Companheiros,
Seguem três textos que produzimos aqui no Hotel da Loucura durante este intenso e vigoroso Congresso da UPAC - Universidade Popular de Arte e Ciência que está sendo realizado no Rio de Janeiro dentro do Hospital Psiquiátrico Pedro II.
Companheiros,
Queremos compartilhá-los com vocês essa magnífica experiência que estamos vivendo junto com muitos companheiros de Teatro de Rua como Ray Lima, Filipo e Junio Santos do Movimento Escambo, Inventivos, Buraco D'oráculo, grupo Tupinagô e diversos coletivos culturais.
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Marcelo Palmares
Pombas Urbanas
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Ocupa Nise Hotel da Loucura Ocupa Nise Hotel da Loucura
Gostaríamos de relatar a importância que este congresso tem para a sociedade e principalmente para os clientes e funcionários desta instituição a qual a Dra. Nise da Silveira se dedicou tanto, passando por cima de preconceitos e exigindo mudanças drásticas nos tratamentos utilizados que ao em vez de curá-los os deixavam como zumbis cambaleantes. Mostrou que com a arte é possível mudar, transformar, curar. Hoje estamos vivendo esta experiência de uma maneira intensa, fora de nosso ambiente de trabalho que já estamos acostumados para conviver durante 31 dias hospedados no Hotel da Loucura entre grupos de teatro de rua, músicos, bailarinos e bailarinas, brincantes, atores e atrizes, grandes poetas cantadores, artistas plásticos, médicos e futuros médicos, agentes culturais de saúde e clientes, que nos emociona, alegra e nos espanta. Gostaríamos de relatar a importância que este congresso tem para a sociedade e principalmente para os clientes e funcionários desta instituição a qual a Dra. Nise da Silveira se dedicou tanto, passando por cima de preconceitos e exigindo mudanças drásticas nos tratamentos utilizados que ao em vez de curá-los os deixavam como zumbis cambaleantes. Mostrou que com a arte é possível mudar, transformar, curar. Hoje estamos vivendo esta experiência de uma maneira intensa, fora de nosso ambiente de trabalho que já estamos acostumados para conviver durante 31 dias hospedados no Hotel da Loucura entre grupos de teatro de rua, músicos, bailarinos e bailarinas, brincantes, atores e atrizes, grandes poetas cantadores, artistas plásticos, médicos e futuros médicos, agentes culturais de saúde e clientes, que nos emociona, alegra e nos espanta.
E para nós, fazedores de arte, está sendo uma experiência motivadora e provocante, pondo a prova, a cada momento, as nossas capacidades artísticas e de convivência humana porque nesta convivência estamos misturados, deixamos de ser sabedores da arte para sermos aprendizes , de ser protagonistas de um espetáculo formal para ser coadjuvantes de várias histórias que estavam guardadas dentro de uma caixa a sete chaves e que agora se abre com a música, a poesia e imaginação. A nossa experiência tem que ser usada para contribuir na construção de novas possibilidades. E para nós, fazedores de arte, está sendo uma experiência motivadora e provocante, pondo a prova, a cada momento, as nossas capacidades artísticas e de convivência humana porque nesta convivência estamos misturados, deixamos de ser sabedores da arte para sermos aprendizes , de ser protagonistas de um espetáculo formal para ser coadjuvantes de várias histórias que estavam guardadas dentro de uma caixa a sete chaves e que agora se abre com a música, a poesia e imaginação. A nossa experiência tem que ser usada para contribuir na construção de novas possibilidades.
É lindo ver nas assembleias artísticas, seres humanos que estavam em uma condição de cativeiro, dopados pela consciência e sabedoria soberba de alguns ditos estudados da ciência do comportamento humano e do mercado farmacêutico, serem livres nas suas expressões, dos preconceitos, dos sossega-leão, do esquecimento, da desumanização. A cada dia que convivemos com os clientes percebemos como estão evoluindo. Quem não falava agora múrmura algumas palavras e canta, dança, se emociona e nos emociona. Quem era triste dava rompantes de gargalhadas, quem tinha pouco movimento dançava, quem era tido como violento dava abraços de amor e carinho, quem era tido como esquizofrênico declamava poesias de Carlos Drummond, e Vinicius de Morais e cantava músicas de Chico Buarque e Secos e Molhados com uma segurança de se maravilhar, inventa, cria e recria novos ritmos, novas músicas. Saímos daqui renovados e recuperados, motivados por novas ideias, e que a Arte também pode remover montanhas. A Arte cura. É lindo ver nas assembleias artísticas, seres humanos que estavam em uma condição de cativeiro, dopados pela consciência e sabedoria soberba de alguns ditos estudados da ciência do comportamento humano e do mercado farmacêutico, serem livres nas suas expressões, dos preconceitos, dos sossega-leão, do esquecimento, da desumanização. A cada dia que convivemos com os clientes percebemos como estão evoluindo. Quem não falava agora múrmura algumas palavras e canta, dança, se emociona e nos emociona. Quem era triste dava rompantes de gargalhadas, quem tinha pouco movimento dançava, quem era tido como violento dava abraços de amor e carinho, quem era tido como esquizofrênico declamava poesias de Carlos Drummond, e Vinicius de Morais e cantava músicas de Chico Buarque e Secos e Molhados com uma segurança de se maravilhar, inventa, cria e recria novos ritmos, novas músicas. Saímos daqui renovados e recuperados, motivados por novas ideias, e que a Arte também pode remover montanhas. A Arte cura.
É incrível a coincidência de algumas coisas, ao terminar este escrito , Albertina trazida por Ivan para mostrar como ficou o Hotel da Loucura , abre a porta do quarto dizendo como foi a sua época de sua internação e agradece o que vê hoje com uma declaração do psicólogo Roberto Crema: " Os que ainda mantém as ideias fechadas são os dragões e vocês que estão ocupando este espaço são os novos avatares". É incrível a coincidência de algumas coisas, ao terminar este escrito , Albertina trazida por Ivan para mostrar como ficou o Hotel da Loucura , abre a porta do quarto dizendo como foi a sua época de sua internação e agradece o que vê hoje com uma declaração do psicólogo Roberto Crema: " Os que ainda mantém as ideias fechadas são os dragões e vocês que estão ocupando este espaço são os novos avatares".
Paulo Carvalho, Marcelo Palmares e Natali Santos - Pombas Urbanas Paulo Carvalho, Marcelo Palmares e Natali Santos - Pombas Urbanas
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Hotel da Loucura Hotel da Loucura
Me hospedei no Hotel da Loucura Me hospedei no Hotel da Loucura
Não sabia o que ia fazer Não sabia o que ia fazer
Não sabia o que ia dizer Não sabia o que ia dizer
Me sentia preso, muitas vezes incapaz Me sentia preso, muitas vezes incapaz
E o que eu sabia não servia aqui, E o que eu sabia não servia aqui,
O que eu queria não servia aqui, O que eu queria não servia aqui,
O que compreendia tão pouco servia O que compreendia tão pouco servia
Me hospedei no Hotel da Loucura Me hospedei no Hotel da Loucura
E fui atropelado por um caminhão de emoções e canções E fui atropelado por um caminhão de emoções e canções
Por poesias e atuações Por poesias e atuações
Quebrei-me todo ficando em pedaços no chão Quebrei-me todo ficando em pedaços no chão
Mas aos poucos fui me recompondo só com os pedaços da imaginação Mas aos poucos fui me recompondo só com os pedaços da imaginação
Para criar uma nova canção Para criar uma nova canção
E resto continua no chão. E resto continua no chão.
Me vou do Hotel da Loucura Me vou do Hotel da Loucura
Agradecido com tudo que aqui Agradecido com tudo que aqui
Aprendi. Aprendi.
Paulo Carvalho Paulo Carvalho
Pombas Urbanas Pombas Urbanas
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Querida Nise, Querida Nise,
Como vai? Como vai?
Quero lhe contar da surpresa que tive ao receber seu convite, entregue Pordeus, acompanhado dos seus querubins caídos, ou melhor, cuspidos dos céus do descaso onde as nuvens de hipocrisia e entorpecentes tentam apagar o brilho das "estrelas de lucidez" que habitam esta resistente ocupação quilombola suspensa e submersa no meio do Engenho de Dentro. Contradigo-me agora, dizendo que não me surpreende. Mas como dizia o poeta: "Um homem que não se contradiz é um homem morto". Quero lhe contar da surpresa que tive ao receber seu convite, entregue Pordeus, acompanhado dos seus querubins caídos, ou melhor, cuspidos dos céus do descaso onde as nuvens de hipocrisia e entorpecentes tentam apagar o brilho das "estrelas de lucidez" que habitam esta resistente ocupação quilombola suspensa e submersa no meio do Engenho de Dentro. Contradigo-me agora, dizendo que não me surpreende. Mas como dizia o poeta: "Um homem que não se contradiz é um homem morto".
Não me surpreende que você saiba da minha enfermidade, dessa febre que não baixa, que lá fora é controlada por potentes doses de ganância, poder, imoralidade e violência que bombardeiam meu corpo incessantemente, prescrita em pequenas porções, para que eu não tenha uma convulsão de abstinência de vida. Você já teve essa febre? Já delirou? Não me surpreende que você saiba da minha enfermidade, dessa febre que não baixa, que lá fora é controlada por potentes doses de ganância, poder, imoralidade e violência que bombardeiam meu corpo incessantemente, prescrita em pequenas porções, para que eu não tenha uma convulsão de abstinência de vida. Você já teve essa febre? Já delirou?
Querida amiga, quero lhe agradecer pela vela que deixaste acesa ontem e hoje é fogueira neste quilombo onde me reencontro a todo momento com minha alma, tentando me curar das drogas, dos cracks, das maquiagens, dos acidulantes e conservantes, que o Todo-Poderoso SISTEMA me injeta todos os dias e noites através dos cabos que me conectam ao Uni-presente, Uni-potente, pelos eletrochoques virtuais, irreais, impalpáveis de imagens que não sinto, que não sou, que desejo e que não quero. Querida amiga, quero lhe agradecer pela vela que deixaste acesa ontem e hoje é fogueira neste quilombo onde me reencontro a todo momento com minha alma, tentando me curar das drogas, dos cracks, das maquiagens, dos acidulantes e conservantes, que o Todo-Poderoso SISTEMA me injeta todos os dias e noites através dos cabos que me conectam ao Uni-presente, Uni-potente, pelos eletrochoques virtuais, irreais, impalpáveis de imagens que não sinto, que não sou, que desejo e que não quero.
Aqui minha alma dança de saias de palha, representa, vibra, baila ensandecida de verdade e humanidade, tornando-se invólucro do meu corpo que reivindica a todo instante um espaço que me foi usurpado. Aqui minha alma dança de saias de palha, representa, vibra, baila ensandecida de verdade e humanidade, tornando-se invólucro do meu corpo que reivindica a todo instante um espaço que me foi usurpado.
Aqui, nesta cidade submersa nos lodos da "Verdade Única", os rituais mais antigos são representados todos os dias pelo índio que toca e canta em roda para crianças de todas as cores, para que seus corpos se encontrem com seus ancestrais, para não tenham medo do som dos tambores e não se esqueçam da dança, para que a ferrugem corrosiva e cancerígena lhe são injetados nas salas de aulas das escolas feudais pelos Capitães e Senhores do Engenho de Fora não atinja seus ossos e sonhos. Aqui, nesta cidade submersa nos lodos da "Verdade Única", os rituais mais antigos são representados todos os dias pelo índio que toca e canta em roda para crianças de todas as cores, para que seus corpos se encontrem com seus ancestrais, para não tenham medo do som dos tambores e não se esqueçam da dança, para que a ferrugem corrosiva e cancerígena lhe são injetados nas salas de aulas das escolas feudais pelos Capitães e Senhores do Engenho de Fora não atinja seus ossos e sonhos.
Enquanto rabisco esta prosa, nossa guarda de loucos, prostitutas, execrados, viados, bêbados, mendigos, meninos de rua e desvairados incendeia a passarela com seus cânticos satíricos, poetizados para despertar os marinheiros e aventureiros de todo o Sul da América. Toda uma gente sem destino marcado, vindos das gotas de poeira cósmica. Um canto que nunca ouvi, mas sei cantar. Enquanto rabisco esta prosa, nossa guarda de loucos, prostitutas, execrados, viados, bêbados, mendigos, meninos de rua e desvairados incendeia a passarela com seus cânticos satíricos, poetizados para despertar os marinheiros e aventureiros de todo o Sul da América. Toda uma gente sem destino marcado, vindos das gotas de poeira cósmica. Um canto que nunca ouvi, mas sei cantar.
Bom minha irmã, vou terminando esta carta com os pedaços de palavras que encontro soltas nos olhos das estrelas que encontro no caminho, porque Mãe Naná, um deus negro de cabelos de Iara, ou de Judith, já deu a ordem a Maturana que tocasse o sino, que Espinosa aprontasse o café e o vinho negro que será servido pelas Bacantes aos Brincantes da Folia que partirão em missão ceno-poética para libertar São Roque da Fanta Laranja que foi aprisionado na "Mansão dos Mortos" pelos Zangões da Cegueira que tentam impedir a nova Primavera anunciada pelas borboletas, que em breve irão partir daqui, carregadas de pólen dos jardins do Engenho de Dentro. Não existe volta. O cimento não pode mumificar a semente. Bom minha irmã, vou terminando esta carta com os pedaços de palavras que encontro soltas nos olhos das estrelas que encontro no caminho, porque Mãe Naná, um deus negro de cabelos de Iara, ou de Judith, já deu a ordem a Maturana que tocasse o sino, que Espinosa aprontasse o café e o vinho negro que será servido pelas Bacantes aos Brincantes da Folia que partirão em missão ceno-poética para libertar São Roque da Fanta Laranja que foi aprisionado na "Mansão dos Mortos" pelos Zangões da Cegueira que tentam impedir a nova Primavera anunciada pelas borboletas, que em breve irão partir daqui, carregadas de pólen dos jardins do Engenho de Dentro. Não existe volta. O cimento não pode mumificar a semente.
Despeço-me deixando meu "abraços com asas" ao Pai-Xão, a Mãe-Terra, ao Fruto-Filho ao Espírito e ao Santo. Despeço-me deixando meu "abraços com asas" ao Pai-Xão, a Mãe-Terra, ao Fruto-Filho ao Espírito e ao Santo.
Que todos se AMÉM! Que todos se AMÉM!
Marcelo Palmares – grupo Pombas Urbanas Marcelo Palmares – grupo Pombas Urbanas
OcupaNise! - Quilombo do Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, 26 de julho de 2012. OcupaNise! - Quilombo do Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, 26 de julho de 2012.
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