses, fez mais apresentações fora da cidade.
9. Falos & Stercus
(1991)
O grupo tem por
proposta a "fertilidade criativa
e o exercício da sensibilidade humana", e em 2013 completa 21 anos
de atividade. Encenou espetáculos no Brasil e na Europa, e é responsável por
alguns espetáculos que questionaram a sociedade e as instituições de poder,
como PM2, Farsa Trágica, Clã Destino,
A Escrita de Borges, La Loba, In Surto, Voo das Fêmeas,
Mithologias do Clã e WWW. Prometeu.
O nome do
grupo é inspirado em duas ideias de fertilidade. A primeira, o símbolo usado
nos rituais dionisíacos e posteriormente nos festivais de teatro grego: o falo.
A segunda relaciona-se ao adubo que dá vida a planta: o esterco.
O espetáculo Despedida de Palhaços
teve financiamento do FUMPROARTE da Prefeitura de Porto Alegre e estreou em 22
de julho de 2012 no Parque Farroupilha, cumprindo temporada até o final de
agosto pelas praças e parques da capital gaúcha. Em setembro do mesmo ano
integrou a programação do 19º Porto Alegre em Cena, e em 2013 participou do
Festival Palco Giratório – SESC/RS.
Na peça, os palhaços Sifú
Carvalho e Piróca estão a ponto de desistir de sua arte e abrir mão daquilo
que, durante anos, foi sua razão de existir. Decepcionados com a desvalorização
de seu ofício no Brasil, eles acreditam que a única saída pra evitar a ruína é
partir rumo à Europa, em busca do tão sonhado “éden cultural”. Na bagagem, levam apenas a
esperança de ter seu trabalho reconhecido e desfrutar de algum prestígio em
terras estrangeiras. Mas no caminho conhecerão um menino de rua que sonha
entrar para o circo e embarcar com eles na aventura. O cenário do espetáculo é
também o meio de transporte dos palhaços: uma espécie de triciclo gigante
carinhosamente apelidado de “Traquingonça”, com mais de quatro metros de
altura. Com este trabalho, o Falos
retorna às suas origens ao utilizar o teatro de rua como ferramenta de jogo
direto com o público, surpreendendo-o em seus trajetos cotidianos e interagindo
com a paisagem urbana.
Os
grupos pesquisados
Neste ano de 2013 o Ói Nóis completou 35 anos, com três
apresentações grandiosas no Parque da Redenção e com malas prontas para ir à
Portugal.
A Oigalê depois de cerca de 80 espetáculos durante estes 10 meses
trarão Circo dos Horrores, que
estreia em setembro com Financiamento do Fumproarte. Já o Falos esta pesquisando e terá uma
intervenção urbana que estreia dia 21 de setembro no Arroio dilúvio, através da
Lei de Fomento a Grupos de Teatro e Dança. O Povo da Rua estreia um novo espetáculo Dez Mandamentos da Capital com o financiamento do Fundo de Apoio a
Cultura do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. O Mosaico Cultural acaba de fazer uma circulação fruto do Prêmio
Myriam Muniz. A Usina do Trabalho do Ator promete um novo espetáculo para 2014. O Levanta Favela e os Pindaibanos seguem apresentando pelas
ruas e praças seus trabalhos. O Manjericão
completou 15 anos viajando bastante pelo Brasil
Entre novos grupos e os mais
velhos a saída para a subsistência tem sido os editais públicos como:
Fumproarte, FAC, Editais da FUNARTE e seleção pública Plano Petrobras Cultural,
mas a certeza da verba nem sempre é garantida, e falta de incentivo a novos
grupos é um fato. Porém a falta de leis para a manutenção de um trabalho
continuado e reconhecido há anos e há décadas é um fato que poderia ser mudado
com um Plano Nacional de Cultura que reconhecesse o valor cultural e artístico
destes grupos de teatro de rua desde os mais novos até os que ai estão firmes e
fortes desde o século passado. Nas conversas também vimos que outra forma de
subsistência e troca é as Mostras e Festivais que acontecem regionalmente e
nacionalmente. Outra forma é a circulação e venda de espetáculo para escolas e
prefeituras do interior.
Ironicamente todos os grupos
relatam que não são contratados pela Descentralização da Cultura da Secretaria
Municipal da Cultura. Os grupos mais novos nunca foram contratados, pelo visto
não se trata de algo recente, os grupos que começaram no século passado dizem
que faz mais de 10 anos que não existe a circulação de espetáculos de teatro de
rua como existia na década de 90. A função do Projeto Descentralização que era
levar espetáculos e oficinas já se descaracterizou e nos últimos anos marca presença
na periferia com apoio e contratação de apresentações de teatro de rua em
eventos pontuais como 24horas de cultura e Porto Alegre em Cena.
Pesquisa
com os Espectadores da Rua
O presente e breve relato de
cada grupo não tem a intenção de ser um currículo dos grupos, porém tem a
função de mostrar para o leitor de onde vem
cada grupo, desde quando está em atividade e como basicamente eles se mantêm. Também
ressalto que esses não são os únicos grupos de teatro de rua em atividade na
cidade, mas sim são os grupos que consegui acompanhar dentro das 25
apresentações propostas pelo projeto da pesquisa, e conversar com seus
integrantes durante o período da investigação (outubro de 2012 até julho de
2013).
Foram cerca de 250 pessoas
ouvidas, em locais centrais da cidade como prainha da Usina do Gasômetro, Largo
Glênio Peres, Parque da Redenção (Brique da Redenção, Recanto Alpino, Rótula da
Setembrina), e Praça da Alfândega. Algumas das apresentações se deram no 5º
Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre e no 8º Festival de Teatro Palco
Giratório. Saliento que todas as apresentações foram feitas em locais públicos abertos
e com apresentações gratuitas, sendo esta uma pratica cotidiana do teatro de
rua (porém mais adiante aprofundarei a ideia de que o teatro de rua é arte
pública de performance e convívio).
Todas as perguntas do
questionário foram feitas no final das apresentações teatrais para um público
aleatório que permaneceu do início até o final do espetáculo. A intenção desta
pesquisa não é fazer uma abordagem individual de cada grupo e/ou espetáculo, mas
sim o que o público pensa do teatro de rua produzido em Porto Alegre.
As perguntas do questionário
eram as seguintes:
Nome,
Idade, Profissão, Escolaridade
Cerca de 60% eram mulheres,
e mais de 60% possuem formação superior ou superior incompleta. Acredito que o nível
de escolaridade alto se deu pelo fato de a pesquisa ter sido feita basicamente
na região central ou nos parques centrais da cidade.
Tu
já viste uma apresentação de teatro de rua antes dessa apresentação?
Uma grande constatação na
entrevista é que 65% dos entrevistados já viram teatro de rua, e lembram dos
grupos. Os mais citados foram o tradicional e histórico grupo Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz,
a Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais,
e a Cambada de Ação Direta Levanta
Favela.
Caso
sim, qual espetáculo?
Muitos espetáculos foram
citados como: O Amargo Santo da
Purificação, O Baile dos Anastácio,
Miséria Servidor de Dois Estancieiros,
O Negrinho do Pastoreio, Futebol e Religião, Caravana da Ilusão, Despedida
de Palhaço, A Serpentina ou Meu Amigo
Nelson, Romeu e Julieta, Domínio Público, Ayê, O Vendedor de Palavras,
Joana D’Arc, Farra de Teatro, A Máquina do
Tempo, Timbre de Galo, Molière Imaginário, Noite de Fogo, A Mulher que Comeu
o Mundo, A Mãe dos Monstros, Corsários Inversos, Lançador de Foguetes, O Homem
do Gato.
Caso
sim, tu lembras que grupo?
Os grupos mais lembrados foram
Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais
e Oi Nóis Aqui Traveiz, seguidos de Levanta Favela, Povo da Rua, Falos & Stercus, Pindaibanos, Mosaico Cultural, Depósito
de Teatro, Galpão, Erro Grupo, Cia um Pé de Dois, Mototóti,
Brava Companhia, UEBA.
Caso
tu te lembras, onde foi?
A quase totalidade do
público entrevistado respondeu que viu apresentações de teatro de rua em
regiões centrais de Porto Alegre, como Redenção, Praça da Alfândega, Usina do
Gasômetro, Parque Marinha do Brasil, Parque Harmonia, Praça Brigadeiro Sampaio,
Andradas, Pátio do Teatro de Câmara Túlio Piva, Cidade Baixa, Mercado Público,
Esquina Democrática, Casa de Cultura Mário Quintana e Parque Moinhos de Vento.
Somente três locais eram descentralizados: Vila Assunção, Parque Mascarenha de
Moraes e Parque Germânia.
Tu
achas importante para a cidade apresentações de teatro de rua?
94% dos entrevistados
responderem que “sim”, que apresentações de teatro de rua são importantes para
a cidade; menos de 1% não consideram importante; 5% não responderem. Abaixo
seleciono algumas respostas dos entrevistados. Elas podem parecer óbvias, mas elas
deixam claro que o teatro de rua é extremamente bem aceito pela população,
independente do grupo. É importante dizer que as apresentações que pude
acompanhar tiveram uma ampla participação do público, tendo uma média de
público superior a 500 pessoas.
O que fica evidente nas respostas
abaixo é o fator econômico e a distância cultural da prática de ir ao edifício
teatral. Em algumas citações é claro o estímulo que o teatro de rua pode dar
aos espetáculos de sala. No entanto, a pesquisa não tem a intenção de provar
que o teatro de rua é formador de público para ambientes fechados, mas sim
mostrar que o teatro de rua é extremamente importante para a cidade e,
principalmente, para a população.
Outro fator relevante é que
nenhum entrevistado falou que as apresentações de teatro de rua deveriam ser
proibidas ou controladas pelo Poder Público, prática que vem ocorrendo em
diversas cidades do país. Em Porto Alegre ocorreram tentativas de proibição de
apresentações de espetáculos da Oigalê
Cooperativa de Artistas Teatrais, Ói
Nóis Aqui Traveiz e Cambada Levanta
Favela nos últimos anos. Além disso, recentemente o Grupo Manjericão teve problemas com tentativas de proibição em algumas
cidades do resto do país, assim como o grupo Buraco d`Oráculo, de São Paulo, que
teve problemas em Fortaleza-CE. Seguem abaixo
algumas citações do público relacionadas à questão acima:
“Sim, pela alegria das pessoas.”
“Muito, esta foi a diversão
da tarde.”
“Sim, maravilhoso!”
“Muito importante.”
“Muito importante, pois é a
democratização da cultura.”
“Sim, para disfarçar este
triste e cinza da cidade.”
“Com certeza, facilita o
acesso à cultura a toda a população.”
“Sim, porque coloca o público
em contato com a cultura.”
“Sim, pela popularização da
Cultura e levar à pessoas de menos instrução escolar.”
“Sim, porque tem pessoas que
não tem condições para pagar um ingresso.”
“Levar ao povo que não vai ao Teatro.”
“As manifestações artísticas
que trazem uma reflexão e o despertamento da consciência são sempre válidos. O
povo precisa disso.”
“Sim, acesso a cultura para
quem não tem grana.”
“Sim, toda forma de arte é
válida.”
“Sim, porque incentiva à
cultura e é muito importante.”
“Muito Importante o acesso
de cultura para todos os níveis sociais.”
“Penso que és muy importante y fundamental El teatro de calle porque és
La única manera de hacer llegar lãs ideas y emociones que produce aquellas personas que nunca hun tenido
relacionamento com el teatro.”
“Com certeza, é preciso
levar o espetáculo onde está o público.”
“Sim. Pelo fato que leva
teatro a todos os tipos de pessoas.”
“Sim, pelo bem de todos,
pelas cores e alegrias.”
“Toda atividade cultural é
válida em POA, pois temos poucas opções. Quando é um espetáculo de qualidade
como este de hoje só engrandece o bem estar de POA.”
“Sim, é uma forma de democratizar
a arte.”
“Muito! Contribui para a formação dos
sujeitos.”
“Muito, es uma forma de llevar el teatro a la gente, fomentar La cultura
y El pensamento crítico.”
“Acho muito importante já
que o acesso aos grandes espetáculos e teatros não são para aquelas pessoas que trabalham a semana inteira e não tem sequer condições
de colocar comida em casa.”
“Sim mostra mais uma forma
de expressar a cidade.”
“É muito importante para o
povo o acesso à cultura.”
“Importante, necessário e
desperta outra dimensão cultural em nós.”
“Extremamente importante. A
arte tem a sua função social, para isso é necessário que isso se torne comum.”
“Muito, é sempre uma alegria
sair pelas ruas e encontrar com apresentações artísticas.”
“Penso que é muito
importante, o teatro de rua é uma forma de distribuir cultura de forma gratuita
e fácil para a população, além de enfeitar nossa cidade.”
“Acho muito importante levar
essa cultura para todas as pessoas, independente da classe social.”
“Sim, pois leva a arte ao
povo e utiliza do cenário urbano. Arte sem fronteiras.”
“Muito. Pois pode ser o
primeiro contato ou contato mais fácil do povo com o Teatro, surgindo um
interesse maior em conhecer e prestigiar qualquer arte teatral.”
“Muito, pois nem todos têm
condições de pagar entrada.”
“Sim, ajuda com que as
pessoas que não tem condições de ir ao teatro.”
“Sim. Em lugares públicos e
gratuitos para levar a cultura para as pessoas que não tem acesso.”
“Com certeza. Cultura de
graça para a população enriquecendo espaços públicos da cidade.”
“Acho bastante importante,
pois leva o teatro a pessoas que não teriam acesso a ele.”
Tu
acreditas que o Governo Municipal deve investir mais nesta prática teatral?
Mais de 99% dos
entrevistados disseram que o governo municipal deve investir mais nesta prática
teatral. Se esta resposta for associada à grande concentração de espetáculos de
rua na região central de Porto Alegre, posso afirmar que o projeto “Descentralização
da Cultura” (da Secretaria Municipal da Cultura), o qual já foi um parceiro de
grupos desta modalidade teatral no sentido de levar cultura para a periferia da
cidade, está em dívida material para com a população destas comunidades. A
própria Secretaria da Educação também poderia levar para dentro das escolas dos
bairros da periferia projetos que estimulassem atividades culturais nessas
localidades. Ressalto ainda que na década de 1990 até o início dos anos 2000,
era comum haver intensa programação artística nas áreas periféricas de Porto
Alegre, porém os anos se passaram, a população cresceu nessas regiões e as
apresentações de teatro de rua, as quais costumam ter um baixo custo de
logística, e que poderiam ser uma bela alternativa para isto, só acontecem por
iniciativa dos próprios grupos. Como exemplos desse tipo de iniciativa, posso
citar o projeto Caminho para um Teatro Popular – Circuito de Apresentações
Teatrais por Bairros, Parques e Vilas Populares da Cidade, desenvolvido
pelo Ói Nóis, além de apresentações
oferecidas pelos grupos que fazem Ocupação Cênica no Hospital Psiquiátrico São
Pedro para o entorno do hospital (no caso, o bairro Partenon), como é o caso da
Oigalê, Povo da Rua e Falos &
Stercus.
Assim, é evidente a falta de
uma política continuada para esta modalidade teatral. Por se tratar de uma arte
que se concretiza em espaços públicos abertos da cidade, ocorrendo de maneira
gratuita, deveria haver um maior incentivo do governo municipal para com
circuitos e políticas de manutenção dos grupos e ampliação dos mesmos. Seguem
abaixo algumas citações do público entrevistado para a pergunta acima:
“Sim, principalmente em
bairros.”
“Sim, pois é muito difícil
para o artista que trabalha com este tipo de espetáculo viver apenas do chapéu.
É importante para os artistas também este investimento.”
“Obviamente que deve
investir em toda prática teatral, musical com acesso público.”
“Mais investimento em teatro
e menos em copa do mundo.”
“Sim, o teatro é uma das
melhores artes.”
“Sim, cultura é um direito
de todos.”
“Sempre o governo tem força,
mas investe onde não precisa.”
“Sim, acredito que o governo
municipal deve trazer cultura para o povo.”
“Não só nessa como em
outras, quem sabe se aumentar a demanda?”
“Eles devem sim investir,
pois é muito importante para nós.”
“Com certeza, é um
investimento em educação e cultura que não pesa nos cofres públicos.”
“Acho que sim, pois
incentiva mais quem faz esta arte.”
“Sim, incentiva a formação
de público para o Teatro.”
“Sim. Não só investir como
liberar os espaços públicos para isso.”
“Sim, educação e cultura, só
assim para mudar.”
“Sim, o acesso à cultura
para todos deve ser incentivado das mais variadas formas.”
“Debe, em Porto Alegre no hay mucho Teatro de calle y hay muchos grupos y
actores esperando llevar su arte a la rua.”
“Muito, deve investir o
governo para poder fazer mais espetáculos.”
“Com certeza! Não só
investir nas apresentações como patrocinar a formação de novos grupos.”
“Pelo bem de todos, pelas
cores e alegria.”
“Sim, porque é uma ala
cultural sem o devido incentivo.”
“Sim, é preciso um apoio
permanente e práticas que visem à formação de público.”
“Em teatro e em outras áreas
também.”
“O municipal e todos os
outros e o setor privado também.”
“Sim todos devem ter o
direito de se expressar.”
“Acho importante, mas o
principal é à força de vontade.”
“Não tenho a menor dúvida
que é importante o investimento.”
Tu
sabes o que é arte pública ou cultura pública? Caso sim, explique.
O conceito de Arte Pública
vem das artes plásticas. Originalmente servia para designar as grandes obras de
arte e os monumentos colocados em locais públicos abertos, ou seja, nas praças,
ruas e parques. No entanto, como já citei anteriormente, após o processo de redemocratização
no país, este conceito se amplia à medida que outras áreas artísticas passam a
ir para as ruas também. No início da
década de 1980, havia somente quatro grupos de teatro de rua no país.
Atualmente são centenas, e só em Porto Alegre deve existir cerca de quinze
grupos que fazem teatro de rua.
Nesta pergunta, o que interessa
é a declaração das pessoas entrevistadas a respeito do que pensam sobre este conceito.
Num momento em que as manifestações reivindicatórias em todo mundo se
proliferam, dever-se-ia questionar a questão da educação, da saúde e da
segurança pública, uma vez que estes quesitos são de interesse (ou deveriam
ser) de todos os cidadãos, assim como haver um debate a respeito de um Plano
Nacional de Cultura que seja de ordem pública. Nesse sentido, saliento aqui que
não só relacionado ao tipo de financiamento (no caso, edital público), mas sim
que se leve em consideração um público alvo menos privilegiado financeiramente.
Este público alvo se encontra majoritariamente nos locais públicos abertos, já
que tais espaços são democráticos e de livre acesso para todo e qualquer
indivíduo. Abaixo estão algumas respostas para a pergunta acima:
“A arte é de todos.”
“Arte que abrange temas que envolvam
políticas variadas.”
“Acredito que seja a arte
vinda de todos os espaços sociais.”
“É a incentivada por lei de
acesso à cultura.”
“Arte para acesso de todos,
subsidiada pelo poder público.”
“Acesso por todas as classes
sociais.”
“Toda forma de expressão
popular nas ruas.”
‘“Do povo para o povo com
financiamento público, desde que gratuito ou acessível economicamente à grande
parte da população.”
“Arte/cultura incentivada
pelo governo e disponibilizada ao público.”
“Cultura acessível para
todos.”
“Arte pública faz parte da
cultura pública, isto é: livre, popular, democrática e isenta.”
“Aquilo que é feito a partir
da cultura popular local e ofertada em espaços públicos.”
“É a forma de manifestação
coletiva dos direitos e deveres e anseios do povo.”
“Todo tipo de arte, com
livre acesso público.”
“Arte pública é a arte
gratuita patrocinada pelo Estado.”
“É a arte de livre acesso ao
povo, não interessa o gênero.”
“Entendo que são formas de
expressão artísticas que sejam acessíveis a todos. Que todos tenham o direito
de participar, tamanha é a importância enquanto forma de educação, diversão,
conscientização, beleza...”
“Sim, teatro de rua ou
apresentações sem fins lucrativos.”
“Arte para todos, com fácil
acesso cultural para o povo.”
“Pode levar arte para rua,
para todos, acesso para todas as classes.”
“Atividades culturais de
acesso universal, direito social a cultura.”
“Arte/cultura produzida e
oferecida livre, gratuitamente ao povo e pelo povo.”
“Arte e cultura nas ruas,
para o público pelo público.”
“No meu ver, acho que é
cultura junto com a Liberdade de se expressar.”
“Imagino que seja arte
incentivada pelo poder público, realizada nos espaços públicos para o público
da cidade.”
“Acho que é o subsidiado pelo
governo e gratuito para o público.”
“Cultura gratuita
incentivada pelo governo.”
“Para mim, a arte é sempre
Pública, mesmo quando não é financiada pelo governo.”
“Toda manifestação cultural
acessível ao público.”
“Arte pública é o teatro, e
a cultura pública é a divulgação da arte.”
“É a cultura disponível a
todas as classes sociais.”
“Imagino que possa ser todo
o contato que a população tenha com a arte e que não seja cobrada.”
“São manifestações
artísticas proporcionadas a todo o tipo de público em locais abertos ou
visitados por diversos segmentos sociais.”
“Imagino que seja a
democratização da arte, ampliando o acesso.”
“É a arte de rua para o
público de rua, é a arte que todos têm condições de assistir.”
“É a arte de rua mostrando
todo o potencial do artista e animando quem está olhando.”
“Acho que sim, o que eu
entendo por cultura pública é a cultura ao alcance de todos”.
“Penso que a parte da
cultura que cada um traz consigo por mérito próprio ou pelo incentivo de alguém.”
“Para todo circulante! Criada
a partir das trocas e para as trocas.”
“Expressão Humana ou
material de emoções e cultura.”
“Sim, espetáculos que falem
de situações cotidianas sem ônus para a população.”
“Entendo serem as
intervenções culturais independentes, organizadas por artistas e grupos sem
fins lucrativos.”
“Acredito que oportuniza a
população a ter acesso à arte e cultura.”
O
que tu achaste do espetáculo? Ótimo, bom, regular ou ruim?
Nesta pergunta, espectador
pôde expressar o quanto o espetáculo que ele acabou de ver lhe proporcionou. O
que impressiona é que 85% dos transeuntes de Porto Alegre consideraram ótimas
as apresentações teatrais que recém assistiram. A diversidade de linguagem e de
temas abordados dos espetáculos de rua agrada ao espectador, assim como o
convívio direto com o artista num local de lazer, prazer e descanso, como as
praças e parques, ou nos lugares de passagem, como as ruas.
Do público restante, 14%
acham boas as apresentações, e 1% regular, dados estes que mostram a qualidade
dos grupos e espetáculos, e o interesse do público por teatro de rua, isto é,
uma “arte pública de performance e convívio”.
Caso
queira escrever ou comentar algo sobre o espetáculo, fique à vontade.
Para finalizar o
questionário, deixei uma pergunta aberta para quem quisesse falar de suas
impressões sobre o espetáculo que acabara de ver. Seguem algumas declarações do
público:
“O espetáculo tem uma
linguagem que segura o público. Ótimas composições musicais e enredo
envolvente.”
“Este espetáculo deve ser
visto por muitas pessoas. E além de muito bem concebido, leva algo que é vital
para a arte. O amor que se repete nas interpretações.”
“Parabenizo o grupo pelo
espetáculo. Ótimos atores e o roteiro muito divertido.”
“Fiquei surpreso, vim ao
parque apenas para aproveitar à tarde de sol e o ar. Adorei a novidade e a
espontaneidade de vocês.”
“Muito lindo! É um recorte
da cultura brasileira atravessado pela condição política que construiu a nossa
forma de ser.”
“O Oi Nóis deve dar uma aula pra Globo sobre o que é arte e expressão.”
“Acredito que este
espetáculo nos transporta para um mundo de magia, fundamental para enriquecer a
nossa vida cotidiana tão corrida e em tantos momentos perdida nos valores que
realmente importam.”
“A melhor crítica
construtiva que já vi! Sem ofensas há ninguém, muito boa, apenas mostrando o
Brasil de hoje.”
“Eu achei muito bom! Epero
que tudo dê certo para eles e que Deus proteja eles nessa viagem e sempre dê
força para eles. Tudo de bom para vocês e boa sorte na vida de todos.”
“No sábado, na Praça Tapira,
assistimos a este espetáculo, e voltamos para assistir novamente, e é
maravilhoso!. Parabéns!
“O espetáculo é maravilhoso!
Levar arte, música, poesia, teatro para rua ajuda na educação do público,
instrui, alegria e diversão. O público se aproxima, se relaciona com o outro e
quebra o tabu da distância da arte.”
“A peça foi muito bem
elaborada, engraçada e cativante. E sinceramente gostaria de ver mais dessas
peças pelos parques.”
“Se órgãos públicos do nosso
governo investissem mais em arte muitas pessoas adquiriam um caminho a seguir
ou até uma vocação a seguir. Muito bem! Muito bom obrigado pela oportunidade de
participar desta obra pública.”
“Vocês estão de parabéns!
São ótimos, deveria ter sempre. Só acho que poderia ser um pouco mais curto,
nem tantas pessoas se prendem tanto tempo.”
“Continuem
com essa iniciativa. Parabéns ao grupo. Todos somos formadores de opinião e com
certeza serão mencionados por quem assistiu. É assim que começa.”
“Não só sobre o espetáculo,
mas sobre o grupo. Fico feliz de ter esses atores preocupados com a arte, com a
arte enquanto público e como ferramenta de educação popular. É expressão de
amor com o coletivo.”
“Maravilhoso, a participação
do público também é importante, para quem não tem condições de ir ao teatro é
importante, e para as crianças é maravilhoso estou muito feliz de ter assistido.
Beijos.”
“Primeiro teatro de rua que
assisto. Foi ótimo!”
“Foi ótimo! Chamou a atenção
pela qualidade do texto.”
“Eu achei muito lindo e bom!
Incentiva o público a pensar e refletir. E rir. Tira o estresse das pessoas.”
“Achei maravilhoso, pois faz
abrir os olhos das pessoas quanto à realidade da vida.”
“Excelente. Já havia
assistido e fiz questão de assisti-lo novamente.”
“Poderia haver maior
divulgação, eu soube por acaso e gostei muito do que vi.”
“O espetáculo é super criativo, de fácil
compreensão e com um belo toque de sensibilidade. Sem falar do figurino que é
lindo. Muito bom mesmo!”
“Achei muito legal (ou tri
massa como dizem os gaúchos). Só que também acho que a divulgação deste tipo de
eventos não é muito, como dizer, divulgado.”
“Achei interessante porque é
através do teatro que expressam as opiniões, críticas e nos fazem pensar sobre
todos os assuntos, principalmente no de hoje sobre a Copa, investimentos e sobre
o que nosso país realmente precisa para melhorar. Acho que deveria haver mais
teatro de rua, principalmente para as pessoas que não tem acesso”.
“Estava bom. Penso que se
houvessem mais recursos financeiros, os grupos poderiam aprimorar mais e assim
o povo teria oportunidade e mais acesso á cultura e as artes.”
Conceitos
sobre Arte Pública
Valmir Santos fala em seu
artigo publicado na Cavalo Louco,
revista do Ói Nóis, como o teatro de
rua é arte pública.
(...) também ocupa o espaço público a
partir de 1977 bebendo na fonte da literatura de cordel, o que influência
decisivamente o nascimento do grupo Imbuaça (1977) em Sergipe. Não demora
aparecem o Ói Nois Aqui Traveiz (1978), no Rio Grande do Sul; O Grupo Galpão (1982),
em Minas Gerais; o Alegria Alegria (1984), no Rio Grande do Norte; o Teatro de
Anônimo( 1986); no Rio de Janeiro; e o Fora do Sério (1988), o Pombas Urbanas
(1989) e os Parlapatões, Patifes &Paspalhões (1990) em São Paulo.
Do Imbuaça em diante, todos seguem em
atividades. É bastante comum que estes coletivos conciliem espetáculos de palco
e de rua, mas uns poucos perseverantes dentre os citados emanam a mesma
vitalidade, a mesma energia e inventividade do início de trajetória em suas
apresentações ao ar livre. É preciso reinventar-se ao olhar para trás. Em
compensação, temos notícias de grupos de jovens criadores que já nascem no olho
do furacão poético da rua e investem em suas linguagens cênicas e dramatúrgicas
com muito ímpeto, coragem e talento. É o caso dos gaúchos da Oigalê Cooperativa
de Artistas Teatrais (1999), dos paulistas da Brava Companhia de Teatro (1998),
do Tablado de Arruar (2001), do OPOVEMPÉ (2004) e Grupo Trecho (2007); e da
paranaense Companhia Silenciosa (2002). Estes grupos têm contribuído para o
alargamento de horizontes quando à noção de Teatro de Rua, fundindo-o a canais
múltiplos da arte contemporânea sem menosprezar a veia popular na acepção
sofisticada possível, bem acima do mediano midiático ao qual somos bombardeados
cotidianamente. Arte pública, em suma. (SANTOS, Valmir)
Neste texto, Valmir faz
referência a grupos de teatro de rua das décadas de 1970 e 80 como fontes
iniciais de arte pública, e uma nova busca de grupos surgidos nos últimos anos
no país. Muitos destes grupos novos são incentivados pela Lei Municipal de
Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, a qual é um das poucas políticas
públicas específicas para o teatro, e que tem contemplado muitos grupos de teatro
de rua. Em suma, neste breve recorte do texto, Valmir afirma que a relação
artística em vias públicas se contrapõe ao mediano midiático, afirmação esta
que entra em acordo com a afirmação de Jorge Dubati sobre o tecnovívio e o
convívio.
Amir Haddad, diretor do
grupo Tá na Rua, do Rio de Janeiro, afirma na revista A Poética da Rua do Núcleo Pavanelli de Teatro e Circo:
(...) Nossa atividade é de Arte
Pública. Nós vamos para as praças, nós vamos para as ruas, nós oferecemos o
nosso trabalho. Nós achamos que existe uma quantidade grande de doação que é
possível ser feita em contato direto com a população. Nenhum grupo de teatro de
rua tem esta idéia de se trancar e vender ingresso. A gente vai para a rua e muitas vezes acha que tem
dinheiro, acha que quer, acha que merece – merece! Mas não ter dinheiro não impede a gente de fazer, de ir
para a rua e fazer. É um chamado muito grande...
...A arte pública se realiza no
contato direto do artista ou de sua obra com a população, sem distinção de
nenhuma espécie. Neste sentido o Teatro de Rua é a modalidade que mais se
aproxima de um conceito antigo e moderno do que pode ser Arte Pública. (HADDAD,
Amir)
No entanto, como falei
anteriormente, o conceito inicial de arte pública vem da área das artes
plásticas, a qual se caracteriza por não ter obrigação da presença do artista
junto a sua obra. Assim, a obra muitas vezes é feita em um local fechado, e
colocado nas ruas da cidade, sendo raramente feito em situação presencial e de
convívio para com o apreciador da obra (pois isso não é da ordem desta
linguagem artística, diferente do teatro, que pressupõe a presença do artista e
do espectador).
Definir uma arte que seja pública
obriga a considerar as dificuldades que rondam a noção desse conceito. A
princípio, se refeririam a obras que pertencem aos museus e acervos, ou aos
monumentos nas ruas e praças. Como exemplos disso, posso citar O Pensador,
de Auguste Rodin (1840 - 1917), instalado em frente do Panteão em Paris, e
os muralistas Diego Rivera (1886 - 1957) e David Alfaro Siqueiros (1896 - 1974),
estes últimos considerados alguns dos precursores da arte pública (em virtude de
seu compromisso político e de seu apelo visual).
O sentido recorrente da arte pública se
relaciona a uma arte realizada fora dos espaços tradicionalmente dedicados a
ela. Fala-se de uma arte em espaços públicos, ainda que o termo possa designar
também interferências artísticas em espaços privados, como hospitais e
aeroportos. A idéia geral é de que se trata de arte fisicamente acessível, que
modifica a paisagem circundante, de modo permanente ou temporário. O termo
entra para o vocabulário da crítica de arte na década 1970, acompanhando de
perto as políticas de financiamento criadas para a arte em espaços públicos,
como o National Endowment for the Arts (NEA) e o General Services Administration
(GSA), nos Estados Unidos. Diversos artistas sublinham o caráter engajado da
arte pública, que visaria alterar a paisagem ordinária e, no caso das cidades,
interferir na fisionomia urbana, recuperando espaços degradados e promovendo o
debate cívico. "O artista público é um cidadão em primeiro lugar",
afirma o iraniano Siah Armajani (1939), radicado nos Estados Unidos.
A arte pública deve ser
pensada como uma tendência da arte contemporânea de se voltar para o espaço, seja ele o espaço da galeria, o
ambiente natural ou as áreas urbanas. Diante da expansão da obra no espaço, o
espectador deixa de ser observador distanciado e torna-se parte integrante do
trabalho (nesse sentido, difícil parece algumas vezes localizar os limites
entre arte pública e arte
ambiental). O contexto artístico que
abriga as novas experiências com o espaço refere-se ao desenvolvimento da arte pop, do minimalismo,
do pós-minimalismo e da arte conceitual, que tomam a cena
norte-americana a partir de fins da década de 1960, desdobrando-se em instalações, performances,
arte processual, land art, graffiti art etc. Essas novas orientações
partilham um espírito comum: são, cada qual a sua maneira, tentativas de
dirigir a criação artística às coisas do mundo. As obras articulam diferentes
linguagens - dança, música, pintura, teatro, escultura, literatura etc. -,
desafiando as classificações habituais, colocando em questão o caráter das
representações artísticas e a própria definição de arte. Interpelam
criticamente o mercado e o sistema de validação da arte, denunciando seu
caráter elitista.
Para Arnaldo Antunes, músico
e poeta,
Arte pública é arte de graça, é arte que você
não paga para ver, é arte que as pessoas têm acesso sem ter que pagar ingresso.
Arte pública é arte sem mercantilização. É aquilo que está na rua, na praça ou
em exposição aberta. São as formas de arte acessíveis à maioria da população
que não tem grana e que pode, então, conviver com aquilo. Não precisa estar na
rua, mas não pode prescindir do fato de ser de graça. No Brasil, rola muito
menos do que deveria rolar. (ANTUNES, Arnaldo)
Já para Artur Omar, diretor
de cinema,
Corta. (Você me vem com cada pergunta.) Olha
só, para mim, arte pública hoje é um pouco o que eu estou fazendo. Existe todo
um conceito de arte pública, que é arte que está nas praças ou que opera nas
cidades etc. e tal. Mas o que eu acho que seria arte pública, pelo menos na
minha prática, seria a arte pós-contemporânea. Aquela que está operando com a
emoção do povo. Ela vai resgatar o que a televisão e toda a mídia estão fazendo
e operar ali. Essa ocupação da mente pública, essa arte vai tentar estar dentro
desse lugar. Não com uma desconstrução como a arte contemporânea fez, mas
criando novos objetos e possibilitando novas formas de percepção. Isso pode se
traduzir das mais diversas maneiras, nos mais diversos objetos. Não estou
apresentando um trabalho narcisístico da minha viagem ao Afeganistão. Estou me
usando como um aparelho de percepção para tentar entender a coisa além daquilo
que é fornecido. Nesse sentido, acho que o que estou fazendo é arte pública
porque estou dialogando com o público.(OMAR, Artur)
Segundo Fabiana de Barros, artista,
Há várias definições de arte pública. Antes,
era só uma escultura em uma praça e hoje é um movimento em si - o que é mais
complexo, porque implica em obras que se relacionam interativamente com o
público. Considero que é a participação do visitante que faz a própria obra. Ou
seja, o projeto Fiteiro Cultural, que está no Museum for All, da artista grega
Maria Papadimitriou, na Bienal, se define a partir da comunidade onde está, a
partir do visitante, de quem participar dele. Se está nos Alpes suíços, em uma
comunidade de camponeses, ele vai adquirir um significado. Quando está com os
ciganos na periferia de Atenas, ele se transforma em outra coisa. A definição,
quem dá, é a comunidade em que o trabalho está inserido. Se o espectador não
vier, meu trabalho não existe. Há uma postura social nisso. Acho que o trabalho
tem que ter um engajamento com a situação do mundo. Meu pai, Geraldo de Barros,
já tinha uma postura de arte pública, porque queria que uma cadeira que ele
desenhasse fosse uma obra de arte que todos pudessem comprar a preços
acessíveis. Arte pública envolve essa utopia. (BARROS, Fabiana de)
Conforme Tadeu
Chiarelli, professor de história da
arte brasileira na ECA-USP,
Acho que existe um pequeno equívoco: as
pessoas tendem a confundir "arte pública" e "arte em espaços
públicos". Creio que "arte pública" é o conjunto de obras que
deve pertencer a uma determinada comunidade, estar disponibilizada aos
elementos que a constituem. Tal conjunto deve estar disponibilizado em museus e
espaços de passagem (ruas, parques etc.), não apenas por meio de sua exposição,
mas também através de serviços educativos que as tornem mais efetivamente
claras para o público - seu proprietário. No Brasil, infelizmente, toda a
discussão sobre "arte pública", que, na verdade, é sobre "arte
em espaços públicos", não leva em consideração os acervos fixos de nossos museus,
que pertencem a todos. Privilegiam apenas exposições periódicas em espaços
públicos, exposições e/ou intervenções que, quase sempre, pouco ou nada
contribuem para a ampliação da percepção estética do transeunte. (CHIARELLI,
Tadeu)
Por fim, para Danilo
Santos de Miranda, diretor regional do SESC – SP,
Toda arte é pública, a meu ver, pois o fazer
artístico é irrevogavelmente uma ação sobre o mundo e, portanto, sobre o espaço
e a cidade, que incorpora a habitação, a circulação, a interação, enfim, a vida.
O reforço da idéia do público, nessa expressão, ajuda-nos, no entanto, a não
perder de vista o caráter democrático da arte, capaz de propor, a cada
indivíduo, novas relações com o mundo, com as pessoas e consigo mesmo.
(MIRANDA, Danilo S. de)
Teatro de Rua – Arte Pública de
Performance e Convívio
Usando
basicamente o conceito de Amir Haddad a respeito de Arte Pública e a
exemplificação de Valmir Santos citando a prática de vários grupos de teatro de
rua, conceituo a partir de uma palestra do professor da UNESP, Alexandre Mate sobre
os termos Teatro e Rua:
Teatro
(Gr.) theatron lugar de onde se vê, referindo-se, portanto, a platéia, do
grego plastos – que é manipulável por gesso ou cera;
Rua: substantivo
latino derivado de ruga – que, figurativamente, alude a traços e marcas no
rosto. Desse modo, a cidade também é um corpo, repleto de rugas-artérias (ruas)
marcadas pelo tempo e cuja construção ocorre, fundamentalmente, pelas mãos dos
homens. Ruas como rugas sulgadas pelo intermitente trânsito de homens –
sozinhos ou acompanhados; independentes ou motorizados; distraídos ou em
posição de caçadores; abatedores ou em processo de abate...Homens no tempo em
tecimento a partir de múltiplas relações... (MATE, Alexandre)
Decido buscar
nos cadernos de aula na década de 1990, quando era aluno do Departamento de
Arte Dramática da UFRGS – nas aulas de Introdução à Cultura para o Teatro (Art
918). Na primeira aula, a então professora Graça Nunes citou a arte da
Performance: “O importante é a ação em si. Exige a presença do criador”. O dado
vivo do teatro – o encontro entre a essência, a dança e a música, partilhando
um pouco deste dado vivo, mas não partilhando a iconicidade que tem o teatro. O
ator é o ícone com o personagem.
Após conversar
com a professora acima citada, encontrei também no Dicionário de Teatro, de Patrice Pavis, algo que pode ajudar nesta
conceituação:.
Artes de Cena: do francês.:arts de La scène;
Inglês.: performing arts, stage arts; Espanhol.: artes de La escena
As artes da cena estão ligadas à apresentação
direta, não adiada ou apreendida por meio de comunicação, do produto artístico.
O equivalente inglês (performing art) dá bem a idéia fundamental destas artes
da cena: elas são “performadas”, criadas diretamente, hic et nunc, para um
público que assiste (a) a representação: o teatro falado, cantado, dançado ou
mimicado (gestual), o balé, a pantomima,
a ópera são exemplos mais conhecidos. Pouco importa a forma de palco, e
a relação palco platéia; o que conta é a imediatidade da comunicação com o
público por intermédio dos performers* (atores, cantores, mímicos, etc.)
*Performer: termo inglês usado às vezes para
marcar a diferença em relação à palavra ator, considerada muito limitada ao
interprete do teatro falado. O performer, ao contrário, é também cantor,
bailarino, mímico, em suma, tudo o que o artista, ocidental ou oriental, é
capaz de realizar (to perform) num palco de espetáculo. Performer realiza
sempre uma façanha (uma performance) vocal, gestual ou instrumental, por
oposição a interpretação e à representação mimética do papel pelo ator. (PAVIS,
Patrice)
Junto isto ao
conceito de Jorge Dubati, um dos principais nomes da historiografia e da
critica teatral da América Latina, que proferiu a palestra “Teatro, convívio e
tecnovívio”, no primeiro dia do congresso científico da ABRACE (encontro de
pesquisadores em Artes Cênicas), quando discutiu implicações e alternativas que
as Artes Cênicas enfrentam face às novas tecnologias e às novas formas de
interação humana que caracterizam o mundo contemporâneo. Sua afirmação em
acordo com a afirmação de Valmir Santos, de que o teatro de rua pode ser o oposto
ou contraposição a um mundo mediano e midiático. Jorge Dubati concedeu
entrevista para Renato Mendonça, onde fala:
O Teatro, historicamente, remete a uma
estrutura ancestral que chamo de convívio. Convívio é a soma de interações que
envolvem duas ou mais pessoas quando elas compartilham territorialmente um
vínculo...
...a grande diferenciação entre convívio e
tecnovívio é justamente tudo aquilo que implica a sustação do corpo. Primeiro
elemento: desterritorialização. Segundo elemento: capacidades na percepção que
não sejam as naturais em um corpo. Terceiro elemento: supressão do vínculo
dialógico com o outro, porque o outro pode ou não estar do outro lado da
intermediação tecnológica. É o que acontece com o cinema, por exemplo. No
cinema não há nada do outro lado, há imagens projetadas, mas não há diálogo com
o ator. O teatro, em sua fórmula básica, não admite a supressão do corpo, o vínculo
tecnovivial. Dessa forma, ele já se distingue do cinema, do rádio, da web, das
redes óticas e da televisão. O teatro não permite a desterritorialização, a
desauratização, a des-historiação da zona de experiência, porque não admite a
supressão do corpo. O que é sumamente interessante no Teatro é que, por um
lado, sua base está no convívio, no encontro do corpo a corpo. (DUBATTI, Jorge)
Em suma, considero
o teatro de rua como “arte pública de performance e de convívio”, pois a difere
das demais artes públicas, sejam elas arquitetônicas, plásticas, urbanísticas,
entre outras, já que o teatro de rua pressupõe que o artista esteja “presentificado”
(por isso performance), em convívio com
o espectador.
Por último,
penso ser importante destacar que falta uma política pública para a arte
pública, uma vez que se fala tanto em educação e saúde pública, mas a partir da
amostragem desta pesquisa percebo a altíssima aceitação da população para esse
tipo de arte pública. Uma política pública cultural séria e consistente deveria
prever o incentivo a grupos, artistas e coletivos que mantém a pratica da arte
pública de rua. Um exemplo disso poderia ser uma Lei de Municipal, Estadual e
Federal de Fomento ao Teatro (aqui em Porto Alegre já existe a Lei de Fomento
ao Teatro e Dança, porém a verba é de extrema insignificância para qualquer
fomento ou manutenção de um grupo durante um ano, tendo em vista uma mísera
verba de R$100.000,00 anual), a exemplo de como ocorre em São Paulo, na ordem
de R$ 18.000.000,00 anual e corrigido a cada ano. Porto Alegre conta com
eventos pontuais como o Festival de Teatro de Rua da cidade, que leva
apresentações para as ruas da cidade, e o 24 horas de Cultura, a qual
ocorre durante o aniversário de POA e que costuma levar espetáculos de rua para
os bairros da periferia. No entanto, nesses dois casos, em que existe uma
programação intensa, são casos muito pontuais e raros. Nas demais 8736 horas, a
população não vê um incentivo a arte pública. O projeto Descentralização da
Cultura, por exemplo, deixa a desejar na sua função, pois há muito tempo
que não promove circulação de teatro de rua na cidade. Poderia existir, por
exemplo, uma Mostra Itinerante de Teatro de Rua, atingindo todas as regiões do
Orçamento Participativo.
Portanto, esta
pesquisa teve como objetivo ouvir a população que assistiu a teatro de rua entre
os meses de outubro de 2012 e julho de 2013, e defender a ideia de que o teatro
de rua é uma arte pública de performance e de convívio. Isso é somente o começo
de um estudo e uma radiografia inicial da percepção do público frente a esta
modalidade teatral, podendo ser uma grande motivação ao Poder Público Municipal
de voltar a promover circulação de teatro de rua pela cidade. A Prefeitura, a Secretaria de Cultura e o
projeto Descentralização que já foram exemplo e referência nacional de
circulação de espetáculos teatrais pelas ruas, parques e bairros de Porto
Alegre.
Por fim, agradeço
a todos os grupos envolvidos, a Niltamara Abreu Gomes, Vera Lucia Parenza e, em
especial, a Evelise Mendes.
Bibliografia
consultada
CRUCIANI, Fabricio; FALLETTI, Clelia. El Teatro de Calle – Tecnica y manejo del
espacio. Grupo Editorial Gaceta, S.A,1992.
GALEANO, Eduardo. As palavras Andantes. 2ª ed. Porto Alegre: L&PM, 1994.
MENDONÇA, Renato. Cena 10 Conexões: entrevista com Jorge Dubati.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. 2ª Ed. São Paulo:Perspectiva,1999.
TURLE, Licko. Palestra sobre o conceito
de Arte Pública. Instituto de Artes da UNESP, 2011.
[1]
Ator, diretor e produtor teatral, um dos fundadores da Oigalê Cooperativa de
Artistas Teatrais (1999).
[2] Idibal Piveta, advogado
de presos políticos durante a ditadura civil-militar que, para se esconder da
censura adotou o nome de César Vieira. Fundador do Teatro Popular União e Olho
Vivo, criado em 1966, um dos mais longevos grupos da América Latina. O grupo tem sede na cidade
de São Paulo.
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