Adailtom Alves Teixeira[1]
RESUMO
O artigo discute o ajuntamento em grupo
e o processo de criação teatral coletivo e colaborativo, bem como as
possibilidades de desalienação contidas nesses processos artísticos e
organizacionais.
PALAVRAS CHAVE: Grupo Teatral; Criação
Coletiva; Processo Colaborativo; Alienação
ABSTRACT
The article discusses the gathering
group and the collective and collaborative theater creation process as well as
the possibilities of no alienation contained in these artistic and
organizational processes
KEYWORDS: Theatrical Group, Collective
Creation, Collaboration Process; Alienation
O
grupo teatral e seus processos de criação
Por que artistas
fazedores de teatro se juntam em grupo para realizarem suas atividades? Seja
por desconhecimento, por ausência documental ou por idiossincrasia decorrente
da natureza classista daqueles que escrevem a “história do teatro” e,
propositalmente, deixam de lado a história dos artistas populares, seja por questões
contingenciais ou decorrente de arbítrio, os artistas populares, sempre se
juntaram em bandos, em grupos. Em sentido popular, andar em grupo ou fazer
parte de um grupo é uma tática de sobrevivência, pois aí se cria uma rede de
solidariedade, na qual um membro tende a fortalecer o outro.
Iná Camargo Costa, alinhada a um
pensamento em arte que discute os pressupostos sociais e estéticos, afirma que
a raiz dos grupos teatrais modernos estaria em André Antoine e as
estratégias, no Teatro Livre, formado na estética naturalista. No Brasil, o
Teatro de Arena, segundo a autora “[...] um dos raros casos
de nossa experiência cultural em que as ideias estavam no lugar”[2],
seria o nosso marco zero do teatro de grupo, já que nele não havia um
investidor, como no Teatro Brasileiro de Comédia. Além disso, a realidade
brasileira começou a adentrar a cena, o que gerou contradições no seio daquele
coletivo, pois propostas mais radicais iriam se destacar no grupo, dando origem
aos Centros Populares de Cultura (CPCs) da
União Nacional dos Estudantes (UNE): “Por isso podemos dizer que o Arena é
nosso marco zero e que o CPC da UNE é o nosso limite”[3].
Luiz
Carlos Moreira, diretor do Grupo Engenho – coletivo que surgiu em 1979 e, desde
os anos 1990, dirigiu-se à periferia para realizar seus projetos –, no Café
Teatral,[4]
afirmou que a organização de fazedores de teatro em grupo “[...] não é uma
opção, mas sim falta de opção”, compreendendo que os artistas passaram a se
reunir em grupo exatamente porque não havia empresários dispostos a correr os
riscos nesse meio, pois não há mercado para o teatro. E já que não existe
mercado, a única possibilidade de produzir é em grupo. Ao discorrer sobre o
processo de formação dos grupos na cidade de São Paulo, afirmou que, entre os
grupos surgidos nos anos 1970 e 1980, houve a tentativa de “empresariar” suas
produções por meio de empréstimos ou cotizações, isto é, por meio das cotas de
capital, a parte de uma sociedade, o valor líquido com o qual cada um dos
sócios inicia uma empresa. A busca pela profissionalização do trabalho em
grupo, bem como pela autonomia, levou à criação, na cidade de São Paulo, por
exemplo, da Cooperativa Paulista de Teatro[5].
Dessa forma, os grupos poderiam produzir seus espetáculos e dispô-los no
“mercado”. Mas essa tentativa de criar o tal mercado nunca deu muito certo e,
portanto, o profissional naufragou. Segundo Moreira: “Profissional é aquele que
vende seu trabalho para um produtor, empresário, patrão. Eu só me defino e
existo como profissional na relação com meu patrão. Se ele desaparecer, eu
desapareço” (2010: 34). Desse ponto de vista, em um grupo, não há o
profissional, já que não há patrão, pois não existe mercado; mesmo assim,
existem as pessoas que se juntam em torno do objetivo de criar espetáculos, de
fazer teatro.
Aliado
ao desejo de fazer teatro, desde o Teatro de Arena, cresceu entre os artistas a
necessidade de falar da realidade brasileira em cena, nasceu “[...] o desejo de
se expressar e não apenas de atuar” (MOREIRA, 2010: 34).
Portanto,
ao se pensar acerca do grupo teatral, organizado de forma artesanal, vê-se que
ele não cabe no sistema capitalista da forma como está posto. Por outro lado,
os grupos se veem obrigados a se enquadrar em outras organizações a fim de
participar do sistema como ele está posto, gerando certa esquizofrenia interna.
Organizam-se de forma diferenciada, mas na prática, e por uma questão de
sobrevivência, se veem obrigados a driblarem o que são de fato. Ou seja, na
prática, o grupo é um coletivo composto de diversos sujeitos que, em certa
medida, abrem mão da individualidade em nome da identidade coletiva; atuam de
forma horizontal, não hierarquizada; dominam ou participam de todo o processo
de produção. No entanto, para a sociedade, especialmente para os gestores
públicos e instituições culturais, só são reconhecidos como pessoa jurídica
que, na atualidade, demanda uma organização hierarquizada. Assim, criam
empresas para poderem participar da sociedade.
Mas a questão continua:
afinal, o que é um grupo teatral? Um grupo teatral é a união de pessoas em
torno de um projeto, de um objetivo comum e, de modo geral, no ofício aqui
apresentado, com organização horizontal. Essa forma de organização ampliou-se
nos anos 1990, não por acaso época de chegada do neoliberalismo ao Brasil.
Se o grupo se organiza
em torno de uma identidade, de objetivos comuns, levando para a cena sua
realidade e se, em um primeiro momento, a união de pessoas deu-se na tentativa
de produzir e adentrar o “mercado”, é preciso não esquecer também de outros
elementos que nortearam o surgimento dos grupos. O primeiro deles é o próprio
combate ao mercado, uma tentativa de dizer não à privatização da cultura e do
ser humano. Outro ponto que os grupos passaram a combater: hierarquização do
processo de criação, particularmente contra a hegemonia do diretor e do autor,
de modo que todos pudessem fazer parte do processo de criação e que nenhuma das
partes fosse mais importante que outra, mas sim que caminhassem juntas com o
objetivo de expressar o que coletivamente havia sido
definido. É uma forma de organização, portanto, que exige solidariedade entre
seus integrantes. E como afirma Eliane Ganev:
[...] a solidariedade
é atributo indispensável na perspectiva da superação
da alienação – compreendida como possibilidade de reapropriação [...] da
sua riqueza material e espiritual, ou ainda, como possibilidade de humanização
dos processos pelos quais homens e mulheres objetivam a si mesmos,
corporificando no tempo e no espaço a sua riqueza: humanização dos sentidos e
dos modos de produção social da vida (1999: 33).
Considerando
os aspectos já descritos, se o grupo teatral representa, por um lado, a
precarização de trabalho, por outro, o fato de seus integrantes serem donos da
própria mão de obra e estarem organizados horizontalmente, baseados em forte
solidariedade interna, tende a levá-los à desalienação; que se reflete também
em suas criações; estas, por sua vez, ao se apresentarem como elemento de
crítica à sociedade, desnaturalizando a realidade, tendem a chacoalhar os
espectadores em sua visão de mundo.
Assim, do combate à
hierarquização e ao mercado, sem deixar de lado a necessidade de expressar sua
realidade, surgem os métodos de criação, primeiramente coletivos e, depois, o
que passou a ser conhecido como processo colaborativo. Sem pretensão de
esgotamento do assunto, passemos à discussão da criação de forma coletiva ou
colaboracionista.
Segundo Luciana Magiolo
(2006), os processos de criação coletiva são
desencadeados no fim da década de 1950. Esses processos surgiram com o objetivo
de eliminar as hierarquias nos grupos e do desejo de refletir sobre a
realidade, bem como da vontade de participar das decisões políticas. A criação
coletiva foi se aperfeiçoando nos fóruns de ideias, isto é, em debates que os
grupos realizavam com o público, entre grupos e com estudiosos. Segundo
Magiolo, Enrique Buenaventura, do Teatro Experimental de Cali (Colômbia), é uma
das pessoas que sistematizaram as propostas que se irradiaram pela América do
Sul. Para ilustrar um pouco essas proposições, vale destacar a experiência do
Teatro Popular União e Olho Vivo (TUOV), grupo paulistano que nasceu em 1966 e
que, desde a década de 1970, realiza seus trabalhos de forma coletiva. Para
César Vieira, no livro Em busca de um
teatro popular (2007), nesse tipo de proposição quem detém a decisão é
sempre o coletivo, e no caso do TUOV todas as decisões são tomadas por
consenso. No processo coletivo, existem as comissões. César Vieira, em
organograma do citado livro (2007: 118), apresenta quatro comissões: artística,
administrativa, espetáculos e cultural, sendo que cada uma delas se subdivide
em cinco comissões.
Tomemos,
então, como exemplo, o processo de criação de um espetáculo do TUOV, composto
de dez etapas: 1) é eleito um tema; 2) escolhe-se a estrutura popular para a
montagem (bumba-meu-boi, marujada etc.); 3) pesquisa do tema e da estrutura; 4)
com base nos dados coletados, organizam as fichas dramáticas com sugestões de
conflitos e de personagens; 5) criação do quadro dramático ou do roteiro geral,
que será entregue à comissão de dramaturgia; 6) criação do texto-base; 7)
submissão do texto-base ao coletivo que, após os debates, realizarão cortes,
proporão modificações e aprovarão o texto a ser montado; 8) produção do
espetáculo; 9) apresentação do espetáculo ao público, seguido de debate com
vistas a propostas de mudanças; 10) mudanças apontadas pelo público são
acrescentadas. Dessa forma, o TUOV chega ao espetáculo final, criado
coletivamente.
Cada
processo criativo ou colaborativo é único, sendo possível estabelecer as
diferenças apenas caso a caso. Quanto as diferenças de termos, o vocábulo
colaboracionista surgiu nos anos 1990, divulgado especialmente pelo Teatro da
Vertigem (São Paulo). Segundo Stela Regina Fischer (2003: 43), nem mesmo os
integrantes desse grupo sabem muito bem a origem do termo. Ainda de acordo com
Fischer, foi em decorrência de certo preconceito em relação ao teatro coletivo
desenvolvido nos anos 1970, sob a pecha de amador e anarquista, que fez surgir
o termo colaborativo. Se na prática do teatro coletivo aparentemente não havia
sistematização (o que pode ser questionado pela prática do TUOV), o teatro
colaboracionista, por surgir em grupos ligados a universidades, pretendeu se
diferenciar do anterior, ao se apresentar como grupo de pesquisas estéticas e
de rigor técnico. Adélia M. Nicolete afirma que há outros termos na prática
contemporânea, mas que todos apontam para um resultado:
Processo
colaborativo, participativo; método coletivo, montagem cooperativa ou
interativa. São muitas as maneiras com que se vem tentando nomear um processo
de construção do espetáculo contemporâneo que se caracteriza, basicamente, pela
equiparação das responsabilidades criativas (2005: 10).
Diante do exposto,
torna-se patente que os grupos, nesse processo histórico, romperam com certa
hierarquia e vem compreendendo que sua mão de obra e o que produzem lhes
pertence. Passos importante para se conscientizaram também do sistema no qual
estão inseridos. Assim, se organizaram em coletivos maiores, movimentos
políticos que lutaram e lutam por políticas públicas que contemplem a categoria
teatral. E a década de 1990 foi fértil nesse sentido, pois nesse período
surgiram o Movimento Brasileiro de Teatro de Grupo, no início da década; o
Movimento Arte Contra a Barbárie (que apesar de ligado à cidade de São Paulo,
ganhou dimensão nacional ao inspirar outros movimentos); o Movimento Redemoinho
e a Rede Brasileira de Teatro de Rua. Por um lado, se em dado momento da
história o chão da fábrica alienou os trabalhadores, por outro, e de modo
dialético, juntou-os, possibilitando sua organização política, levando-os ao
processo de conscientização e de luta; o mesmo é possível afirmar sobre os
trabalhadores do teatro: a ausência de mercado os levou a se juntarem em
grupos, permitindo que refizessem seus processos de criação, bem como
avançassem na luta política.
É possível afirmar,
portanto, que o processo em grupo pode favorecer a conscientização das pessoas
que o constitui, seja como sujeitos inseridos em determinada sociedade, seja
como indivíduos pertencentes a uma classe. Afirmamos que pode, pois o processo não é categórico, mas sim dialético. Como em
um grupo teatral todos são donos da própria mão de obra e participam do
processo de produção do início ao fim, esse caminho não os aparta daquilo que
constroem, isto é, de suas obras. Em tese, esse processo leva-os à desalienação
artística e, consequentemente, à desalienação social, posto o teatro ser uma
atividade social. No entanto, é importante frisar que no sistema capitalista a
desalienação nunca será plena (MARX, 1983).
Alienação
e teatro
Alienação em latim se
diz alienus (outro), logo, é tudo
aquilo que está alheio, apartado de nós, ainda que tenha sido criado pelos
indivíduos.
A alienação é o fenômeno pelo
qual os homens criam ou produzem alguma coisa, dão independência a essa
criatura como se ela existisse por si mesma e em si mesma [...], não se
reconhecem na obra que criaram, fazendo-a um ser-outro separado dos homens,
superior a eles e com poder sobre eles (CHAUÍ, 1995: 170).
Para Marilena Chauí, em
Convite à filosofia (1995: 172-3), há
três formas de alienação na sociedade moderna: a) alienação social, “[...] na
qual os humanos não se reconhecem como produtores das instituições
sociopolíticas”, aceitando-as passivamente ou se rebelando individualmente
contra elas, como se fosse possível vencer “[...] a realidade que os
condiciona”. Em ambos os casos, a sociedade é o outro, apartada dos sujeitos;
b) alienação econômica, na qual aqueles que produzem – os trabalhadores –
“[...] não se reconhecem como produtores, nem se reconhecem nos objetos
produzidos por seu trabalho”, observando-se aí dupla alienação, já que o
próprio trabalhador torna-se mercadoria ao vender sua força de trabalho, sem
perceber que, nesse ato, torna-se coisificado e, depois, o
trabalhador-mercadoria produzirá outras mercadorias com as quais passam a se
relacionar cotidianamente, esquecendo-se que em cada mercadoria foi dispendido
trabalho humano. Desse modo, as mercadorias ganham autonomia, “[...] deixam de
ser percebidas como produtos do trabalho e passam a ser vistas como bens em si
e por si mesmas”; c) e, por fim, a alienação intelectual, fruto da separação do
trabalho material e do trabalho intelectual. Daí decorre o preconceito de que o
trabalho manual não requer conhecimento, mas tão somente habilidade manual. O
intelectual, por sua vez, pode vir a mergulhar em tripla alienação, pois muitas
vezes ele se esquece que suas ideias decorrem da classe à qual pertence. De
igual maneira, ele ignora que as ideias que produzem visam explicar a realidade
na qual ele próprio está inserido, esquecendo-se de que elas não estão gravadas
nessa realidade, como se ele apenas as descobrisse, acreditando que as ideias
existem por si mesmas. “As ideias se tornam separadas de seus autores, externas
a eles, transcendentes a eles: tornam-se um outro” (CHAUÍ, 1995: 173. Grifo da autora.).
Com base na observação
desses pontos, o grupo teatral servirá de referência para a discussão da
alienação econômica e da alienação intelectual observada por Marilena Chauí,
buscando desvelar de que maneira os coletivos teatrais, por estarem organizados
em grupo, teriam mais facilidade de se desalienarem.
Ainda que
não se possa generalizar, na forma de grupo aqui entendida, não há venda de
força de trabalho entre seus integrantes[6], não há patrão, já que se constitui a partir de indivíduos
imbuídos de um desejo de se expressar artisticamente. Como produtores, os
artistas não se coisificam, isto é, não vendem sua força de trabalho nem se apartam
daquilo que produzem, a saber, seus espetáculos. Esse primeiro processo de
desalienação é de fácil compreensão, já que a obra artística tem valor de uso,
não de troca; o espetáculo até pode ser inserido no “mercado” pois, no
capitalismo, tudo tende a virar mercadoria. No entanto, as obras artísticas, ou
parte delas, visam alimentar “os valores espirituais do homem [que] são, na
verdade, aspectos da plena realização de sua personalidade como um ser natural”
(MÉSZÁROS, 2009:175). Elas visam à formação dos sentidos, isto é, têm por
objetivo humanizar o homem, pois não basta nascermos entre os seres humanos; é
necessário um processo de humanização, como afirmou Karl Marx: “A formação dos
cinco sentidos é um trabalho de toda a história do mundo até aqui” (apud MÉSZÁROS, 2009: 182). Dessa forma,
as obras artísticas só têm sentido para o homem como valor de uso. Ainda que,
em algum momento, a sociedade capitalista solicite que as obras estabeleçam uma
relação de troca – caso em que os artistas são contratados para uma
apresentação –, mesmo assim, nesse momento, os produtores não estão/são
apartados da obra teatral, e o espetáculo não deixa de ser do coletivo teatral,
pois seus criadores são produtores e “produto" ao mesmo tempo. Dessa maneira,
a obra jamais ganha autonomia de seus produtores em forma de mercadoria. Ainda
que ela, ao ser apresentada e fruída pelo público, seja autônoma, ganhando
diversos significados para aqueles que a fruíram.
Poderiam se questionar
se, nesse momento, ao venderem seus espetáculos – posto que os atores são os
criadores e, em certa medida, a obra, pois não se pode realizar um espetáculo
teatral sem eles – não estariam vendendo sua força de trabalho. Segundo Karl
Marx, em Salário, preço e lucro
(1978), a venda da força de trabalho ocorreria no sistema assalariado. Marx
afirma ainda que: “A força de trabalho de um homem consiste, pura e
simplesmente, na sua individualidade viva” (1978: 81). É o espetáculo teatral,
obra/produto do grupo, que vai ao mercado, pois ele, em tese, é fruto de
criação coletiva. Portanto, não há venda de força de trabalho, mas tão somente
negociação com um produto ou obra artística[7],
apenas por determinado tempo: a duração do espetáculo. Essa troca no “mercado”
traduz-se em lucro, já que o grupo teatral permanece como proprietário da obra.
Vale salientar que, nessa perspectiva, o teatro em grupo é um trabalho
improdutivo. Marx define trabalho produtivo como aquele que se troca por
capital, “[...] para o que é preciso que os meios de produção do trabalho e o valor
em geral, dinheiro ou mercadoria, se convertam, antes de mais nada, em capital
e o trabalho em trabalho assalariado, na acepção científica da palavra” (2010:
151). Essa denominação de trabalho produtivo ou improdutivo não decorre das
características do trabalho, “[...] mas das formas sociais específicas, das
relações sociais de produção no interior das quais o trabalho se realiza”
(MARX, 2010: 151). No entanto, isso não significa que a produção teatral não
possa se tornar um trabalho produtivo:
Um ator, inclusive um palhaço,
pode ser, portanto, um trabalhador produtivo se trabalha a serviço de um
capitalista (de um empresário), ao qual restitui uma quantidade maior de
trabalho do que a que recebe dele sob a forma de salário, enquanto um alfaiate
que vai à casa do capitalista para arranjar-lhe as calças, criando não mais que
um valor de uso, não é, pois, mais que um trabalhador improdutivo. O trabalho
do ator se troca por capital, o do alfaiate, por lucro. O primeiro cria
mais-valia; o segundo apenas consome lucro (MARX, 2010: 151).
Assim, para Marx, a
distinção de trabalho produtivo ou improdutivo se faz na relação, “[...] a partir do ponto de vista do capitalista e
não do ponto de vista do trabalhador” (2010: 151. Grifo do autor). O que se
percebe é que um mesmo trabalho pode vir a ser produtivo ou improdutivo. Desse
ponto de vista, a produção de um grupo teatral só faz sentido como valor de uso,
logo, improdutivo.
Com relação à alienação
intelectual, isto é, a divisão entre o fazer e o pensar, ainda que alguns
grupos mantenham certa divisão entre as funções de atores, diretores, autores,
cada vez mais essas funções se misturam, todos participam da construção da obra
final. E como afirma Marx: “A divisão do trabalho somente se torna uma
verdadeira divisão quando se separam o trabalho físico e o trabalho
intelectual” (2010: 138). No entanto, sabe-se que ao longo do processo de
qualquer pesquisa ou de criação de espetáculos em grupo, pensar e fazer se
confundem. Há um movimento dialético da prática para a reflexão, retornando ao
fazer em saltos qualitativos. No processo de criação de um espetáculo
instaura-se, portanto, a práxis.
Por outro lado, no
campo intelectual propriamente dito – acadêmicos, pensadores e outros tantos
profissionais que escrevem sobre o trabalho dos grupos ou registram a história
do teatro –, salvo raríssimas exceções, quase não se encontram publicações
voltadas à história do teatro dos grupos populares, bem como de suas práticas,
pois, ao escreverem do ponto de vista da classe dominante, os intelectuais
retiram o que a essa classe não interessa, restando apenas, como nomeou Bertolt
Brecht (2005), um teatro culinário. Em virtude disso, muitos desses
intelectuais continuam alienados. Se “a cena se dividiu”, sobretudo com a
ascensão da burguesia, como afirma Gerd A. Bornheim, travou-se uma luta para
reconduzir o teatro ao seu lugar de origem:
Esse processo de marginalização
como que condena os teatristas a uma luta que postula a reinvenção do próprio
sentido do teatro, e a luta solerte, que se prolonga faz já quase um século.
Entre nós também, são as mesmas lutas que eclodem, embora com o atraso de praxe
e assimiladas, nos primeiros anos após a Segunda Guerra, as lições que nos
trouxeram diretores de cena europeus, lutas motivadas pelas mesmas razões: a
realização de um teatro nosso, de cunho eminentemente popular (1983:11).
Essas duas formas de
alienação e seus respectivos processos de desalienação conduzem os indivíduos
e, consequentemente, os grupos, ao processo de desalienação social, combatendo
a primeira forma de alienação. De que forma? A compreensão da opressão imposta
pelo sistema capitalista pode levar ao engajamento social e político,
juntando-os em movimentos políticos e levando-os a uma consciência de classe.
Entretanto, todo esse processo não ocorre de forma rápida, bem como não é
suficiente pertencer a um grupo teatral para que ele ocorra, pois, como afirma
Mauro Luis Iasi:
A consciência de classe não está
apenas na forma coletiva enquanto produto ou em suas representações institucionais
acabadas, assim como não pode se reduzir a manifestações individuais que
compõem estas formas coletivas, mas no movimento em que umas se transformam nas
outras (2008: 74).
O processo é dialético.
Para Walter Benjamin, em O autor como
produtor (1996), o escritor progressista deve lutar ao lado do
proletariado, orientando-se em função daquilo que seja útil para essa classe.
Benjamin, no mesmo ensaio, lembra o teatro épico brechtiano como um avanço, na
medida em que transformou o confronto com a arte burguesa em coisa sua, isto é,
em algo que o outro lado recusa. É importante frisar também
que não se está propondo aqui uma desalienação transcendental por meio do
simbólico, haja vista que o processo de desalienação aqui discutido se dá em
relação àqueles que praticam o teatro e não em quem recebe, ainda que estes,
por meio das obras, possam estranhar um mundo naturalizado.
Em relação à
consciência de classe, Mauro Iasi estabelece três processos, afirmando que eles
ocorrem de forma dialética. Cada momento contém elementos para sua superação,
pois suas formas apresentam contradições que, “[...] ao amadurecerem, remetem à
consciência para novas formas e contradições, de maneira que o movimento se
expressa num processo que contém saltos e recuos” (2007: 12). Segundo o autor,
fundamentado nas teses de Karl Marx, a consciência de classe “[...] não se
contrapõe à consciência individual, mas forma uma unidade” (2007:13), na medida
em que as condições particulares sintetizadas levam a
uma consciência de classe. Os três processos de consciência são os seguintes:
consciência de si, consciência em si e consciência para si ou, dito de outra
forma, consciência individual, consciência de grupo e consciência
revolucionária.
A primeira
forma de consciência é formada a partir do próprio meio; são as representações
que as pessoas têm da vida e de seus atos. Trata-se da inserção no mundo como
pessoa. Apesar de ser uma representação mental do mundo objetivo, é subjetiva.
Sendo assim, é “[...] uma realidade externa que se interioriza” (IASI, 2007:
14). É, portanto, especialmente adquirida no seio familiar. Sabemos, os
sujeitos nascem no mundo da cultura, isto é, em um mundo já feito, logo, na
relação social, o sujeito internaliza a parte e generaliza-a, de maneira a
perceber o todo (mundo) pela parte (sua vida). “Evidente que aquilo que fica
interiorizado não são as relações em si, mas seus valores, normas, padrões de
conduta e concepções” (IASI, 2007: 18). Dessa forma, o mundo se “naturaliza” e
o sujeito forma o senso comum e com ele se conforma. Mesmo quando toma contato
com outras instituições como a escola, o serviço militar ou o trabalho, tão
diferentes da família (formadora da “personalidade”), instituições por meio das
quais os sujeitos podem vir a adotar um papel ativo, menos dependente, já que
distintas da família, nada garante que o potencial dos sujeitos se manifeste,
podendo tão somente “[...] reforçar as bases lançadas na família” (IASI, 2007:
19). Assim, os cidadãos tornam-se disciplinados, e essa consciência passa a ser
uma forma de alienação, visto que se toma a parte pelo todo. “A ideologia
encontra na primeira forma de consciência uma base favorável para sua
aceitação. As relações de trabalho já têm na ação prévia das relações
familiares e afetivas os elementos de sua aceitabilidade” (IASI, 2007: 22). O
autor afirma ainda que essa alienação não se dá porque o sujeito está
desvinculado da realidade, mas porque a naturaliza, sua visão de mundo está
descontextualizada de sua história.
Claro que
podem surgir contradições, o que permitirá que os sujeitos avancem, pois a
família mediatiza aquilo que foi determinado; no entanto, as representações
mentais das forças produtivas são historicamente determinadas e, como as forças
produtivas, transformam-se, geram contradições.
Eis aqui uma
contradição insolúvel capitalista: enquanto as forças produtivas devem
constantemente desenvolver-se, as relações sociais de produção, sua
manifestação e justificativa ideológica devem permanecer estáticas em sua
essência. Com o desenvolvimento das forças produtivas, acaba por ocorrer uma
dissonância entre as relações interiorizadas como ideologia e a forma concreta
como se efetivam na realidade em mudança. É o germe de uma crise ideológica
(IASI, 2007: 27).
Se há novas relações
com o mesmo potencial de interiorização, gerando outros valores, isso se
reflete em condutas variadas, em novos comportamentos. Dessa forma, os
indivíduos buscarão compreender o novo, a despeito dos próprios valores
ultrapassados e arraigados. Surge daí um conflito interno e externo, levando-o
a um estado de revolta que, mesmo assim, ainda não é a sua superação. Como
afirma Iasi: “As relações podem não ser mais idealizadas; são agora vividas
como injustas e existe a disposição de não se submeter; no entanto, ainda aparecem
com inevitabilidade: ‘sempre foi assim’” (2007: 28). Dessa forma, só em
determinadas condições a revolta pode dar um salto qualitativo e passar para um
novo estágio de consciência. Para tanto, existe uma precondição: o grupo.
Quando uma pessoa vive uma
injustiça solitariamente, tende à revolta, mas em certas circunstâncias pode
ver em outras pessoas sua própria contradição. Esse também é um mecanismo de
identificação da primeira forma, mas aqui a identidade com o outro produz um
salto de qualidade (IASI, 2007: 29).
Chega-se, assim, à
segunda forma de consciência: consciência de si ou consciência reivindicatória.
Ao se perceber parte de um grupo, que luta contra as mesmas injustiças, o
indivíduo começa a vislumbrar mudanças. As lutas sindicais, os movimentos
sociais e culturais são estágios dessa consciência. “O que há de comum nesses
casos particulares é a percepção dos vínculos e da identidade do grupo e seus
interesses próprios, que conflitam com os grupos que lhe são opostos” (IASI,
2007: 30). Ainda que essa forma de consciência continue a tomar como base as
relações imediatas, já não é mais do ponto de vista do indivíduo, mas sim do
grupo, da categoria, podendo, portanto, evoluir para uma consciência de classe.
Quais são as
contradições apresentadas nesse estágio ou nesse processo de consciência? É
evidente que os grupos, as categorias, pela luta, negam as formas de produção
capitalista, e isto pode levar à superação. Entretanto, mesmo negando,
continuam a produzir dentro de um sistema cujas normas continuam as mesmas.
Ainda que avancem em suas conquistas, mesmo que deem diversos passos, são
apenas pequenas reformas. Tome-se como exemplo uma greve de trabalhadores de
determinada categoria, que se organizam e lutam porque tomaram consciência da
exploração imposta. Desse ponto de vista, esses trabalhadores estão se
afirmando como classe. Mas vale destacar que, mesmo que se organizem e saiam
vitoriosos dessa luta, os trabalhadores retomarão seus afazeres em igual modelo
de produção. Dessa forma,
[...] o proletário, ao se assumir
como classe, afirma a existência do próprio capital. Cobra desse uma parte
maior da riqueza produzida por ele mesmo, alegra-se quando consegue uma parte
um pouco maior do que recebia antes. A consciência ainda reproduz o mecanismo
pelo qual a satisfação do desejo cabe ao outro. Agora, ela manifesta o
inconformismo e não a submissão, reivindica a solução de um problema ou
injustiça, mas quem reivindica ainda reivindica de alguém. Ainda é o outro que
pode resolver por nós nossos problemas (IASI, 2007: 31).
Ao considerar as ideias
do teatro épico brechtiano, Walter Benjamin, em O autor como produtor (1996), esclarece que a passagem do senso
comum para a consciência crítica, segunda forma de consciência, pode levar os
trabalhadores à falsa ideia de que dominam as máquinas (estrutura), quando, na
verdade, são dominados por ela. Por isso, na concepção de Benjamin, ao
escritor, por exemplo, não cabe apenas escrever, ainda que seja de forma
combativa:
Um
escritor que não ensina outros escritores não ensina ninguém. O caráter modelar da produção é,
portanto, decisivo: em primeiro lugar, ela deve orientar outros produtores em
sua produção e, em segundo lugar, precisa colocar à disposição deles um
aparelho mais perfeito. Esse aparelho é tanto melhor quanto mais conduz
consumidores à esfera de produção, ou seja, quanto maior sua capacidade de
transformar em colaboradores os leitores ou espectadores. (1996: 131-2. Grifo
do autor).
Para tanto, está
implícita uma questão pedagógica, ou seja, não se trata apenas da
conscientização individual e do grupo, é preciso engajar outros trabalhadores
nesse processo.
Não se pretende aqui
diminuir a força das lutas travadas em greves, fundamentais para a
transformação da consciência. Mas é importante deixar claro que essas lutas
melhoram a vida dos trabalhadores, mas não há transformação do ponto de vista
dos meios de produção e do sistema como um todo. Ainda que os trabalhadores
estejam se afirmando como classe, é urgente que se tornem conscientes de todo o
processo, como afirma Iasi: “Conceber-se não apenas como um grupo particular
com interesses próprios dentro da ordem capitalista, mas também se colocar
diante da tarefa histórica da superação dessa ordem” (2007: 32). Continua o
autor:
A verdadeira consciência de
classe é fruto dessa dupla negação; num primeiro momento o proletariado nega o
capitalismo assumindo sua posição de classe, para depois negar-se a si próprio
enquanto classe, assumindo a luta de toda a sociedade por sua emancipação
contra o capital (IASI, 2007: 32).
Afirma-se, pelo
exposto, que os fazedores de teatro, ao se organizarem em grupo, podem chegar a
uma consciência de classe, e acredita-se que muitos chegaram a esse estágio no
processo de conscientização. A prova dessa consciência é que os grupos teatrais
têm se juntado em movimentos reivindicatórios, cobrando do Estado políticas
públicas de cultura, de maneira a criarem melhores condições para si e para que
sua arte chegue aos demais cidadãos e tem também se juntado aos movimentos sociais,
reforçando suas lutas. Por outro lado, percebe-se que ficar apenas nesse
estágio (mesmo sendo fundamental para a luta) não é suficiente para a
transformação do sistema no qual estão inseridos. Claro que a grande transformação
não cabe ao teatro, embora, como elemento de disputa do simbólico, tenha papel
importante na luta junto aos demais trabalhadores. Como afirma Rodrigo Dantas:
“Entramos aqui nos subterrâneos da luta de classes, em que a luta pelo domínio
da subjetividade antagônica do trabalho se materializa na luta pelo domínio do
inconsciente, do imaginário, da própria produção desejante do proletariado”
(2008: 96).
Quais são
os riscos inerentes ao segundo estágio de consciência? Corporativismo,
burocratização ou aristocratização operária – termo utilizado inicialmente para
demonstrar o enriquecimento dos trabalhadores ingleses na época vitoriana,
fazendo com que eles arrefecessem os ânimos na revolução. Depois, o termo foi
generalizado para toda ascensão material por parte de alguns trabalhadores que,
mesmo “enriquecendo”, não deixam sua condição de trabalhador, embora não se
reconheça mais entre os seus. Dessa forma, a consciência pode levar a uma
passividade diante de fatos incontroláveis, podendo, inclusive regredir, pois
como alerta Iasi: “O processo de consciência não é linear, pode e muitas vezes
regride a etapas anteriores” (2007: 33).
Outro ponto a destacar:
“O amadurecimento subjetivo da consciência de classe revolucionária se dá de
forma desigual, depende de fatores ligados à vida e à percepção singular de
cada indivíduo” (IASI, 2007: 35). Por isso mesmo pode haver dissonâncias e
disparidades entre alguns indivíduos e sua classe, entre indivíduos e seu
grupo. Isto é, o indivíduo pode atingir a consciência revolucionária até mesmo
em um grupo alienado. “Por isso, o indivíduo que se torna consciente é, antes
de tudo, um novo indivíduo em conflito” (IASI: 2007: 36).
A sociedade capitalista, por mais
hipócrita que isso possa parecer, se autoproclama a sociedade da harmonia. O
indivíduo em conflito é isolado como se não expressasse uma contradição, mas
fosse ele mesmo a contradição, mais que isso, o culpado por sua existência.
Enquanto isso, o alienado recebe o título de “normal” (IASI: 2007: 37).
É dessa forma que o
indivíduo em conflito, ao verificar a ausência de elementos revolucionários
junto à sua classe, pode sofrer “depressão”, como afirma Iasi, ou regredir até
mesmo ao estágio de revolta.
Quais as contribuições
de um coletivo teatral? Se o compartilhamento de todo o processo criativo, bem como
de toda a sua organização interna, pode levar os seus criadores à desalienação,
suas obras, seus espetáculos podem suscitar no público o interesse pela
reflexão sobre a realidade na qual estão inseridos. A arte é uma forma de
conhecimento do mundo; sua importância aumenta ao realizar uma abordagem
estética realista, em que a realidade do homem é o ponto de partida de sua
criação, sabendo que ela “[...] não é um dado bruto ou um produto acabado e sim
um movimento” (KONDER, 2009: 162); por outro lado, é importante saber que o
conhecimento proporcionado pela arte não é um conhecimento cientifico.
Quanto ao significado
de realismo, podemos tomar os pressupostos de Bertolt Brecht, que acredita que
uma arte realista deve:
·
apresentar
o sistema da causalidade social;
·
escrever
do ponto de vista da classe que propõe as soluções mais amplas para as
dificuldades mais urgentes em que se encontra a sociedade humana;
·
destacar,
em qualquer processo, os seus pontos de desenvolvimento;
·
ser
concreto e possibilitar a abstração (1973: 11).
Em um mundo
globalizado, cujos mecanismos de alienação nos bombardeiam indistintamente,
organizar-se em grupo, compartilhando todos os processos vividos pelos seus
integrantes, num processo de autogestão[8],
é contrapor-se à hegemonia capitalista; criar obras artísticas críticas,
tomando a realidade como ponto de partida, é colocar-se em disputa simbólica; facilitar
o acesso às obras, visando à troca de experiências, é levá-las para o principal
campo de batalha, pois é aí que se pode dialogar diretamente com os
trabalhadores.
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VIEIRA, César. Em busca de um teatro popular. 4ª ed. São Paulo: Funarte, 2007.
[1] Professor
de teatro na Universidade Federal de Rondônia; Graduado em História, Mestre em
Artes pelo Instituto de Artes da Unesp; membro do Núcleo Paulistano de
Fazedores e Pesquisadores em Teatro de Rua; membro do GT Artes Cênicas na Rua
da ABRACE; ator e diretor teatral.
[2] COSTA, Iná Camargo. O teatro de
grupo e alguns antepassados. Disponível em:
http://www.itaucultural.org.br/proximoato/pdfs/teatro%20de%20grupo/ina_camargo.pdf.
Consultado em 16/05/2011.
[3] Idem.
[4] O Café Teatral aqui citado ocorreu
em 01/09/2010 na Casa d`Oráculo, sede do Buraco d`Oráculo, grupo que realiza
essa atividade desde 2005. O Café Teatral consiste em um debate com um
convidado que discute determinado tema, via de regra, relacionado ao teatro, em
volta de uma mesa de café. No projeto Narrativas
de trabalho, voltado à precarização do trabalho, Luis Carlos Moreira foi
chamado para discutir essa situação a que estão submetidos os grupos teatrais
paulistanos e, por extensão, todo grupo teatral brasileiro.
[5] Alexandre Mate, no livro Trinta anos da Cooperativa Paulista de
Teatro: uma história de tantos (ou mais quantos, sempre juntos)
trabalhadores fazedores de teatro, escreve sobre as contendas e as alegrias
decorrentes da manutenção de uma cooperativa de artistas: “A história da Cooperativa
Paulista de Teatro – uma cooperativa
de produção de trabalho que luta até hoje pela regulamentação de um ramo de
cooperativismo de cultura – caracteriza-se em uma trajetória repleta de contendas,
de desentendimentos, de pertencimentos, de fases distintas e articuladas, de
conquistas. [...] Funcionários, diretores, presidentes, associados, todos
juntos lutando pela dignidade do trabalhador ligado às chamadas artes da
representação, agrupado pelos princípios do cooperativismo. Trabalhador do teatro em situação de
desemprego endêmico. Noites não dormidas, decorrentes de tantas
preocupações com o tudo faltando ou com o gigantismo da entidade. Noites
maravilhosamente dormidas pela sensação da conquista conjunta” (2009: 17. Grifo
nosso).
[6] No entanto, em certas condições,
porque vivemos em uma sociedade capitalista, nada impede que o grupo, ao
necessitar de determinado serviço, contrate um profissional para um trabalho
específico, transformando-se, assim, em “patrão”. Não obstante, entre as
pessoas que compõem o coletivo não há venda da força de trabalho.
[7] Não é o caso de discutir aqui que
a arte não é mercadoria, pois o exemplo serve apenas para o entendimento das
relações com as quais os grupos lidam. E estamos entendendo produto como obra
dos homens; logo o espetáculo é um produto criado pelo grupo de artistas nele
envolvidos. Desse ponto de vista, toda obra teatral é coletiva.
[8] Rafael Vecchio, no livro A utopia em ação (2007), que aborda a organização da Tribo de
Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, afirma que a autogestão se opõe à heterogestão
capitalista. Assim, a autogestão não está atrelada ao lucro, sendo uma prática
que acena para uma mudança radical da sociedade em termos políticos, econômicos
e sociais.
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Públicado originalmente na Revista Rebento - Revista de Artes e Espetáculos do Instituto de Artes da UNESP; e na Revista Rascunho da Universidade Federal de Uberlândia, em ambas as publicações houve pequenas modificações.
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