Por Adailtom Alves – Ator e historiador
Realizar trabalhos teatrais nas comunidades periféricas é uma necessidade do tempo presente, principalmente nas grandes metrópoles, já que boa parte da população não se desloca até as regiões centrais. Na cidade de São Paulo, por exemplo, isso é uma realidade, a maioria dos bairros populares tem os seus centros comerciais, de certa forma, se bastando, aqueles que são desprovidos desses centros, os moradores deslocam-se, na maioria das vezes, no máximo, até os bairros vizinhos. Apesar de se bastarem comercialmente, o mesmo não ocorre em relação aos espaços culturais. No campo dos investimentos públicos, essas atividades são relegadas a último plano por parte dos governantes, cabendo a alguns grupos a tarefa de levar arte àqueles cidadãos destituídos dos bens culturais.
De inicio faz-se necessário distinguir o teatro que vai às comunidades do teatro comunitário propriamente. O pesquisador Zeca Ligiéro define o teatro comunitário como aquele que é "praticado nos bairros carentes, o teatro amador não subvencionado, o teatro espontâneo que surge embrionariamente em conjuntos habitacionais dos subúrbios, em favelas ou mesmo em igrejas de orientação progressista, tanto em pequenos como em grandes centros urbanos" (2003, p. 20). Vê-se, portanto, que não são grupos que visam viver de sua prática, muito embora possam vir a profissionalizar-se. Vale lembrar ainda, que não são menos importantes que os grupos profissionais que vão até as comunidades, por serem autóctones, podem vir a desenvolver um trabalho até mais importante, já que partem de suas necessidades, podendo desenvolver "a atividade teatral como divertimento e crítica" (LIGIÉRO, 2003, p. 23).
Já o grupo que vai às comunidades, via de regra, não partia de problemas locais para criar seus espetáculos, entretanto, essa lógica tem se modificado. Hoje, um dos grandes problemas contemporâneo da humanidade, é justamente o viver nas grandes cidades. Sendo que, em uma metrópole, os problemas são inúmeros, muitas das vezes, cada "pedaço" se individualiza em suas dificuldades. Por isso mesmo, seja grupos locais ou aqueles que se deslocam até às comunidades, têm cada vez mais partido de problemas locais, confirmando a máxima de Tolstói: canta a tua aldeia e serás universal. No fim das contas, o que importa é o homem e as suas angústias nesse início de século XXI. Por isso, ao partir de um problema local, pode-se refletir sobre outros, como afirma Milton Santos, "cada lugar combina de maneira particular variáveis que podem, muitas vezes, ser comuns a vários lugares" (2008, p. 65).
Trabalhar conjuntamente – grupos da comunidade e grupos que desenvolvem trabalhos em comunidade – pode resultar em uma grande força, já que a grande maioria das pessoas que vivem em comunidades populares não tem acesso ao teatro. E "é absolutamente necessário encontrar um caminho para tornar o teatro acessível àqueles que no presente vivem suas vidas sem ele", como afirmou Arthur Sainer (s.d., p. 42), em carta ao teatro radical norte-americano. Aliar o trabalho de quem vai a comunidade com os grupos comunitários é o caminho para fortalecer a arte teatral, principalmente nas metrópoles. É preciso que o teatro restabeleça os laços com o seu público, daí a importância de ser ou ir até as comunidades.
Quanto ao trabalho desenvolvido, deve está colado a sua realidade, devendo "refletir sobre a natureza da metrópole. Mais que seu cenário, ela é o ambiente artístico que dá fundamento e razão de ser à ação teatral" (RECAMÁN, s.d., p.9). Luiz Recamán sugere, ainda, que para entendermos o teatro de hoje – tendo em vista esse engajamento à sua realidade – devemos saber a qual cidade e qual interlocutor o grupo se dirige inicialmente, isso porque o teatro não está fora da história. Ao contrário, o teatro sempre destacou e iluminou e analisou os grupos humanos, isto é, os burgos, as cidades e as metrópoles, justamente "para que os homens que agem – no mundo, fora do lugar teatral" – possam resolver seus problemas, "se assim quiserem ou puderem" (p. 10). Assim, o teatro pode ser o veículo pelo qual se lançam clarões aos espectadores, não porque os artistas sejam especiais, mas porque estão debatendo um problema que diz respeito a todos e o fazem de forma coletiva, juntamente com o público. E no caso do teatro de rua especificamente, a praça ganha o status de ágora: o lugar onde se debate os problemas da polis, os problemas da cidade e de seus habitantes.
A rua é um espaço polemológico, como afirmou Alexandre Mate (2009), isso significa que é um local de conflitos, portanto, ao levar um problema à ágora para ser debatido, discutidos, os conflitos se instauram, surgem as contradições. Daí a importância de um teatro dialético e que permita a troca de experiências. Ou seja, o teatro apresentado em praça pública deve partir de problemas reais e apresentá-los contraditoriamente para que o público tome sua posição, criando um diálogo com os espectadores. Um teatro dialógico cumpre sua função social ao participar da discussão dos problemas que envolvem a sociedade no qual está inserido.
É importante saber que os criadores estão premidos por seu tempo histórico, pertencem a sociedade, por isso mesmo tem todo o direito de refletir sobre a mesma juntamente com seu público. Nesse sentido, uma obra que reflete o seu tempo cumpre sua função social, principalmente se ela reflete do ponto de vista "de baixo", isto é, daqueles que não tiveram vez e voz ao longo da história.
Bibliografia
LIGIÉRO, Zeca. Teatro a partir da comunidade. Rio de Janeiro: Papel Virtual, 2003.
MATE, Alexandre. Buraco d`Oráculo: uma trupe paulista de jogatores desfraldando espetáculos pelos espaços públicos da cidade. São Paulo: RWC, 2009.
RECAMÁN, Luiz. "Esboços sobre Metrópole e Teatro" In: TEATRO de Narradores. Cadernos de Ensaio 1-2. São Paulo: s.e, s.d.
SAINER, Arthur. "À comunidade do teatro radical" In: TEATRO de Narradores. Cadernos de Ensaio 1-2. São Paulo: s.e, s.d.
SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado: Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Geografia. 6ª ed. São Paulo: EDUSP, 2008.
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