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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Diários de Bordo do Grupo Vivarte


25/12
Meu dia de Natal começou com batidas na porta às três da manhã. "Vamos sair bem cedo", pensei. Mas não: era Juliano, que ainda não tinha ido dormir, procurando seu tipi e o potinho de rapé.
Levantamos para a partida às sete e meia. Muita coisa para arrumar, levar para o barco, arranjar água e combustível. Saímos bastante atrasados, quase às dez da manhã.
Seguindo rio abaixo, a velocidade é bem maior. Tínhamos expectativa de chegar à Aldeia Nova Família, local da primeira de nossas apresentações em terras indígenas. Juliano queria antes passar em Novo Lugar, também aldeia Kaxinawá, onde mora Vivaldo, que conhecemos no fundo do hotel e com quem trocamos canções, a fim de reencontrá-lo e conhecer o seu pai Edivaldo, importante liderança indígena.
Viajamos o dia todo, sem paradas. Dia bonito e astral muito bom, a exuberância da floresta acreana enchendo nossos olhos. Vi duplas de araras, capivaras. Um enorme boto cor de rosa pulou alto, mostrando-se por inteiro e voltando a sumir nas águas barrentas do Purus.
Chegamos a Novo Lugar no fim da tarde. Ainda que a parada fosse muito rápida, seria complicado chegar no mesmo dia a Nova Família, pois estávamos num trecho de difícil navegação à noite. Para alegria de Juliano e minha, iríamos dormir naquela aldeia.
Fomos muito bem acolhidos. Ouvimos um pouco sobre o lugar onde estávamos e a enorme família que ali morava. Já de noite, um banho de cacimba, num lugar maravilhoso, debaixo de grandes palmeiras e da lua que nos iluminava.
Nos reunimos depois numa das casas, com os índios. Compartilhamos um pouco de nossas culturas. Juliano, eu e Miguel ganhamos cocares de penas de araras, ave que representa a sabedoria. Todos recebemos nomes indígenas. O meu é Isaka (Issacá), que significa homem forte.
O Kaxinawá que faltava chegou, trazendo consigo uma garrafa, da qual nos serviu Nixi-Pan, Ayahuasca. Dani, Rita, Lua e Vanessa também estavam conosco. Tomamos a bebida sagrada, em seu contexto mais antigo, junto com aqueles que primeiro se utilizaram dela, os índios.
Ouvimos deles canções, em português e também em sua língua nativa. A cantiga no idioma dos Kaxinawá trouxe muita força e mirações. Juliano cantou várias de suas músicas, também compartilhei algumas das minhas, e seguimos conversando até quase duas da manhã. Achei curiosa uma canção na qual eles falavam sobre os índios que vão para a cidade, estudam, e que eles denominam "imitadores de nawá". Nawá, nós, o homem branco.
Depois armamos nossas redes e ali mesmo nos deitamos. Antes de dormir, fechei os olhos e fiz a imagem mental do mapa do Brasil, do lugar onde eu estava, e de onde eu viera. Da Avenida Paulista para a Floresta Amazônica, Rio Purus, tribo Kaxinawá. Não me senti apenas deslocado no espaço, mas também no tempo. De volta às origens do Brasil, e do uso sagrado da Ayahuasca. A última coisa que vi antes de adormecer foi uma dupla de araras voando.
Rodolfo Curumim
Fotos Elenilson Soares (Kuru) – PE Obs.: fotos podem ser visualisadas em http://blogdovivarte.blogspot.com/
26/12
Ao amanhecer a linda sinfonia da floresta nos recebia a um novo dia, levantamos, guardamos nossos materiais, nos despedimos dos grandes amigos e parceiros que naquele novo lugar fizemos, descemos ao barco e duas horas de atraso do horário determinado partimos.
Conosco carregamos as lembranças daquela noite encantada, as músicas, as histórias e as imagens de homens, mulheres, jovens e velhos daquela recém formada aldeia, chamada novo lugar. Descemos o rio guiado por nosso comandante Duti e seu timoneiro José, pelo rio e a floresta em suas margens, povoados por lendas mitos, insetos e animais, nós logo chegamos à aldeia Nova família, vizinha muito próxima da ova Aliança, logo fomos recebidos por Bristo, que encontramos na subida e que já estava aguardando nosso retorno, desceu para nos receber com seu koká de Jacú e um coco da mata recheado de rapé. Desembarcamos e subimos com o material um imenso barranco, as quedas, pois tinha chovido e estava tudo muito liso, vimos o sorriso no rosto dos que estavam nos observando na subida, ai já começava o espetáculo, com as quedas e escorregões. Depois do primeiro ato em uma das tendas fui recebido com banana cozida, pirão e macaco prego assado. Começamos a organizar o material para o espetáculo, antes muito rapé, então depois de tudo organizado e todo o público Runi-Kuin na expectativa, começamos a nos apresentar. As reações foram diversas, desde o velho que ria ao curioso que queria tocar nos bonecos pra saber do que era feito, uma velha com muito medo fazia caretas diversas quase a ponto de correr e se esconder e as crianças que a cada gesto se entocavam e gargalhavam com a apresentação.
Foi uma experiência e tanto, na conversa apos o espetáculo entre o grupo, organizamos nosso trajeto de acordo com o tempo disponível, pois haviam feito um convite de ficarmos para uma confraternização com a presença de outras aldeias, mas infelizmente não havíamos tempo, ainda teríamos uma longa jornada. Percebemos assim, que para nos organizarmos junto às aldeias por serem tão receptivos, teremos que nos próximos projetos ter mais tempo para compartilhar esta rica convivência, apresentando e recebendo com muito amor a cultura desse belo povo Runi-Kuin (Kaxinawá).
Rita começou a falar da história do Brasil e logo foi rodeada de índios atentos, escutando suas palavras, pois está dentro do seu costume contar e ouvir histórias. Enfim, chegou a hora de partir, levando redes e outros artesanatos, que compramos e trocamos naquela aldeia. O sino toca, o motor é ligado, o sino toca 2 vezes, começamos a seguir, o sino toca 3 vezes, já não se vê a aldeia.
Junto com o vento chegamos em Buaçú, aldeia Kulina (Madeha), logo vários homens desceram e ajudaram o Miguel a carregar a caixa d Mapinguari, barranco acima. A intenção foi boa, mas com dificuldade por pouco um italiano e uns Madehas rolam dentro do rio. No fim deu tudo certo. Fomos recebidos pelo professor Sival (nome brasileiro), quando viram nossos instrumentos, vieram curiosos, também trazendo uma flauta, alguns sempre muito próximos. Organizamos, e quando tudo estava ok, começamos o cortejo, mesmo sendo um povo mais sério ou sofrido, acompanharam-nos, víamos até crianças chamando suas famílias para ver-nos passar, e conseguimos arrancar alguns sorrisos desse público. No inicio do espetáculo, uma Madeha entrou e dançou conosco, foi uma apresentação tensa, pois haviam nos dito que os Madeha são um povo que a menos tempo que os outros tiveram um contato mais próximo com o branco e nem sempre recebem hospitaleiramente estes. Houve casos ate de equipes da educação indígena do município de Santa Rosa saírem corridos da aldeia. Em um momento e outro entrava alguém gritando e falando coisas no idioma que não entendíamos, mas assustado fiquei quando o macaco (Dani), devido ao conflito da peça falou seu texto com a exaltação exigida pelo texto próximo a um Madeha, e todos ficaram muito sérios. Mas logo voltaram a sorrir me chamou também à atenção um velho que olhava e em seus olhos, vi o encanto e a saudade como se lembrasse das grandes festas realizadas por seu povo. No final do espetáculo recebemos até aplausos, coisa difícil entre os índios, pois existem outras maneiras de se demonstrar satisfação, quando estávamos nos despedindo para partir, eles gritaram não e começaram a nos segurar, dizendo que agora eram eles que iriam mostrar-nos a tradição do Mariri Madeha, jovens e principalmente mulheres uniram seus braços e com a força da origem do seu povo, cantaram e dançaram. Foi muito bom perceber que nossa apresentação na aldeia trouxe esta motivação deles dançarem e catarem, pois assim vimos a força de nossa ação e a força festiva e ritualística do povo Madeha Kulina. Antes de partir, rapé e tabaco, e no barco prosseguimos povoados com a ancestralidade dos povos tradicionais da floresta.
Juliano Espinhos
18h, depois de um banho de rio, todos exaustos, em busca de um cantinho no barco para descansar, pois a noite será fria. Depois da reunião do grupo na aldeia Kaxinawá, esta para acertar alguns detalhes, parece que Deus nos presenteou um dia fabuloso e espetacular, tanto com as apresentações nas aldeias, quanto pelo cenário deslumbrante da natureza, uma lua crescente que veio iluminar nossas almas, dando um brilho especial, com certeza em nossas vidas. A neblina que se aproximava, dava cada vez mais uma emoção e um mistério, pois não dava para ver o trajeto do rio, como a neblina era muita a visibilidade quase não existia, os balseiros que desciam o rio cada vez mais destemiam. Duti muito experiente, tentava olhar para os lados para se manter no caminho, a noite ia caindo, o frio era intenso. Miguel e Vanessa foram dormir ao luar, a minha preocupação era tanta que comecei a orar, mas a energia que nos conduzia era constante, tudo era perfeito. Jamais meus olhos puderam ver algo tão fascinante, era mais uma vez as águas do Purus, chegamos a Manoel Urbano as 2h, atracamos e eu fui descansar para seguir a viagem.
Fico por aqui deixando mais uma vez o meu ponto de vista, a vista!
Elenilson Soares (Kuru)

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