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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Subsídios Para Uma Política Pública Para as Artes Públicas

Por Amir Haddad

Introito

Por reconhecer a existência de uma outra possibilidade artística na cidade, e por haver comprovado esta existência concretamente durante os 3 (três) meses nos quais realizamos nossos encontros públicos, em busca de subsídios para construção de um pensamento para Políticas Públicas para as Artes Públicas é que nos sentimos mais que autorizados, capacitados, para realizar a tarefa que nos tínhamos proposto; A partir de um projeto inicial, apresentar à prefeitura no melhor tempo possível, subsídios importantes para elaboração de Políticas Públicas para as Artes Públicas obtidos pela militância de quatro grupos de artistas públicos desta cidade em 6 (seis) praças centrais durante 3 (três) meses, com mais de 600 (seiscentas) apresentações e 760(setecentos e sessenta) grupos ou artistas públicos ou de rua cadastrados.
O resultado foi surpreendente, de uma diversidade inimaginável; e que será ainda maior se e quando o evento puder ser levado a outras regiões da área metropolitana da cidade do Rio de Janeiro.
A possibilidade da emergência de uma livre manifestação artística para todo o aparato e o convívio urbanos, se confirmou além de nossas expectativas.
E também foram além, as questões a respeito de estabelecer políticas públicas para o fortalecimento, proteção e desenvolvimento destas atividades, que muitas vezes não veem á tona, exatamente por falta de apoio, estímulo, proteção ou reconhecimento!!
O universo manifestado se mostrou mais diverso e complexo do que imaginávamos.  À medida que as apresentações revelam sua diversidade e complexidade, as questões em relação a elas também se multiplicam.
 O que é público? O que é privado? O que é arte pública? E artista público? É o mesmo que arte privada, ou artista privado?  Espaço público é espaço privado?
O alcance do espetáculo público, seus limites.  O futuro das artes públicas.  Linguagens.  Linguagem pública?  Linguagem privada? Perspectivas históricas, vaticínios, profecias e utopias. 
Como responder a tantas questões, muitas delas nunca dantes formuladas em nenhuma parte deste mundo, e a maior parte delas ainda sem respostas, pois só agora começam a ser formuladas, como resposta a elas mesmas, e ao momento histórico que vivemos. 
Num mundo de privatizações exacerbadas qual será a possibilidade dialética de confrontá-lo com outra proposta, que seja oposta a ele e seus interesses. 
Que estrelas poderão nascer do entrechoque dessas duas tendências tão fortes e arraigadas à natureza humana, e tantas vezes em desequilíbrio?  Ou tudo coletivo, público. Ou tudo individual. Privado. Privatizado. Choque necessário e inevitável.  É bom lembrar que estamos falando de interesses humanos e não do Poder Público, que muitas vezes representa apenas os interesses privados.
Todas as questões e tantas questões que não temos, e nem teremos, todas as respostas, mas sua variedade, diversidade e complexidade justificam, por sua importância a criação de políticas públicas para estes artes que estamos chamando de Artes Públicas.
Elas existem, são fortes, poderosas, contemporâneas e se estimuladas poderão surpreender e transformar os nossos paradigmas a respeito da arte, cultura, produto cultural, mercado, vida cultural. Valerá à pena investir, pois é um veio rico e misterioso, ainda inexplorado, esperando pacientemente que o ser humano se volte para esse lado, desobstruindo mais um canal importante de nossos afetos, contribuindo para a evolução dos homens, criando cidadãos capazes de sobreviver à débâcle que parece inevitável, e que saberão renascer das cinzas do Apocalipse com um novo sentido de convívio humano e o desejo de antecipar um novo processo civilizatório. Precisamos desde já estarmos preparados para isso
“Ave Cᴂsar, morituri te salutamus”
Quem sobreviver, verá! 

ARTE PÚBLICA

A palavra “pública”:
Do Grego- Publike
1-    Depende do Estado
2-    Que pode ser utilizado por todos
3-    Conhecido por todos
Do Latim- Publicus
1-    Pertencente ao povo
2-    Para uso de todos
3-    Conhecido por todos

Usos diversos;
Personalidade pública
Entidade pública
Força pública
Celebridade publica
Responsabilidade Pública
Utilidade Pública, etc.
Aquilo que é de todos, que pertence a todos, que é de conhecimento de todos, que extrapola os limites do privado ou do particular.
Público também pode ser notório, revelado, desmascarado. Vexame público, escândalo público. Do conhecimento público. Prejuízo público.

Arte Pública

Arte que é de todos, que pertence a todos e é conhecida por todos, não se mantém adstrita ao particular, que não tem dono, que não se vende e nem se compra. Em qualquer lugar, para todo e qualquer público.
Tudo que é publico pode ser privado? E tudo que é privado? Pode ser transformado em público? Quais os limites entre o publico e o privado?  Qualquer coisa que se faz em espaço fechado pode ser feito em espaço aberto? E o contrario? Há diferença? Quais?
Linguagem pública. Ordem pública. A plateia da arte pública é a mesma da arte privada?

Artista Público

A função do artista- público ou privado. Os limites do artista - público ou privado. O que pode e deve ser dito ou feito em público, e o que é do âmbito privado.
Qualquer artista que atua no espaço público é um artista público? Basta mudar a geografia? Ou o lugar da apresentação?  Que diferença faz se apresentar em um espaço público? E no espaço privado?
Em que mundo você interfere quando atua no espaço público? E no espaço privado? Qual a responsabilidade do artista no espaço público? E no privado? O afeto público e o privado. O que é de todos e o que é apenas para alguns.

Paredes

Falar para alguns. Quais os limites? Falar para todos ao mesmo tempo em espaços públicos.   Quais os limites?
O que vaza no espaço público? E para onde vaza? No espaço privado. Vaza?   Quais são as paredes que contem e limitam o espaço privado? E o espaço público, tem paredes?  Quais são? Qual é a arquitetura possível de um espetáculo em praça pública? Qual a arquitetura do espaço que contém o espetáculo?

Espaço

Teatro sem arquitetura é espaço público?  Teatro sem arquitetura é espaço teatral? Espaço público sem artista público é local de espetáculo? Quais são os limites de uma intervenção artística em um espaço público?
Qual o alvo de um espetáculo público?  Qual é o alcance público de uma intervenção artística em espaço privado? 
O que se faz entre quatro paredes pode ser feito no espaço aberto? No espaço público?
Quais os assuntos, temas, sentimentos e ações que poderão interessar a todos?  E quais serão os de interesse restrito?
Os valores de classe atuam nos espaços fechados? E nos abertos? Atuam?  O que será representar para uma sociedade sem classes, democrática, onde a estratificação social será eliminada? Ou representar para um grupo social homogêneo cujos valores ideológicos dominantes determinam e controlam suas reações?  Quais são as paredes de um espetáculo público e de que maneira elas repercutem o acontecimento que se dá em seu interior?

Alcance

Atinge a todos da mesma forma? É possível obrigar alguém a ver o que não quer ver, ou ouvir o que não quer ouvir? 
Como se organiza isso no espaço público? Qual o tamanho possível? Arte Pública é espetáculo para milhões? Ou para muitos em muitos lugares, ao alcance do olhar e eventualmente até do tocar?
 Poucos para muitos? Muitos para poucos?  Muitos para muitos?  A questão do alcance. Qual o alcance suportável?  Sustentável?   Uma Praça fechada é espaço público? Qual a diferença entre uma praça e outra?

Futuro
           
A se pensar uma cidade pacificamente ocupada pelas forças desarmadas da população
Que tamanho deverão ter estas manifestações? Como pensar e repensar a vida cultural de uma comunidade - Cidade?  Como dividir o produto cultural igualmente produzido por todos, para que todos também a ele tenham acesso?
É possível isso? Desmontar o mercado?
Fazer hortas familiares ou comunitárias. Estabelecer produções orgânicas em pequenas propriedades, com a produção de sementes de qualidade verdadeira.
Em oposição à produção transgênica do latifúndio cultural?
Será possível nadar contra a corrente? Impetuosa. Que nos arrasta por corredeiras tortuosas até o abismo, o mergulho inevitável no precipício da destruição. Será possível responder isso?
Poderia ser a “Arte Pública”, força do minifúndio, a possível resistência a esta aparentemente irresistível decadência?
Levar para a rua o transgênico não será levar a contaminação para todos de uma maneira imprevidente?   O que é a festa?  O encontro? A troca?  A celebração? O que é poder participar sem perder sua individualidade, personalidade?  O individuo massacrado pelo coletivo ou o coletivo perfurado pelo individualismo?
            Qual o Tamanho do espetáculo, como ele age e como atinge ou pode atingir o espectador? 

Linguagem

A questão da linguagem. Uma questão ética. Qual a linguagem do espetáculo público? Da mostra pública? Será a mesma do espaço fechado?  Como falar com o meu semelhante sem ser intermediado pela questão dos valores e da ótica classista do mundo onde vivemos? Como pensar uma linguagem para uma sociedade sem classes?!! Cem anos depois estamos diante das mesmas questões que desafiavam o pensamento e a criatividade dos artistas russos por ocasião de suas revoluções?  Eisenstein/Maiacovsky?

História

A história não acabou! A história acabou? De onde virão as forças capazes de modificar o mundo, criando para ele uma possibilidade de sobrevivência diante do desastre que se anuncia eminente. Onde estão elas?  A história caminha por caminhos inesperados. As ruínas do Megamundo deixarão antever após a derrocada, o novo mundo, a semente que germinou debaixo das gigantescas torres da dominação e do poder.  Os novos bezerros de ouro serão sistematicamente postos abaixo até que não haja mais condições de reconstruí-los. Aí virão os outros, os da coisa pública, e sua produção até então subterrânea poderá florescer e se estabelecer a céu aberto. A Arte Pública não é mega, é mini, muitas e muitas vezes! E poderá repovoar o mundo com as sementes orgânicas de uma nova possibilidade social, germinadas no minifúndio amoroso e solidário, compartilhado como num assentamento.
Será demais pensar assim? Não é isso ou mais ou menos isso o que se pretende? Se não o quê?  Não queremos salvar nada deste mundo que esta aí.

Ou nos salvamos todos, ou todos morreremos à míngua! Não há salvação individual. Não há individuo sem coletivos, assim como não há coletivo sem indivíduos fortes, humanizados. 

Um comentário:

RosaRasuck disse...

...tantas questões...loucuras nossas de cada dia...me sugerem mais e mais...que surjam outras tantas e algumas respostas no "Ocupa Nise" e XV Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua...afinal...