Pela ocupação artística das praças do Brasil
Desde os tempos dos Gregos, o teatro prima por um contato mais direto e necessário com a platéia. Para isto sempre esteve, nos mais de 2.500 anos da história do teatro ocidental, presente nas ruas e espaços abertos da Polis. Nos dias de hoje no Brasil, há um número inestimável de grupos que se voltam para o espetáculo a céu aberto, cercado por um público movediço e transeunte, ávido por arte, que forma rodas propícias a nossa prática teatral.
O Brasil possui uma diversidade gigantesca de estilos, costumes, tradições, conhecimentos e saberes. Portanto, estes são os elementos constitutivos na nossa Nação. Nem sempre, no entanto, encontramos o respeito às tradições, aos costumes, as culturas, como podemos observar no comprimento do nosso oficio do Teatro de Rua. Temos a nosso favor uma notável capacidade de acolhimento e transformação enriquecedora daquilo que nós e inicialmente alheio. Entretanto, os desequilíbrios entre regiões e as desigualdades sócias – realimentadas por discriminações étnicas, raciais e de gênero – também fazem parte da história do País.
Hoje um grande desagrado que enfrentamos é a privação do nosso direito à livre expressão artística nas praças. Sabemos que este é um direito garantido na Constituição Brasileira. No Artigo 5º "é livre a expressão da atividade intelectual, artística cientifica e de comunicação, independente de censura ou licença." Mas, no nosso dia-a-dia, decretos e normas taxam o teatro de rua, o artista de rua, na mesma lógica de um grande evento. Vivemos num país livre e democrático e não há melhor lugar do que estar nas praças, ruas e parques para exercitar a democracia da arte do teatro, para trocar afetos e sentidos e para compartilhar a beleza da nossa diversidade cultural.
O Chapéu e a arte de rua
O teatro e os artistas que fazem arte de rua têm seu reconhecimento em projetos governamentais, empresas que investem em cultura. Com esse reconhecimento é comum que o teatro de rua seja recebido por instituições que antes davam mais atenção ao teatro de palco.
O teatro de rua, entretanto, tem uma importante tradição com seu público que é o "passar o chapéu" ao final da apresentação. Esta prática tradicional, cuja documentação histórica remonta ao período medieval, tem sido proibida, coibida ou evitada em alguns desses novos locais de apresentação.
O artista de rua não depende apenas dos projetos e das instituições que os contratam, mas sim da população que é o berço e companheiro de seu trabalho. Nesse sentido, ser coibida a passagem do chapéu tem uma função negativa para a educação do público no que concerne à valorizar a arte apresentada na rua.
Não é apenas uma questão de manter uma tradição por seu charme medieval, mas sim de garantir a auto sustentação da arte e manter uma relação com o público que é fundamental para o reconhecimento desses artistas de rua.
Esse ato tem caráter de defesa de um posicionamento segundo o qual a arte de rua deve viver da rua. Tomada essa posição, significa dizer que esse movimento não pretende migrar para as salas e ambientes tradicionais para as artes cênicas, mas sim, manter seus pilares em sua origem que é chegar sempre em locais que a arte dificilmente consegue chegar.
Esta carta tem o objetivo de orientar artistas e interessados em compreender que "passar o chapéu" é um ato de preservação do teatro e da arte de rua que tem como prioridade as trocas de experiência nos espaços públicos por princípios estéticos, de conteúdo artístico, político e baseados nos direitos humanos universais sobre o acesso aos bens culturais.
Diante do exposto, solicitamos o reconhecimento da legitimidade, do princípio ético, constitucional e pedagógico de realizar apresentações artísticas nos espaços públicos abertos, bem como o ato passar o chapéu ou outro procedimento que peça de forma espontânea que as pessoas contribuam com a arte de rua, independente da política e de normas institucionais que restrinjam essa prática inerente ao artista de rua.
Rede Brasileira de Teatro de Rua
Coletivo de Palhaços e Rede BH/MG de Teatro de Rua
23 de agosto de 2010
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