publicado em 22 de fevereiro de 2013 às 13:29
Zelic: É fundamental que o ministro José Eduardo Cardozo, determine o caráter federal da investigação deste caso. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
de Marcelo Zelic, via e-mail
Caros Luiz Carlos Azenha e Conceição Lemes:
Há tempos não escrevo para o Viomundo por estar envolvido com a pesquisa das violações de populações indígenas durante o período em análise pela Comissão Nacional da Verdade (1946-1988). Mas a execução de Denilson Quevedo Barbosa, indígena Guarani-Kaiowá de 15 anos, me obriga a solidarizar-se com a dor dos povos Guaranis e kaiowás e pedir que você e Luiz Carlos Azenha publiquem esta carta
O assassinato ocorreu no sábado, 16 de fevereiro de 2013, em Caarapó, Mato Grosso do Sul (MS). Foi na Fazenda Sardinha, vizinha à aldeia Tey 'ikue, onde Denilson vivia. No dia 19, o fazendeiro Orlandino Carneiro Gonçalves assumiu a autoria do crime, alegando que foi sem intenção. Após prestar depoimento, foi solto.
A morte do jovem Denilson não pode ser entendida como um simples caso de homicídio, pois está inserida num contexto de violência extrema contra indígenas que se arrasta há muito tempo naquele Estado. A apuração deste caso, entregue à polícia civil, tirando com isso todo o seu contexto de conflito agrário, é uma manipulação absurda da realidade.
Cabe, sim, à Polícia Federal apurar mais este assassinato de indígena, tipo de crime que nos últimos 9 anos chega à absurda cifra de 273 casos na região. Lembro-me que até a presença do Ministério Público Federal foi hostilizada lá em meados do ano passado, quando realizava reunião com as lideranças indígenas na aldeia. Tiros foram desferidos por agentes dos fazendeiros para intimidar a ação dos procuradores.
A terra sem lei, é sem lei quando o Estado não se faz presente de forma efetiva na defesa do que é certo e justo. Quando o Estado brasileiro vai enfrentar este problema e resolver os reclamos da nação Guarani e Kaiowá?
É fundamental que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, determine o caráter federal da investigação deste caso, apure se houve TORTURA antes do assassinato e desloque para a região um efetivo permanente da Força de Segurança Nacional, como pedem as lideranças, para garantir a vida em comunidade desta população indígena.
O reconhecimento do limite de seus territórios reclamados e o empenho para a desocupação daqueles que ali não deveriam estar, com seus gados, segurança privada e jagunços, é o mínimo que esperamos de nosso governo. Não é de hoje que esta violência está presente na vida destas comunidades, são décadas e décadas de sofrimento e dor.
Para construir um NUNCA MAIS a esta barbárie, só há um caminho: a responsabilização e esclarecimento não só deste caso, mas também dos demais, e a prisão de mandantes e executores.
O BRASIL SEM MISÉRIA não é um assunto só de renda per capita e índices. Mesmo que logremos extirpar essa chaga da miséria profunda, só será possível comemorarmos, quando efetivamente a porção não-índia desta nossa nação compreender que todos têm o direito de EXISTIR neste país. E também que aos povos indígenas cabe, por direito ORIGINÁRIO, uma parcela necessária de território para seguir sua vida e cultura.Se continuarmos como nação a negar os direitos indígenas, seremos uma nação de miseráveis.
No vídeo abaixo um depoimento contundente de Valdelice Veron sobre os crimes de assassinatos praticados contra as lideranças Guarani e Kaiowá.
Atenciosamente,
Marcelo Zelic
Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo
Coordenador do Projeto Armazém Memória
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