Por Amir Haddad
Introito
Por reconhecer a existência de uma outra
possibilidade artística na cidade, e por haver comprovado esta existência
concretamente durante os 3 (três) meses nos quais realizamos nossos encontros
públicos, em busca de subsídios para construção de um pensamento para Políticas
Públicas para as Artes Públicas é que nos sentimos mais que autorizados,
capacitados, para realizar a tarefa que nos tínhamos proposto; A partir de um
projeto inicial, apresentar à prefeitura no melhor tempo possível, subsídios
importantes para elaboração de Políticas Públicas para as Artes Públicas
obtidos pela militância de quatro grupos de artistas públicos desta cidade em 6
(seis) praças centrais durante 3 (três) meses, com mais de 600 (seiscentas)
apresentações e 760(setecentos e sessenta) grupos ou artistas públicos ou de
rua cadastrados.
O resultado foi surpreendente, de uma
diversidade inimaginável; e que será ainda maior se e quando o evento puder ser
levado a outras regiões da área metropolitana da cidade do Rio de Janeiro.
A possibilidade da emergência de uma livre
manifestação artística para todo o aparato e o convívio urbanos, se confirmou
além de nossas expectativas.
E também foram além, as questões a respeito
de estabelecer políticas públicas para o fortalecimento, proteção e
desenvolvimento destas atividades, que muitas vezes não veem á tona, exatamente
por falta de apoio, estímulo, proteção ou reconhecimento!!
O universo manifestado se mostrou mais
diverso e complexo do que imaginávamos.
À medida que as apresentações revelam sua diversidade e complexidade, as
questões em relação a elas também se multiplicam.
O que
é público? O que é privado? O que é arte pública? E artista público? É o mesmo
que arte privada, ou artista privado?
Espaço público é espaço privado?
O alcance do espetáculo público, seus
limites. O futuro das artes
públicas. Linguagens. Linguagem pública? Linguagem privada? Perspectivas históricas,
vaticínios, profecias e utopias.
Como responder a tantas questões, muitas
delas nunca dantes formuladas em nenhuma parte deste mundo, e a maior parte
delas ainda sem respostas, pois só agora começam a ser formuladas, como
resposta a elas mesmas, e ao momento histórico que vivemos.
Num mundo de privatizações exacerbadas qual
será a possibilidade dialética de confrontá-lo com outra proposta, que seja
oposta a ele e seus interesses.
Que estrelas poderão nascer do entrechoque
dessas duas tendências tão fortes e arraigadas à natureza humana, e tantas
vezes em desequilíbrio? Ou tudo
coletivo, público. Ou tudo individual. Privado. Privatizado. Choque necessário
e inevitável. É bom lembrar que estamos
falando de interesses humanos e não do Poder Público, que muitas vezes
representa apenas os interesses privados.
Todas as questões e tantas questões que não
temos, e nem teremos, todas as respostas, mas sua variedade, diversidade e
complexidade justificam, por sua importância a criação de políticas públicas
para estes artes que estamos chamando de Artes Públicas.
Elas existem, são fortes, poderosas,
contemporâneas e se estimuladas poderão surpreender e transformar os nossos
paradigmas a respeito da arte, cultura, produto cultural, mercado, vida
cultural. Valerá à pena investir, pois é um veio rico e misterioso, ainda
inexplorado, esperando pacientemente que o ser humano se volte para esse lado,
desobstruindo mais um canal importante de nossos afetos, contribuindo para a
evolução dos homens, criando cidadãos capazes de sobreviver à débâcle que
parece inevitável, e que saberão renascer das cinzas do Apocalipse com um novo
sentido de convívio humano e o desejo de antecipar um novo processo
civilizatório. Precisamos desde já estarmos preparados para isso.
“Ave
Cᴂsar, morituri te salutamus”.
Quem sobreviver, verá!
ARTE PÚBLICA
A palavra “pública”:
Do Grego- Publike
1- Depende do Estado
2-
Que pode ser utilizado por todos
3- Conhecido por todos
Do Latim- Publicus
1- Pertencente ao povo
2-
Para uso de todos
3- Conhecido por todos
Usos diversos;
Personalidade pública
Entidade pública
Força pública
Celebridade publica
Responsabilidade Pública
Utilidade Pública, etc.
Aquilo que é de todos, que
pertence a todos, que é de conhecimento de todos, que extrapola os limites do
privado ou do particular.
Público também pode ser notório,
revelado, desmascarado. Vexame público, escândalo público. Do conhecimento
público. Prejuízo público.
Arte Pública
Arte que é de todos, que pertence
a todos e é conhecida por todos, não se mantém adstrita ao particular, que não
tem dono, que não se vende e nem se compra. Em qualquer lugar, para todo e
qualquer público.
Tudo que é publico pode ser
privado? E tudo que é privado? Pode ser transformado em público? Quais os
limites entre o publico e o privado?
Qualquer coisa que se faz em espaço fechado pode ser feito em espaço
aberto? E o contrario? Há diferença? Quais?
Linguagem pública. Ordem pública.
A plateia da arte pública é a mesma da arte privada?
Artista Público
A função do artista- público ou
privado. Os limites do artista - público ou privado. O que pode e deve ser dito
ou feito em público, e o que é do âmbito privado.
Qualquer artista que atua no
espaço público é um artista público? Basta mudar a geografia? Ou o lugar da apresentação? Que diferença faz se apresentar em um espaço
público? E no espaço privado?
Em que mundo você interfere
quando atua no espaço público? E no espaço privado? Qual a responsabilidade do
artista no espaço público? E no privado? O afeto público e o privado. O que é
de todos e o que é apenas para alguns.
Paredes
Falar para alguns. Quais os
limites? Falar para todos ao mesmo tempo em espaços públicos. Quais os limites?
O que vaza no espaço público? E
para onde vaza? No espaço privado. Vaza?
Quais são as paredes que contem e
limitam o espaço privado? E o espaço público, tem paredes? Quais são? Qual é a arquitetura possível de
um espetáculo em praça pública? Qual a arquitetura do espaço que contém o
espetáculo?
Espaço
Teatro sem arquitetura é espaço
público? Teatro sem arquitetura é espaço
teatral? Espaço público sem artista público é local de espetáculo? Quais são os
limites de uma intervenção artística em um espaço público?
Qual o alvo de um espetáculo
público? Qual é o alcance público de uma
intervenção artística em espaço privado?
O que se faz entre quatro paredes
pode ser feito no espaço aberto? No espaço público?
Quais os assuntos, temas,
sentimentos e ações que poderão interessar a todos? E quais serão os de interesse restrito?
Os valores de classe atuam nos
espaços fechados? E nos abertos? Atuam?
O que será representar para uma sociedade sem classes, democrática, onde
a estratificação social será eliminada? Ou representar para um grupo social
homogêneo cujos valores ideológicos dominantes determinam e controlam suas
reações? Quais são as paredes de um
espetáculo público e de que maneira elas repercutem o acontecimento que se dá
em seu interior?
Alcance
Atinge a todos da mesma forma? É
possível obrigar alguém a ver o que não quer ver, ou ouvir o que não quer ouvir?
Como se organiza isso no espaço
público? Qual o tamanho possível? Arte Pública é espetáculo para milhões? Ou
para muitos em muitos lugares, ao alcance do olhar e eventualmente até do
tocar?
Poucos para muitos? Muitos para poucos? Muitos para muitos? A questão do alcance. Qual o alcance
suportável? Sustentável? Uma Praça fechada é espaço público? Qual a
diferença entre uma praça e outra?
Futuro
A se pensar uma cidade pacificamente ocupada pelas forças
desarmadas da população.
Que tamanho deverão ter estas
manifestações? Como pensar e repensar a vida cultural de uma comunidade -
Cidade? Como dividir o produto cultural
igualmente produzido por todos, para que todos também a ele tenham acesso?
É possível isso? Desmontar o
mercado?
Fazer hortas familiares ou
comunitárias. Estabelecer produções orgânicas em pequenas propriedades, com a
produção de sementes de qualidade verdadeira.
Em oposição à produção
transgênica do latifúndio cultural?
Será possível nadar contra a
corrente? Impetuosa. Que nos arrasta por corredeiras tortuosas até o abismo, o
mergulho inevitável no precipício da destruição. Será possível responder isso?
Poderia ser a “Arte Pública”,
força do minifúndio, a possível resistência a esta aparentemente irresistível
decadência?
Levar para a rua o transgênico
não será levar a contaminação para todos de uma maneira imprevidente? O que é a festa? O encontro? A troca? A celebração? O que é poder participar sem
perder sua individualidade, personalidade?
O individuo massacrado pelo coletivo ou o coletivo perfurado pelo
individualismo?
Qual o Tamanho do espetáculo, como ele age e como atinge
ou pode atingir o espectador?
Linguagem
A questão da linguagem. Uma
questão ética. Qual a linguagem do espetáculo público? Da mostra pública? Será
a mesma do espaço fechado? Como falar
com o meu semelhante sem ser intermediado pela questão dos valores e da ótica
classista do mundo onde vivemos? Como pensar uma linguagem para uma sociedade
sem classes?!! Cem anos depois estamos diante das mesmas questões que
desafiavam o pensamento e a criatividade dos artistas russos por ocasião de
suas revoluções? Eisenstein/Maiacovsky?
História
A história não acabou! A história
acabou? De onde virão as forças capazes de modificar o mundo, criando para ele
uma possibilidade de sobrevivência diante do desastre que se anuncia eminente.
Onde estão elas? A história caminha por
caminhos inesperados. As ruínas do Megamundo deixarão antever após a derrocada,
o novo mundo, a semente que germinou debaixo das gigantescas torres da
dominação e do poder. Os novos bezerros
de ouro serão sistematicamente postos abaixo até que não haja mais condições de
reconstruí-los. Aí virão os outros, os da coisa pública, e sua produção até
então subterrânea poderá florescer e se estabelecer a céu aberto. A Arte
Pública não é mega, é mini, muitas e muitas vezes! E poderá repovoar o mundo
com as sementes orgânicas de uma nova possibilidade social, germinadas no
minifúndio amoroso e solidário, compartilhado como num assentamento.
Será demais pensar assim? Não é
isso ou mais ou menos isso o que se pretende? Se não o quê? Não queremos salvar nada deste mundo que esta
aí.
Ou nos salvamos todos, ou todos morreremos à míngua! Não há
salvação individual. Não há individuo sem coletivos, assim como não há coletivo
sem indivíduos fortes, humanizados.
Um comentário:
...tantas questões...loucuras nossas de cada dia...me sugerem mais e mais...que surjam outras tantas e algumas respostas no "Ocupa Nise" e XV Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua...afinal...
Postar um comentário