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terça-feira, 3 de julho de 2012

DESCENTRALIZAÇÃO DO TEATRO NA CIDADE DE SÃO PAULO

DECENTRALIZATION OF THEATRE IN THE CITY OF SÃO PAULO
Adailtom Alves Teixeira[1]

RESUMO
Este artigo enfoca a história de dois coletivos teatrais da zona leste da cidade de São Paulo: Pombas Urbanas e Buraco d`Oráculo, com 21 e 12 anos de existência, respectivamente. Suas peças e projetos tem sido direcionadas para uma população sem acesso aos bens culturais.

PALAVRAS-CHAVE: teatro de rua; grupos de teatro; Pombas Urbanas; Buraco d`Oráculo; São Paulo.


DESCENTRALIZANDO O TEATRO

            São Paulo é a cidade das diversas culturas, formou-se a partir da junção de diversos imigrantes e migrantes, congregando uma imensa diversidade cultural. Em São Paulo existe uma imensa produção artística, tão grande que nenhum guia cultural dá conta de apresentar em sua programação todas as atrações que estão espalhadas pela cidade. E se pegarmos uma área artística, como o teatro, perceberemos a diversidade e uma imensa quantidade de produções espalhadas por mais de uma centena de teatros e outros tantos espaços alternativos. Por outro lado, essas casas de espetáculos estão dentro de uma geografia muito pequena em relação ao tamanho da cidade. A grande maioria dos espaços teatrais se concentram na região central ou em bairros nobres. A exceção são os teatros dos Centros Educacionais Unificados, que não fazem parte do roteiro cultural oficial e não tem uma programação regular, sempre dependentes da boa vontade de quem está no governo, bem como, de seus gestores, na maioria das vezes, estes teatros recebem uma programação restrita a comunidade escolar. Além dos locais supracitados, nos bairros descentralizados, temos também quatro teatros municipais situados em Santo Amaro, Lapa, Cangaíba e Penha, sendo que esses dois últimos estão fechados atualmente; há, ainda, três espaços culturais pertencentes a grupos: o Paidéia em Santo Amaro, do grupo Paidéia, o Centro Cultural Arte em Construção, na Cidade Tiradentes que é administrado pelo grupo Pombas Urbanas e a Brava Companhia, juntamente com outros coletivos, administram na região de Santo Amaro um antigo hortifrutigranjeiro, que o grupo transformou em um espaço cultural: o Sacolão das Artes.
            Então caberia perguntar: como se quer fazer que o público vá ao teatro se os mesmos estão distantes? Será que isso não é uma estratégia para afastar a população menos favorecida das casas de espetáculos? Pois ainda que tenhamos peças gratuitas em alguns desses espaços, seu acesso é muito difícil, devido ao transporte coletivo precário, a falta de informação (no geral os guias culturais gratuitas também são distribuídos apenas na região central) e a distância, pois em muitos bairros da periferia, pode-se demorar até duas horas para se chegar ao centro da cidade. Portanto, a ida ao teatro e o retorno para casa duraria quatro horas. Caberiam ainda outras perguntas, mas, diante do que foi colocado, é como se pudéssemos ler uma mensagem subliminar de que teatro não é para qualquer um, apenas para privilegiados. E se a cidade pode ser lida, já que "ruas, avenidas, praças, monumentos, edificações, configuram-se como uma realidade sígnica que informa sobre seu próprio objeto: o contexto urbano" (FERRARA, 1993, p. 19), então podemos dizer que São Paulo, como uma cidade eminentemente segregacionista, seleciona seu público teatral, pelos menos, no espaço fechado. Pois ao colocar os teatros distantes das camadas mais populares, é como se dissesse: "aqui vocês não entram!" Ainda que o discurso tenda a afirmar o contrário, a prática confirma outra realidade, não podemos esquecer, afinal, que a cidade é portadora de uma dupla imagem: uma que é divulgada e outra, real.

A imagem da cidade não é, portanto, espontânea, mas, ao contrário, coercitiva e autoritária. Essa imagem codificada opera como uma norma lei ou símbolo de como a cidade deve ser vista, atua como signo suporte da noção urbana que quer transmitir, na realidade, trata-se, não só da imagem da cidade, mas de uma imagem cultural que utiliza a primeira como um suporte (FERRARA, 1993, p. 252).
           
É dessa forma que em São Paulo se faz uma seleção do público nos espaços fechados. É claro que não é apenas a distribuição dos teatros na região central que separa, há outros elementos como já foi aludido anteriormente: custo do ingresso, distâncias, falta de hábito, entre outros. Mas tudo vem apenas reforçar a idéia de que o teatro não é para todos, não há um projeto de universalização do teatro por parte do poder público e não há muito interesse por parte de alguns artistas, que continuam apresentando-se apenas para um público "educado" para receber essa arte e, conscientes ou não desse fator da segregação, estão reforçando essa mensagem ao adquirirem novos espaços na região central da cidade.
            São Paulo tem uma população estimada em mais de onze milhões de habitantes. Não temos dados de quantas pessoas vão ao teatro, pois não há pesquisas a respeito. No entanto, sabemos que essa região do centro histórico e expandido, onde estão concentrados os equipamentos culturais, representa 14% do território da cidade, no qual residem apenas 20% da população (Cf. SANTOS, 2000). Por tudo isso, podemos deduzir que o público do teatro fechado é uma minoria nesse universo de milhões e é justamente aí, nesse universo dos que não tem acesso a este teatro que os fazedores de teatro de rua têm buscado seu público. Muito embora, por ser democrático e ter facilidade de ir a todos os lugares, estes fazedores apresentam-se também a um público "educado" e habituado a receber o teatro. Mas dos dois grupos que ora apresentamos, seu público tem sido, em sua grande maioria, o público da periferia, portanto, pessoas distantes dos bens culturais.
            Como arte milenar que é, o teatro deve ser um direito de todos, mas a grande população periférica não tem recebido aquilo que lhes pertence e que Milton Santos chama de "direito ao entorno". Santos afirma ainda que esses direitos estão apenas "nos discursos oficiais" (2000, p. 47). O autor fala que o destino dos pobres no Brasil é sempre a periferia das grandes cidades e que estes não recebem os serviços básicos, a não ser que paguem por eles. Quanto ao lazer, "se torna igualmente o lazer pago, inserindo a população no mundo do consumo. Quem não pode pagar (...) fica excluído do gozo desses bens, que deveriam ser públicos, porque essenciais" (SANTOS, 2000, p. 48). Se alguns dos fazedores de teatro de rua têm buscado esse público, cabe dizer que sua arte pode cumprir um duplo papel: o de lazer, colocado pelo autor, e, o mais importante, o papel de realçar o censo crítico, já que pode levar, por meio de seus espetáculos, seu público a reflexão a respeito de si e da realidade na qual estão inseridos.
            Outro aspecto é que essa população que reside na periferia são, em sua grande maioria, migrantes ou filhos de migrantes, isto é, um povo que adaptou-se a uma nova realidade, deixando para trás sua cultura. São, portanto, um povo desterritorializado, já que deixaram para trás aquilo que lhe dava identidade: sua cultura. Portanto, "desterritorialização é freqüentemente uma outra palavra para significar alienação, estranhamento, que são também, desculturalização" (SANTOS, 2000, p. 61). Ou seja, a distribuição em um espaço desigual condena essas pessoas a ficarem destituídas dos bens públicos básicos e de sua identidade. Assim,

morar na periferia é se condenar duas vezes à pobreza. À pobreza gerada pelo modelo econômico, segmentador do mercado de trabalho e das classes sociais, superpõe-se a pobreza gerada pelo modelo territorial. Este, afinal, determina quem deve ser mais ou menos pobre somente por morar neste ou naquele lugar (SANTOS, 2000, p. 115).

Por isso é importante que os fazedores conheçam as regiões e um pouco das pessoas com quem estão dialogando, pois ainda que o público seja heterogêneo, como vimos, o local diz muito sobre seus moradores.
            Outro aspecto importante e merecedor de uma discussão é o esvaziamento dos espaços públicos como locais de convívio social. A rua é apenas um corredor de passagem, já que "a cidade contemporânea se caracteriza pela velocidade da circulação" (ROLNIK, s.d., p. 10). Circulação da mercadoria e da mão-de-obra. Sendo o mercado, portanto, quem determina o ritmo da cidade. Temos então, nesse caso, dois fatores: a diferença entre o espaço aberto (rua) e espaço fechado (a casa) e uma fetichização dos objetos materiais, imposta pela sociedade de consumo, que ameniza os conflitos e passa uma falsa idéia de igualdade entre todos.
            Desde que a burguesia assumiu o poder, foi deixando a rua como centro de convívio, que passou a ser a sala de visitas ou os salões (ROLNIK, s.d.) onde podem encontrar seus iguais. Podemos observar que, no modelo de casa burguesa, o quarto, local íntimo por definição, deve ser o mais protegido, de maior dificuldade de acesso, daí o colocarem sempre na parte superior da mesma. No dizer do antropólogo Roberta DaMatta, a casa passa a ser mais que um lugar físico, é um lugar moral. A casa é harmonia, ordem, amor diante de seu oposto: a rua.

Como um rio, a rua se move sempre num fluxo de pessoas indiferenciadas e desconhecidas que nós chamamos de 'povo' e de 'massa'. (...) Em casa, temos as 'pessoas', e todas lá são 'gente': 'nossa gente' (DAMATTA, 1986, p. 29).

            Ou seja, há um esvaziamento da rua como local de convívio, daí também a oposição entre espaço fechado e espaço aberto. O movimento da rua (espaço da circulação da mercadoria) não pode ser parado, e é o que ocorre quando um grupo teatral se coloca na rua re-significando o espaço e fazendo dos transeuntes espectadores (Cf. CARREIRA, 2007), isto é, quebrando a lógica de circulação da mercadoria, tão importante para o capital. Por tudo isso, a ideologia dominante reproduz seu discurso de que "a cidade não pode parar". São Paulo é a cidade que não pára, a metrópole do trabalho. O grande propagador desse discurso são os veículos de comunicação de massa, que também vão impregnar o medo[2] e vender os produtos do capital, única forma de nos igualarmos na sociedade capitalista. Em outras palavras, na sociedade capitalista nos tornamos iguais por aquilo que temos: ele tem e eu também tenho, por isso somos iguais, nos resta exibir, já que "o fetiche da mercadoria passa, antes de tudo, pela posse e exibição dela" (FERRARA, 1993, p. 224). É esse mundo que interessa ao capital, e que as metrópoles apresentam-se como grandes painéis dessa realidade, exigindo bons leitores das mesmas, no jogo antigo do "decifra-me ou devoro-te".
            Quanto a mídia ao propagar o consumo dos produtos, instalando a fetichezação da mercadoria, ameniza os conflitos entre as classes, já que a mercadoria permeia todas as classes sociais. E ainda que nem todos possam comprar, resta o sonho de um dia possuir o objeto de adoração, o 'seu sonho de consumo'. Assim desaparece o cidadão e, em seu lugar, assume o consumidor. O artista precisa captar essa realidade e esse aspecto real da cidade, escondido no seu lado virtual. E ainda que os discursos e a mídia lutem para apagar as diferenças entre as classes, "as imagens dos bairros populares não negam a luta de classes, antes a enfatizam" (FERRARA, 1993, p. 236) e o fetiche da mercadoria, visa, justamente, equalizar as diferenças.
            Dessa forma, temos duas cidades em uma mesma que

(...) acaba por criar uma tensão entre a imagem codificada da cidade e a própria realidade urbana, em que a segunda, não raro, desmente ou critica a primeira. (...) Ao mesmo tempo em que a imagem divulga e expõe o que deve ser visto e valorizado, esconde o urbano que se representa num cotidiano amorfo, quase invisível, porque difícil de ser admitido. A imagem da cidade expõe e esconde ao mesmo tempo, inserindo-se, assim, na ideologia de uma civilização da imagem (FERRARA, 1993, p. 253).

E o que tem tudo isso a ver com o teatro? Ora, o teatro pode e deve debater com essas duas imagens da cidade: a real e a virtual, divulgada como verdadeira. De maneira que seu público venha a participar desse debate na rua. Esse espaço cênico pode privilegiar essa discussão, ou seja, o teatro de rua pode, de fato, trazer de volta a ágora para o espaço aberto. E se na rua atores e público estão no mesmo plano, os dois lados podem jogar. Assim, os artistas, através de sua arte devem ser o meio para esta grande discussão política sobre o viver na cidade.
Essa dimensão do jogo é muito importante, porque teatro é jogo. E "é por meio do jogo da rua – manifestado nas ações coletivas – que o indivíduo se expressa sem freios e limitações" (CARREIRA, 2007, p. 39), ou seja, nesse jogo/debate proporcionado pelo teatro de rua, os problemas deixam de ser individuais e se coletivizam, tornam-se sociais. E ao tornar-se sociais, segundo André Carreira, tornam-se também transgressores, pois "a mobilização da energia lúdica coletiva questiona os códigos e as regras sociais estabelecidas" (2007, p. 39).
É importante frisar que o diálogo precisa ser feito com as pessoas das comunidades e os dois grupos que pesquisamos, Pombas Urbanas e Buraco d`Oráculo, demonstram essa busca. A verdade de seus trabalhos resulta da identificação do público, criados visando essa identificação, são espelhos que se refletem, mas de maneira crítica. Outro ponto é que os atores desses grupos são todos moradores dessas regiões, muitos cresceram nos locais onde atuam, daí sua identificação e também uma maior compreensão desse universo e de seu público, já que sentem na pele as dificuldades vividas por eles. É claro que não é preciso ser um morador dessas comunidades para se fazer teatro para esse público, estamos apenas dando o exemplo de dois grupos que talvez sejam exceção, isto é, formaram-se como grupo e, por residir nessas regiões, escolheram apresentar-se nessas comunidades. O exemplo reflete a importância de se conhecer o público para o qual se apresenta e sua localização no espaço urbano diz muito a seu respeito.
Os grupos aqui pesquisados entendem o teatro como um direito, tanto para quem faz como para quem vê. E se teatro é uma forma de expressão, uma ferramenta de comunicação entre as pessoas, é fundamental que todos possam ter acesso as mais diversas formas teatrais, fundamental que todos possam experimentá-lo como veículo expressivo e fundamental que todos aqueles que queiram exercer o teatro como profissão, possa exercê-lo dignamente, independente de onde more e atue.

Pombas Urbanas semeando asas

O grupo Pombas Urbanas tem mais de duas décadas de existência, surgiu no cenário paulistano em 1989, no bairro de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo. Seu surgimento deu-se graças a realização de um projeto desenvolvido pelo diretor peruano Lino Rojas, que, segundo os membros do grupo, estava cansado de trabalhar com pessoas que não davam prosseguimento a carreira teatral, por isso foi trabalhar com os jovens na periferia, denominando seu projeto de "Semear Asas."
Lino Rojas, formado pelo INSAD (Instituto Superior de Arte Dramática) de Lima, estudou com outros artistas de renomes como Julian Beck, Henrique Buenaventura, Jerzy Grotowsky, entre outros. Foi com essa sólida formação que veio atuar no Brasil na década de 1970, como dramaturgo e diretor ficou com o grupo Pombas Urbanas por quinze anos, até morrer tragicamente em fevereiro de 2005. Ainda nesse ano o Ministério da Cultura conferiu a ordem ao mérito ao dramaturgo e em 2006 a homenagem veio em forma de uma mostra teatral realizada pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo, um reconhecimento a um dos pioneiros na pesquisa em teatro de rua na cidade de São Paulo.
      Segundo Adriano Mauriz[3], ator do grupo, houve inscrição de mais de oitocentos jovens para o Projeto Semear Asas em 1989, ou seja, havia muitos jovens em São Miguel Paulista e região querendo expressar-se através do teatro. O trabalho do Lino Rojas sempre teve forte relação com a juventude e a periferia, formou o Pombas Urbanas e continuou trabalhando junto as comunidades, seja ministrando oficinas ou criando espetáculos para a juventude.
      São Miguel Paulista, bairro onde surgiu o grupo, é um dos mais antigos de São Paulo. O historiador Sylvio Bomtempi em seu livro "Origens de São Miguel", data a fundação do bairro no ano de 1560 pelo religioso José de Anchieta (Cf. 2000), mas seu desenvolvimento foi lento. Tornou-se distrito apenas em 1891, mas, assim como a cidade de São Paulo, foi no século XX que teve rápido desenvolvimento. Com a chegada da indústria Nitro Química na década de 1930 ao bairro acelerou ainda mais a vinda de migrantes nordestinos à região, a ponto de o bairro ser chamado de "nova Bahia" (Cf. CLEMENTE, 1998). A cultura nordestina é muito perceptível no bairro, seja através da fala de seus moradores ou de nomes dados a espaços importantes como a Praça do Forró, que oficialmente recebe o nome de Padre Aleixo Monteiro Mafra, Oficina Cultural Luiz Gonzaga, além do mercado municipal no centro do bairro, eminentemente popular, com suas comidas típicas nordestinas.
      Desde o principio o grupo tinha a preocupação em está integrado com a comunidade, pois, já durante as oficinas com Lino Rojas em São Miguel, as primeiras performances refletiam sobre o universo no qual estavam inseridos. Uma das primeiras performances chamava-se "Os Pássaros Chorões que Vieram da Bahia". Tratava-se de dois pássaros que pousavam na praça após chegar daquele estado, eram saudosistas e refletiam sobre si. Por não haver casa de espetáculo em São Miguel, Adriano Mauriz afirma que a rua foi um caminho natural. Tudo o que criavam em grupo acabava sendo experimentado na praça, como a performance supracitada.
Os primeiros anos do grupo foram para estruturar-se artisticamente. Ainda segundo Adriano, Lino Rojas trabalhava a formação de atores, aliando a pesquisa de linguagem e de dramaturgia, daí quase todos os espetáculos serem criados por eles em parceria com o mestre.
      O primeiro espetáculo de teatro de rua foi "Mingau de Concreto", de 1996, elaborado a partir de uma pesquisa das pessoas que povoam o centro da cidade, em especial, as pessoas comuns. Algumas personagens transitam pelo que se costuma chamar de submundo: "bêbados, malandros, travestis, migrantes, meninos de rua, grã-finos decadentes, autoridades, religiosos e também a gente comum que por aí tem de transitar."[4] Esse espetáculo deu projeção ao grupo, tornando-o conhecido na cidade de São Paulo.
      A preparação de ator criada por Lino Rojas fugia do academicismo, já que estava lidando com jovens da periferia, a quem chamou de "jagunços de calças jeans", jovens capazes de "explodirem as máscaras da Comédia Dell`Arte" (ROJAS, 2008, p. 6). O objetivo era fazer com que esses futuros atores fizessem qualquer tipo de teatro, "atores orgânicos" capazes de transformar suas vivências em arte. Daí o treinamento ser muito corporal. Mas como fazer com que esses jovens que não haviam tido contato com o teatro, se interessassem por esta arte? O eixo principal era "a descoberta da sua própria origem, do seu reconhecimento, da sua cultura, da sua etnia e de suas relações" (A GARGALHADA, 2006, p. 6).
      Outra dificuldade colocada pelo grupo era a de que todos trabalhavam e estudavam. Teatro só nos fins de semana. Essa rotina manteve-se de 1989 até 1994, quando começaram abandonar os trabalhos para dedicarem-se apenas a sua arte. Tornaram-se auxiliares do mestre Lino Rojas. Foi aí que começaram a pesquisar os artistas de rua e o centro da cidade, para mais tarde, criarem o "Mingau de Concreto", terceiro espetáculo do grupo.
      Ao longo de sua carreira o grupo Pombas Urbanas montou doze espetáculos[5], impossível falarmos de todos nesse trabalho. Em 2004 mergulharam no universo caipira e na história da formação de São Paulo para criarem "Largo da Matriz". Para tanto viajaram para mais de quarenta cidades para entrevistar os mestres de culturas populares. O espetáculo era uma homenagem aos quatrocentos e cinqüenta anos da cidade de São Paulo. Este foi também o último trabalho do grupo ao lado de Lino Rojas.
Em 2007 o grupo retomou as ruas de São Paulo com um novo espetáculo, diferente de todos aqueles que já haviam montado. Já estavam no bairro de Cidade Tiradentes e, como ao longo de sua história sempre buscaram estar integrados à comunidade no qual estão inseridos, queriam falar sobre aquelas pessoas que cruzavam seu dia a dia. Foi através de um texto do argentino Oswaldo Dragún, escrito em 1957, que identificaram histórias parecidas com a luta travada pelos moradores daquela região. Tudo era novo, pois nunca haviam montado nada que não tivessem a contribuição deles e agora partiam de um texto pronto. Já não havia Lino Rojas, era necessário convidar um diretor. Para esta empreitada, convidaram o diretor Hugo Villavicenzio.
O espetáculo "Histórias Para Serem Contadas" traz duas histórias de pessoas comuns e carrega em seu bojo uma discussão e uma crítica sobre a luta diária pela sobrevivência por parte dos mais simples, que, quase sempre, são engolidos pela ferocidade do capitalismo. Assim, por falta de emprego melhor, temos um homem que vira cachorro. Inicialmente apenas uma imitação, até ir assumindo, de fato, a animalidade canina. Uma crítica mordaz aos subempregos tão comuns na cidade de São Paulo a que estão expostos a população periférica. Outra história é a do camelô que é atacado por uma terrível dor de dente, e como ele ganha sua vida "no grito", vai ficando sem condições de trabalhar. Ao procurar o sistema de saúde, vai sendo jogado de um lugar para outro, sem solução do problema, sendo levado a uma condição cada vez pior: um vendedor que não pode falar, portanto, sem condições de ganhar a vida. Situação muito comum não só em São Paulo, é uma realidade brasileira: ao perderem seus empregos muitos vão trabalhar na informalidade, ficando muitas vezes sem seus direitos básicos, como o serviço de saúde e aposentadoria.
Além dos espetáculos o grupo Pombas Urbanas tem desenvolvido diversos projetos ao longo de sua existência. Iremos nos debruçar apenas sobre um, que desdobra-se em muitos: o Centro Cultural Arte em Construção. Trata-se de um galpão de 1.600m² alojado na Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo. Este bairro, segundo dados oficiais, abriga uma população de 229.606 habitantes[6], em uma área de quinze quilômetros quadrados. O bairro é composto por diversos conjuntos habitacionais, que no todo, é tido como o maior conjunto habitacional da América Latina, sua população é composta de uma grande quantidade de jovens. Foi para esta região que o grupo Pombas Urbanas foi em 2004, apresentando-se pela primeira vez no galpão ainda em ruínas no dia 21 de abril, aniversário do bairro.
Desde o inicio de sua formação o foco do grupo sempre foi o teatro e sempre tiveram "o jovem como protagonista do desenvolvimento local, cultural e humano"[7], mas ao chegarem na Cidade Tiradentes viram-se obrigados a modificar muitas ações e tiveram que criar novos projetos, já que acorreram para o espaço muitas crianças. Foi por essa necessidade que surgiu novos projetos e novas parcerias. Entre os projetos podemos citar uma biblioteca comunitária, aulas de música, grafite, inclusão digital e claro, aulas de teatros para crianças e jovens. Entre as parcerias estão o governo federal com o Ponto de Cultura e Projeto Casa Brasil e o grupo Votorantim que patrocinou o Projeto Semeando Asas na Comunidade por dois anos.
Este último, Semeando Asas na Comunidade, é a re-nomeação do projeto que deu origem ao grupo em São Miguel em 1989. Mas está ampliado. Além de capacitar jovens para gerir o próprio projeto e o Centro Cultural Arte em Construção, através de aulas de teatro, produção, iluminação entre outros, o projeto foi alicerçado na formação de público, com um circuito por quatro praças da Cidade Tiradentes além do galpão, que receberam espetáculos do grupo e de convidados ao longo do ano de 2008.
Há grande alarde quando se fala da Cidade Tiradentes por causa de sua violência, mas o projeto Semeando Asas na Comunidade, segundo Adriano Mauriz e Juliana Flory[8], possibilitou ao grupo perceber como surge a violência. Um dos pontos escolhidos foi o Conjunto Habitacional Prestes Maia, o mais antigo da região, com uma população oriunda principalmente do interior do estado e que trouxeram consigo sua cultura e sua tradição, por isso tinham por hábito realizar suas festas na praça. Em relato ao grupo, alguns dos moradores informaram que deixaram de fazer suas festas após a chegada de uma delegacia de polícia no bairro. Informaram ainda sobre as condições em que foram "jogados". Suas casas eram pequenas e não tinham espaços destinados a garagem de carros. Quando os primeiros moradores compraram carros, viram-se obrigados a derrubar a parede de suas salas para construírem as garagens. As ruas do bairro foram projetadas muito estreitas, não cabendo o caminhão de gás e não havia espaços de lazer. Dessa forma conclui-se que o primeiro gerador de violência é o próprio Estado, condenando e condicionando estes moradores a uma realidade ao qual não estão habituados, não lhes fornecendo aquilo que tanto cobra Milton Santos: o direito ao entorno.
 O projeto Semeando Asas na Comunidade integrou de vez o grupo Pombas Urbanas em Cidade Tiradentes. Até o jovem que era mais arredio, segundo Juliana Flory, já valoriza o empenho do grupo e acompanha sua programação teatral, pois "tem muito valor essa situação deles estarem num lugar juntos e de ter outras pessoas representando coisas para eles." E essa situação de estarem juntos é muito importante, já que, como afirma Adriano Mauriz na mesma entrevista, "o teatro faz as pessoas se relacionarem na rua."
Mesmo tendo uma história de mais de duas décadas, a sua relação com a mídia nem sempre é fácil, pois já chegaram a ouvir que o público daquela região, Cidade Tiradentes, não é um público leitor de jornal. Por isso o grupo tem buscado a divulgação principalmente através das novas mídias, para tanto incentiva os mais de trinta jovens que acompanham o projeto a se formarem e se informarem sobre essas ferramentas, no que eles têm obtido sucesso.
Segundo Adriano Mauriz, "o Pombas, ao longo do tempo foi construindo sonhos", como se pode ver um grande sonho, que em 2010 fez vinte e um anos de existência. O grupo, através de seu exemplo demonstra que o teatro, por ser uma ferramenta de comunicação, pode ser utilizado pelos jovens em qualquer lugar. Esses atores saíram de São Miguel Paulista, estiveram em diversos outros bairros de São Paulo, até chegarem ao bairro de Cidade Tiradentes. E ao longo dessa história foram conquistando sua emancipação artística, mesmo sem os pressupostos acadêmicos.   
O grupo Pombas Urbanas hoje tem sete integrantes: Adriano Mauriz, Juliana Flory, Marcelo Palmares, Marcos Khaju, Natali Conceição, Paulo Carvalho e Ricardo Big.
  
Buraco d`Oráculo circulando pelas COHAB`s

Em 1998, o ator e diretor João Carlos Andreazza, ex-integrante do grupo Fora do Sério, realizou um projeto em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura na Oficina Cultural Amácio Mazzaropi. O projeto consistia na formação de um núcleo de teatro de rua. Havia oficinas de interpretação, expressão corporal, canto, técnicas circenses e criação musical, todas voltadas para os atores. Além disso, havia ainda oficinas de direção, produção, figurinos e adereços. Todo o projeto durou dez meses: oito de oficinas, desembocando em uma montagem teatral e dois meses de apresentações.
Foi a partir daí que nasceu o Buraco d`Oráculo. No inicio havia cinqüenta pessoas no núcleo de atores, alguns desistiram e na montagem do espetáculo "A Guerra Santa", havia trinta e uma pessoas. O espetáculo discutia a exploração das pessoas comuns por líderes religiosos, o mesmo foi livremente inspirado em um espetáculo do grupo mineiro Galpão: "Corra enquanto é tempo."
O tema era muito pertinente, já que estava próximo da virada do milênio, período de alarde em torno de suposto fim do mundo, mas mais que isso, na época, percebia-se claramente o crescimento de igrejas evangélicas. Crescia também os escândalos envolvendo as lideranças de algumas dessas igrejas. Apesar de o alvo principal ser este, os lideres dessas igrejas, o espetáculo não poupava qualquer inescrupuloso, independente da religião. A Guerra Santa apresentou-se em São Paulo e algumas cidades do interior paulista.
Findo o projeto a maioria seguiu o seu caminho, mas, alguns integrantes continuaram a se encontrar e a discutir a continuidade do grupo. Conseguiram uma sala para ensaiar dentro da estação Brás do Metrô, onde depois viriam a fazer apresentações. Nesse mesmo ano, 1999, o grupo inscreveu-se em outro projeto da Secretaria de Estado da Cultura: Ademar Guerra. Deu-se o encontro com o diretor Ednaldo Freire, um estudioso do cômico e do popular. Nesse período, afirmou-se o grupo e fez-se a opção pelo teatro de rua. Pesquisaram uma estética e definiram seu público: um público que residia distante do centro da cidade e que não tinha acesso ao teatro, pois como afirma Lu Coelho[9], atriz do Buraco d`Oráculo, foi o contato com o público do Brás que impulsionou essa escolha. João Carlos Andreazza havia apresentado o teatro de rua para eles e Ednaldo Freire fez com que o grupo descobrisse sua linguagem, sua linha de pesquisa e seu público preferencial.
Segundo o grupo há três elementos fundamentais nos seus trabalhos: a rua, como espaço de promoção do encontro; a cultura popular, inspiradora dos espetáculos e; o cômico, com ênfase na farsa e no realismo grotesco (Cf. ANUÁRIO, 2006). O termo popular pode gerar confusões e caberia uma discussão mais aprofundada. Mas o popular, elemento inspirador do grupo, neste caso, tem como significado, aquilo que vem do povo, ou seja, aquilo que captam do seu público, podendo ter ou não elementos tradicionais. Como estão em um ambiente urbano, essa cultura popular está também permeada dessa urbanidade.
No inicio de sua trajetória, nos seus primeiros passos como grupo, o Buraco d`Oráculo cumpriu temporada dentro da estação Brás do Metrô com dois espetáculos, "Amor de Donzela, Olho Nela!" e "Quem Pensa Que Muito Engana Acaba Sendo Enganado". Os dois resultaram do encontro com Ednaldo Freire e do estudo da obra de Mikhail Bakhtin, "A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais." Depois de alguns meses de temporada o grupo viu-se obrigado a retirar-se da estação Brás do Metrô, pois pastores evangélicos estavam cobrando do coordenador daquela estação, o mesmo espaço e o mesmo tempo para fazer suas pregações. Uma grande ironia, já que o seu primeiro espetáculo, "A Guerra Santa", tinha como personagens principais um pastor, uma irmã e um coro evangélico.
Junto com Ednaldo Freire e depois sem ele, o grupo leu e releu Bakhtin, que discute a carnavalização em sua obra e, segundo este autor, o carnaval seria uma espécie de segunda vida do povo, baseada no princípio do riso, isto é, o carnaval é a possibilidade de pôr o mundo de ponta cabeça (Cf. BAKHTIN, 1987). É dele também o termo realismo grotesco, e que o Buraco d`Oráculo se apropriou para falar de sua estética: "encontramos nas manifestações populares e no chamado realismo grotesco os elementos de expressão de nossa arte" (ANUÁRIO, 2006, p. 142). O grotesco está associado à escatologia, as aberrações etc., é importante saber que o mesmo opera por rebaixamento, daí o grupo ter optado pelo lado crítico dessa categoria estética, que "propicia um desmascaramento das convenções, rebaixando pelo riso os cânones e o poder absoluto. A crítica é lúcida, cruel e risível" (ALVES, 2006, p. 2). Dessa forma, a carnavalização é um elemento crítico do status quo, da ordem, do oficial. O grupo se vale de figuras grotescas, que vão contra o bom gosto, utilizam o baixo corporal como elemento do riso, um riso ambivalente.
Em 2002, o Buraco d`Oráculo, juntamente com mais seis grupos fizeram parte da Ação Cultural "Se Essa Rua Fosse Minha". Foi nesse ano que foram para São Miguel Paulista na zona leste de São Paulo, buscando desenvolver projetos para àquele público que passava na estação Brás do Metrô. A criação da Ação Cultural Se Essa Rua Fosse Minha, caracteriza-se também em uma militância do grupo em prol do teatro de rua, já que tratava-se de uma ação artística e política. Mais tarde, o grupo auxiliou também na fundação do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo, que reúne hoje diversos grupos na capital, interior e litoral.
Foi também em 2002 que o grupo estreou o espetáculo "O Cuscuz Fedegoso", uma síntese do que vinham estudando até aquele momento. Este foi o espetáculo que mais tinha elementos grotescos, era muito farsesco e, mais uma vez, colocava cidadãos comuns em cena. Tratava-se de quatro tipos na luta pela sobrevivência em uma grande cidade: uma quituteira (Maria do Cuscuz), um pedinte, uma raizeira (vendedora de ervas medicinais) e um policial. Este último, a autoridade, um corrupto que dificultava o trabalho dos dois vendedores (raizeira e quituteira) e espancava o pedinte. Vendo uma apresentação desse espetáculo, o jornalista Fabiano Nunes afirmou que "o teatro de rua torna-se uma boa maneira para exorcizar os males e as contradições do comportamento humano" (2006, p, 3), isso porque, conforme relata no mesmo texto, ele havia escutado de uma senhora que assistia ao espetáculo, que seu filho havia falecido, e comentava que não deveria rir, no entanto gargalhava. Essa situação demonstra muito bem o realismo grotesco colocado por Bakhtin, pois temos aqui um riso ambivalente, pois mesmo na dor aquela senhora riu, carnavalizou, exorcizou seus demônios, ainda que por momentos, se contrapôs aos absurdos do mundo e da vida.
Ao chegar a São Miguel Paulista o grupo realizou uma mostra de teatro com objetivo de trocar experiências com os grupos da região, a mostra já está em sua sexta edição. Foi também por lá, em São Miguel, que desenvolveu diversas temporadas nas praças e nas comunidades, denominando o projeto de "Buraco nas Praças", uma alusão ao grupo e as condições que encontravam nas praças onde se apresentavam. Foi a partir dessas temporadas que nasceu um de seus principais projetos, o Circular Cohab`s, realizado de 2005 a 2007. Foi com esse projeto que o grupo ganhou seus primeiros editais públicos. O primeiro foi o Prêmio de Valorização as Iniciativas Culturais – VAI e depois o Programa de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, até então sempre tinham trabalhado e criado seus espetáculos com verba dos próprios atores, que desde que foram para São Miguel são cinco: Adailton Alves, Edson Paulo, Johnny John, Lu Coelho e Selma Pavanelli.[10]
O projeto Circular Cohab`s consistia em um circuito teatral que passou por dezoito comunidades da zona leste, atingindo um público de mais de trinta mil pessoas. Havia dentro do projeto a formação de três núcleos de teatro de rua, nos moldes do que havia formado o Buraco d`Oráculo em 1998. Nos núcleos, os jovens tinham aulas de interpretação, corpo, voz, circo, percussão, figurinos e adereços, no prazo de seis meses, ao término cada núcleo montava um espetáculo. Havia ainda uma publicação intitulada "A Gargalhada" e o "Café Teatral", um café da tarde no qual chamavam pessoas para discutir teatro.[11]
Os núcleos de teatro de rua formados por jovens deu resultado, daí surgiram três grupos: Nascidos do Buraco, Teatristas Periféricos e Arruacirco, pertencentes aos bairros de São Miguel, Cidade Tiradentes e Itaim Paulista respectivamente. O núcleo da Cidade Tiradentes não deu continuidade as suas atividades, mas os demais continuam atuando nas regiões em que surgiram.
Em 2008 o grupo fez dez anos e foi contemplado mais uma vez com o Programa de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, no projeto constou novo circuito teatral por seis comunidades, onde recolheram histórias de vida dos moradores dessas comunidades, que desembocou em nova montagem: Ser TÃO Ser – narrativas da outra margem, de 2009.
 Quanto a relação do Buraco d`Oráculo com seu público, Edson Paulo, diz que se dá antes, durante e após as apresentações, afirmando ainda a importância do teatro de rua, devido seu alcance, isto é, a possibilidade de ir a diversos lugares e cita o exemplo de que muitas das pessoas para quem se apresentaram, seja no centro ou na periferia, nunca tinham visto teatro. A rua é "a melhor forma de você permitir o acesso ao teatro."[12] Mesmo o teatro de rua tendo a possibilidade de chegar a muitos lugares, o ator não acredita que esta arte possa chegar a todos, ser universalizado, já que falta "interesse para que chegue a todos." Não há políticas públicas que dê conta disso e ainda faltam grupos, no que o ator chamou de "circuito alternativo." Mesmo assim tem visto um crescimento no número de grupos que tem buscado a rua como espaço cênico, isso, segundo Edson Paulo, demonstra uma preocupação, uma busca por um público diferenciado, isto é, um público que não freqüenta as salas teatrais. Esse movimento dos grupos irem para a rua o ator julga muito importante.
Edson Paulo, na mesma entrevista, fala também sobre a participação do público do teatro de rua e de sua interferência nos espetáculos:

Pelo fato de você está aberto, de você promover o acesso, de você ir procurar um diálogo direto com o público, você faz com que esse público também se torne dono dessa obra, dono dessa manifestação.[13]  

Quanto a relação com a mídia, Edson Paulo é taxativo: "A gente não tem relação nenhuma!" A prova está no fato de que durante os mais de dez anos de grupo, conseguiram apenas duas reportagens em jornais de grande circulação, como A Folha de São Paulo e o seu concorrente O Estado de São Paulo. O primeiro jornal fez uma pequena matéria assinada por Valmir Santos sobre a estreia do espetáculo "ComiCidade", no centro da cidade. O segundo jornal fez uma matéria em um de seus cadernos, Estadão Leste, ainda em 2002, sobre o grupo e a Ação Cultural Se Essa Rua Fosse Minha. Essa falta de interesse pelas realizações do grupo não se dar por desconhecimento dos jornais, já que o mesmo sempre envia releases de suas ações a estes veículos, mas pela região onde estão inseridos, pois como já discutimos acima, trata-se de uma região que está à margem, conseqüentemente tudo e todos que estão nela inseridos acabam sendo marginalizados.  

CENA FINAL

A produção de grupo tem se colocado na contramão do mercado e das produções com elenco, pois no grupo seus membros estão ligados eticamente a um projeto. Em relação àqueles grupos que optaram pela rua, uma parte deles optaram por atuarem de forma descentralizada, na periferia, o que ocorreu nos dois casos aqui abordados, talvez pelo fato de já terem nascidos em regiões periféricas.
Circular com teatro por São Paulo exige dos mais compromissados um engajamento permanente, exige um artista cidadão, consciente de seu papel, um artista disposto a travar um diálogo com a cidade e com os demais cidadãos. Em uma cidade dividida e que divide como São Paulo, os fazedores teatrais precisam fazer suas escolhas fundamentando-se politicamente, principalmente se atuar em comunidades periféricas, já que essas localidades funcionam como apartheid social, pois a cidade de São Paulo "quanto mais distante e precária, mais negra, mulata e migrante" (ROLNIK, 2002, p. 45).
Por tudo isso fazer teatro de rua é também pensar a cidade. Conhecer seus espaços e sua divisão. O teatro é uma forma de co-mover (mover junto) os cidadãos. Daí a importância dos projetos realizados na periferia, restituindo às pessoas o direito ao lazer, a cultura, fazendo da praça a nova ágora. Por isso ao fazer teatro na periferia o grupo não faz assistencialismo, mas sim devolve aos cidadãos aquilo que lhe tem sido negado, roubado. Como afirmou Amir Haddad (2005), a arte pode revelar novas possibilidades, e é o que tem feito os dois grupos aqui pesquisados ao levar seu teatro para as comunidades mais distantes.
Por fim, o teatro – e a arte em geral – é importante para a cidade e para o cidadão, porque revela possibilidades, gera inventividade, fomenta a criatividade e o censo crítico desses cidadãos. Assim só teremos uma sociedade mais justa e saudável se a arte puder ocupar todos os espaços e o teatro de rua tem essa capacidade, já que ao deslocar-se para os mais diversos lugares não perde seus atributos técnicos e estéticos. O teatro de rua pode contribuir para uma sociedade mais justa e ela só será mais justa quando tornar-se uma república democrática e isso ocorrerá quando considerarmos "todos os cidadãos como iguais, independentemente do lugar onde estejam" (SANTOS, 2000, p. 123).
  

DECENTRALIZATION OF THEATRE IN THE CITY OF SÃO PAULO

ABSTRACT
This article focuses on the story of two theatrical collectives from the east zone of the city of São Paulo: Pombas Urbanas and Buraco d`Oráculo, with 21 and 12 years of existence, respectively. Their plays and projects has been directioned to a population that has no access to cultural goods.
KEYWORDS: street theater; theater groups; Pombas Urbanas; Buraco d`Oráculo; Sao Paulo.


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Entrevistas
Adriano Mauriz e Juliana Flory – Pombas Urbanas em 16/03/08.
Edson Paulo e Lu Coelho – Buraco d`Oráculo em 05/05/08.



[1] Mestre em artes pelo Instituto de Artes da Universidade estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", integrante do Núcleo Brasileiro de Pesquisadores de Teatro de Rua e membro do GT da ABRACE, Artes Cênicas na Rua.
[2] Hoje em dia há diversos programas televisivos com programação policial, espalhando o medo na população em sair às ruas. No entanto, esses programas jamais analisam as causas da violência, apenas veiculam o fato, não havendo espaço para discussão sobre o que tem gerado a violência.
[3] Entrevista concedida ao autor em 16/03/08.
[4] www.pombasurbanas.org.br. Acesso em: 10/07/08.
[5] Os Tronconenses (1991), Funâmbulo (1993), Mingau de Concreto (1996), Ventre de Lona (1998), Uma Baleia Perto da Lua (2000), Buraco Quente (2000), Todo Mundo Tem Um Sonho (2001), A Parceria Que Dá Certo (2002), Quadrúpedes Aquáticos (2003), Bichos Pela Paz (2003), Largo da Matriz (2004) e Histórias Para Serem Contadas (2007).
[6] www2.prefeitura.sp.gov.br/sim_dh/sub_cidadetiradentes.html. Acesso em: 10/07/08.
[7] Adriano Mauriz em entrevista ao autor em 16/03/08.
[8] Entrevista concedida ao autor em 16/03/08.
[9] Entrevista concedida ao autor em 05/05/08, pelos atores Edson Paulo e Lu Coelho. Todas as citações desses dois nomes, referem-se a esta entrevista.
[10] Quanto aos espetáculos do Buraco d`Oráculo são os seguintes: A Guerra Santa (1998), Amor de Donzela, Olho Nela! (1999), Quem Pensa Que Muito Engana, Acaba Sendo Enganado (2000), A Bela Adormecida (2001), O Cuscuz Fedegoso (2002), A Farsa do Bom Enganador (2006) e ComiCidade (2008) e Ser TÃO Ser – narrativas da outra margem (2009).
[11] Para maiores informações sobre o Circular Cohab`s pode ser consultado o blog do projeto: www.circularcohabs.blogspot.com.
[12] Entrevista concedida ao autor em 05/05/08.
[13] Idem.




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