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quarta-feira, 14 de maio de 2014

A cidade e a arte de rua


Adailtom Alves Teixeira[1]

A maior parte da população mundial já vive em grandes centros urbanos. Em cada época histórica as cidades carregam os símbolos e a organização de seu momento. Para Henri Lefebvre em O direito à cidade (Centauro, 2010), estas são mediação de mediações. Dessa forma, suas mudanças ocorrem quando muda a sociedade em seu conjunto. Assim, para além de suas transformações físicas, as cidades nem sempre foram as mesmas, mas modificam suas funções de acordo com o período histórico.

A cidade, em sendo criada como espaço em que ocorrem as mediações, deveria ser associada a uma espécie de obra de arte. Ao assumirmos esse ponto de vista, na cidade deveria prevalecer o seu valor de uso, invés de um valor de troca. No entanto, em um capitalismo cada vez mais desenvolvido a própria cidade torna-se mercadoria e deve ser vendida e auferir grandes lucros aos capitalistas, que utilizam as esferas do estado para tanto. Já se sabe que a forma não está separada do conteúdo, logo, a cidade em uma economia de mercado, deve servir de mediação ao lucro.

Nesse momento a cidade de São Paulo (e outras espalhadas pelo Brasil) passa por uma disputa desigual no que diz respeito à regulamentação da arte de rua. O ano passado foi aprovada na Câmara dos Vereadores da cidade de São Paulo a Lei 15.776/13, que nada mais é do que a garantia de direitos constitucionais expressos no Artigo Quinto. Existe uma pressão econômica para que a cidade seja sitiada e prevaleça o mercado e não o direito à mesma. Via poder executivo foi criado um decreto de regulamentação da Lei, na qual a lógica era a de expurgar da cidade a ralé. Nesse caso, a arte de rua que, por definição não se enquadra enquanto mercadoria, já que ocupa um espaço público aberto, em tese, para todos, sem qualquer distinção. Os artistas se manifestaram, protestaram e estão negociando, mas daí não sairá nada perfeito, pois a lógica de nosso tempo histórico é determinante.

Qual o problema? Os artistas, por fugirem da lógica de mercado, já que não estão disponíveis como força de trabalho e nem suas produções/criações estão dispostos em um grande supermercado cultural, devem ser expurgados da sociedade. Os artistas de rua são donos de seus meios de produção e de suas obras, e isso incomoda, pois foge da lógica instituída. Essa é a grande disputa na regulamentação da Lei 15.776/13 na cidade de São Paulo. Luta, diga-se de passagem, bastante desigual.

Com Lefebvre também aprendemos que as cidades de hoje, inseridas nessa lógica de mercado, são apenas "um objeto de consumo cultural para os turistas e para o estetismo, ávidos de espetáculos e do pitoresco". Logo, tudo deve ser controlado, onde se vai, o que se vê. Mas os artistas de rua resistiram por milênios e continuarão a existir e resistir. E esperamos que se avance no processo para termos uma cidade com mais arte na rua, para serem fruídas por pessoas de todas as idades.


Escrito para o jornal Brasil de Fato.


[1] Graduado em História e Mestre em Artes.

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