Adailtom Alves Teixeira[1]
Não
havia exigências em termo de criação estética, e a filosofia dominante do CPC
era essa: a forma interessava enquanto expressão do artista. O que interessava
era o conteúdo e a forma servia apenas enquanto comunicação com o público. Foi
daí que surgiu esta concepção do CPC de que deveríamos usar as formas populares
e rechear estas formas com o melhor conteúdo ideológico possível.
Carlos Estevam Martins apud Julián BOAL. As imagens de um teatro popular
Quase
todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer
relação orgânica com o passado público da época em que vivem.
Eric HOBSBAWM. Era dos extremos: o breve século XX
O III Encontro de
Estudos Teatrais e 2º Fórum de Teatro de Rua, com o tema As formas fora da forma, ocorrido de 04 a 08 de julho de 2011 no
Instituto de Artes da Unesp, foi revelador sob vários aspectos. Primeiro porque
reuniu grandes pesquisadores do circo, do teatro de revista, do teatro de feira,
do agit-prop (Agitação e Propaganda) e do teatro de rua; segundo porque se
apresentou muitas informações que não são encontradas na maioria dos livros de
história do teatro.
Quero destacar dois
pontos importantes: o primeiro são as informações trazidas por João das Neves
sobre os Centros de Cultura Popular (CPC) da União Nacional dos Estudantes
(UNE), que teve uma vida breve, de dezembro de 1961 a abril de 1964. Porém teve
uma imensa produção artística, sobretudo teatral.
O encontro que ocorreu no dia 06 de
julho tinha à mesa Robson Camargo Corrêa, Maria Thaís, José Fernando Azevedo e
João das Neves, último a falar e tinha como tema o CPC. João abriu sua fala
falando sobre como é recente a classe operária brasileira, passando ao
surgimento do CPC, que nasce de uma dissidência do Teatro de Arena; o que
detona esse processo é o texto A mais
valia vai acabar, seu Edgar de Oduvaldo Viana Filho e Chico de Assis. Esses
dois artistas procuraram os intelectuais do ISEB (Instituto Superior de Estudos
Brasileiro), encontraram o sociólogo Carlos Estevam Martins, com quem travaram
parceria. Até aí tudo bem, de certo modo essa história parece está bem
registrada. No entanto, João das Neves frisou um ponto muito importante e que,
segundo ele, vem sendo negligenciado pelos historiadores do teatro daquele
período: trata-se da Carta de Princípios escrita por Carlos Estevam Martins. O
documento de Martins, segundo João das Neves, era para uma discussão interna do
CPC, mas ao ser publicado, vem sendo analisado como o pensamento do mesmo,
quando não era. João das Neves fez um alerta sério: o CPC ainda é analisado sem
as fontes primárias e com olhar da elite intelectualizada. Portanto, João
reclama que a história vem sendo escrita sem que se procurem aqueles que
participaram ativamente desse processo, utilizam apenas documentos escritos, o
que, na prática, não dá conta de toda a realidade e da complexidade que foi
aquele movimento. Afinal, ainda segundo João das Neves, não havia um CPC único,
mais vários. O CPC não seguia as proposições da UNE e, por sua vez, cada um dos
núcleos eram independentes, pensavam no que e como fazer. Por fim, já no debate
com os presentes, João explicou que a escolha da rua pelo CPC se deu, primeiro,
por questões econômicas, era mais barato; segundo porque era e é onde o povo
está. No entanto, não havia valorização hierárquica, tanto que mantiveram tanto
a produção nos espaços fechados, mas, principalmente na rua, havendo uma
retroalimentação entre ambos.
O
segundo ponto a destacar ocorreu já no 2º Fórum de Teatro de Rua, no dia 07 de
julho e contou com a participação de Ana Rosa Tezza, Hélio Fróes, Licko Turle e
Lindolfo Amaral. Lindolfo é professor universitário e integrante do Grupo
Imbuaça, coletivo que participou do Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo
(MBTG), no inicio dos anos 1990. Muitos foram as questões trazidas por Lindolfo
Amaral: de como nosso olhar acostumou-se a vê com os olhos do colonizador;
questões ligadas a verticalidade no teatro de rua, que, no seu entender, até
1987 só havia horizontalidade, mas com a vinda do Teatro Tascabile e do Teatro
Potlhach, ambos da Itália, começou uma verticalização no teatro de rua
brasileiro, isto é, a cena ganhou verticalizações, como por exemplo, uso de
prédios na dramaturgia. Mas a contribuição sobre o MBTG foi fundamental, pois,
segundo Lindolfo, o mesmo era puxado pelo teatro de rua. Ou seja, o teatro de
rua esteve a frente de um movimento nacional de grupos em uma época em que não
havia as facilidades tecnológicas que existe hoje. Até onde se sabe, essa
informação é novidade e como houve pouca produção teórica sobre o MBTG, não se
conhece muito sobre sua história.
O
MBTG foi criado em plena era Collor (1990-1992)[2],
tinha por objetivo a troca e apoio mútuo entre os grupos. O grupo Fora do Sério,
de Ribeirão Preto, sediou os dois primeiros encontros, ocorridos em 1991 e
1993. Além disso, produziu dois números da revista Máscara. Na edição de nº 2, o
editorial “Existindo na Instabilidade” apresentava o porquê da existência da
publicação e do MBTG: havia um “desejo comum” de que o teatro se manifestasse
“como uma arte acessível a todas as classes sociais, e que os homens, mulheres
e crianças de todas as idades [pudessem] comunicar-se através dele” (1993: 3).
Infelizmente o MBTG realizou apenas três encontros, o último foi realizado em
1997, em São Paulo, na Mostra de Teatro de Grupo, organizado pela Cooperativa
Paulista de Teatro.
Recuperar
essas histórias é fundamental para a memória do teatro brasileiro. Saber que o
CPC, apesar de ter um objetivo comum, foi diverso na maneira de ser, demonstra,
ao menos, que não há um único ponto de vista sobre a história. Por sua vez,
recuperar a memória do teatro de rua, responsável por criar um movimento
nacional ainda na década de 1990, faz-se necessário para os movimentos atuais,
pois demonstra, ao menos, que a vontade de se juntar já vem de há bastante
tempo. Saber que ambos os movimentos são populares e objetivavam chegar às
massas, nos lança novos desafios, pois todos os fazedores de teatro de grupo de
hoje, têm dívida com aqueles que nos antecederam. Ao mesmo tempo, o público que
ambos os coletivos visavam atingir com sua arte, ainda não foram plenamente
alcançados. Não podemos perder o fio da história e nem perder de vista o nosso
espectador, pois ele ainda precisa ser conquistado, como alerta o camarada
Brecht em Meu Espectador:
Recentemente encontrei meu
espectador.
Na rua poeirenta
Ele segurava nas mãos uma máquina
britadeira.
Por um segundo
Levantou o olhar. Então abri
rapidamente meu teatro
Entre as casas. Ele
Olhou expectante.
Na cantina
Encontrei-o de novo. De pé no
balcão.
Coberto de suor, bebia. Na mão
Uma fatia de pão. Abri
rapidamente meu teatro. Ele
Olhou maravilhado.
Hoje
Tive novamente a sorte. Diante da
estação
Eu o vi, empurrando por coronhas
de fuzis
Sob o som dos tambores, para a
guerra.
No meio da multidão
Abri meu teatro. Sobre os ombros
Ele olhou:
Acenou com a cabeça.
Bibliografia
BOAL, Julián. As imagens de um teatro popular. São Paulo: Hucitec, 2000.
BRECHT, Bertolt. Poema: 1913-1956. Trad. Cesar Souza. São Paulo: Brasiliense, 1986.
MÁSCARA.
Revista de Teatro. Ano II, nº 2, junho, 1993.
TEIXEIRA, Adailtom Alves. A rua como palco: o teatro de rua em São
Paulo, seu público e a imprensa escrita. Monografia de Iniciação Científica. 72
f. São Paulo: Universidade Cruzeiro do Sul, 2008.
Publicado originalmente
em Rebento: Revista de Artes do Espetáculo, n 3, março de 2012, p. 176-180.
[1] Mestre em Artes pelo Instituto
de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, membro do Núcleo Brasileiro de Pesquisadores
de Teatro de Rua e integrante do Buraco d`Oráculo.
[2] Em 1989, depois de 29 anos sem eleições
diretas, o alagoano Fernando Collor de Mello, então candidato pelo PRN, foi
eleito com 42,75% dos votos válidos, contra 37,86%) dos votos de Luiz Inácio
Lula da Silva (PT). A campanha apresentava modelos opostos, o primeiro se
pautava na redução do papel do Estado e o segundo propunha uma forte atuação do
Estado, sobretudo na economia.
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