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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Texto de Jussara Trindade sobre o espetáculo Ser TÃO Ser

SER TÃO SER: UMA MELODIA, MUITAS HISTÓRIAS
Por Jussara Trindade[1]
Calçadão de Canoas, pleno calor de janeiro. O Buraco d'Oráculo, trupe paulistana, se prepara para a apresentação de Ser TÃO ser – narrativas da outra margem, espetáculo que integra a programação da III Mostra de Teatro de Rua da RBTR-RS. Pessoas passam, arrastando sombras pelo calçamento quadriculado, vultos de um sol já cansado do dia quente de trabalho. Alguns diminuem o passo e outros até param momentaneamente perante um estranho aglomerado de objetos aparentemente abandonados sob um poste de luz: um banquinho plástico, dobrável, uma caixa aberta, um frasco de álcool e uma caixa maior, de madeira, que chama a atenção porque do lado de dentro da tampa, aberta como um velho guarda-roupa, fita-nos a figura conhecida de um Roberto Carlos ainda jovem e cabeludo.
Apoiada sobre essa caixa, uma bandeja de madeira com várias canequinhas de café, de ágata branca, e um tecido rendado displicente, jogado ao lado. No fundo da caixa há ainda outra fotografia do Rei usando um brinco de pena de ave, capa de um famoso long-play que nos lembra o galã que ele foi um dia, habitando as portas de guarda-roupas, penteadeiras e a imaginação apaixonada de tantas mulheres por este Brasil afora... é quase um altar. Assentados sobre o assoalho da caixa, vários pequenos objetos, testemunhos de uma vida comum; tecidos embolados, papéis... ao lado, no chão, repousa um velho bule de café.
Minha lente de observadora flagra o encontro do grupo de atores, que parecem estar combinando algo sobre a apresentação. Eles percebem a minha intrusão. Disfarço, continuo a registrar o entorno, as pessoas, as portas já fechadas de algumas lojas. De repente, os atores se afastam, abrindo a roda e batendo palmas. É o início do espetáculo.  
Lu Coelho, atriz da primeira formação do grupo, vem em minha direção com o seu figurino regional: saia rodada, colete de cores delicadas sobre a camisa clara, lenço florido na cabeça e o detalhe sutil de um pano-de-prato no ombro. O andar, já meio arrastado, revela que agora Lu é uma velha senhora. Sem dar muita conversa, ela se abaixa e, com a certeza da tarefa que lhe cabe, começa a mexer nos objetos que eu acabara de filmar. Estou bem próxima e me dou conta de que ela começa a fazer café, enquanto a minha câmera passeia ao redor. Procuro os outros atores, mas eles dispersaram pelo espaço e cada um seguiu um caminho particular.
Então, antes o ouvido do que o olho, deparo-me com outro ator: é Adailton, que vestido com uma roupa de algodão cru, chinelos e chapéu de vaqueiro nordestino, e violão em punho, começa a andar carregando uma estranha mochila retangular nas costas. Ao passar por um grupo de pessoas, cumprimenta-as tocando levemente o chapéu sobre a testa em sinal de boa educação, coisa que o personagem aprendeu provavelmente em terras distantes. Vai caminhando, devagar, enquanto dedilha as cordas do instrumento. Os outros atores também iniciam seus próprios percursos, individualmente, em meio dos transeuntes, carregando mochilas semelhantes à dele.  
Volto-me para as notas musicais que o violão, agora já transmutado em viola pela magia do teatro, despeja no ar. O ator parece emiti-las sem preocupação, sem compromisso com qualquer forma definida, mas aos poucos elas começam a se agregar, esboçando um desenho no espaço: um som se junta a outro, depois se liberta, retorna, vai ao encontro de outro, tornando concreto o desejo de encontrar companheiros para dançarem, juntos, uma estranha coreografia. Assim, vai nascendo uma melodia.
Agora o imigrante nordestino está caminhando à minha frente e eu o sigo como uma criança encantada pela flauta de Hamelin. Nesse momento o calçadão está ficando vazio, e a sombra dos prédios ocupa, agora, todo o lugar onde antes o sol havia reinado absoluto. A tarde cai, junto com as notas musicais daquela viola. O ator passa por pessoas que ainda caminham, talvez saindo do trabalho. Agora é bem claro que, nesse perambular uma melodia tímida se fez surgir... sonoridade nordestina que me esforço para ouvir, enquanto um amigo puxa conversa desviando momentaneamente a minha atenção.
Adailton estanca; olha à volta como se procurasse alguma coisa e retorna lentamente, como se desistisse dessa busca. Faço um giro de 180º e reencontro a velha senhora ainda fazendo café a vários metros de distância. Todos os outros atores estão distantes de mim; resolvo então voltar para o violeiro, que repete a mesma frase melódica enquanto se distancia novamente, recomeçando o trajeto do início. Nesse momento percebo que o figurino que ele usa – calças folgadas e uma túnica, ambos de algodão cru - completa a imagem pintada na mochila às suas costas: terra. Terra marrom, rachada, muito rachada. E céu. Marrom e azul-celeste. E a areia alva do tecido.
Adailton, o violeiro, carrega no corpo a terra natal em cores e formas. É a presença indelével de outro lugar, estampada na trama da roupa e da memória. Vagueia, parecendo meio perdido, meio pedindo ajuda com o olhar, acompanhando quem passa. Mas quem passa não olha para ele; sua presença é sumariamente ignorada pelos passantes. 
O imigrante se aproxima de um casal sentado num banco, cumprimenta-o respeitosamente com o chapéu e inicia uma fala. Os dois, apesar de um pouco surpresos, dão atenção à conversa desse peregrino que veio interromper, talvez, uma conversa íntima:
"... a gente escreve a própria história. Quando a história da gente se junta com a do outro, é mais bonito. É uma outra história. Ói, se vocês quiser, pode me seguir. Porque pra onde eu vou tem mais história, viu? Todo mundo é assim: começa onde nasce. E termina onde escolhe".
            E vai embora, deixando o casal sorrindo e se entreolhando. Caminha lentamente de volta ao início da jornada. Vai, parando a cada passo, atento ao trajeto à sua frente, sob uma pirâmide de raios de luz que se infiltraram momentaneamente pelas brechas entre os prédios.

De volta pro meu aconchego...
Os outros atores-viajantes começam a regressar para o lugar inicial de encontro no espaço do calçadão. Adailton também se dirige para lá e ao chegar perto daquela senhora "do café", para e tira a mochila das costas. Esta se transforma num banco onde o ator senta, atraindo o público com placidez de velho sertanejo. Lu convida os que passam com um gesto camarada de mão. Outro peregrino – o ator Johnny John - chega, repetindo palavras que eu já ouvira antes: "Todo mundo é assim: começa onde nasce. E termina onde escolhe". Logo os outros atores, Edson Paulo e Selma, vêm se unir à trupe. Assim, todos chegam à "cozinha" daquela senhora hospitaleira, tiram suas mochilas das costas fazendo uma roda que anseia pelo café, cujo aroma se espalha pelo ar. Cada mochila é uma caixa de madeira, um guarda-roupa, um baú de madeira, no qual carregam as histórias de suas vidas: raízes, sonhos, objetos, amores.
Surge agora uma canção alegre, que recebe um acompanhamento rítmico: uma das mochilas-caixas virou instrumento musical que Johnny John percute com as mãos, sentado sobre ele à moda de um carrón argentino.  Selma também acompanha o ritmo, batucando na lateral de sua caixa com uma baqueta.
Uma cadência harmônica simples aparece, oferecendo a introdução para Adailton "puxar" o canto de Calix Bento (domínio público):
"Ó Deus salve o oratório (bis)
onde Deus fez a morada, oiá meu Deus... onde Deus fez a morada, oiá!
Onde mora o Cálix Bento (bis)
            E a hóstia consagrada, oiá meu Deus... e a hóstia consagrada, oiá!
            De Jessé nasceu a vara (bis)
            Da vara nasceu a flor, oiá meu Deus... da vara nasceu a flor, oiá!
            E da flor nasceu Maria (bis)
            De Maria, o Salvador, oiá meu Deus... de Maria o Salvador, oiá!"
Todos se integram à cantoria, timidamente no início e a seguir, com entusiasmo. É um canto religioso-profano do repertório tradicional da Festa do Divino, testemunha do fervor católico que impregna toda a música "de raiz" do interior do país e particularmente de Minas Gerais, terra de Pena Branca e Xavantinho, dupla sertaneja que o popularizou nos anos de 1970.

O contraponto cênico-musical de Ser tão ser
Do ponto de vista da musicalidade da cena, pode-se dizer que o Buraco d'Oráculo utilizou, no prólogo apresentado acima, um procedimento musical em que a solidão do nordestino é evocada pela execução quase aleatória de sons de uma escala modal – vestígios de um mundo antigo, ancestral, coletivo – que aparecem como que deslocados do mundo atual – contemporâneo, acelerado e individualista –, materializando sonoramente a precariedade do homem em meio ao ambiente urbano contemporâneo. É ao mesmo tempo um lamento, um chamado e um testemunho desse sentimento de nostalgia do mundo que foi deixado para trás e do espanto de ver-se arremessado repentinamente noutro lugar, na qual o imigrante não se sente à vontade, pois as convenções aí reinantes ainda lhe são estranhas.
A sua música é também um porto seguro, e o homem se agarra a ela como o ator segura o instrumento junto de seu corpo, de seu peito, na única intimidade possível naquele universo de exposição pública e anônima que a cidade traz consigo, deixando à mostra a falta de acolhimento e a fragilidade do ser. É também, um signo dessa busca de afeto, a viola que o ator abraça e acaricia com carinho, devolvendo ao objeto o aconchego de um lar distante, talvez perdido para sempre. Um pouco mais tarde, quando esses seres solitários se encontrarem, é para repartir aquela intimidade perdida; na lembrança de uma cozinha compartilhada por familiares, amigos e vizinhos, a memória como único lugar possível de usufruir do sentimento de pertencimento a uma comunidade, a um coletivo social onde cada um é "Seu" Fulano ou "Dona" Sicrana, e não apenas "um homem" ou "uma mulher" nas ruas da cidade.
Mas, esse mundo regido pela dimensão sensorial – o cheiro do café, o calor dos corpos próximos e do fogo aceso, o olhar do outro pertinho, o gesto de dividir o assento para ouvir "mais uma história" – é um mundo entre parênteses, um mundo situado noutro tempo e noutro lugar. Então, a música que o anima é assim vivenciada, em ritmo e voz. Há um canto que agora pode ser vivido coletivamente porque todos o conhecem, é parte desse mundo de todos, e cujo significado é também compartilhado por todos:
"Ó Deus salve o oratório; ó Deus salve o oratório; onde Deus fez a morada, oiá meu Deus; onde Deus fez a morada, oiá..."
O Divino Espírito Santo é invocado, em alto e bom som, entrelaçando o homem ao sagrado. Não se trata apenas de entoar uma canção típica dessa festa popular, mas, sobretudo de comungar o significado daquela experiência de perda das raízes. É a vivência do próprio Mistério sagrado que une o humano e o divino, uma súplica a Deus para que desça em seu raio de luz e faça daquele lugar a Sua morada. É no milagre da esperança, operado pela canção, que os homens e as mulheres desgarradas de seu universo conhecido encontram energia para enfrentar as dificuldades que os esperam no novo mundo inóspito; e é também a força que os atores vão buscar para apresentar suas histórias – e não somente as histórias de seus personagens – ao público. Por isso, as notas soltas de antes aglutinam-se numa mesma canção: melodia, ritmo e harmonia se unificam como num hino de batalha. Por isso talvez, o batuque que a acompanha é executado numa intensidade quase excessiva, que contradiz a delicadeza da viola e das palavras entoadas, sugerindo que a ação sobre o mundo deverá substituir, de agora em diante, o estado nostálgico anterior.
Quando se fecham os parênteses – como numa preparação antes da luta, a inspiração profunda antes do salto no abismo – e a imagem da cozinha aconchegante é desfeita, o mundo volta a ser aquele da realidade urbana do início; entretanto, agora todos estão mais preparados para os percalços que virão. Não são mais pobres diabos solitários, pois construíram ali uma fortaleza interior. E o espetáculo pode, então, continuar.

A música antes da história: imagem sonora da solidão
Uma viola que caminha produz, no espectador-ouvinte, a vivência plena do espaço físico. Espaços imaginários ou metafóricos deixam de ser subjetivos e fictícios para se tornarem extremamente vívidos e concretos na experiência de errar pelo espaço junto ao caminhante solitário. Vivemos com ele a sua solidão, a perda de um ponto de segurança, a busca de solidariedade. 
As notas musicais soltas e quase aleatórias a princípio, que aos poucos vão construindo uma melodia de estrutura modal, criam poeticamente a imagem sonora do homem solitário na cidade grande, à procura de calor humano. A melodia só se apresenta claramente delineada à medida que o personagem consegue reunir, daqui e dali, pedaços espalhados de seu mundo cultural e afetivo. Dessa forma, homem e música descrevem paralelamente no espaço – o primeiro, sobre a terra; a segunda, pelo ar – o desenho de seus respectivos processos identitários, delineando-se mutuamente num movimento que serpenteia aparentemente sem direção, mas que se dirige a uma mesma forma sensível. Analogia entre estrutura musical e ação cênica, um contraponto entre música e cena.  
Essas notas musicais, soltas, que aos poucos se configuram numa melodia, revelam um processo de construção que, da desagregação inicial, se dirige a uma estrutura mais organizada – reiterando musicalmente o tema metafísico "do caos à forma". São notas avulsas que nascem sem direção, sem intenção, soando apenas, numa vida que se preocupa apenas em ser vivida. Aos poucos encontram uma ou outra com quem parecem se combinar melhor, desejando construir as primeiras sílabas de uma fala ainda balbuciante. Um som que se encontra com outro som, afasta-se desse para retornar a um anterior, negociando e renegociando alianças sonoras. Por meio desse processo, demonstra maior afinidade com alguns do que com outros. Surge, assim, uma frase musical elementar de três notas musicais, vacilante, que se repete e repete, exercitando a sua presença no mundo, como uma criança que começa a andar sozinha.
Um pequeno discurso musical, primitivo, essencial, sem adornos. Mas é o bastante para definir um rudimento de estrutura sustentadora. Aos poucos, fortalecidas, as notas se alinham em tímidas sequências; depois, dão-se as mãos e ousam novos movimentos, agora com a certeza de poderem se afastar cada vez mais sem perderem-se novamente na imensidão do espaço. Uma a uma, notas soltas formam motivos melódicos mais definidos, desenhando uma linha sonora cada vez mais nítida. O sentido musical até então esboçado flutua agora no ar, sugerindo uma linha sonora que mergulha reiteradamente, descrevendo um movimento descendente.
A certa altura dessa improvisação cênico-musical, torna-se possível reconhecer uma escala modal, tipicamente descendente, que une no mesmo gesto sonoro o passado distante de uma Europa mediterrânea e de um Brasil caboclo onde, pela força de uma evangelização católica e canônica, preservaram-se esses modos musicais, eternizados na sonoridade de seus cantos de fé e conversão. Submersas nas correntes profundas da cultura popular nordestina, resquícios de escalas gregas que sobreviveram no canto salmodiado dos missionários jesuítas, constituindo testemunhos de uma ancestralidade marcada pela mistura de culturas, etnias, territórios, vozes.
No trecho musical analisado, não há definição de uma nota musical "tônica" que exerça atração para uma resolução final (como na música tonal, mais tardia cronologicamente, na história da música ocidental), o que torna perceptível a tendência dessa melodia em descrever reiteradamente um desenho circular de retorno ao mesmo motivo sonoro. Esta é, inclusive, a característica fundamental da música modal: não repousar definitivamente sobre um som, uma derradeira nota musical – ou até mesmo um acorde final estrondoso, como o romantismo propôs – que finaliza um raciocínio, como um ponto final termina a frase falada.
Ao contrário: o "raciocínio" da melodia modal parece estar sempre em movimento; não segue uma trajetória retilínea para desembocar previsivelmente num ponto determinado. A melodia modal descreve linhas sonoras sinuosas, espiraladas ou talvez circulares, num jogo sonoro que inverte a lógica racional e induz o ouvinte a penetrar noutra esfera sensível e a experimentar outro regime de pensamento.
No espetáculo Ser TÃO Ser, todas as vezes que o peso da sociedade capitalista, moderna e urbana, é demais para os personagens e aparece uma grande tensão dramática, essa melodia arcaica volta a soar. Misto de tristeza, solidão, errância, saudade do lar e perda do aconchego, ela também representa um retorno às origens mais remotas da alma, o "estado zero" de onde é preciso começar – ou recomeçar – tudo. Por isso, quando na cena seguinte os personagens chegam à Rodoviária de São Paulo, ela ressurge; e também depois, quando os abrigos de cada um são derrubados pela prefeitura da cidade. O canto de solidão sem palavras paira sobre os escombros dos barracos derrubados pela dureza do mundo urbano. Ao mesmo tempo tristeza, mas também oceano primordial de onde podem emergir as energias mais profundas. É daí que aqueles personagens irão retirar o sustento de seu ser.
A nostalgia do sertão presentificada em Canoas foi também a do peregrino que trouxe das areias de desertos remotos a experiência da solidão e do nomadismo em busca de outras terras. Uma forte indicação da herança cultural árabe na música nordestina é a presença de melismas que, aqui, escorregam dos dedos do tocador, aparecendo às vezes como simples apoggiaturas, às vezes como uma nota base; trata-se de um cantochão que apóia, numa mesma nota musical, quase todas as notas da melodia. Na verdade, é esse o "baixo" da viola que se repete por toda a improvisação – uma característica do próprio instrumento musical utilizado pelo ator – que o polegar dedilha quase que por automatismo, buscando a mecânica de execução mais fluente e graciosa. Presença dos povos nômades que durante séculos migraram da Arábia e do Saara para a Península Ibérica trazendo consigo seus pertences, cantos, fé e saudade, misturando o espírito nostálgico – do desejo de regresso – ao ímpeto do viajante aventureiro – impulso de seguir adiante – sentimento contraditório do qual compartilham, provavelmente, os teatristas de rua.
Depois, ao fazer a roda para o café, a errância sugerida no prólogo de Ser TÃO Ser encontra um ponto de repouso. A música que vem da viola, de condutora de um movimento contínuo pelo espaço, se transforma em ponto de referência estável, apoio sonoro e harmônico para as vozes dos atores que agora cantam, em uníssono. Aquele lugar de estabilidade que a cena "do café na cozinha" cria faz, da viola errante, o objeto integrador do grupo de atores/personagens. É ele, o instrumento musical ainda antes do café quentinho servido aos convidados, o elemento cênico que estabelece os laços de ligação entre cena e público, num mútuo acordo sonoro.
Outras músicas serão ainda entoadas pelos atores, desse momento até o final do espetáculo. Outras sonoridades, influências explícitas do mundo contemporâneo que se desdobrará em novos contrapontos, cenas, cantos. Entretanto, é aquele fragmento melódico inicial o que mais fortemente ilumina as possibilidades de uma musicalidade teatral própria ao espaço aberto da rua, tanto pela estreita conexão sonora que estabelece com o tema da migração nordestina para a Grande São Paulo, quanto pela experiência concreta do sentimento de perda das referências – espaciais e temporais – que pode oferecer ao espectador-ouvinte.
Canoas, janeiro de 2010


[1] Doutoranda em teatro pela Unirio (Universidade Federal do Rio de Janeiro), integrante do Núcleo Brasileiro de Pesquisadores de Teatro de Rua, organizadora (em parceria com Licko Turle) de dois livros: Tá na Rua: teatro sem arquitetura, dramaturgia sem literatura, ator sem papel; Teatro de Rua no Brasil: a primeira década do terceiro milênio.

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