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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Declaracao da IV Internacional sobre Cuba

Declaração do Comitê Executivo da IV Internacional

Cuba: a vitória e os riscos

A recuperação das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba, assim como a libertação dos três cubanos acusados de espionagem e condenados a prisão perpétua nos EUA constituem uma vitória para o povo cubano. Há mais de 50 anos o governo estadunidense, passando por dez presidentes, tentou de tudo para destruir a revolução cubana. Desenvolveram todo tipo de iniciativas para destruir Cuba: intervenção militar na Baía dos Porcos em 1961, complôs para assassinar os dirigentes cubanos, embargo econômico para asfixiar a vida na ilha e pressões de todo tipo para isolar o país. Como reconheceu Obama, esta estratégia fracassou. Cuba se manteve firme ante a maior potência imperialista do mundo. O que não ocorreu sem dificuldades e sofrimentos, mas Cuba se manteve firme, convertendo-se em uma referência antiimperialista para toda a esquerda latino-americana.
Quando nos anos 1990 o bloco soviético se afundava, por conta das pressões do imperialismo e de suas próprias contradições internas, com uma burocracia que optou naquele momento por desenvolver um papel ativo na restauração capitalista, muitos analistas previram a caída do regime cubano. É verdade que a ilha, que dependia em grande medida da ajuda soviética, passou por uma crise sem precedentes, com uma economia muito debilitada, em que os cubanos denominaram de "período especial". A economia cubana, dentro de certos limites, levou dez anos para se recuperar (através da associação do Estado com capitais europeus no setor turístico e, mais tarde, com a ajuda do petróleo venezuelano), mas não chegou a superar uma série de problemas estruturais agravados pelo embargo norte-americano, que se viu reforçado pela lei Helms-Burton. A burocratização do regime, a asfixia das liberdades democráticas, seus efeitos sobre a mobilização popular pesaram sobre a situação da ilha. Note-se também, além disso, as intervenções atuais de Mariela Castro – filha de Raúl –, sobre as restrições no que diz respeito à auto-organização das mulheres, o movimento LGBT e outros grupos oprimidos.
Agora, apesar de todos esses problemas, o imperialismo americano nunca chegou a quebrar a revolução: esta resistência não se pode compreender sem ter em conta a dinâmica antiimperialista e o caráter nacional, popular e socialista da revolução de 1959. Não podemos esquecer que a revolução cubana derrubou as classes dominantes da época. Se o regime tem conseguido se manter, é porque ele é a expressão dessa formidável dignidade cubana, da aspiração profunda à soberania nacional e popular desse povo, do profundo rechaço a não voltar à situação precedente da revolução que fez de Cuba um "prostíbulo" dos Estados Unidos da América. A resistência cubana não teria essa força sem as conquistas iniciais da revolução e uma série de ganhos sociais, sobretudo se comparamos aos outros países da América Latina, no que diz respeito à saúde e a educação. Esta dignidade se expressa também em um dos aspectos da política internacional da direção cubana: o apoio as iniciativas revolucionárias na América Latina nos anos 1960, o combate de Che Guevara e o apoio em Angola, que se opunha ao regime de apartheid sul-africano. Infelizmente, Cuba apoiou a intervenção soviética na Tchecoslováquia em agosto de 1968. Mas o internacionalismo sempre constituiu um valor fundamental na educação do país. Atualmente isto se traduz, uma vez mais, no envio de médicos pelo mundo: particularmente na Venezuela, mas também, como pode se constatar, na África, onde o trabalho humanitário das e dos médicos e voluntários cubanos é mundialmente reconhecido no combate contra o vírus do Ebola. Outrossim, segundo organizações ecologistas que relacionam o desenvolvimento humano e o cálculo no consumo de energia e recursos, Cuba constitui um exemplo no que se refere ao desenvolvimento sustentável.
Esta resistência tem sido forte o suficiente para resistir ao confronto político militar com o imperialismo norte-americano, mas não tem sido suficientemente forte para resistir as pressões do mercado mundial capitalista. Uma vez mais se confirma, de forma trágica, que não se pode "construir o socialismo em um só país". Esta pressão tem castigado e deformado uma economia muito pouco diversificada – turismo, monocultivo de açúcar, exploração de níquel – e muito dependente de importações, sobretudo no que se refere a produtos de primeira necessidade. Isto tem levado a introdução de mecanismos de mercado através da economia "cuentapropista"- o setor de autônomos – mas também a demissões de trabalhadores no setor público, sobretudo nas empresas açucareiras.  Tudo isto tem reforçado e cristalizado as desigualdades entre uma camada dominante do aparato de Estado, vinculada a hierarquia militar, que freqüentemente mantém relações comerciais com grandes empresas multinacionais capitalistas e, também, de quem tem acesso ao dólar (privilégio daqueles que vão ao estrangeiro ou trabalham na indústria turística ou biotecnológica) e a grande maioria do povo cubano. Esta desigualdade e o poder desta camada dominante podem constituir as bases de uma evolução de tipo vietnamita ou chinesa – um capitalismo de Estado combinado com um regime burocrático e autoritário do Partido Comunista – com características próprias.
Agora, Cuba não é o Vietnã e muito menos a China. É difícil ver como um sistema semelhante pode assegurar a independência nacional de Cuba. Situada a 150 km dos Estados Unidos e sobre a pressão do imperialismo norte-americano e da burguesia cubano-americana de Miami, Cuba só poderá resistir mediante a mobilização social e a recuperação do projeto revolucionário. Durante os últimos anos, frente a essas contradições, a direção cubana tem podido utilizar a ajuda da Venezuela, em particular o envio de petróleo a preços baixos, mas hoje em dia, as dificuldades de Maduro e do regime pós-Chávez não tem permitido continuar ajudando Cuba como fizeram durante a última década. Por isso, a situação econômica pode se agravar e a importância de afrouxar o controle do bloqueio norte-americano.
Mais uma vez, a recuperação das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba constitui uma boa notícia para o povo cubano. Mas isto é só o começo. O embargo ainda continua e, por isso, é necessário seguir mobilizando-se e pressionando internacionalmente para que cesse.
Agora, mesmo se a estratégia de Obama seguir adiante, não podemos ser ingênuos. O imperialismo norte-americano não renunciou a seus objetivos. Já que a estratégia de confrontação político-militar fracassou, eles irão ensaiar outra estratégia para situar Cuba sobre a sua zona de influência: "bombardear"Cuba de mercadorias e capitais norte-americanos. Esta já é, além da política norte-americana, a opção de setores importantes do capitalismo americano, sobretudo o setor agroindustrial, o turismo, as telecomunicações, as novas tecnologias e as companhias aéreas. E a resistência ante esta nova estratégia pode ser mais difícil que a empregada nestes últimos anos.
Por isso o controle estatal das novas relações comerciais é indispensável para evitar os efeitos corrosivos dos fluxos econômicos e financeiros capitalistas. A situação já é inquietante com a instalação de uma Zona Franca na região do porto de Mariel e a nova lei de investimentos estrangeiros (que garante 8 anos de isenção fiscal com o objetivo de atrair novas empresas) na ilha. Este controle deve ser acompanhado de uma intervenção popular ativa, sobretudo nos setores em que a burocracia cubana pode se acomodar e beneficiar-se dessas mudanças econômicas. Esta é agora uma questão chave.
A extensão do mercado capitalista em Cuba é carregada de enormes perigos; entre outros, o avanço da precarização, a ampliação das desigualdades, o questionamento da soberania nacional e o fim do desenvolvimento sustentável. Ademais, como contrapartida, o imperialismo norte-americano tratará de obter concessões do regime cubano (como, por exemplo, a "liberdade" de comércio).
Para lutar contra estes riscos, não há outro caminho que a mobilização e o controle popular, o controle e a gestão das empresas por parte das e dos trabalhadores e seus representantes.
A tradição de lutas sociais e de libertação nacional, assim como a existência de partidários da autogestão social que buscam reiniciar a relação com essa história e com a fibra libertária da revolução cubana, mesmo sendo correntes minoritárias, podem constituir um ativo para o povo cubano. É preciso tornar conhecidas as posições e as experiências desta corrente, que tem algum vínculo no seio do Partido Comunista cubano. Mais uma vez: para beneficiar-se da vitória atual e, ao mesmo tempo, proteger o povo cubano dos efeitos sociais da pressão capitalista norte-americana, não há outra via que favorecer a mobilização popular e a constituição de uma autêntica democracia socialista. Para isto é necessário garantir a liberdade de expressão e criar as condições de um debate democrático em todas as organizações populares de Cuba. Isto passa pela organização do pluralismo no Partido Comunista cubano e nos movimentos populares.
É um desafio extraordinariamente difícil dada a relação de forças atuais entre capitalismo global e o movimento popular a nível mundial. Agora, a revolução cubana se manteve firme durante mais de cinqüenta anos contra o imperialismo norte-americano, não encontrará, uma vez mais, uma saída original a esta situação?

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