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domingo, 18 de maio de 2025

As instituições não conseguem acompanhar o tempo das redes

 

Adailtom Alves Teixeira[1]

Vivemos imersos na videopolítica — ou videosfera, como denominou Beatriz Sarlo (1997) —, em que a imagem, o espetáculo e a instantaneidade moldam a forma como a política é percebida, praticada e consumida. As novas mídias digitais, impulsionadas pelas transformações tecnológicas, passaram a ocupar o espaço simbólico da vida pública. Nesse cenário, os acontecimentos políticos são apresentados como eventos espontâneos, desprovidos de mediações institucionais, criando a ilusão de que tudo se dá em tempo real, à vista de todos e sem filtros.

No entanto, essa aparente transparência carrega um paradoxo: quanto mais imediata e acessível a política parece, mais ela se afasta da complexidade real das instituições democráticas. Para alcançar visibilidade nas redes, os temas precisam ser convertidos em escândalos, fragmentados em cortes curtos, viralizáveis, emocionalmente carregados. É nesse ponto que a midiosfera — especialmente as redes sociais — se impõe como um espaço onde o não-mediado ganha status de verdade. A política, então, passa a operar por meio de efeitos e sensações, em detrimento da análise e da deliberação.

Imagem retirada da internet, disponível em: 
https://encr.pw/0finC. Acesso em: 18 maio 2025.

O discurso político se transforma, adotando um estilo coloquial, informal e performático. No Brasil, esse novo estilo não apenas invadiu o marketing eleitoral, mas contaminou também os parlamentos, dos níveis municipais ao Congresso Nacional. A videopolítica dessacraliza a política: desfaz suas formalidades, suas liturgias e seus rituais institucionais. Com isso, o político passa a se apresentar como uma figura comum, alguém "como qualquer um", que compartilha dos sentimentos e angústias do cidadão médio. Essa estratégia, contudo, é uma construção cênica: a máscara da simplicidade esconde o cálculo de performance.

Essa suposta proximidade entre representante e representado, ao invés de fortalecer a democracia, tende a substituí-la por um simulacro. A figura pública se torna um entertainer, e o espaço político se converte em palco de um reality show permanente. Importa menos a capacidade de articular políticas públicas do que a habilidade de engajar, emocionar e viralizar. O político eficaz, hoje, é aquele que domina as lógicas do star system, muito mais do que os trâmites do regimento interno de uma casa legislativa.

Nesse ambiente, prevalece um discurso simplificado, maniqueísta e emocional. A política, transformada em espetáculo, passa a operar com base na lógica do “causa e efeito imediato”. O tempo da reflexão e do debate é suprimido pelo tempo do hype. A efemeridade das redes impõe uma lógica de presente contínuo que esvazia o passado — fundamental para o aprendizado democrático — e inviabiliza a construção de futuros coletivos. Vive-se à mercê do algoritmo, na urgência do agora, numa sucessão de "acontecimentos sem qualidades".

A consequência desse processo é dupla: por um lado, a institucionalidade é desacreditada, vista como lenta, burocrática e ineficaz; por outro, se naturaliza a ideia de que a política eficiente deve seguir o modelo das redes — rápida, direta, emocional. É a despolitização da política travestida de engajamento. Já não basta registrar os fatos, é preciso fabricá-los para que sejam registrados. O que importa não é a política como processo, mas como performance. A frase de impacto, o corte perfeito, o vídeo de 30 segundos — tudo precisa caber no tempo de um reel.

Essa lógica transforma a democracia em uma arena de opiniões em que se diluem as fronteiras entre especialização e achismo. A ilusão da igualdade plena entre todos os emissores produz uma “democracia de opinião” na qual um jogador de futebol e um chanceler são tratados como equivalentes ao comentar temas complexos de política internacional. A desierarquização simbólica da política e da intelectualidade convive com uma reierarquização baseada em carisma digital, número de seguidores e capacidade de viralização.

As instituições, baseadas em processos longos, contraditórios e, muitas vezes, pouco visíveis, não conseguem competir com a velocidade da rede. Seus ritos e protocolos parecem antiquados diante da fluidez da comunicação digital. Mas é justamente essa lentidão que garante a segurança jurídica, o contraditório, a proteção das minorias e o respeito aos direitos. A crise de legitimidade das instituições, agravada pelo ambiente digital, põe em risco as bases da democracia representativa.

Ao revisitarmos os alertas de Beatriz Sarlo, percebemos que o que estava em jogo em 1997 — a escolha entre a política do show business ou a reconfiguração crítica da representação democrática — tornou-se ainda mais urgente. Hoje, a televisão cedeu lugar ao celular, mas a lógica do espetáculo se aprofundou. A praça pública foi substituída pelo feed de notícias. A política, muitas vezes, se resume a uma sucessão de "lacrações" e indignações fugazes.

A pergunta que resta é: ainda é possível fazer política fora da lógica da midiosfera? Para além da exceção de alguns parlamentares comprometidos com o debate qualificado, existe horizonte fora da política-espetáculo? É preciso recolocar em cena uma política que reconheça a importância da escuta, da divergência, da construção coletiva — e que aceite que nem tudo cabe em 15 segundos. A política que vale a pena não é a que gera cliques, mas a que transforma realidades.

 

Referências

SARLO, Beatriz. Sete hipóteses sobre a videopolítica. In: SARLO, Beatriz. Paisagens imaginárias. São Paulo: EdUSP, 1997.



[1] Professor da Universidade Federal de Rondônia; doutor e mestre em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista; graduado em História pela Universidade Cruzeiro do Sul.

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