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sábado, 12 de setembro de 2009

São Paulo e suas áreas verdes como locais de trocas simbólicas*

Por Adailtom Alves – historiador e ator 

São Paulo é um poço de contradições. Na maior cidade da América do Sul e a mais rica do Brasil residem onze milhões de habitantes, mas em suas entranhas abundam a miséria e o descaso com a maioria da população por parte de seus governantes. Quanto ao aspecto cultural, são dezenas de salas de espetáculos, museus, cinemas etc., a quase totalidade concentrada em uma pequena área, como coloca Milton Santos em seu livro O Espaço do Cidadão: apenas 14% do território (centro e centro expandido), onde habitariam 20% da população. Os dados podem estar desatualizados, mas servem para se ter uma ideia dessa concentração.

São Paulo, em sua Lei Orgânica, determina nos artigos 148 e 191 o acesso aos bens culturais, privilegiando, na Lei, a descentralização. Conforme dados da própria Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, o território paulistano tem cinquenta e três parques, além de centenas de praças, que se utilizados e dotados também como equipamentos culturais, poderiam favorecer o acesso aos bens culturais a milhões de pessoas. Em uma cidade onde as indústrias do medo e da publicidade tentam nos mostrar que o melhor lugar para estarmos são os espaços fechados, é necessário um enfrentamento, que só pode ocorrer no espaço aberto: ruas, praças e parques.

O mundo contemporâneo ou supermodernidade, como chamou Marc Augé, sofre do “excesso de tempo, de espaço (encolhimento do planeta) e de ego (individualidade exacerbada)”. Ainda segundo o antropólogo francês, a modernidade fez com que o homem se diluísse na metrópole, levando-nos a este excesso na atualidade, na supermodernidade. Hoje, cada vez mais nos relacionamos apenas nos não-lugares, como os shoppings centers, por exemplo. Augé afirma que “se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não-lugar” (2008, p. 73).

Os espaços criados para serem ambientes que propiciem a convivência, como as praças e parques, estão perdendo esse sentido, graças a ilusão de que estamos mais seguros nos espaços fechados, no não-lugar, onde somos meros usuários. O “não-lugar não cria nem identidade singular nem relação, mas sim solidão e similitude” (AUGÉ, 2008, p. 95). É preciso fortalecer e recuperar o lugar, justamente para possibilitarmos a alteridade, o reconhecimento de si na presença do outro.

Um projeto como Teatro nos Parques, possibilita não só o acesso ao teatro, liga, através dos espetáculos, “a realidade à imaginação” (FISCHER, 1973, p. 123) e permite que cidadãos comuns re-encontrem o prazer de conviver com o outro no espaço público aberto, sem medos, posto reconhecer na diferença de quem está a seu lado a igualdade de ser humano. A arte precisa está no seio popular, junto da maioria, pois “uma arte que porventura ignore as necessidades das massas e se sinta glorificada de ser entendida apenas por uns poucos apreciadores selecionados é uma arte que abre caminho para o rebutalho produzido pela indústria do entretenimento” (FISCHER, 1973, p. 118).


Os artistas não estão fora da sociedade e devem pensar e discutir a mesma com sua arte, por isso devem estar em locais públicos, fortalecendo os lugares, antes que tenhamos apenas não-lugares. O teatro de rua cria fendas no espaço público aberto, faz de um local de passagem um espaço de trocas simbólicas e o do passante um espectador. Dessa forma, é uma arte que pode fortalecer os laços identitários do cidadão com sua cidade, pois a partir desse encontro o transeunte lança novos olhares sobre a paisagem. O teatro de rua, portanto, fortalece o lugar, o espaço do encontro, além de propiciar o lazer e a reflexão. Em tempos de medo, de isolamento, da falta de afetividade, é preciso ocupar o espaço público aberto com arte para percebermos que há relações para além do mercado.


Bibliografia 
AUGÉ, Marc. Não-Lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Trad.: Maria Lúcia Pereira. 7ª ed. Campinas: Papirus, 2008.
FISCHER, Ernst. A Necessidade da Arte. Trad.: Leandro Konder. 4ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
SANTOS, Milton. O Espaço do Cidadão. 5ª ed. São Paulo: Studio Nobel, 2000.


*Publicado originalmente no Jornal Teatro nos Parques em 05 de setembro de 2009, p. 4.

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