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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Diários do Grupo Vivarte - Acre



14/12/09
Olá rede, hoje iniciamos o projeto Circuito do espetáculo O casamento da Filha de Mapinguari, Prêmio Artes cênicas na rua, pela manhã das 7:00h às 10:30h, organizamos o material necessário para viajarmos. Coisas como, material do espetáculo, alimentação, objetos de uso pessoal, medicamentos, farmacêuticos e naturais, etc.
Exatamente as 10:42h pegamos a estrada, foi uma viagem tranqüila até Sena Madureira, onde dentro de uma van passamos o texto, curtimos a paisagem, teve até parada pro Rapé. Ao chegar a Sena, almoçamos enquanto esperávamos o transporte para seguir para Manoel Urbano, quando o transporte chegou, mudou nossa realidade, era uma Toyota das antigas, traçada e ficamos impressionados com a quantidade de lama na lataria, na viagem até Sena.
Perguntamos ao motorista como era a estrada, e nos disse que iríamos sofrer um pouquinho. Quando pegamos a estrada percebemos que ele queria era nos animar, pois em alguns momentos a Toyota rebolava, andava de lado, em algumas vezes parecia que ia virar cambalhota.
Encontramos no meio do caminho uma Toyota até o talo de lama, sem conseguir sair do lugar, o motorista em um ato solidário rebocou a outra do atoleiro, mas logo em seguida nós que caímos atolados, precisando assim da ajuda dos rebocados.
Seguimos a viagem com a estrada daquele jeito, mas esse jeito nada nos abalou, pois, cantando e tocando, encantamos os minutos e as horas até chegar à balsa e em seguida Manoel Urbano, com a estrada melhor.
Tivemos uma ótima recepção pelo Secretário de Educação e nesse momento estamos hospedados no prédio na Secretaria de Educação, descansando para amanhã desenvolvermos nossas atividades com esta comunidade tão simples e tão hospitaleira.
O povo já nos olha com curiosidade.
Neste lugar de difícil acesso vemos carência de atividades teatrais e para nós é um grande orgulho estar realizando este projeto, não apenas trazendo um trabalho artístico a este lugar e sim, aprendendo com este povo guerreiro que encara muitas dificuldades em sua caminhada, porém, tem o brilho nos olhos e o carinho de receber e trocar momentos nos mais diversos ambientes, mesmo sendo na carroceria de uma Toyota, correndo o risco de ficar no meio do caminho, mais com uma imensa coragem de encarar, sentir e viver os momentos. Isto nos enriquece e nos fortalece para encarar e realizar o teatro de rua e da floresta no meio da Amazônia.
Valeu e ai vai algumas fotos do trajeto.
Sempre estaremos enviando nosso diário de bordo até quando der, pois em alguns lugares a internet não dá sinal.
Assinado: Juliano Espinho e Marilua
(Grupo experimental de teatro Vivarte – AC)
15/12/09
Hoje começamos cedo no batente, acordamos (alguns) às 07:30h, nos vestimos e saímos para tomar café da manhã na padaria do seu Cocão, segundo ele já foi secretario de cultura e deputado de Manoel Urbano. Contou umas histórias da região e sobre uma lenda que é verdadeira da índia que aparecia e brigava com os homens, não se sabe ao certo o que é, apenas, uma cabocla misteriosa e assustadora.
Nos despedimos e voltamos para secretaria, pois tínhamos uma reunião com o prefeito e precisávamos nos organizar pra saber o que iríamos fazer. Conhecemos as senhoras e senhores que não são engravatados, porém vereadores. Receberam-nos muito bem, colocamos nossas propostas e por alto o que pretendíamos fazer estando por aqui. Também sobre o teatro de rua e a RBTR, e o interesse de outros grupos do Brasil em viajar no interior do Acre. Agradeceram, falaram da importância de estarmos aqui pra essa comunidade carente de cultura. Contaram-nos mais algumas histórias e o secretário ficou de nos apresentar a uma pessoa que sabia exatamente a lenda da índia.
Entrevistamos Sr José , que nos contou fatos impressionantes sobre a cabocla que no final da década de 80 aterrorizou os seringais de Manuel Urbano, contando também sobre outros mistérios desta grande floresta Amazônica.
Fomos conhecer o espaço cultural disponível para as oficinas e uma quadra, onde estavam 3 meninos jogando bola, aproveitamos pra bater uma bolinha com eles, ganhamos de 4 x 1. Voltamos e fomos almoçar e descansar um pouco pra fazer um cortejo chamando a população para grande festa.
Ao sair pelas ruas no cortejo encontramos um publico aberto e curioso que logo nos acompanharam, alguns saíram nas varandas de suas casas para receber o recado carregado pelo cortejo, apresentação do Casamento da filha de Mapinguari na quinta feira dia 17/12/2009 às 18h na praça central.
Pela noite realizamos a oficina com a temática: Iniciação ao teatro de rua, com os jovens e adolescentes, foi muito bom, conversamos sobre as linguagens de rua e fizemos exercícios práticos e encerramos com um ensaio aberto do espetáculo o casamento da filha de Mapinguari. Ao final fizemos uma avaliação geral da oficina e do ensaio no que demonstraram muito interesse, inclusive em organizar um espetáculo.
Percebemos a carência de atividades teatrais em Manuel Urbano, mas vemos um grande potencial nos jovens de criar e desenvolver essa atividade artística.
Juliano Espinhos / Marilua Azevedo / Dani Mirini
(Grupo Experimental de Teatro de Rua Vivarte – ACRE)
16/12/09
Bom, não posso dizer como foi o começo do dia, pois acordei às 10hs. Depois eu e alguns companheiros fomos tomar café na padaria do seu Cocão, que havia nos prometido, no dia anterior, tapioca, mas que o Rodolfo acordando cedo, as comeu. É mérito de quem cedo madruga. Depois fomos dar uma volta na beira do rio, acho eu que é onde fica o porto de Manuel Urbano. Marilua, Kuru, Miguel e Juliano desceram para olhar os barcos (atenção para esta parte) enquanto eu, Rodolfo e Dani, ficamos tocando e cantando. Ah, e a Rita que até o momento eu não tinha visto e ninguém sabia do seu paradeiro, reapareceu com suas unhas belas para a viagem. Ficamos lá até a hora do almoço (ou até a barriga do Juliano avisar que era à hora do almoço), e na ida para o restaurante fomos surpreendidos por uma chuva. Surpresa boa ( a Rita é quem pode falar melhor sobre isso). Enquanto esperávamos a chuva cessar, abrigados em uma pequena cobertura, se fazia uma roda e volta do dominó comprado poucas horas antes por Miguel, que naquele momento iniciava o jogo com Marilua e Rodolfo, onde cada jogador jogava a sua maneira. Esperamos alguns minutos e seguimos para o restaurante, e após o almoço cada um foi fazer suas coisas pessoais, inclusive a Rita que executando sua tarefa, descobriu que o barco prometido a nós, para nos transportar até Santa Rosa, não estava de certo prometido. Manuel Urbano ficou responsável por nossa hospedagem e alimentação no município e também a ida e volta de todos até Sena Madureira. Já Santa Rosa, pela nossa ida e volta de Manuel Urbano até lá. Porém se alegava que o preço do barco para nos transportar, estava muito alto, do qual eles não tinham disponível, R$ 7.000.000.
Mas depois de estresses, discussões, nervos alterados, Juliano foi até o porto onde havíamos estado pela manhã e negociou com o dono de um barco, por um preço bem menor, em relação ao barco que Santa Rosa havia tentado negociar. Tudo acertado, seguimos para o ensaio aberto, que em minha opinião, foi muito produtivo. Quando acabou o ensaio, já estava na nossa hora de jantar. Jantamos e depois fomos direto para a oficina, que ao meu olhar, tem pessoas de idade, estilos e até pensamentos diferentes, no entanto o mesmo brilho no olhar e vontade de aprender, como diz a música do Juliano, com as portas abertas para o conhecimento. Juliano comandou belissimamente a oficina. E ao final, junto com os alunos, ensaiamos um cortejo, côco, ciranda que iniciará o espetáculo de amanhã. Que o com a participação dessas pessoas, cheias de ritmos, cadencia e malemolência, já posso prever o belo resultado. Até fomos convidados para um bate papo com direito a tereré, mas ficou para amanhã depois do espetáculo, para uma avaliação da oficina. Para encerrar a noite fomos dar um passeio pela cidade e voltamos para o nosso aconchegante e coletivo espaço para uma partida de dominó, onde Rodolfo e Miguel estão sobre suspeita. E eu desistindo do jogo, agora me encontro escrevendo esse relatório do dia para o diário de bordo do Vivarte. Boa Noite!
Vanessa Oliveira
Fotografias Elenilson Soares – PE (mais fotos: http://www.blogdovivarte.blogspot.com/)
17/12/09
Acordamos com hora marcada e um leve frio na barriga. Dia da estreia do espetáculo O Casamento da Filha de Mapinguari.
No café da manhã um balanço da nossa situação. Temos barco, comandante, e até dez coletes salva-vidas. Questionei sobre as redes. O barco comporta armar duas redes. Os mosquitos me preocupam.
Nesse momento a expectativa de cumprimento da nossa jornada é grande. O plano se mantém: partir bem cedinho com destino a Santa Rosa, parando pra dormir, e em duas aldeias, para combinar as apresentações, que faremos na volta. A data da nossa chegada lá é um completo mistério. Ouvi falar em três, cinco e até sete dias.
De volta à secretaria, passagem rápida do texto. Poucos erros.
E, pra variar, descemos à beira do rio. Juliano à frente. Foco nas casas de apoio aos índios Kaxinawá e Kulina. Esses são os nomes pelos quais são conhecidos pelos homens brancos. Chamam-se, na verdade, Hunicuim e Madehá.
Os primeiros nos proporcionaram fotografias fantásticas, feitas por Kuru, closes incríveis das três crianças, na janela, a princípio tímidas, e depois encantadas.
Falamos com os Madehá. Pela primeira vez vi um índio responder a Juliano que sim, tomava rapé. Mostramos a eles o que temos. Nos surpreendeu o modo diferente de eles usarem o rapé, colocando entre os dentes e o lábio inferiores. Depois foram servidos pelo tipi de Juliano, inclusive Lua e eu.
-- Forte, repé! – disse um.
Outro tomou três vezes.
-- E sua aldeia, onde fica? Tem pajé na sua aldeia? – perguntava um terceiro.
Foi nessas casas que pegamos o nome das maiores aldeias de cada etnia. Anotei mentalmente: Santa Júlia e Nova Aliança.
Meio-dia. Parada para postagens, e-mails, ver fotos. Almoço.
De novo no quarto, descansamos. Rapé, dominó; ajustes de máscaras, adereços, acessórios. Essa ocupação com detalhes práticos me fazem sentir verdadeiramente dentro do Teatro. A tarde foi bem mais tranqüila do que eu esperava. Outra visita ao rio, última passagem de texto e banho. As condições do tempo permaneceram indefinidas até o momento de começar a arrumar as coisas. Fomos. Maria Rita para um lado, resolver a questão do combustível, e nós para outro, pegar o material do espetáculo.
Sob algumas nuvens carregadas, indecisas, arriscamos. Levamos quase tudo do colégio para a esquina em frente à praça. Voltamos ao colégio. Até Juliano confessou uma sensação gelada no estômago.
Figurinos vestidos (só o macaco de máscara), instrumentos em punho, saímos em cortejo, tocando maracatu, chamando as pessoas e já acompanhados por algumas crianças. De novo para a praça. Algumas crianças curiosas no local da apresentação, outros passantes aqui e ali, uns poucos alunos da oficina espalhados pela praça. Fomos até o seu centro. Fechamos, os seis, uma roda em torno da santa, a padroeira da cidade, Nossa Senhora da Penha.
O apito soou longamente. Respiramos na mesma pulsação.
Cantamos o aboio que abre o espetáculo e entramos novamente em formação de cortejo. Atravessamos a rua, seguidos pelos alunos, e crianças. Formamos o círculo. Emoção.
"Ao som do apito que toca..." Vanessa é quem puxa esse coco, que dessa vez viu outras pessoas no meio da roda. Dani deu a fala de abertura da peça. Segura, sem pressa, não tornou a chamar o maracatu antes de fechar a roda com o público ainda meio desconfiado.
Logo na primeira fala senti a dificuldade de alcançar com a voz todos os pontos da roda. Terminei a estrofe já cansado. Outras músicas e falas depois, chega o mito, Mapinguari; é ele quem nos dá a ordem de botarmos as máscaras.
Quando não estamos na roda, Lua, Miguel e eu formamos a banda do espetáculo, muito engraçado uma banda formada por bichos, o trio de Tucano, Jaraguá e Bicho Folharal. Sentado no banquinho vi quanto tinha enchido o local.
Tudo se sucedeu conforme o ensaiado, exceto pequenos detalhes. As crianças riram, os indígenas adoraram, cantamos para eles depois, as fotos ficaram lindas, não choveu. Tudo como eu gostaria que fosse. Pelo sorriso de cada um vi que todos gostaram.
Na hora do jantar, um Kulina procurava Juliano, querendo rapé. Enquanto os dois conversavam Juliano notou que ele tinha o dedo do pé ensanguentado. Pisara numa garrafa de vidro, logo depois da apresentação. A cena que vi ficará um bom tempo em minha memória: meu amigo Juca buscou um balde de água, um sabão e com suas mãos lavou o dedo encardido e ensanguentado do pobre Madehá.
Mais à noite os alunos da oficina nos receberam para um tereré na escola. Sorteamos a um deles a camiseta da peça. Antes disso ainda levamos para dentro do barco a grande caixa preta com estrelas e o nome do grupo, além dos mantimentos, panelas, etc.
O fim da noite foi de conversas, risadas, cervejas, café, tapioca, mais conversas...
Rodolfo Curumim
Fotografias Elenilson Soares (Kuru) – PE
18/12/09
Às 5h o despertador, todos olham para o lado para ver se havia alguém de pé, ninguém. Fomos dormir muito tarde, a noite foi para comemorar o espetáculo. Levantamos e fomos arrumar as malas, tomar café da manhã e carregar o barco.
Saímos de Manoel Urbano às 8:20h, a caminho de Santa Rosa, as imagens encantam nossos olhos, belíssimas árvores, pássaros em nosso caminho, é agora a natureza que canta e dança numa representação do não imaginário cenário do Rio Purus.
Agora as lentes se encontram para os belos registros da viagem, enquanto os pandeiros e as cantorias alegram como um cortejo rio acima.
Como companheiros temos o Duti e José, barqueiros de muita fé, as 11h navegamos para almoçar, e em ritmo de toc-toc do motor que não quer parar, a paz, a tranqüilidade de nossas almas é constante, com o que vemos a cada instante, após o almoço a pausa para o repouso, rapé só o Juliano de pé, a viagem segue seu ritmo, botos, garças e manguaris, a chuva como uma mensagem dos deuses, dão alerta para o novo horizonte, alguns momentos o silêncio, reflexões, parece que todos tem uma só essência, como o puro encontro com o divino.
Tudo é tão bonito, lindo, calmo e tranqüilo.
São 15h, Rita prepara o café, parece que todos meditavam em um só pensamento, pois surgiram os movimentos do corpo e da mente em um só ritmo, Bailão de Princesa. Eu encantado, não deixo de registrar os encantos da natureza. Dentro de barco o grupo vivarte, a luz, a sutileza, a beleza, uma união de cores que da alma surge a clareza, a expressão de um olhar, um sorriso, de uma palavra, de um gesto, isso é viver da arte, vivarte.
Faltam 15min pras 17h, Juliano e Miguel, se preparam para a pesca. Pintados e Mandins contribuem para o prato do dia, às 18:30h, o barqueiro dá uma parada para o descanso, Andiroba no corpo, lanternas passam a ser nossos guias, é hora de arrumar os colchonetes, redes e mosquiteiros. A noite vai caindo, o silencio da relva, o estado de espírito que nos transporta a um universo de paz, de vida e de eternidade.
Agente já não sabe o tão belo é o jardim que Deus criou, onde o Rio Purus, grande e cheio de mistério cortam as matas dando o sentido da verdadeira fonte de vida, O que mais podemos dizer do sagrado Rio Purus.
Kurunandana Dasa
Fotografias Kuru - PE
19/12/09
Nosso segundo dia dentro do barco, a arrumação pra dormir não foi a das melhores, nem todos conseguiram descansar. O Juliano e o Miguel começaram a pescar bem cedo, antes de todos levantarem, foram 5 peixes, sendo que um pulou dentro do barco por conta própria.
Hora do Rapé...
O café da manhã foi recheado com um pão de milho, chá de hortelã, camomila e café com leite, era uma manhã linda, uma neblina sobre a floresta e o som de muitos pássaros e animais.
O barqueiro seguiu viagem era 6:10h, até pararmos no seringal Espírito Santo, fomos recebidos com olhares curiosos de diversas crianças. O Juca desceu do barco direto pra água num mergulho, logo em seguida Marilua e Miguel caíram no leito do rio. Kuru foi logo registrando a história daquele lugar. Começamos a tomar nosso banho, todos caíram n'água.
Juca, o Duti e o José (assistente do barqueiro) foram buscar água lá em cima do barranco pra cozinharmos, pois a água da cacimba próxima ao rio estava muito suja, foi quando um menino de meio metro de altura nos chamou e levou até outra nascente de água limpa. Tivemos muita dificuldade para levarmos a água até o barco, pois o balde estava muito pesado e o caminho escorregadio pro causa da lama e da chuva. Barco abastecido, banho tomado, seguimos viagem.
No caminho o capitão nos falava o nome de diversas árvores nativas da margem do rio, como: Mulateiro, Sumaúma, Cerejeira, Cumaru Ferro, Assacú, entre outras originárias dessa bela região amazônica. Os botos brincavam a distancia e com a aproximação do barco mergulhavam e reapareciam as margens do rio, dificultando o fotografo em busca da foto desses encantados seres.
Hora do Rapé...
O tempo passou, nessa viagem subindo o rio, encarando balseiro, repuxos e tronqueiras que estavam a passar, a fome apertou e fomos preparar o almoço, no qual o cardápio foi: Macaxeira, arroz, feijão e um ensopado dos peixes pescados por nossos maravilhosos pescadores.
Almoçamos e chegou à hora do cochilo.
Chegamos a primeira aldeia Kulina, Santa Julia, fomos analisar para vermos se poderíamos apresentar o espetáculo para a comunidade, ancoramos como de costume fomos recebidos com olhares curiosos, subimos o barranco e nos deparamos uma criança andando de perna de pau, que era um instrumento pra andar encima da lama, logo em seguida vimos uma cena muito triste, quase todos os adultos estavam bêbados as quedas,brigas e discussões, as crianças cheia de feridas, aproximou-se uma índia com uma menina muito pequena no colo, não dava para entender direito o que falava, pois falavam pouquíssimo português, palavras jogadas. Mostrou-nos a menina com a marca de uma cirurgia bem do lado da costela direita, então chamaram uma liderança que falava um pouco melhor português, assim que este desceu do seu Tapiri (casa feita de palha e Paxiúba), levou a maior queda no meio da lama, estava bêbado também, se aproximou e se apresentou como Luiz Montes Kulina, sempre falava que era fiscal do rio e agente de educação e saúde, tentamos explicar sobre nossa proposta de apresentarmos na aldeia diversas vezes, mas foi difícil a compreensão, pois seu estado de embriaguês atrapalhava o dialogo. Quando nos entendeu, pediu num papel escrito o dia que iríamos passar por lá, descemos no barco para escrever, ele veio junto, demorou um pouco para calcular o dia que voltaríamos de Santa Rosa para apresentarmos na aldeia, neste tempo conversamos mais um pouco, foi quando o Juca ofereceu-lhe um rapé, então descobrimos que o álcool era trazido pelos barqueiros que passavam freqüentemente no rio, trocado por carne de caça, lembrei de outro vacilam que já tinha falado sobre isso em Manoel Urbano, nos aconselhando a levar álcool para trocas. Com o rapé alto, cantei uma canção Mantinere ele pensou que falava a língua dele e começou a falar, mas não compreendi nada. Os Mantineres têm o mesmo tronco lingüístico dos Kulina (Aruaki), então pedi para que cantasse uma canção, foi quando a essência do seu povo começou a brilhar, na partida escutamos o desabafo de uma das poucas mulheres que não estava bêbada, que falava do descaso no qual sua aldeia estava, sem auxílio algum e sofrendo de doenças a qual não conheciam remédios e que já havia matado muitos, adultos, crianças e velhos. Após esse desabafo trocamos 1 kg de arroz, um pouco de rapé e tabaco, por um punhado de carne de caça para isca de pesca.
Embarcamos indignados com tanto descaso e sofrimento que esse povo vem passando, são 500 anos sem trégua que os povos indígenas vêm sofrendo e hoje vemos essa propaganda de sua imagem rendendo milhões, mais não trazendo a estes seres humanos a oportunidade de alcançar essa hegemonia na qual transmite essa falsa propaganda. Temos como meta agora falar por toda a parte que apresentarmos esta realidade para abrir os olhos de quem quer enxergar e colocar urtiga na poltrona de quem quer esconder.
Logo a frente encontramos outra aldeia Kulina (buaçú), encostamos também para avisar sobre a apresentação na Santa Julia, subimos o barranco e encontramos Sival, professor e indígena da aldeia, percebemos logo uma melhor organização, não encontramos ninguém embriagado e logo estávamos cercados por todos os moradores pra ver o que se passava, devido a questão da estrutura, pois não havia tanta lama e a proximidade da aldeia Santa Julia, decidimos fazer a apresentação na aldeia buaçú, que também era mais populosa. Tudo confirmado seguimos viagem. Viajamos aproximadamente mais uma hora e logo a atravessar a desembocadura do Rio Chandre, paramos em uma colocação ao qual o capitão sabia que havia outro barco de chegada, onde poderíamos usar para montar as redes e dormir, foi uma noite tranqüila.
OBS.: Antes de dormirmos paramos para pescar, o destaque foi nossa pescadora Marilua de primeira viagem que superou as expectativas, pescando 2 peixes, detalhe eram Candirus, peixes temidos nos rios amazônicos pelo fato de quando tomamos banho nus, eles gostam de entrar em nossos buracos, causando quando problema a saúde do nosso intestino, pode se dizer também que são peixes estupradores, ao qual não presta para comer.
Esta viagem tem sido de grande importância e experiência, temos encontrado histórias, lendas, mitos e estamos conhecendo a realidade dos moradores do Rio Purus, é uma experiência única, ao qual agradecemos muito pela oportunidade de realizar e construir essa historia. Encontramos o ouro que os Europeus não encontraram, que esta dentro de cada morador e seu imaginário na diversidade cultural, nas águas do Purus e na imensa floresta amazônica.
Juliano e Marilua
Fotos Kurunandana

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