A sociedade não é una,
mas dividida em diversos grupos sociais. Por não estarem apartados de seu mundo
e de seu tempo histórico, os artistas carregam valores de seu corpo social, ao
mesmo tempo em que sonham e agem por meio do espetáculo, buscando criar uma
nova cidade e uma nova sociedade.
A arte, por sua vez, é
valorada de acordo com o lugar e com o grupo social que a pratica ou a quem se
destina. Logo, apresentar-se para camadas populares, do ponto de vista de quem
cria o imaginário dominante, não tem o mesmo valor, a mesma importância,
daquelas obras e artistas que ocupam os espaços ditos consagrados, como os
grandes teatros destinados à burguesia. Por isso o estético é condicionado
historicamente, seja devido aos sujeitos que o produzem, seja devido às
condições materiais de que dispõem esses sujeitos para sua produção.
Dito isso, cabe
destacar um ponto importante que diz respeito ao lugar, ao território e aos
pedaços que o teatro de rua ocupa nas cidades, sejam elas grandes ou pequenas.
Ainda que esses três conceitos tenham significados e conotações diferenciadas
no campo das ciências sociais, aqui eu os utilizo como sinônimos, na acepção de
espaços relacionais, identitários e de reconhecimentos dos grupos sociais. Se
território e lugar implicam limites definidos, o pedaço diz respeito a uma rede
relacional; implica sociabilidade, portanto, borra esses limites físicos.
Assim, o pedaço torna-se móvel, pode ser transportado, por exemplo, da
periferia para o centro e vice-versa, graças aos sujeitos que ocupam
determinado lugar e estabelecem relações entre eles. E é nesse contexto que o
teatro de rua entra na disputa do imaginário e de uma nova sociabilidade.
O espetáculo teatral de
rua, via de regra, proporciona a participação do indivíduo, não só como um
receptor passivo, mas como alguém que age e interage com a obra, com o artista,
com o espaço e com outras pessoas do público; ao mesmo tempo, essa modalidade
teatral cria o sentido de festa coletiva, isto é, faz com que os sujeitos ali presentes
se reconheçam enquanto cidadãos, enquanto grupo social e, por fim, como
espécie, homens e mulheres que têm sua importância e sua força social. Por isso
mesmo são capazes de desorganizar as convenções impostas e de criarem outras.
De que maneira? Ora, a própria apropriação de um espaço, que foi criado apenas
para o ir e vir e o escoar de mercadorias, passa a ser um espaço de fruição da
arte, realizando uma nova significação para os sujeitos envolvidos, ao mesmo
tempo em que gera afetividade, isto é, atribui significados àquele lugar. Se os
espaços da cidade e as determinações impostas pelas mesmas implicam relações de
poder, apropriar-se de alguns desses lugares já é disputar a cidade e lhe dar
novas significações.
O que é a roda (ou
outra configuração que um grupo ou artista de rua pratica) senão a criação de
um território simbólico? Durante uma apresentação em roda, parte da cidade é
reconfigurada, novos significados são criados para as pessoas que ali
participam e que, portanto, criam afeto em relação àquele lugar da cidade, ao
mesmo tempo em que podem fruir a obra e ver os demais à sua volta, criando
certa comunidade, isto é, vendo e reconhecendo-se nos demais ali presente.
Nesse momento há certa territorialização, relações e afetividades são criadas
entre os sujeitos, com a obra e o lugar, criando novas significações e novas
possibilidades de se imaginar a cidade. Ao trazermos o lugar de onde somos em
nossas mentes e corpos, nessas trocas simbólicas, relacionais, ampliamos nossos
seres; complementamo-nos com o outro, ao mesmo tempo em que podemos vislumbrar
uma nova sociabilidade. E todos esses elementos complexos estão envolvidos em
uma apresentação teatral de rua. Daí a importância também de se saber com quem
queremos dialogar.
Adailtom Alves
Teixeira
Professor
no Curso Licenciatura em Teatro da Universidade Federal de Rondônia; Mestre em
Artes pelo Instituto de Artes da UNESP; Ator e diretor teatral; Articulador da
Rede Brasileira de Teatro de Rua.
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