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domingo, 10 de fevereiro de 2013

Função social da arte

Adailtom Alves Teixeira

A arte é necessária para que o homem se torne capaz de conhecer e mudar o mundo. Mas a arte também é necessária em virtude da magia que lhe é inerente.
A Função da Arte. Ernst Fischer

O artista não é isento de responsabilidades. Ao tomarmos os pressupostos do projeto do CPC (leia o texto), vislumbramos a força que a arte tem em qualquer sociedade. Por isso, e ainda que de maneira rápida e esquemática, é importante discutir a função social da arte. Tomamos como parâmetro a obra de Ernst Fischer A função social da arte (1973).
Para Fischer, a primeira função da arte é a de substituição da vida. Aqui não podemos esquecer a origem mágico-ritual da arte, daí a função como forma de colocar o homem em equilíbrio com seu meio circundante. Existe no ser humano um desejo de completar sua vida particular com outras formas e figuras. Homens e mulheres querem sempre ser mais do que eles próprios. Querem ser totais. Dessa forma, o ser humano
Rebela-se contra o ter de se consumir no quadro da sua vida pessoal, dentro das possibilidades transitórias e limitadas da sua exclusiva personalidade. Quer relacionar-se a alguma coisa mais do que o "Eu", alguma coisa que sendo exterior a ele mesmo, não deixe de ser-lhe essencial. O homem anseia por absorver o mundo circundante, integrá-lo a si [...]; anseia por unir na arte o seu "Eu" limitado com uma existência humana coletiva e por tornar social a sua individualidade (1973: 12-3).

Ao querer desenvolver-se, completar-se, homens e mulheres demonstram que são mais que indivíduos. Querem apoderar-se de experiências de outros homens e mulheres, que não lhes são estranhas, pois são humanas. "A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo com o todo; reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e ideias (FISCHER, 1973: 13). Claro que essa ideia, em primeira instância pode parecer romântica, como alerta o próprio autor, afinal a arte é dionisíaca e apolínea. O artista procura absorver e controlar a realidade: "[...] o trabalho para um artista é um processo altamente consciente e racional, um processo ao fim do qual resulta a obra de arte como realidade dominada, e não [...] um estado de inspiração embriagante (FISCHER, 1973: 14).
Contínua Ernst Fischer:

Para conseguir ser um artista, é necessário dominar, controlar e transformar a experiência em memória, a memória em expressão, a matéria em forma. A emoção para um artista não é tudo; ele precisa também saber trata-la, transmiti-la, precisa conhecer todas as regras, técnicas, recursos, formas e convenções com que a natureza – esta provocadora – pode ser dominada e sujeitada à concentração da arte. A paixão que consome o diletante serve ao verdadeiro artista; o artista não é possuído pela besta-fera, mas doma-a (1973: 14).

Assim, a arte deve retirar da realidade os elementos de sua criação, mas deve criar outra realidade na qual homens e mulheres, ao fruírem a obra, sejam absorvidos e se completem, isto é, ampliem suas possibilidades humanas. Mas aqui pode haver enganos, pois na sociedade capitalista, uma sociedade de classes, a classe dominante tende a apagar as diferenças sociais, criando uma coletividade universalmente humana. A função da arte nessa sociedade é, portanto, instaurar a contradição.

No mundo alienado em que vivemos, a realidade social precisa ser mostrada no seu mecanismo de aprisionamento, posto sob uma luz que devasse a 'alienação' do tema e dos personagens. A obra de arte deve apoderar-se da plateia não através da identificação passiva, mas através de um apelo à razão que requeira ação e decisão (FISCHER, 1973: 15).

O que fica claro é que a função social da arte se modifica, logo, em uma sociedade de classes ela não pode ser a mesma que teve em sua origem, ainda que a função "mágica" perdure nas obras de hoje, daí o encanto que sentimos com as pinturas rupestres. A arte é condicionada pelo seu tempo histórico, mas, ao mesmo tempo, o supera.

Quanto mais chegamos a conhecer trabalhos de arte há muito esquecidos e perdidos, tanto mais claramente enxergamos, apesar da variedade deles, seus elementos contínuos e comuns. São fragmentos que se acrescentam a outros fragmentos para irem compondo a humanidade (FISCHER, 1973: 19).

Prossegue o autor:

Podemos concluir que, com evidência cada vez maior, a arte em sua origem foi magia, foi um auxílio mágico à dominação de um mundo real inexplorado. A religião, a ciência e a arte eram combinadas, fundidas, em uma forma primitiva de magia, na qual existiam em estado latente, em germe. Esse papel mágico da arte foi progressivamente cedendo lugar ao papel de clarificação das relações sociais, ao papel de iluminação dos homens em sociedade que se tornavam opacas, ao papel de ajudar o homem a reconhecer e transformar a realidade social. Uma sociedade altamente complexificada, com suas relações e contradições sociais multiplicadas já não pode ser representada à maneira dos mitos. [...] A predominância de um dos dois elementos da arte em um momento particular depende do estágio alcançado pela sociedade: algumas vezes predominará a sugestão mágica, outras a racionalidade, o esclarecimento; algumas vezes predominará a intuição, o sonho, outras o desejo de aguçar a percepção. Porém, quer embalando, quer despertando, jogando com sombras ou trazendo luzes, a arte jamais é uma mera descrição clínica do real. Sua função concerne sempre ao homem total, capacita o "Eu" a identificar-se com a vida de outros, capacita-o a incorporar a si aquilo que ele não é, mas tem possibilidade de ser. Mesmo um grande artista didático, como Brecht, não se serve apenas da razão e da argumentação: serve-se também do sentimento e da sugestão (1973: 19).

Por fim, não esquecendo que vivemos em uma sociedade dividida em classes e que aquela que domina lutará para manter seus privilégios e que, portanto, só haverá mudança se a classe dominada lutar para modificar essa realidade, afirma o autor:

É verdade que a função essencial da arte para uma classe destinada a transformar o mundo não é a de fazer mágica e sim a de esclarecer e incitar à ação; mas é igualmente verdade que um resíduo mágico na arte não pode ser inteiramente eliminado, de vez que sem este resíduo provindo de sua natureza original a arte deixa de ser arte (FISCHER, 1973: 20. Grifo do autor).

Bibliografia
BOAL, Julián. As imagens de um teatro popular. São Paulo: Hucitec, 2000.
FISCHER, Ernst. A função da arte. 4ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
PEIXOTO, Fernando (Org.). O melhor teatro do CPC da UNE. São Paulo: Global, 1989.
SOUZA, Miliandre Garcia de. Do teatro à música engajada: a experiência do CPC da UNE (1958-1964). São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007. (Col. História do Povo Brasileiro)

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